Respondendo a uma pergunta, Doutor Plinio narra como em tudo, inclusive nas festas de Natal, Dona Lucilia agia movida por um alto princípio, procurando incutir em seus filhos o amor ao bem e a tudo o que é elevado.
No meu tempo de criança não se falava em Papai Noel. Mamãe nunca empregou este termo, que me parece paganizar algo muito mais respeitável e mais antigo, que pouco se ouve falar atualmente; trata-se de São Nicolau.
Em minha infância, diziam tratar-se de um santo, que descia do céu vestido de forma muito bonita e distinta, a fim de dar presentes às crianças que se tivessem comportado bem durante o ano.
Eu acreditava muito em São Nicolau, mas, por outro lado, percebia haver nele qualquer coisa de mítico e lendário, que me levava a não me preocupar em imaginar como deveria ser sua figura.
Mamãe possuía grande elevação de alma. Ela levava a vida tranquila, serena e recolhida de uma senhora de casa, a qual estava na direção de uma família pouco numerosa — apesar de morarmos na casa de minha avó, ponto de reunião de toda a família. Habitualmente, percebia-se pelo seu olhar, pelo timbre de sua voz, pela expressão de sua fisionomia, pelos seus gestos, que tudo quanto ela pensava e tinha no espírito se relacionava com considerações muito elevadas. Tinha-se a impressão de que ela comumente olhava as coisas a partir de uma esfera muito alta, eu quase diria metafísica.
Isso se notava nas menores coisas. Por exemplo, ao ver-me brincando, ela me fazia um agrado que se diria igual ao de qualquer mãe para com seu filho. No entanto, partindo dela, o agrado era feito por uma razão elevadíssima, e surgia em meio a considerações que eu — sem, entretanto, explicitar — percebia virem de muito alto e serem feitos de modo muito lógico. Notava também pelo seu agrado que Mamãe me conhecia até o fundo da alma e sabia quais eram as minhas boas e más inclinações. Assim, ela procurava estimular em mim a prática do bem, e, à medida que eu me inclinava ao bem e rejeitava o mal, sua estima por mim aumentava.
Desta maneira, todo agrado que ela me fazia era um incentivo para eu ser melhor o quanto me fosse possível. Isto me habituou a, desde pequeno, procurar ver nas coisas o que elas têm de mais elevado.
Por este motivo eu, sem imaginar propriamente com deveria ser São Nicolau, procurava ver os valores sublimes e até transcendentes que ele representava.
Isto se fazia sentir profundamente na noite de Natal. Mamãe providenciava uma grande árvore de Natal, adornada com uma porção de enfeites. Esta tarefa, Dona Lucilia nunca deixava ao encargo de empregados, mas ela mesma, com muito esmero, a executava. Para a festa de Natal, ademais de minha irmã e eu, mamãe convidava primos, sobrinhos e outros parentes que constituíam um grande número de crianças.
Em certo momento, descíamos do andar superior da casa, todos de mãos dadas, cantando canções natalinas, até junto à árvore toda iluminada, ao pé da qual se encontrava um presépio com a imagem do Menino Jesus com os bracinhos abertos, que era adornada por Mamãe todos os anos com um vestidinho diferente. Ela pedia, então, para todos se ajoelharem, e rezava uma oração. Tenho a impressão de que ela mesma compunha esta prece. Pois, tratava-se de um transbordar da elevação, da suavidade, da doçura de sua alma. Após esta oração, eu notava que uma alegria superior impregnava tudo. Era a alegria da bondade, da virtude, da retidão, da limpeza, em suma, a alegria da consciência tranquila. Em última análise, tratava-se da alegria de sentir o quanto Deus se comunicava conosco através dos sorrisos do Menino Jesus.
Até hoje guardo com muito esmero a imagem do Menino Jesus usada por Mamãe nessas ocasiões.
Aquilo tudo embebia profundamente a noite de Natal, dando a ideia — como era, aliás, o objetivo de Dona Lucilia — de que a vida do homem virtuoso, quando bem levada, é mais suportável, mais aceitável, incomparavelmente mais entusiasmável do que a vida do homem que não pratica a virtude. Creio que nos dias atuais a educação de uma criança não conta com este cuidado, mas Mamãe o tinha muito vivo.
Terminada a festa de Natal, meus primos voltavam para suas casas, e eu ia logo para minha cama. Dona Lucilia esperava eu estar dormindo para pôr aos meus pés um grande e pesado presente. Quando ainda de madrugada eu acordava ansioso para ver o presente, mais uma vez a valiosa educação que recebi de Mamãe me levava a ser temperante. Eu compreendia que não devia acender o “abat-jour”, e fazê-lo parecia-me uma desordem, não só por acordar os que estão dormindo, mas por um princípio superior, o qual me indicava que a hora de dormir é para dormir, e durante ela não se devia brincar, assim como durante a hora de brincar não se devia dormir.
No entanto, eu ficava imaginando o que seria o presente, e pouco tempo depois, como criança, caía no sono, voltando a acordar ainda algumas vezes.
Quando já estava claro, eu acordava mesmo! Levantava-me, pulava da cama e abria o presente. Era um gáudio e uma satisfação enormes. Ficava à espera de que Dona Lucilia acordasse para mostrar-lhe e receber ainda o abraço, o beijo e a bênção dela, que eram para mim um presente ainda maior do que o de São Nicolau. Isso tudo constituía a alegria quase angélica do Natal, que é quase impossível transmitir a alguém que não a tenha sentido.
Plinio Corrêa de Olvieira (Extraído de conferência de 27/12/1975)
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