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Autor: Bruno

  • Fogo sagrado e purificador

    Tudo acabou: “Consummatum est”.
    Vossa cabeça pende inerte. Uma paz majestosa, suavíssima e divina se mostra em todo o vosso Corpo. Estais cheio de paz, ó Príncipe da Paz!
    Mas em torno de Vós tudo é aflição e perturbação. Aflição extrema no Coração de Maria e no pugilo de vossos fiéis. Perturbação no universo inteiro: o Sol se obscurece, a terra treme, o véu do Templo se cinde, os algozes fogem.
    Mas Vós estais em paz. Sim, porque tudo se consumou. Porque a iniquidade patenteou sua infâmia até o fim, e porque Vós patenteastes até o extremo vossa divina perfeição.
    Pelos méritos superabundantes de vossa Paixão e Morte é dado aos homens reconhecer toda a beleza da luz e todo o horror das trevas. Para que sejam filhos da luz e irredutíveis inimigos das trevas.
    Ao pé da Cruz está Maria. Que sublimes meditações se dão no íntimo d’Aquela de quem narra o Evangelho (cf. Lc 2, 51) que, já nos albores de vossa vida terrena, guardava no seu Coração todas as coisas que vos diziam respeito!
    Imaculado Coração de Maria, Sede da Sabedoria, comunicai-me uma centelha, por pequena que seja, de vossa lucidíssima e ardorosíssima meditação sobre a Paixão e Morte de vosso Filho, meu Redentor, para que eu a guarde como fogo sagrado e purificador no íntimo de minha alma.

  • Prece para fazer bem uma meditação

    Ave, Maria, Filha bem-amada do Padre Eterno, Mãe admirável de Deus Filho, Esposa fidelíssima do Espírito Santo!
    Ave, ó minha Mãe e Senhora, soberana do mundo, Rainha dos Corações e auxílio onipotente de todos os que a Vós recorrem e em Vós confiam!
    Coloco-me mais especialmente neste momento em vossa presença, pedindo-Vos vossa assistência e que me obtenhais a graça para, em união convosco, fazer bem esta meditação.
    Vós bem conheceis as dificuldades que terei, em consequência de minha dissipação constante, de minha preguiça mental, de meu relaxamento interior.
    Suplico-Vos, portanto, ó Esposa sem mácula do Divino Espírito Santo, vossas luzes, vossos favores, vossa misericórdia, enfim, para que eu possa tirar todo proveito desta meditação, para vossa maior honra, glória e serviço. Assim seja.

  • O apóstata que se tornou Santo

    São Guchiatazade era católico e ocupava alto cargo no Império Persa. Entretanto, por medo da perseguição, renunciou à Fé. Um bispo, seu grande amigo, ao ser conduzido à prisão, passou diante dele e, para não ver o apóstata, desviou os olhos com horror. Esta muda repreensão tocou-o profundamente e, pela graça divina, converteu-se inteiramente e foi martirizado. 

     

    O nome do santo que vamos comentar hoje é Guchiatazade, mártir. Deve ser alguma coisa muito pouco comum essa biografia, tirada do livro Les Saints militaires – Os Santos militares –, do Abbé Profillet.

    Um católico que ocupava alto cargo no Império persa

    A Religião Católica fora pregada com êxito na Pérsia por São Mateus e São Bartolomeu. Os cristãos nesse país eram profundamente convictos. Assim, foram sem conta os mártires feitos pelo Rei Sapor II, quando este iniciou terrível perseguição contra seus súditos que não adoravam, como ele desejava, o disco solar.
    O culto do Sol era a religião imemorial dos persas, desde os tempos da sua pré-História. De maneira que eles haviam de querer sujeitar os católicos à adoração do Sol.
    Por esse motivo, o soberano mandou encarcerar o Bispo Simeon.
    O prelado era amigo de Guchiatazade, um eunuco do palácio, homem que ocupava alto cargo e muito considerado no reino, mas que, temendo a perseguição, abjurara sua Fé. Ao ser conduzido à prisão, Simeon passou diante do eunuco que o saudou, mas o santo Bispo, para não ver o apóstata, desviou os olhos com horror. Esta muda repreensão tocou profundamente Guchiatazade, fazendo-o chorar dias seguidos e dizer de si para si: “Se um homem que foi meu amigo concebeu contra mim tal indignação, o que não fará Deus a Quem traí?”
    Pensando desse modo, o eunuco abandonou suas roupas suntuosas e cobriu-se de luto, assim comparecendo ao palácio. Essa atitude encheu a todos de assombro e o soberano chamou-o logo à sua presença para perguntar porque lançava, daquele modo, presságios funestos sobre o reino, ao que o eunuco respondeu: “Enlutei-me por causa de minha dupla perfídia contra meu Deus e contra vós; contra meu Deus porque violei a Fé que jurara, preferi vossos favores à verdade; contra vós mesmo porque, obrigado a adorar o Sol, eu o fiz com hipocrisia; meu coração internamente protestava contra minha conduta.”
    Ameaçado por Sapor II, Guchiatazade permaneceu inalterável em sua posição, sendo condenado à morte. Antes do suplício, contudo, pediu uma última graça ao Rei dizendo-lhe: “Vós sempre me elogiastes pelo zelo e devotamento com que servi a vós e a vosso pai. Agora eu vos rogo: concedei-me a mercê de um arauto bradar a todos que Guchiatazade é conduzido ao suplício não por ter traído os segredos do Rei, nem por se ter envolvido em alguma conspiração, mas porque é cristão e recusou renegar a seu Deus. Minha apostasia foi conhecida de toda a cidade, e talvez minha fraqueza tenha afetado a muitos. Se agora conhecerem meu suplício e ignorarem a causa, ele não servirá de exemplo aos fiéis. Mas, ao contrário, se souberem de minha penitência e de que eu morro por Cristo, eu os fortificarei; suas almas ficarão mais firmes e seu ardor reacendido. A voz do arauto será como uma trombeta de guerra, que dará aos atletas da justiça o sinal do combate e os prevenirá para que preparem as armas.”
    Assim se fez e São Guchiatazade foi morto na Quinta-feira Santa do ano de 342.

     

    Por medo de ser executado renegou a Fé

    Lindíssima narração!

    É conhecido o sistema bárbaro, contrário à Doutrina Católica, adotado em muitos países pagãos e na Antiguidade em geral, em que eram mutilados certos meninos, já na primeira infância, para que eles não tivessem a potência varonil, de maneira que pudessem tomar conta dos haréns, dos lugares onde estavam as várias esposas dos reis, sem que estes tivessem, assim, alguma preocupação. Só isso já mostra a debilidade das instituições pagãs antigas que alguns historiadores querem apresentar como tão fortes. Eram monarquias que se constituíam exclusivamente sobre o medo, a coerção. A esposa do rei só podia estar em segurança diante de homens mutilados. Se ela tivesse nas suas proximidades homens não-mutilados, o rei, apesar de todo o seu poder, podia dessa esposa recear tudo.

    Compreende-se o clima de uma civilização que isso supõe e a repercussão lúgubre para todas as instituições políticas, sociais, econômicas. Quando nós estudamos a Idade Média vemos isto: o vínculo que propriamente une, coordena os elementos constitutivos de uma instituição medieval é o de fidelidade, a ideia de que é ponto de honra de ambas as partes, do menor como do maior, observarem as obrigações recíprocas, de maneira tal que invadir os direitos do outro é uma vergonha muito mais para quem lesa do que para quem é lesado. E se é uma coisa infamante para um homem que a sua esposa o logre, era considerado, a justo título, muito mais infamante lograr seu senhor ou o seu vassalo, roubando-lhe a esposa. Notem que outra elevação tem a Civilização Católica, e em que lodaçal de baixeza se afundava o mundo antigo.
    De qualquer forma, acontece que esses homens assim mutilados tinham muita possibilidade de entrar em contato com os reis, os soberanos, por causa daquela intimidade de palácio. E como eram indivíduos que muitas vezes – mas não sempre – não se entregavam às orgias, nem às desordens dos homens comuns, eles liam muito mais, eram mais estudiosos e frequentemente mais inteligentes do que os outros. O resultado é que eles, com muita frequência, eram guindados aos mais altos postos do Estado: confidentes de reis, de governadores de província, generais – alguns deles famosos –, todos eles com muita projeção no respectivo país.
    Temos, então, o caso desse personagem que, nessas condições, tornou-se eminente em um dos maiores impérios da Antiguidade, que foi o império persa. Ele era católico, tinha se convertido em razão da presença, séculos antes, de São Bartolomeu na Pérsia, e começou a praticar a Religião. Mas veio o Rei Sapor II que promulgou um decreto de condenação à morte de todos os católicos. E ele, de medo de ser executado, renegou a Religião. Um outro Santo que era Bispo, do qual tinha sido antigamente amigo, passou perto de Guchiatazade e nem o olhou. O apóstata o cumprimentou, mas o Prelado desviou os olhos e continuou caminhando para o martírio.

    Bela e pitoresca teatralidade do Oriente

    Vejam como são diferentes as vias da graça. Nosso Senhor encontrou São Pedro, deitou-lhe um olhar de bondade e o converteu para todo o sempre. Dir-se-ia que esse Santo Bispo deveria imitar o Divino Salvador e dirigir um olhar de bondade a este apóstata, pois assim o converteria. Mas o Espírito Santo sugere atitudes diferentes, de acordo com as diversas vias que Ele tem para conduzir essas ou aquelas almas. Aconteceu que o Santo passou perto do apóstata, se encheu de horror e desviou os olhos com indignação. O apóstata, em vez de ficar revoltado, foi tocado pela graça por causa desse gesto e fez este raciocínio: “Se esse homem que foi meu amigo me despreza e me odeia tanto pelo mal que eu fiz, que dirá Deus diante do Qual um dia vou ter que comparecer?” E então ele resolveu mudar de vida.
    Uma primeira observação a que se presta esta ficha diz respeito à variedade pela qual Deus toca as almas e inspira o apostolado de cada um. A uns o Criador dá o amor contagioso, penetrante que, pela doçura, leva à união com Ele; a outros concede a cólera sacrossanta, sublime, que purifica como um fogo e ordena a Deus as almas que são objeto dessa cólera.

    De qualquer forma, temos aqui uma bela e profundíssima conversão. Como São Pedro, embora por vias diferentes, ele chorou intensamente o seu pecado e caminhou para o martírio.
    Como ele caminhou? A coisa tem aquela bela e pitoresca teatralidade do Oriente de que eu gosto tanto. Quer dizer, normalmente, em termos ocidentais, ele escreveria uma carta para o Rei, dizendo: “Vós sabeis onde eu moro, querendo podeis mandar pegar-me.” Ou deixava uma missiva em casa, fugia e desaparecia, o que no mundo antigo era relativamente fácil porque a polícia tinha muito mais dificuldade de se mover, e um criminoso ou um rebelde levava uma vida relativamente folgada. Assim, ele poderia ter entrado perfeitamente numa ermida, numa tebaida qualquer, ou passado para outro país onde a Religião Católica já estivesse estabelecida, portando riquezas, joias, e levar uma vida tranquila.
    Não, ele resolveu enfrentar o martírio. Mas, em vez de escrever uma carta, sentiu, na sua alma de oriental, a necessidade de exprimir por símbolos aquilo que dizia também por palavras. Então, ele, o homem poderoso, apresenta-se diante do Rei todo trajado de luto. Não sei como seria o luto de um persa, se o traje era preto, violeta ou de outra cor; enfim, ele se apresentou todo vestido de luto para produzir efeito teatral. E produziu.

     

    “Pequei contra Deus e contra ti!”

    Vendo assim trajado o maior dignatário do Império, as pessoas, assombradas, perguntam-lhe: “Estás de luto? Como se explica isso?”
    Podemos imaginá-lo com a fisionomia sinceramente compungida, porque teatro nem sempre é hipocrisia, muitas vezes é a manifestação bela, esplêndida, da verdade. Ele, então, solenemente, com os olhos encovados de dor e de tristeza, disse: “Eu quero falar com o Rei.”
    Guchiatazade, então, penetra nos jardins do palácio imperial. Há um pátio com aquelas esculturas de touros – não propriamente touros alados, à maneira dos assírios, porém era mais ou menos desse gênero que usavam os persas –, leões, etc. Isso é muito mais bonito que a matéria plástica. Existe também uma fonte que jorra. Imaginem como romperia a poesia desse ambiente se um telefone tocasse…
    Mais à frente, ouve-se o burburinho proveniente de uma antecâmara, onde as pessoas esperavam para ser chamadas pelo Imperador. Guchiatazade é introduzido no palácio do Sapor. Podemos imaginá-lo atravessando várias salas, com escravos se curvando à sua passagem, não olhando a nada e tendo apenas diante de si, enlevado, a sublimidade do furor do Bispo que não o olhou ao ser conduzido à prisão. Fascinado por aquela fisionomia de uma cólera fulgurante e deslumbrante, ele chega até o quarto do Rei, que lhe pergunta: “Que é isso? Tu prognosticas o luto no Império de teu senhor?”
    Dito isto do alto de um trono, com uma voz cantante, diante de um homem que se apresenta de luto alguns degraus abaixo, numa sala magnífica, com alguns escravos segurando flabelli, mais adiante um tocador de flauta com uma serpente na sua frente e um incenso que sobe.
    Há, então, o diálogo. Diante dos escravos estupefatos, ele diz a Sapor: “Eu pequei contra vós, ó meu Deus; mas pequei também contra ti, ó Rei, porque te menti quando fui adorar o Sol. Meu coração inteiro repelia aquela adoração que eu fazia.”
    Pode-se imaginar a raiva do Sapor, que o condena à morte, e ele aceita a sentença com toda a serenidade, dignidade, placidez.

    A graça suscitava heróis até mesmo da argila fraca de apóstatas

     

    Vem, então, a última petição. Pode-se supor com que poesia, com que atitude, com que gestos foi dito: “Ó Rei, ainda tenho um pedido para te fazer!” Sapor treme de ódio, mas o Santo não treme

    diante do ódio do Rei. Ele tremia face ao ódio daquele olhar que não via mais, daquele coração que não pulsava mais, tremia de entusiasmo diante da sublime intransigência do homem que o tinha repudiado.

    São Guchiatazade disse: “Eu tenho um pedido a fazer.” Foi um pedido magnífico. Ele não rogou a vida. Alegou a sua antiga fidelidade, mostrou que não tinha feito nada contra o Rei, nem contra o

    Império, e que até havia servido lealmente o pai do Sapor. E a esse título, pedia apenas uma coisa: que arautos percorressem toda a cidade de Susa, capital do Império, para comunicar que ele morria porque era cristão. Queria, por essa forma, desfazer o escândalo que muitos cristãos teriam tido pelo fato de saberem que Guchiatazade havia apostatado, logo ele que era a alegria e a honra de seus irmãos pela alta situação que ocupava nos momentos em que se celebrava a Santa Missa. E o Rei, apesar de todo o seu furor, atende esse pedido. Por fim, ele caminha para a morte, é estraçalhado.

    Momentos depois, a cidade de Susa ouve os arautos que proclamam por toda parte: “Morreu o poderoso Ministro, o sustentáculo do trono foi derrubado porque perseverou em ser católico e não aceitou o culto do Sol que todos nós prestamos.” Podemos imaginar os católicos no meio da multidão, enlevados com o acontecimento, se olhando apenas e combinando secretamente encontros na primeira morada ou primeiro esconderijo, para comentarem o novo triunfo da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo e se alimentarem nesse exemplo na certeza de que a Religião Católica não morreria, porque a graça suscitava heróis de tal maneira invencíveis, mesmo da argila fraca de apóstatas. Calculem o entusiasmo que isso deveria provocar.

    Devemos caminhar para o nosso futuro com alegria, calma e confiança

    Uma aplicação imediata desses fatos é esta: para as situações mais tristes e de maior debilidade da alma humana, há sempre um remédio, um auxílio da graça, desde que se peça. Com certeza Nossa Senhora rezou por esse homem que havia caído numa apostasia completa, tinha tantos liames que o prendiam ao mundo, era um ministro poderoso e fruía de uma porção de vantagens na codireção de um dos maiores impérios da Terra; ele, portanto, estava tão longe da Santíssima Virgem, mas por uma prece foi convertido.
    O encontro dele com aquele mártir que caminhava para o último sacrifício e recusou olhá-lo evidentemente foi preparado pela Providência. O mártir teve aquela reação inspirado pela graça porque, nas condições em que Guchiatazade se encontrava, era o que lhe faria bem. Uma recusa de olhar bastou para regenerar um homem que tinha abusado de tantas graças anteriores. Vemos um miserável apóstata, que até pouco tempo antes despertava horror, transformado de repente em um Santo da Igreja Católica, cujo nome mencionamos com respeito.
    Devemos ter, na nossa vida espiritual, uma confiança inquebrantável na misericórdia de Nossa Senhora, na onipotência das súplicas que Ela faz. E por essa forma nos mantermos sempre animados e perseverantes, como diz a Escritura: Ainda que caíssem mil à minha esquerda e dez mil à minha direita, eu continuaria a lutar (cf. Sl 90,7). O que no sentido espiritual quer dizer o seguinte: Ainda que apostatassem mil à minha esquerda e dez mil à minha direita, eu continuaria a esperar. E no nosso caso esperar que Maria Santíssima, em determinado momento, reze; e daquelas mesmas almas, a respeito das quais tivemos desapontamentos, tristeza, frustração, suba novamente para Deus o aroma da contrição e do louvor perfeito.
    Assim, devemos caminhar para o nosso futuro com alegria, calma e confiança. Não sabemos o dia de amanhã, que provações e que batalhas trará para nós. Não sabemos se mesmo à nossa direita e à nossa esquerda teremos decepções. Não sabemos se seremos chamados para o martírio. Uma coisa sabemos: seremos chamados mais de uma vez para expormos a nossa vida. Não tenhamos medo de nosso medo. É um erro ter-se medo do medo. Devemos ter medo de não rezar, de não recorrer a Nossa Senhora. Se rezarmos e recorrermos à Santíssima Virgem, seremos apoiados, protegidos e cumpriremos nosso dever.

    O único temor que devemos ter é de não estarmos unidos a Nossa Senhora

    O único medo que devemos ter é de não estarmos unidos a Ela. Mesmo para esse medo há uma súplica que eu acho muito bonita, a oração Anima Christi, que se aplica inteiramente a nós: “Alma de Cristo, santificai-me; Corpo de Cristo, salvai-me…” Em certo momento, há este pedido belíssimo: “Não permitais que eu me separe de Vós” – Ne permittas me separari a Te. Então devemos dizer: “Minha Mãe, sei que sou tal que, se for só por mim, eu acabo me separando de Vós. Mas sei que sois tão insondavelmente boa e poderosa que podeis como que me proibir, me impedir de me separar de Vós. Então, a minha confiança em ser fiel resulta, minha Mãe, essencialmente disto: não permitais que jamais me separe de Vós. Tenho certeza de que, como nunca se ouviu dizer que tendo alguém recorrido à vossa proteção, implorado o vosso auxílio, fosse desamparado, essa minha súplica também não deixará de ser ouvida.”

    E quanto mais os castigos se aproximarem, quanto mais sentirmos os perigos se avolumarem em torno de nós, tanto mais devemos dizer ao Imaculado Coração de Maria: “Não permitais que nos separemos de Vós!” Ela jamais o consentirá e, assim, nunca permitirá que nos apartemos de Nosso Senhor Jesus Cristo, para o Qual Ela é nosso traço de união.
    Esta é a conclusão que devemos tirar à vista dessa manifestação de poder da graça. Nossa Senhora não permitiu que esse Santo se separasse d’Ela. Ele chegou a apostatar, mas num determinado momento Ela o chamou e ele brilha no Céu entre os Bem-aventurados. É um Santo canonizado pela Santa Igreja Católica que, mais do que apregoar a sua penitência para todos os habitantes de Susa, proclama, pelo seu exemplo, a confiança na misericórdia da Santíssima Virgem a todos os homens, enquanto o mundo for mundo. Peçamos a ele que reze por nós e que, quando chegarmos ao Céu, o encontremos lá bem unido a Nossa Senhora no resplendor de sua glória para, em união com ele, amarmos a Mãe de Deus e a Nosso Senhor Jesus Cristo por toda a eternidade.v

    (Extraído de conferência de 12/6/1971)

  • Para pedir o socorro dos Anjos e Santos nas tentações

     

    Anjos e Santos, todo o Céu, vinde em meu socorro nesta tentação e enxotai o demônio que procura separar-me de nossa Mãe e Rainha, Maria Santíssima.
    Santo Anjo do Senhor, que precipitastes no Inferno o demônio que agora me tenta, acorrei em meu auxílio e expulsai-o para longe de mim. Dizei à minha alma palavras de repulsa altaneira, de rejeição cheia de santa indignação, de intransigência completa contra tudo quanto ele me sugere.
    São Miguel, modelo perfeito de obediência a Deus Nosso Senhor, vencei quanto antes o poder das trevas aqui e no mundo inteiro. Amém.

  • Oração para vencer o espírito naturalista

    São Miguel Arcanjo, peço-vos empenhadamente que destruais em mim a vivência, criada pelo demônio do naturalismo, de ver o universo como um todo fechado, de banalizar o sobrenatural não compreendendo a sua importância e necessidade, de julgar que os fatos sérios, graves e profundos não podem acontecer.
    Essa vivência, que me enclausura e me sujeita a esse demônio, impedindo de tornar efetiva e completa minha escravidão a Nossa Senhora, afirma continuamente: “As horas trágicas e os grandes lances não se aproximam porque não podem se aproximar!”
    Assisti-me, pois, no combate contra esse demônio que me impede de ter a grande generosidade necessária para ganhar a batalha da Contra-Revolução.

  • Súmula contra os erros contemporâneos

    O apostolado verdadeiramente fecundo é aquele no qual a verdade não só é dita inteira, mas com ufania, bem argumentada e com uma audácia santa. Nada nos deve deter, precisamos seguir impávidos para a frente anunciando a verdade e o bem como eles são, segundo o exemplo de Santo Avito.

     

    Temos para considerar alguns traços da biografia de Santo Avito1, Bispo de Vienne, na França, no tempo do Rei Clóvis.

     

    Direitos da Religião verdadeira contra as falsas religiões

     

    Vienne fazia parte do Reino da Borgonha, cujo rei era Gondebaud. Santo Avito, a quem Gondebaud dava provas de confiança, esforçava-se por conduzi-lo ao Cristianismo. Um dia, instou tão vivamente com ele, que o rei ariano, não mais resistindo à evidência da verdade lhe rogou o reconciliasse secretamente mediante a unção do santo crisma.

    Respondeu-lhe, todavia, Santo Avito: “Se verdadeiramente acreditais, por que temeis confessar a Jesus Cristo diante dos homens, como Ele nos ordenou? O temor de uma sedição dos vossos súditos vos detém, quando se trata de obedecer ao Criador de todas as coisas? Sois rei, e temeis os súditos? Não sabeis que mais cabe a eles seguir-vos, que vós conformar-vos à fraqueza deles? Vós sois o chefe do povo, e não o povo o vosso chefe. Quando partis para a guerra, sois o primeiro em marchar e os soldados vos seguem. Fazei a mesma coisa no caminho da verdade: mostrai-a aos súditos entrando nele primeiro, e não os seguindo nas estradas do erro.”
    A doutrina contida aqui é eminentemente antimoderna, contrarrevolucionária. Mais propriamente há três doutrinas contidas nesse texto. A primeira diz respeito aos direitos da Religião verdadeira contra as falsas, e é a seguinte:

    Todos aqueles que têm meios de conhecer a Igreja Católica, vivem num ambiente onde a Igreja existe e se fala dela, recebem a graça suficiente para desejarem conhecê-la e, correspondendo a essa graça, conhecerem-na e amarem-na de fato, vindo assim a se converterem. De maneira que não tem desculpa a pessoa que, dentro de um tempo e com uma idade razoável, embora havendo nascido fora da Igreja Católica Apostólica Romana, não acabe percebendo ser ela verdadeira.
    Deus não recusa a ninguém a graça sobrenatural da Fé, e todas as pessoas precisam corresponder a esse dom. Naturalmente isso não se diz exatamente assim das pessoas que vivem em países onde nunca se ouviu falar da Igreja, ou se ouviu falar tão vagamente que não existe esse atrativo para conhecê-la mais de perto e, portanto, para amá-la e aderir a ela. Mas em países onde ela é bastante conhecida, todos recebem a graça necessária e suficiente para se tornar católicos. Assim, o herege que não se torna católico é culpado disso.
    Nem se poderia conceber de outra maneira porque, se Nosso Senhor Jesus Cristo disse aos seus Apóstolos: “Ide e ensinai a todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”, acrescentando que quem crer será salvo e quem não crer será condenado (cf. Mt 28, 19; Mc 16, 16), nós não podemos imaginar que as pessoas não tenham graças para entrar na Igreja. Seria uma brincadeira ou uma contradição se Ele dissesse: “Aqui está a Igreja, todo mundo deve entrar nela, mas a graça indispensável para isso Eu não dou senão a alguns.” Mas a obra d’Ele, sendo sapientíssima e perfeitíssima, tem de atingir naturalmente a sua finalidade. E sendo essa finalidade que os homens entrem para a Igreja, lhes é dada a graça suficiente para isso; e quando a recusam, eles têm culpa.

     

    Na época da Civilização Cristã, as igrejas heréticas não podiam ter forma exterior de templos

    Mais culpa ainda tem o herege que foi católico e abandona a Igreja Católica, porque esse recebe com o Batismo a graça infusa da Fé e, por meio do pecado mortal mais grave que se possa cometer, que é o de apostasia, ele abandona a Santa Igreja.
    Portanto, dizer que um católico abandonou a Igreja sem culpa: “Coitado, ele não entendeu tal argumento, conversou com um pastor protestante que o convenceu, mas estava de boa-fé”; isso não vale. Todos têm graça suficiente para permanecer na Igreja Católica. E se uma pessoa sucumbe aos sofismas de um pastor protestante, de um agitador comunista ou de qualquer outro herege, há uma responsabilidade própria.
    Embora ninguém tenha o direito, propriamente dito, de fazer o mal e professar o erro, a Igreja sempre recomendou que não se obrigasse uma pessoa a mudar de religião, mesmo porque não adiantaria nada. Se digo a um herege: “Você crê ou morre”, para não morrer ele dirá que acredita, mas por dentro continua a não crer. Seria, portanto, uma estupidez. De maneira que a Igreja sempre recomendou que se tolerasse – mas tolerar é muito diferente de permitir – que os hereges praticassem o seu culto.
    Isso tem como consequência que, nos tempos da Civilização Cristã, as igrejas que não eram católicas não podiam ter forma exterior de templos. Ainda na época do Império no Brasil, igreja protestante ou qualquer outra tinha que funcionar numa casa comum. Esse é um princípio que nós vemos lembrado aqui.

     

    O Estado deve ser a força material a serviço da Igreja

     

     

    Outro princípio é o seguinte: o Governo existe não principalmente para o bem dos corpos, mas para ajudar a Igreja na salvação das almas. Por isso o Estado deve reprimir as heresias, os pecados, e ser a força material a serviço da Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Logo, o papel normal dos reis é abraçar a verdadeira Fé e levar os povos a aceitá-la.
    O terceiro princípio é o contrário da soberania popular pleiteada por Rousseau2, que exatamente inverte a ordem: é a doutrina da Revolução Francesa, por onde os que governam são dirigidos por aqueles que são governados. Um rei não é feito para fazer o que o povo quer, mas o povo deve ser governado pelo seu rei. O monarca é responsável pelo povo e prestará contas dele perante Deus.
    Ora, nessa biografia de Santo Avito notamos a afirmação destes três princípios. Ele estava em face de um rei herético, ariano. O santo prelado dirige-se, então, a ele e consegue convertê-lo. Mas o soberano, com medo de uma insurreição de seus súditos que eram arianos, pede que sua conversão seja secreta. Então Santo Avito lhe diz: “Eu não concordo com isso. Por que essa conversão precisa ser secreta? Ela deve ser pública e sua função é de, pelo seu exemplo e autoridade, exterminar o arianismo no seu reino, e não ficar quieto diante dele. Quem manda sois vós, o povo vos deve obedecer. Assim como na hora da guerra vós sois o primeiro a sair em combate contra os inimigos, assim também na hora da paz deveis dar o exemplo e os vossos súditos vos devem acompanhar.”
    Não é naturalmente que o rei deva obrigar pela força os outros a se converterem, mas ele deve dar o exemplo que os outros, pelo prestígio da majestade real, precisam seguir.

    Esses três princípios lembrados por Santo Avito constituem uma pequena súmula contra os erros contemporâneos, os quais afirmam que o Estado nada tem a ver com os cultos e nada deve fazer

    para levar os povos à prática da virtude.

    Constatamos, assim, o quanto as nossas posições ideológicas têm santas e augustas raízes no mais remoto passado da Igreja Católica, pois esse prelado tinha a autoridade de santo para fazer essas afirmações. Ele era um bispo, mas há mais do que isso: quando a Igreja o canonizou, apontou-o como exemplo para todos. Ao canonizar alguém, a primeira coisa que a Igreja diz é: “Ele praticou em grau heroico as virtudes teologais da Fé, Esperança e Caridade, e as cardeais da Justiça, Fortaleza, Temperança e Prudência. Com base no exame da vida e das obras dele, eu, Papa, afirmo que ele está no Céu. Tais milagres confirmam as conclusões desse inquérito.” Além disso, a Igreja declara que o Santo é o modelo dos fiéis. E a canonização equivale a dizer: “Imitai-o, inspirai-vos no exemplo dele, pensai e agi como ele!” Logo, inculcando que se deve lutar contra esses erros, seguimos augustos exemplos de inumeráveis Santos que agiram da mesma maneira.

     

    Devemos ser almas indomáveis, intrépidas, piedosas, sobrenaturais

     

    Poderia parecer que esses santos do Império Romano cristão e da Idade Média agiram assim porque todo o ambiente lhes era favorável. Entretanto, eles lutavam contra inimigos tremendos, ferocíssimos. O arianismo produziu na Europa devastações incontáveis.
    Eles venceram, quando tantas vezes os católicos não vencem, como sucede atualmente. Mas por quê? Porque os católicos de hoje são moles, contentam-se com as meias afirmações, com as meias verdades, gostam da confusão entre a verdade e o erro, entre o bem e o mal, e por isso não têm as bênçãos de Deus. O apostolado desses é tantas vezes estéril, embora disponham de meios de ação prodigiosos. Nós vamos ver quem os seguem… ninguém.Que rádio, que televisão tinha Santo Avito? De que imprensa ele dispunha? Nada; ele contava apenas com o púlpito e sua autoridade de bispo santo. Ele fazia seus sermões e esses tocavam o coração de um rei. Isso porque o apostolado fecundo é o apostolado franco em que a verdade não só é dita inteira, mas com ufania, bem argumentada e com uma audácia santa.
    Pode ser que às vezes aconteça o que ocorreu com São João Batista ou Nosso Senhor Jesus Cristo. Mas eu pergunto: Então Nosso Senhor Jesus Cristo e São João Batista fracassaram? Ou, pelo contrário, o Divino Redentor, derramando seu Sangue, salvou a humanidade? O sangue de São João Batista não terá subido ao Céu como o de Abel, clamando vingança contra Herodes e Herodíades, e misericórdia para tantos homens que estavam esperando naquele tempo a luz da verdade?
    Por certo, nessa tática da energia encontramos reações tremendas. Às vezes acontece de morrermos. Mas se um católico julga que morrer na defesa da Fé é um desastre, então ele deveria recomeçar tudo, precisaria nascer de novo, pois o contrário é a verdade: o martírio, o sofrimento conduz à glória e à fecundidade do apostolado.
    De maneira que nada nos deve deter, precisamos seguir impávidos para a frente anunciando a verdade e o bem como eles são, segundo o exemplo de Santo Avito. Homens assim, um morria, dez venciam. Aquele que morria assistia à vitória desde o Céu. Foram bispos, papas, leigos desse modo que constituíram o fermento o qual deu origem à Idade Média.
    Quando vemos restos magníficos da Idade Média, catedrais imensas, castelos maravilhosos, vitrais, o canto gregoriano, quando pensamos na Cavalaria, nas Cruzadas, no feudalismo, em tantas recordações que a Idade Média deixou e que são uma luz no meio das trevas deste mundo, devemos nos lembrar de que há no alicerce de tudo isso quanta coragem, quanta ousadia, quanto senso de sacrifício, quanta confiança na graça como elemento decisivo de toda vitória e quanta segurança de que andando para a frente, com a graça de Deus, o homem é invencível. Isto fez germinar a Idade Média.
    Peçamos a intercessão de Santo Avito para que nos obtenha as graças a fim de sermos as almas indomáveis, intrépidas, piedosas, sobrenaturais das quais o Reino de Maria deve nascer.v

    (Extraído de conferência de 4/2/1966)

  • Deus deseja a pompa dentro da Igreja

    Lendo as narrações da Légende Dorée sobre São Basílio Magno, temos uma sensação de distensão. Nossos olhos, exaustos de pousarem em coisas monstruosas deste século, fixam-se naqueles fatos meio encantados e maravilhados, e uma espécie de hino de admiração começa a subir de dentro de nós.

     

    A propósito da festa de São Basílio Magno, bispo e doutor da Igreja, temos a comentar os dados tirados da famosa Légende Dorée, de Jacques de Voragine1.

    Coluna de fogo que tocava o céu

    Através de uma visão, o eremita chamado Efrém conheceu o grau de santidade que Basílio havia atingido. Em êxtase, Efrém viu uma coluna de fogo que partia da cabeça do Santo e tocava o céu, e ouviu uma voz vinda do alto dizer: “O grande Basílio é como essa imensa coluna que você vê.” Ele foi então à cidade no dia da Epifania para conhecer tão notável personagem. Ao vê-lo vestindo uma estola branca e caminhando majestosamente com seus clérigos, disse consigo mesmo: “Tive trabalho à toa em vir, pois esse homem rodeado de honrarias não pode ser aquele que apareceu na visão. Se nós, ermitãos, que carregamos o peso do dia e do calor, nunca alcançamos nada semelhante, como ele, cheio de tais honrarias, pode ser uma coluna de fogo?” Basílio, que por revelação soube dos pensamentos de Efrém, fez com que ele fosse vê-lo.
    Levado diante do bispo, o eremita viu uma língua de fogo que saía de sua boca, e pensou: “Basílio é grande mesmo, é, sim, uma coluna de fogo. O Espírito Santo realmente fala pela boca de Basílio.” Dirigindo-se a ele, Efrém disse:
    — Senhor, peço-lhe a graça de me fazer falar grego.
    Basílio:
    — Você pede uma coisa difícil.
    Mas orou por ele, que imediatamente passou a falar grego.
    Certa vez, outro eremita viu Basílio andando com trajes pontificais e desprezou-o, pensando consigo mesmo que aquele homem gostava demais de pompas daquele tipo. Uma voz então se fez ouvir, dizendo: “Você gosta mais de acariciar a cauda da sua gata do que Basílio aprecia seus ornamentos.”

    As portas de uma igreja se abrem, confundindo os hereges

    O Imperador Valente, defensor do arianismo, tirou uma igreja dos católicos para dá-la aos arianos. Basílio foi ter com ele e disse:
    — Imperador, está escrito: “A majestade real brilha no amor à justiça. O julgamento do rei é a justiça.” Por que, então, ordenastes de livre e espontânea vontade que os católicos fossem expulsos dessa igreja e que ela fosse entregue aos arianos?
    O Imperador respondeu:
    — Basílio, não é conveniente que me faleis assim.

     

    Ele replicou:
    — Não me importo de morrer pela justiça.
    Então o cozinheiro-chefe do Imperador, chamado Demóstenes, partidário dos arianos, tentou intervir, mas Basílio disse-lhe:
    — Sua tarefa é cuidar dos guisados do Imperador, e não resolver questões de Fé.
    O que o deixou confuso e o fez calar-se.
    Disse então o Imperador:
    — Basílio, ide e arbitre o problema entre os dois partidos, mas sem se deixar influenciar pelas opiniões do povo.
    Ele propôs a católicos e arianos que se mandasse fechar as portas da igreja, nelas colocar os selos de cada um dos partidos, e aquele que conseguisse abrir as portas através de preces teria a posse da igreja. A proposta foi aceita por todos. Os arianos rezaram durante três dias e três noites, e quando chegaram diante das portas da igreja elas não estavam abertas. Então Basílio, à frente de uma procissão, foi até a igreja e, depois de ter feito uma prece, tocou levemente as portas com seu cajado pastoral dizendo: “Deixem o caminho livre, poderes celestes, abram-se, portas eternas, a fim de deixar entrar o Rei da glória.” E imediatamente as portas se abriram, todos entraram dando graças a Deus, e a igreja ficou novamente na posse dos católicos.

    Uma legenda que correspondia às aspirações de santidade

    Não são fatos rigorosamente históricos porque a Légende Dorée é constituída de narrações semilegendárias. Alguns dos fatos ali narrados aconteceram, outros não; e dentre os que aconteceram, nem todos são narrados como se passaram, mas foram embelezados pela imaginação popular.
    Sem embargo, são fatos lindos que têm um grande valor espiritual, pois indicam como a piedade daqueles povos cheios de devoção ornou a figura dos Santos, imaginou como Deus deveria agir, e modelou uma legenda que correspondia a suas próprias aspirações de santidade. E isso não pode ser tido em conta de mentira, porque não é propriamente mentira, mas um devaneio, uma história contada de um para outro já sabendo que é estilizada, uma espécie de ficção maravilhosa narrada em louvor do Santo.
    As narrações referentes a São Basílio são impregnadas daquela poesia e daqueles problemas do Oriente dos primeiros tempos. Esse Santo viveu numa época de heresias. A heresia dos arianos devastava, naquela época, a Igreja Católica, e São Basílio estava numa luta tremenda contra eles e contra o Imperador, porque em geral os imperadores de Bizâncio davam apoio aos arianos.
    A razão disto estava em que esses potentados queriam mandar na Igreja, e os bispos arianos se prestavam a isso, enquanto na Igreja Católica não podiam mandar, porque segundo a Doutrina Católica a Igreja é uma sociedade perfeita e soberana, ou seja, na sua esfera própria – que é a espiritual; e a temporal, em matéria de Fé e Moral – ninguém manda nela. Os imperadores, encontrando na Igreja um dique para o seu absolutismo, evidentemente procuravam persegui-la. Era um transbordamento do orgulho humano.
    Nesta época florescia na Igreja uma grande graça, a do eremitismo, entendido no seu rigor. O eremita verdadeiro é aquele que vive inteiramente só, numa gruta, num deserto, em geral não em lugares maravilhosos, mas naqueles que não atraem muito a imaginação, não seduzem muito a fantasia nem agradam os sentidos. O eremita vive ali, sozinho, cuidando apenas do louvor de Deus.
    Esse estado eremítico é muito conforme à índole do oriental, porque este, com a alma felizmente cheia de fantasia, de imaginação, no sentido reto da palavra, sabe ver o que tantas vezes o ocidental, sobretudo o “hollywoodizado”, não sabe ver: as mil maravilhas do silêncio, os mil deslumbramentos da solidão.
    Quando a pessoa vive isolada, seu espírito adquire grandeza, toma voo. Ela não se preocupa a não ser com coisas de ordem superior e então se aproxima de Deus.
    O eremita que rola uma pedra à entrada da gruta onde mora para não entrar uma fera durante a noite, mas que também pode ser surpreendido por uma cobra, e corre os riscos do homem sozinho, exposto à luta contra a natureza; o eremita que jejua, se penitencia, se macera, este é o eremita perfeito cuja figura nos aparece aqui.

    Então, nesse Oriente cheio da desolação do arianismo, ao que se somava a pretensão dos gregos de Constantinopla de estar em oposição a Roma, inventando doutrinas rebuscadas para opô-las à simplicidade sacrossanta da Doutrina Católica; nesse Oriente também repleto do deslumbramento do eremitismo, com uma explosão de santidade contrastando com o horror da heresia; é nesse Oriente com aspectos variados que nós vemos aparecer a grande figura de São Basílio.

    O apego do homem não está necessariamente na proporção do que ele possui

    o mal a figura de São Basílio, alguns eremitas. Com frequência aconteceu na Igreja que, quando se preconiza muito o ideal de pobreza, alguns exageram isso e se voltam, à maneira de protestantes, contra a pompa da Igreja. Assim, por exemplo, pouco depois da morte de São Francisco de Assis alguns franciscanos deram origem à heresia chamada dos fraticelli, que era comunista, contrária à propriedade privada, a toda honra e pompa, e a todo o brilho da civilização.
    Assim também encontramos nesta narração eremitas que, vivendo completamente na solidão e, portanto, não sendo servidos por ninguém, não dispondo de nenhuma pompa, fizeram este raciocínio errado: “Se eu, eremita, vivesse nessa pompa, perderia a minha alma; logo, aqueles que vivem nessa pompa perdem a alma deles.” A primeira parte do raciocínio é verdadeira, a segunda é falsa. Porque cada um salva a sua alma no caminho que Deus quer. E assim o eremita salva a sua alma no isolamento, mas outro que é levado a servir a Deus na pompa salvará a sua alma na pompa. Nem um nem outro pode escolher outro caminho por mera arbitrariedade.
    Esses dois eremitas viram São Basílio servindo a Deus na sua grandeza como bispo, e duvidaram então da santidade dele.
    O primeiro foi Efrém que viu, num êxtase, uma coluna de fogo a qual subia até o Céu e ouviu uma voz dizer: “Este é Basílio.” Ele foi procurar então o Santo. Chegou lá e encontrou um homem rodeado da pompa episcopal numa cerimônia eclesiástica e pensou: “Não pode ser.” Quer dizer, ele contrariou o que a visão disse a ele. “Por que esse homem vive nessa pompa?”
    Ele vai falar com São Basílio e a Providência afetuosamente lhe concede uma graça pela qual compreendeu o quanto estava errado, e acaba por sair sabendo falar grego. Para que ele quereria falar grego não se sabe. É de se esperar que fosse para estudos, pois uma vez que o eremita não deve falar, supõe-se que seria para ler. Ademais, o Santo não lhe teria obtido uma graça para ele violar seu bom propósito de ser eremita. De maneira que se deve entender que ele recebeu essa graça para, compreendendo o grego, conhecer os Padres e Doutores gregos, a versão grega do Evangelho, dos Atos dos Apóstolos.
    Depois veio outro eremita e também teve um engano a esse respeito, julgando que São Basílio não era Santo. E a esse a Providência castigou de um modo que, entretanto, provoca um sorriso, mostrando que o apego do homem não está necessariamente na proporção do que ele possui.
    São Basílio, embora rodeado de pompa, era desapegado. O eremita tinha uma gata pela qual tinha muito apreço. Então, enquanto fazia um juízo desfavorável a respeito do Santo prelado, ouviu uma voz que lhe dizia que ele gostava mais de acariciar a cauda da gata do que São Basílio apreciava seus ornamentos.

    Duas psicologias muito bem expressas

    Ainda que sejam casos inventados, são de um muito bom gosto, literariamente muito leves, que distraem a alma, fazem sorrir, e cheios de suco doutrinário. Porque os dois episódios resolvem o famoso problema da pompa dentro da Igreja e mostram que ela está de acordo com os desejos de Deus, e que uma pessoa pode santificar-se nessa pompa, quando é vontade do Criador que assim se santifique.
    De outro lado, as finuras da alma humana estão muito bem expressas. O primeiro eremita possui um tipo de psicologia especial. Trata-se de um homem impressionável. Ele vê aquela coluna de fogo, fica muito impressionado, vai falar com São Basílio, tem uma impressão diversa e muda imediatamente de opinião. Pede logo uma graça inverossímil e Deus o atende. É um tipo de psicologia representado com muita finura.
    Outro tipo de psicologia apresentado com finura é o do segundo eremita: sentimental, cansadão, sentado à porta de sua gruta, levando uma vida bem sossegada, sem amolação. Entra dia, sai dia, aquela tranquilidade, aquele sossego… Para divertir, uma gata que sabe dizer “miau”, mas não aborrece, não faz objeções, não traz problemas. Um animal que não temos que arrancar das garras do pecado e empurrar para os píncaros da vida espiritual, que se limita a comer alguma coisa que encontra no mato, pode ser uma companhia muito repousante.
    Há gatos cujo temperamento é parecido com o de certos homens que se deixam agradar de todo jeito até a hora do arranhão. Isso existe. Mas creio que das menores ingratidões que um homem possa receber na vida é o arranhão de um gato. De maneira que se vê esse eremita adaptado à sua situação.
    Então vem um aviso que toca no ponto psicológico diretamente, mas sem uma injúria, sem uma descompostura. É um caso que faz sorrir. Ele se lembra da sua gata e volta corrigido. Vejam como isso é bonito.

    Cena grandiosa e profética

    São Basílio é chamado diante do Imperador e discute com ele. Entra em cena o diretor da cozinha, que é muito mais do que ser um cozinheiro. Devemos pensar no luxo fabuloso dos imperadores bizantinos, nas grandes comilanças que eles faziam. Havia frequentemente banquetes. Portanto, um diretor de cozinha devia ser um homem bem entendido de gastronomia, de festas.
    Ele quer fazer-se de zeloso diante do Imperador e se mete numa discussão onde não tinha nada que ver. São Basílio espirituosamente lhe dá uma resposta: “Você cozinhe comidas, não dogmas!”
    É uma coisa prazenteira que se lê sorrindo, mas a lição está bem dada. Há um suco doutrinário, uma substância atrás disso.
    Vem depois uma cena grandiosa, profética. Os fiéis da Religião Católica discutem com os ímpios, que constituem a seita ariana, pela propriedade de uma igreja católica que o Imperador tinha dado aos arianos.

    O soberano confiou ao Santo a solução do caso. Então, segundo essa narração, São Basílio disse-lhes que selassem com seus respectivos lacres as portas da igreja e rezassem.
    Pode-se imaginar a cena magnífica, a tranquilidade de São Basílio e a torcida dos arianos. Estes rezam, rezam, rezam e… nada! São Basílio com mitra, uma grande casula, um báculo, barba branca, olhos serenos, caminhando à frente de um clero piedoso. E todos cantando as ladainhas. Tem-se a impressão de que quando eles chegaram perto, as portas da igreja já estavam para se abrir. Ele se antecipa e, num gesto majestoso, com a ponta do báculo apenas toca na porta e esta se abre. Os hereges foram confundidos e o coro entra cantando, seguido de uma grande multidão de fiéis.

    Se essas coisas não se passaram assim, inúmeras outras transcorreram, e as circunstâncias eram tais que podiam ter se passado dessa forma. De maneira que há um resíduo de verdade nisso, até mais verdadeiro do que a narração histórica. Porque aponta para certa maravilha das almas, que é a realidade histórica mais profunda. Pode não ter havido o fato externo, mas houve o fato profundo que é aquele tipo de piedade, de espírito sobrenatural presente por detrás disso.
    Quando lemos essas narrações da Légende Dorée, temos uma sensação de distensão. Nossos olhos, exaustos de pousarem em coisas monstruosas, em toda espécie de sujeira e de borra deste século, fixam-se nisso meio encantados e maravilhados, e uma espécie de hino de admiração começa a subir de dentro de nós. Não é verdade que, sendo obrigados a interromper a leitura, sentimos uma espécie de desolação, como uma alma que visse um pouquinho do Céu e fosse obrigada a voltar para o Purgatório?

    Admiração humilde e desinteressada

    sso? É a seguinte: se nós fôssemos tais que conseguíssemos fixar o nosso espírito duravelmente nesse estado de admiração; se gostássemos, acima de tudo, de praticar a virtude da admiração, que desinteressadamente se detém, fica pensando e se maravilha com esses episódios; se tivéssemos dentro da alma um paraíso permanente, uma alegria fixa, estável e contínua que nos acompanhasse, apesar de todas as tristezas, teríamos a certeza de que o fundo da realidade não são as coisas efêmeras que vemos, nem os aborrecimentos que essas coisas nos dão, mas é esse fundo de maravilha, essa ordem de coisas virtuosa, admirável, indescritível que existe na alma das pessoas verdadeiramente santas. Eis o encanto de nossa vida: fazer dessa contemplação nossa alegria humilde e desinteressada.
    Humilde porque isto nos alegra, em grande parte, na medida em que vemos não ter nenhuma proporção conosco, pois é muito superior a nós, a ponto de nos sentirmos pequenos diante disso e termos a alegria de nos sentir assim, de nos entusiasmar com algo que é mais do que nós.
    Desinteressada porque não temos um papel para representar dentro disso. Não vamos representar nenhum papel ao lado de São Basílio contra o Imperador. Estamos fora. Aqueles fatos não nos engrandecem, não trazem vantagem nenhuma para nós. Nós os contemplamos apenas porque eles são eles. Nós olhamos desinteressadamente para isso.
    Este é o modelo da alma medieval. Aqui está um traço do modo de ser medieval que é muito mais do que uma descrição do temperamento – embora entre profundamente no temperamento –: a capacidade de se maravilhar humilde e desinteressadamente. É isso que está nessa disposição de alma.

    A alma assim é verdadeiramente fiel, realmente agrada a Deus. É sobre uma alma assim que baixa o Espírito Santo. Porque esses são os humildes que serão exaltados. Os poderosos que serão depostos são aqueles que se agarram a uma porção de coisas – ainda que seja apenas o rabo de um gato – e que fazem disso o seu apego. Esses serão depostos, ou seja, destituídos das coisas a que se apegam. Os humildes, os desinteressados, pelo contrário, serão elevados.
    Como se dá essa elevação? Da seguinte maneira: a alma com essa capacidade de se maravilhar humilde e desinteressadamente é como que um mata-borrão. Toda perfeição que toca nela, ela inala, absorve. Aquilo que nós admiramos desinteressadamente nos modela e nós tomamos algo dessa maravilha.
    A maravilha contemplada torna o indivíduo maravilhoso. Nada é mais bonito, não há maravilha mais autêntica do que a alma verdadeiramente maravilhável. Essa tem o amor de Deus, porque o amor de Deus é isto: maravilhar-se humilde e desinteressadamente com as coisas de Deus. Não só com as invisíveis conhecidas pela Fé, mas com as visíveis que o Criador colocou por todos os lados.
    Eis, portanto, o que devemos procurar e pedir a Nossa Senhora, que foi a mais maravilhável das almas. Basta considerar que foi Ela quem teve mais de perto a maior maravilha que pousou nesta Terra: Nosso Senhor Jesus Cristo.

    Megalomania: um defeito que está na linha oposta ao maravilhamento

    Nosso Senhor disse que não se deve atirar pérolas aos porcos (cf. Mt 7, 6). Não se pode dar coisas maravilhosas para almas incapazes de se maravilhar. Deus deu o Menino Jesus a Nossa Senhora para viver no seio d’Ela, passar sua infância ao lado d’Ela, e Ele passou trinta anos maravilhando-A, porque Ela era dotada de uma potência de maravilhar-Se que estava na proporção dessa Maravilha.
    Por aí compreendemos a capacidade de maravilhar-Se de Nossa Senhora. Resultado: todas as gerações A chamarão maravilhosa, porque quem A chama Bem-aventurada, chama-A maravilhosa. Por quê? Pelo desinteresse com que Ela amou, pela humildade com que admirou. Por isso Se tornou admirável.
    Aqui está o mecanismo dessa virtude tão fundamental para a alma contrarrevolucionária, para o espírito católico.
    Um dos muitos defeitos que estão na linha oposta ao maravilhamento é a megalomania. O megalômano não se maravilha com nada a não ser consigo. Quando vê algo de maravilhoso fora dele, irrita-se, olha um pouquinho e depois se aborrece, porque ele quer estar no centro de todas as coisas. Este é o contrário do homem verdadeiramente maravilhável.
    Que essa citação da Légende Dorée nos sirva de ocasião para pedir a Nossa Senhora que nos dê essa faculdade de alma pela qual nos maravilhemos com o que está acima de nós, humildemente, amando aquilo precisamente por ser superior a nós, e admirando desinteressadamente.v
    (Extraído de conferência de 19/6/1971)

  • Vinde, Mãe, não tardeis!

    Ó Maria Santíssima, a quem nos dirigimos sob o glorioso e dulcíssimo título de Rainha dos Corações! Eis, genuflexo aos vossos pés, um filho vosso que a Vós se consagrou como escravo de amor. Encontro-me isolado, perplexo, sofredor, em meio às brumas que me rodeiam. Chamado desde muito jovem ao vosso serviço, uma voz interior cheia de ressonâncias de alegria e de vitória me fazia esperar o vosso Reino, ó Mãe.
    Mas esse advento, que meu amor a Vós e meu ódio à Revolução faziam desejar tão próximo, vem caminhando ao encontro dos filhos da Contra-Revolução com uma lentidão tão inesperada que eu me pergunto, aflito, se meus olhos o verão antes de se cerrarem para sempre a este mundo; se meus braços conservarão, quando da chegada desses dias, a força juvenil com que tanto desejo empregá-los para derrubar vossos adversários. E de meu coração como de meus lábios brota até Vós, submissa, mas aflita, a pergunta: Até quando, Senhora, até quando? O que, com efeito, vos determina a manter suspenso sobre a Revolução – isto é, os sequazes de satanás, os adoradores de suas pompas e instrumentos para a realização de suas obras – o gládio virginal com o qual um dia os exterminareis?

    Bem sei que, santamente zelosa de vossa glória excelsa, esperareis para isso o momento em que essa mesma glória mais resplandecerá, o dia da vitória em que mais brilhareis aos olhos dos justos e mais inteiramente esmagareis o poder das trevas.
    Mas, ó Mãe, sei que, diante do trono de Deus, vossa súplica é onipotente e, diante das angústias de vossos filhos, vossa misericórdia não tem limites. Não vos peço que abrevieis essa demora com dano para o pleno esplendor de vossa glória, mas sei também que está em vossa onipotência suplicante alcançar de Deus que se produzam fatos mediante os quais o tão esperado dia de vossa glorificação possa apressar-se, abreviando com isso os tormentos de alma inenarráveis com que todos os justos sofrem e gemem hoje sob o poder de satanás.
    Os justos… São eles dignos dessa grande graça? Ou, antes, merecem essa tão longa demora como castigo pelas afinidades vergonhosas que consentem ter com a Revolução, vossa inimiga cheia de ódio? Ó Mãe, quanto é débil a força desses justos, quão manchada de concessões a integridade de sua pureza, quão vacilante a constância de sua confiança e precária a incondicionalidade de sua Fé!
    Dizendo-o, bato no meu peito pecador, gemendo: mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa. Compreendo, pois, que esses dias por cujo advento gemo, eu mesmo os adie pelo peso das minhas culpas. Mas sei também que a confiança é como um raio de luz que transpõe todas as distâncias existentes entre nós, pecadores, e Vós, Virgem Mãe de imaculada pureza. Sei, sobretudo, que essa pobre luz, a qual em si mesma tão pouco é, desde que pouse em vosso Sapiencial e Misericordioso Coração, o abre como fonte de graças a borbulharem sobre os pecadores, por mais empedernidos que sejam.
    Com toda a conformidade em relação à vossa vontade, mas com toda a confiança que, em justiça, vos devem ter esses pecadores, a Vós dirijo, ligeiramente adaptada, a prece da Liturgia: “Vinde, Mãe, não tardeis, e perdoai os pecados de vosso povo!”
    Sim, Mãe, vinde logo, esmagai vossos adversários, expulsai para o Inferno os demônios, destroçai e eliminai os inimigos de vossa realeza e reinai sobre o mundo até o dia em que vos servireis de Elias, vosso servo, para os decisivos combates contra o Anticristo! Amém.

    (Composta em 19/9/1991)

  • Um príncipe segundo o plano de Deus

    Realizando o altíssimo plano de Deus para a Civilização Cristã, o Príncipe São Casimiro soube aliar a nobreza e o laicato à santidade perfeita, sendo uma pedra de escândalo para sua época e difundindo o aroma da Santa Igreja pela sua pureza ilibada e seu zelo na defesa da Fé.

     

    Temos uma ficha biográfica1 sobre um príncipe da época em que a Hungria era chamada o “Reino Apostólico da Hungria”. Trata-se de São Casimiro, da Polônia, cuja festa se comemora no dia 4 de março.
    São Casimiro, príncipe polonês, veio ao mundo em 5 de outubro de 1458. Foi o terceiro filho de Casimiro III, Rei da Polônia e Grão-Duque da Lituânia, e de Isabel da Áustria, filha do Imperador Alberto II. Desde o berço foi formado na virtude e piedade pelos cuidados de sua mãe, princesa muito católica.
    Esta ficha biográfica traz uma série de observações. A primeira delas, a respeito da qual não podemos deixar de insistir, é o grande número de nobres e de pessoas pertencentes a dinastias reinantes, que foram elevadas, durante a Idade Média, à honra dos altares, esfarrapando a lenda revolucionária de que os nobres não eram senão uns imorais, corruptos, sanguessugas.
    No caso concreto, eu me comprazo em afirmar o fato de São Casimiro ter vivido na corte de seus pais, no século XV. Como vemos, a mãe dele era descendente da família imperial Habsburg.

     

    Uma corte segundo a Civilização Cristã

    Para efeito das teses que temos em vista não é uma coisa tão concludente considerar um príncipe qualquer que, em determinado momento, deixou a corte para abraçar o estado religioso. Sem dúvida, é uma ação nobre, piedosa, edificante, mas para as nossas teses o mais concludente é o fato de ele ter continuado a viver na corte e aí se ter santificado.
    Por causa da impregnação de “heresia branca”2 sob a qual o mundo contemporâneo está sujeito, ainda prevalece no subconsciente de muitas pessoas a ideia de que só padres e freiras podem alcançar a santidade. Fora desse âmbito é tão raro o surgimento de um santo, que se considera um caso extraordinário, quase monstruoso. Como na natureza pode brotar um rabanete de tamanho excepcional, assim a graça produz, às vezes, um santo leigo. Parece uma coisa maravilhosa, uma exceção à regra.
    Contudo, um santo leigo não é exceção à regra, mas a realização perfeita do plano da Providência. Ademais, o fato de um nobre ter se conservado íntegro na corte de um rei, mostra-nos esse ambiente como um elemento dentro do qual um católico pode viver e santificar-se.
    Neste sentido, constitui uma espécie de elogio ao ambiente onde o santo viveu e uma afirmação de que, com frequência, a santidade perfumou a atmosfera nobiliárquica, contrariamente à pregação revolucionária. Então, em vez de serem lupanares, lugares medonhos de perdição e corrupção, as cortes foram, em numerosos casos, receptáculos da santidade onde a virtude atuou, teve prestígio e influência, realizando assim o ideal da Civilização Cristã.
    Segundo esse ideal, o que é a corte real? O rei é a imagem terrena de Deus; logo, a corte terrena é imagem da celeste. Numa corte autenticamente católica, em face de um rei santo, os cortesãos deveriam ser a representação dos Anjos e Santos diante de Deus três vezes Santo. Ora, que isso tenha tido, em determinadas circunstâncias históricas, importantes parcelas de realização deve nos encher de entusiasmo e alegria, são exemplos que devemos opor à crítica revolucionária.

    Alguém poderia objetar: “Em um número grande de casos, as cortes foram assim. Mas esse número grande é colhido a esmo ao longo de mil anos de história, de maneira que é possível encontrar numerosos exemplos de muitas coisas. Isto não prova que as cortes, a fortiori, tenham sido sempre assim, mas apenas uma vez ou outra. Daí nada se deduz.”
    Ora, se as monarquias produziram isso pouco, eu quero saber o que as repúblicas produziram. Por exemplo, quem já ouviu falar em senador santo? Vê-se, então, a diferença existente entre uma coisa e outra, e quanto esses fenômenos são significativos.
    Por outro lado, está provado que nas cortes mais depravadas houve sempre uma prestigiosa corrente de reação. Por exemplo, um personagem histórico sobre o qual pouco se tem falado entre nós, e que é muito interessante, é o Delfim Luís Fernando, filho de Luís XV, homem excelente, irmão da Madame Louise de França, que morreu carmelita e da qual ainda se procuram elementos para o processo de canonização, e também da Rainha da Sardenha, Madame Clotilde, irmã de Luís XVI, declarada bem-aventurada pela Santa Sé. Isto na tão putrefata corte de Versailles, no tempo de Luís XV.
    Continuemos a análise da ficha sobre São Casimiro.

    Alma penitente e de uma pureza convidativa

    Sua pureza e castidade foram, desde a infância, absolutamente virginais e evangélicas. Era difícil imaginar um príncipe de maior inocência, de maneiras mais belas e com méritos mais elevados. A pureza de seu coração e de seu corpo brilhava em toda a sua conduta, de modo que todos os que o viam ou com ele tratavam, sentiam-se movidos à castidade.
    Seu espírito era tão unido a Deus, que sua paz interior se manifestava na grande serenidade do seu rosto. Todos os seus servos, ao seu exemplo, eram cheios de bondade e se destacavam pela extraordinária misericórdia para com todos os visitantes e os pobres que iam lá pedir esmola. Pode-se formar uma ideia da felicidade dos súditos de tão santo príncipe.
    Aqui temos um personagem que poderia figurar na pintura de um vitral em uma catedral. Príncipe da casa real, com irmãos reis, São Casimiro era um jovem de alta cultura e condição social, no qual se reuniam todos os dons físicos, intelectuais e espirituais; era um varão muito justo, misericordioso e bondoso.

    É interessante notar a castidade enorme deste Santo. Uma nota curiosa desta castidade é a sua comunicatividade. Ele era tão puro que transmitia aos outros o desejo de o serem também. Isso tem uma beleza especial, porque muitas vezes encontramos pessoas puras, dignas de admiração e homenagem, mas a quem Nossa Senhora não deu o dom de tornar comunicativa essa virtude.
    Ora, uma das melhores formas de fazer apostolado é ter essa virtude comunicando-se de uma pessoa para outra, como por osmose.
    Mas, como Deus está irado com o mundo, esses dons se tornam raríssimos. Por esse motivo, devemos recorrer a São Casimiro para compreender o que é a pureza convidativa e irradiante, e assim atrair as pessoas para a prática dessa virtude contrária à impureza, à voluptuosidade, também conquistadoras, e que arrastam para o mal. A virtude arrastando para o bem é uma coisa que pouco se vê em nossos dias e, no entanto, dá tanta glória a Nossa Senhora!
    São Casimiro teve, entre outros, o dom da continência, que o tornou casto toda a vida, num celibato muito puro. Para corresponder com maior facilidade a tantas graças, cobriu seu corpo com rudes cilícios e o macerou com longos jejuns. Com frequência, passava noites inteiras dormindo sobre uma tábua e, algumas vezes, dormia nas portas das igrejas, onde era encontrado de manhã, com o rosto virado para o chão. Todas essas mortificações, o Santo praticava sem ferir qualquer das pompas que a dignidade de sua Casa, ou a consideração das pessoas com as quais vivia, pareciam exigir do seu estado.
    Há um outro aspecto interessante aqui: é a atitude de São Casimiro vestindo roupas régias e levando cilício por baixo. Ele quer fazer penitência, mas sabe que sua condição lhe impõe vestir-se com a pompa inerente à sua categoria. E como ele não é igualitário, usa tudo quanto é necessário para a manutenção de seu estado. Vemos nisso o equilíbrio do verdadeiro Santo.

    Qual o valor disso? Este Santo considerava tão nobre e justo que um príncipe, ou qualquer pessoa de maior categoria social, tivesse um estado de vida superior, que ele, fazendo penitências de todos os modos, encobria sua mortificação para ostentar sua nobre condição aos olhos de todos, qualificando isso como um verdadeiro dever de estado a ser cumprido.
    Desde seus primeiros anos São Casimiro se desinteressou dos prazeres do mundo, das diversões e da vida folgada. Seus prazeres, os mais atraentes, eram de passar várias horas seguidas rezando diante dos altares. O palácio de nosso Santo era um lugar de devoção, onde se rezava a Deus o dia inteiro. Quando ele assistia ao Santo Sacrifício da Missa, não era raro que tivesse êxtases no momento de se operar a transubstanciação.
    Uma das virtudes em que mais se esmerou o grande São Casimiro foi a cordial devoção a Nossa Senhora, à qual chamava de “minha Boa Mãe”. Daqui veio a conservar os virgíneos candores desse arminho, apesar do real estado e da viçosa idade… Não contente de recitar todos os dias um longo hino, composto por ele, no qual cantava os mistérios da Encarnação e os gloriosos privilégios da Mãe de Deus, quis ainda ser enterrado com essa oração e uma imagem de Nossa Senhora, a qual cento e vinte anos depois, por ocasião do processo de canonização, quando foi aberta a sua sepultura, foi encontrada junto ao corpo.

    O Santo é sempre uma pedra de escândalo

    Ao completar Casimiro treze anos, os Estados da Hungria, não estando satisfeitos com seu Rei, Matias Corvino, enviaram deputados ao Rei Casimiro III para que seu filho obtivesse a coroa da Hungria em detrimento de Matias. Casimiro III prometeu-lhes seu filho e o enviou com um exército para apoiar seu direito à eleição, contra Matias, que não aceitava sua deposição. Tendo chegado às fronteiras da Hungria, São Casimiro soube que Matias acabava de reunir dezesseis mil homens para ir à frente dos poloneses e que tornara a conquistar o coração dos súditos. Soube também que o Papa Sisto IV se declarara pelo rei destronado e enviara uma embaixada a seu pai, para fazê-lo abandonar a empresa.
    Foi então que o jovem príncipe percebeu a demasiada facilidade com que seu pai escutara os deputados húngaros. Tendo, então, reconhecido a injustiça da expedição a que o tinham atraído, ele se recusou a fazer qualquer outro ataque e voltou para a Polônia.

    Foi mandado pelo pai para tomar conta da coroa da Hungria, e só quando chegou à fronteira percebeu que não estava depondo um usurpador, mas o rei legítimo. A partir desse momento ele se recusou a combater.
    Vejam a preocupação em não derrubar um governo legítimo. Ao contrário desta nossa época em que os governos são tão mais perecíveis quanto mais legítimos, e tanto mais estáveis quanto mais ilegítimos são.
    Estes são alguns preciosos exemplos de virtudes dados por São Casimiro, e temos que aproveitá-los para a nossa santificação.
    Para não aumentar o desgosto de seu pai, que planejara aquele empreendimento, retirou-se para o Castelo de Dobczyce, onde se entregou a austeras penitências. Ao fim deste tempo voltou ao palácio real, onde já encontrou tudo mais em paz.

    Casimiro, inimigo nato de toda espécie de intriga, era sumamente vigilante em tudo o que dizia. Tinha palavras inflamadas quando falava a respeito da beleza da virtude e do feliz estado de uma alma em paz, em amizade com Deus.
    Seu zelo pela Religião Católica correspondia a tanta piedade. Fez conhecer em diversas ocasiões sua aversão pelos que corrompem a Fé da Igreja. Ele empregou todo o seu poder em extirpar o cisma dos russos. Em virtude disso, fez agir seu zelo ante o Rei, seu pai, a fim de confiscar todas as igrejas cismáticas e impediu mais tarde que estas fossem restituídas aos cismáticos.
    É muito bonito ver o seu zelo contra os hereges, virtude que sempre acompanha a alma da pessoa verdadeiramente pura. Havia certas igrejas, no reino do pai dele, entregues aos cismáticos, e ele fez questão de que de lá fossem expulsos.
    Nesta biografia consta um grande gesto de heroísmo e de energia da parte de São Casimiro: o confisco dos bens da igreja cismática e o impedimento desta funcionar na Polônia. Gesto que está à altura de um inquisidor ou da alma de um Santo.
    Mas, tirando esse gesto, o que nós vemos? As virtudes suaves, amáveis, que tornam um homem atraente. Não notamos as virtudes do batalhador. Por quê? Precisamente porque na Europa de então vivia-se o período chamado de “anarquia feudal”.
    Os senhores feudais, os príncipes se destacavam todos pela tendência excessiva a combater, a manter, uns com os outros, um estado de guerra contínuo, por razões muitas vezes fúteis que levavam a Santa Sé a pronunciar condenação em cima de condenação.

    Duas influências nefastas contribuíam para a existência desse estado de coisas. Em primeiro lugar, pela influência bárbara, embora remota, mas que ainda se fazia sentir e levava esses homens a não poder viver tranquilos. De outro lado, houve também uma explosão de vaidade a que, infelizmente, as Cruzadas do Oriente tinham dado lugar.
    Como se sabe, na Europa houve várias Cruzadas, das quais a mais vitoriosa foi a da Espanha e Portugal contra os mouros que invadiram a Península Ibérica. Também houve Cruzadas coroadas de belo êxito contra os turcos, vindos do Sul, que invadiram mais de uma vez a Hungria, ou contra os pagãos do Mar Báltico que queriam impedir a expansão da Religião Católica.
    Mas, ao par dessas, empreendeu-se a série de Cruzadas mais célebres destinadas à libertação do Santo Sepulcro, que, no total, umas pelas outras, redundaram no fracasso, em grande parte por causa do espírito de vaidade e de exibição que se apoderou dos cruzados. Sabendo que todo o Oriente tinha os olhos voltados para eles e que os atos de coragem praticados para a reconquista do Santo Sepulcro haveriam de redundar em fama, boa reputação e em glória para eles, tinham a pretensão de ocupar, no Oriente, os primeiros lugares nas batalhas, destacando-se e ganhando celebridade no Ocidente, dentro do contexto deles. Portanto, não abandonaram o contexto que ficava na Europa; apenas saíram fisicamente dele, mantendo a preocupação de ali se tornarem célebres.
    Assim, acontecia muitas vezes que, com pasmo e verdadeiro escândalo para todo o mundo, quando chegava a hora de o General-chefe distribuir as posições de guerra, e não distribuía para esse ou aquele nobre um lugar onde ele teria ocasião de realizar grandes proezas, esse nobre não aceitava e entrava em luta contra o outro designado para tal posição. Então, na primeira linha, os cruzados guerreavam entre si em vez de lutar contra o adversário. Resultado: naturalmente, saíam derrotados.
    Isso contaminou toda a nobreza europeia com uma espécie de vício de fanfarronada militar, cujo resultado foi que, terminadas as Cruzadas, mesmo na Europa as lutas entre os feudos fossem incessantes, e todos os Estados europeus vivessem numa agitação e numa fermentação contínua por causa disso. Essa era a “anarquia feudal”.
    Essa situação favoreceu indiretamente a causa da Revolução, pois para coibir essa anarquia, os reis começaram a exercer uma autoridade brutal sobre os senhores feudais até quebrá-los, passando para a monarquia absoluta dos tempos modernos, certamente muito menos digna de aplauso do que a feudal como o ideal medieval a tinha imaginado.
    Tratava-se, nesse tempo, de fazer uma reação contra esse espírito de fanfarronada, de vaidade militar, em favor da luta contra o gérmen da Revolução que se vinha acumulando.
    Temos, então, um príncipe que faz o escândalo daquele século. São Casimiro vai invadir a Hungria porque, em virtude de direitos hereditários e por aclamação popular, fora eleito Rei daquele país no lugar do monarca deposto. Porém, quando chega à fronteira e recebe a notícia: “O Papa considera a sua causa falsa. Julgou o assunto e reconhece o Rei Matias como verdadeiro monarca. Aliás, este já subiu ao trono novamente, porque as diferenças existentes entre ele e os súditos foram aplacadas. Portanto, o Rei legítimo está no seu palácio”, São Casimiro se detém na fronteira e diz: “Se esse é o pensamento do Papa, eu paro, submeto-me e volto para trás. Não irei conquistar um reino ao qual não tenha direito.”
    Isso era o contrário da mentalidade da “anarquia feudal”, segundo a qual ele deveria dizer: “Eu provarei, pela ponta de minha espada, que sou homem de coragem e conseguirei o que eu quero!” E avançaria contra toda razão e todo direito, para mostrar ser audacioso.

    Suscitado para rebater a Revolução de seu tempo

    Também, nessa época, começava a se acentuar a ideia de que um príncipe que reza muito, dá esmola aos pobres e tem um trato

    muito afável não possui as virtudes verdadeiramente militares e não é um homem corajoso, o qual, segundo a concepção errada, não é afável nem piedoso; ao contrário, é um fanfarrão disposto a toda hora a brigar com qualquer pessoa, e não conhece o oposto harmônico que é exatamente a placidez, a serenidade, o amor à paz, o equilíbrio que dão o verdadeiro valor à coragem.

    Na realidade, a fanfarronada estava substituindo a coragem sincera. Ora, São Casimiro enfrentou toda essa posição errada de seu século e praticou tais virtudes, ditas moles, mas que naquela época era preciso ter uma coragem extraordinária para praticar, porque todo o mundo as desprezava.
    Com efeito, o Santo é equilibrado, forte, vigoroso, heroico se necessário, mas capaz também de não praticar esse falso heroísmo de ponta de faca se as circunstâncias pedem dele outra forma de heroísmo, que consiste em enfrentar a opinião pública. Esse herói é, portanto, o tipo do verdadeiro príncipe que devemos venerar e honrar.
    Nota-se como Nossa Senhora o suscitou, no fundo, para salvar o feudalismo. Se os senhores feudais tivessem seguido esse exemplo, a “anarquia feudal” se aplacaria por si mesma, e teria sido muito difícil a implantação da monarquia absoluta e pré-revolucionária dos tempos modernos.
    Nós devemos ver em São Casimiro o varão que teve coragem de resistir à pressão de seu tempo, de fazer o contrário do que convinha à Revolução da época. Esta é a verdadeira coragem, e quem a possui conquista as demais, inclusive a de derramar o seu sangue no campo de batalha se as circunstâncias exigirem.
    Se vejo alguém com coragem de enfrentar a opinião pública, embora nunca tenha dado provas de bravura numa batalha campal, sou capaz de afirmar: “Esse homem tem grande possibilidade de ser um herói no campo de batalha.”
    Entretanto, de um herói no campo de batalha, eu me perguntaria: “Que probabilidade ele tem de enfrentar a opinião pública?”
    Porque quem enfrenta o mais difícil, isto é, a opinião vigente, é capaz de expor a sua vida.
    Alguém perguntará: “Mas será verdade, Dr. Plinio, que é mais difícil enfrentar a opinião pública do que o adversário no campo de batalha?”
    É nobilíssimo, belíssimo, empolgante enfrentar o adversário no campo de batalha a serviço de uma guerra justa e, sobretudo, sagrada. Mas há muita gente disposta a correr o risco de entrar em combate por medo de ser objeto de caçoada se permanecer na retaguarda. Logo, tais pessoas têm mais medo da risada do que da metralhadora.
    Assim, nós podemos considerar São Casimiro como um verdadeiro herói.

    Difundindo o aroma de santidade

    Estando São Casimiro enfermo, diziam os médicos, e o importunavam seus domésticos, que lhe era necessário o casamento para conservar sua vida e saúde, tão importantes ao bem público. Desprezando com uma heroica constância os avisos dos médicos, respondeu-lhes ele uma sentença digna de seu espírito casto, generoso e celestial: “Não conheço outra vida e outra saúde mais que a Cristo, por cuja companhia desejo desatar-me”.
    Deus lhe fez a graça de revelar o dia e a hora de sua morte, para a qual ele se preparou particularmente. No dia 4 de março do ano de 1483, aos vinte e quatro anos, expirou docemente entregando a sua alma a Deus. Seu corpo foi levado com grande pompa fúnebre para a Catedral de Santo Estanislau, em Welms, capital do ducado do qual ele era senhor, e recebeu ali as honras da sepultura. Operou-se grande número de milagres por sua intercessão.
    Cento e vinte anos após a sua morte, seu corpo e as ricas vestes com que fora enterrado foram encontrados incorruptos, construindo-se uma riquíssima capela de mármore para conservação desta relíquia. São Casimiro é padroeiro da Polônia e modelo de pureza para a juventude.

    Nós temos falado em muitas ocasiões a respeito dos Santos fundadores de povos ou de ciclos de civilização, e que por sua ação extraordinária movem a História. Porém, também podemos considerar que há uma outra categoria de Santos que nascem e se tornam exímios na prática de uma virtude, a qual eles vão representar em toda a vida da Igreja. E, para que a atenção dos fiéis não se desvie deste ponto central, esses Santos morrem relativamente jovens e a sua vida fica circunscrita à prática daquela virtude.
    Considerem, por exemplo, São Luís Gonzaga. Ele fez pouca coisa, mas morreu no apogeu da virtude, ainda adolescente. Se ele tivesse realizado numerosas obras, as atenções se voltariam para o que ele fez, em vez de se concentrarem no que ele foi, e o principal exemplo a ser dado por ele acabaria esquecido.
    Tais Santos nos mostram que a santidade consiste, sobretudo, em ter uma ação de presença dentro da Igreja, em difundir o aroma dessa santidade, não só enquanto estão vivos, mas depois de mortos. E que a vida deles, tão precocemente imolada e, em geral, oferecida em benefício da Igreja Católica, é um elemento preciosíssimo para a salvação das almas.

     

    (Extraído de conferências
    de 3/3/1964, 3/3/1966,
    3/3/1967 e 25/11/1974)

     

    1) Cf. ROHRBACHER, René-François. Vida dos Santos. São Paulo: Editora das Américas, 1959. v. IV, p. 177-180.
    2) Expressão metafórica criada por Dr. Plinio para designar a mentalidade sentimental que se manifesta na piedade, na cultura, na arte, etc. As pessoas por ela afetadas se tornam moles, medíocres, pouco propensas à fortaleza, assim como a tudo que signifique esplendor.

  • Oração da noite

    Nós Vos agradecemos,
    ó Mãe do Bom Conselho,
    todas as graças
    e favores que nos alcançastes
    ao longo deste dia. Perdoai
    nossas infidelidades e aceitai
    nossa fadiga como merecida
    reparação por nossas faltas.
    Obtende-nos um repouso
    favorecido por vossos santos
    Anjos, sob vosso olhar puro
    e materno, a fim de que o
    despertar amanhã nos encontre
    sempre prontos a lutar cada
    vez mais por Vós, e assim
    amar-Vos com um fervor sempre
    crescente. Assim seja.