O Espírito Santo é o verdadeiro Esposo de Nossa Senhora, razão pela qual São Luís Grignion de Montfort recomenda que peçamos ao Divino Paráclito o conhecimento da Santíssima Virgem.
Por aí vemos quão razoável é o pedido da jaculatória Emitte Spiritum tuum et creabuntur, et renovabis faciem terræ. Enviai o vosso Espírito e todas as coisas serão criadas, isto é, restauradas, revivescidas, reconstituídas na sua situação de maior esplendor. E, fazendo isto, Ele renovará a face da Terra. Com efeito, quando os homens receberem o Divino Espírito Santo e corresponderem, serão como que recriados e a Terra terá outra face.
Para obter a abundância do Espírito Santo, a fim de possuir o espírito do Reino de Maria e nos santificarmos, parece-me fundamental crescermos e nos aprofundarmos na devoção a Ela enquanto Esposa do Espírito Santo.
Desta maneira compreenderemos bem o que é a graça do Espírito Santo no Reino de Maria, filtrada através de sua Esposa virginal, modelada à semelhança d’Ele.
Se, pois, quisermos ser pessoas válidas para a nossa vocação, devemos pedir a Nossa Senhora que, enquanto Esposa do Espírito Santo, nos conceda o espírito d’Ela em abundância.
(Extraído de conferências de
13/3/1992 e 7/9/1994)
Autor: Bruno
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Modelada por seu Divino Esposo
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Coração pacífico e beligerante de Jesus
O Sagrado Coração de Jesus deve ser considerado não apenas em seu caráter pacífico e amoroso para com os homens, mas também beligerante e cheio de cólera sacrossanta para com os adversários.
A devoção ao Sagrado Coração de Jesus é uma realidade cuja história vem carregada de mistérios, muitos dos quais só o futuro nos explicará.
Conceito de Revolução e de Contra-Revolução
Na literatura referente ao Sagrado Coração de Jesus encontram-se várias afirmações de personagens santos, os quais transmitiam mensagens cheias de esperança recebidas por vias místicas, no
sentido de essa devoção ser vencedora de um certo problema, de um determinado inimigo que, no fundo, é a Revolução. No entanto, dizem isso de um modo tão global e, ao mesmo tempo, difuso através de tantos temas que eles mesmos não sabiam bem como designar. Falavam em impiedade
contemporânea e outras expressões como esta, mas sem mencionarem explicitamente a Revolução e, por consequência, também a Contra-Revolução.
O mais extraordinário dentro disso é que em Paray-le-Monial1 quando Nosso Senhor Se revelou, embora se perceba bem que Ele tivesse em vista a Revolução, não há uma referência próxima a ela em suas adoráveis palavras.
Entretanto, não há dúvida de que o conceito Revolução e Contra-Revolução, estivesse incluído na temática da devoção ao Sagrado Coração de Jesus, pelo caráter fundamentalmente militante da Igreja Católica e de tudo quanto ela faz para derrubar os seus adversários.
A este respeito, transmito algumas reflexões feitas em horas vagas, na oportunidade de tratar deste assunto.
Se consideramos as obras de escritores católicos do século XIX de cunho mais ou menos contrarrevolucionário, encontraremos a palavra revolução, mas de maneira tão vaga que não se sabe bem se eles distinguem a Revolução universal da Revolução Francesa, a ponto de muitas vezes não se notar bem se estão falando de uma ou de outra, ou mesclando ambas. Isso perturba a intelecção do que eles querem dizer, e creio que na cabeça deles o termo também estivesse confuso. Eles não viam, ou não sabiam dizer; não sei o que acontecia, acaba sendo um mistério.
A meu ver, este mistério se elucidará no decurso da Revolução, e nós devemos tratar disso com toda a reverência, com todo o respeito e afeto com que um assunto dessa natureza deve ser tratado.Denúncia feita no “Em Defesa da Ação Católica”
Nos textos das revelações, as próprias esperanças na vitória do Sagrado Coração são meio indefinidas, de maneira a não ficar claro se uma convulsão mundial é condição necessária para se chegar a essa vitória, quando virá e que relação tem com a Revolução. São coisas que ficam numa espécie de penumbra mística que devemos saber respeitar.
Mais ainda. As revelações deixam entender que seria lógico imaginar que o Sagrado Coração de Jesus estaria incluído nos símbolos referentes à grande vitória que esmagará os adversários da Santa Igreja e por onde se declarará instaurado o Reino de Maria. Mas quando recorremos, por exemplo, às visões de São João Bosco sobre esse assunto, encontramos aquela imagem da embarcação – simbolizando a nau da Igreja ameaçada de procelas – que, em determinado momento decisivo da batalha, será amarrada a duas colunas as quais estão em pleno mar apoiadas sobre rochas. Em uma destas colunas tem no alto o Santíssimo Sacramento e na outra, Nossa Senhora Auxiliadora. O Sagrado Coração de Jesus não está representado, e, entretanto, julgar-se-ia ser um símbolo que poderia figurar.
Alguém me dirá: “Mas Sagrado Coração de Jesus e Santíssimo Sacramento, afinal de contas, é o mesmo tema.”
São temas distintos versando sobre uma mesma realidade adorável, que é Nosso Senhor Jesus Cristo, Homem-Deus e Redentor; não se pode dizer que é o mesmo tema.
Nesse contexto, há um fato histórico que deve ser levado em consideração. Até o momento presente, pelo menos, nessa luta do Sagrado Coração de Jesus contra a Revolução, torna-se claro que a vitória esperada por Ele não se deu porque apareceu uma força oposta: o progressismo, que varreu da Igreja esta devoção como, de um modo geral, as outras devoções particulares, conforme está denunciado no livro Em Defesa da Ação Católica.
Com efeito, está previsto nesta minha obra que essa força – a qual, mais tarde, receberia o título de progressista – queria suprimir todas as devoções privadas e, portanto, também a do Sagrado Coração de Jesus. Realmente, o grande movimento mundial de devoção a Ele desapareceu ou, ao menos, aquele impulso, aquela chama, passou a ser uma brasa, na melhor das hipóteses.
No que ficam, então, as previsões da vitória dessa devoção, quando estava no programa da Providência fazê-la vencer? Entretanto, Deus que conhece o passado, o presente e o futuro com igual clareza, ao mesmo tempo tinha conhecimento da tristíssima realidade contra a qual nós seríamos pregoeiros.Facho de luz durante a noite
Em relação a certas devoções, quando introduzidas na Igreja, a economia da Providência é que elas entrem como o facho de luz de um farol durante a noite, mas não encontrem no seu caminho os seus traços coincidindo com algum outro facho de luz. Não podemos imaginar dois faróis colocados em posições simétricas e iluminando um ponto intermediário. Não conheço dois movimentos que tenham surgido em tempos mais ou menos simétricos iluminando a mesma área espiritual da Igreja Católica.
São Pedro Julião Eymard2, por exemplo. Se formos estudar tudo quanto ele diz a respeito do Santíssimo Sacramento, encontramos outro rio assombroso de riqueza, de força, que nos daria vontade de consagrar toda a vida apenas a essa devoção e a esse estudo.
Vão se formando, por assim dizer, áreas de piedade entre os católicos, de maneira que, no total, um católico passeando pela Igreja, como Adão passeava pelo Paraíso, vê maravilhas aqui, lá e acolá, e depois faz uma síntese de todas elas. Essas maravilhas foram postas para ele se embeber delas mais ou menos ao mesmo tempo em que essa síntese seja feita.
O bom católico dos tempos que precederam o movimento progressista facilmente podia ser membro do Apostolado da Oração, portanto devoto do Sagrado Coração de Jesus, congregado mariano, adorador do Santíssimo Sacramento, inscrito para fazer adoração noturna uma, duas ou cinco vezes por mês.
Essas coisas todas, que são fachos que partem de faróis diferentes e transitam através de áreas intermediárias diversas, acabam se fundindo na alma do bom católico comum, do piedoso vigário que as prega, como o fiel depois as toma e forma um conjunto que é a finalidade providencial disso tudo.
Não é preciso muito discernimento para suspeitar que aí esteja o verdadeiro plano da Providência e que nisso se percebe o mistério.Uma ilha da qual o continente se desgarrou
Nossa tarefa nesta matéria é, sobretudo, a de, como católicos praticantes, carregar em nossas almas esse plateau3 das devoções juntas nesta mescla orgânica, vital, um pouco desordenada, mas desordenada apenas na aparência. Como, por exemplo, quando olhamos as estrelas no céu e temos a impressão de uma poeira brilhante jogada desordenadamente no espaço; sabemos que é uma impressão estulta. Assim também termos uma devoção neste gênero pela qual, entretanto, por nossa especial vocação, caminhamos por todas essas maravilhas através de Maria.
Notem bem que eu não estou inventando, mas procurando descrever. Somos uma ilha da qual o continente se desgarrou; ficamos com o que havia de bom no continente, procurando preservar, dar vitalidade a tudo. De maneira que quando chegar o Reino de Maria, por nossa ação natural e espontânea de filhos da Igreja que não disputam terreno uns aos outros, mas que se encontram e se rejubilam, tudo isso volte com essa naturalidade para os seus lugares.
Isto é um bouquet de flores incomparável trazido do tempo da glória para a nossa atual situação.
Fica aqui exposta o que seria a minha conduta diante dessa variedade de devoções as quais sempre me encantaram, por cuja manutenção lutei ferozmente no Em Defesa da Ação Católica; incumbe a nós sermos a ilha que transporta tudo isto intacto no meio das labaredas.O que mais prejudicou a vitória do Sagrado Coração de Jesus
Há um ponto sem o qual esse conjunto não pode ser tratado: é a nota militante.
A devoção ao Sagrado Coração de Jesus teve suas formas sentimentais, com abusos de toda a ordem que poderiam ser objeto de um histórico.
Tratar, por exemplo, de algo sobre o Coração militante de Jesus arrepiaria todos os devotos formados – não teologicamente, mas pela prática ordinária – na identificação entre o Coração Sagrado de Jesus e a ternura. De maneira que qualquer coisa que excluísse a ternura seria contrária à devoção considerada perpétua e exclusivamente terna do Sagrado Coração de Jesus.
Essa concepção conduziu a uma das consequências mais funestas na Igreja no período pré-conciliar. Muito antes de ser convocado o Concílio Vaticano II, a temática sobre o Inferno tinha quase desaparecido da pregação comum da Igreja. Ela se encontrava em alguns exercícios espirituais, mas assim mesmo tratava-se do Inferno uma vez ou duas, quando muito!
Por quê? Porque Deus, Criador de todas as estrelas, de todos os corações de mãe, de todas as formas de beleza e de ternura, não poderia ser visto como o Criador do Inferno, aplicando sua sabedoria infinita em estabelecer formas de tormento infinitas, no sentido de que não cessarão jamais. Portanto, uma espécie de militância que deverá continuar depois do Juízo Final. Isso silenciado preparava a condenação das Cruzadas.
Tudo isto constitui um bloco inserido no tema do Sagrado Coração de Jesus, das suas promessas, esperanças, dos seus adoráveis mistérios, das suas demoras e do seu perfeito amor a nós.
No meu modo de entender, o que mais prejudicou a vitória do Sagrado Coração de Jesus foi o fato de determinadas pessoas piedosas, afeitas à “heresia branca”4, adotarem uma linguagem certamente muito ortodoxa, mas acentuando uma só nota.
Isso determina no espírito das almas que se consagram uma espécie de unilateralidade que, a meu ver, prejudica muito a presença combativa da Igreja no grande prœlium para o qual ela está chamada.
O Sagrado Coração de Jesus é o símbolo físico, material, do que são as disposições, o ânimo, a mente d’Ele vista, certamente, no seu sentido amoroso. Mas Ele não contém apenas o caráter pacífico na acepção corrente da palavra, é também beligerante.
O amor é pacífico e procura evitar o combate tanto quanto possível, mas traz necessariamente consigo o desejo da luta, quando ela é irremediável para alcançar a vitória justa e deter o mal nos limites em que seja indispensável contê-lo. Para isto é necessário um ódio sagrado ao mal e aos que o promovem.De onde haver uma espécie de necessidade de que essa devoção abranja tanto as disposições amorosas, no sentido até de carinhosas, do Sagrado Coração de Jesus para conosco, mas também a ira d’Ele contra os seus adversários. E, portanto, despertando em nós uma posição de ira, de quem já não tolera de braços cruzados a situação e, caso todos os meios persuasivos se tornarem ineficazes, está disposto a fazer andar os acontecimentos para frente, de qualquer maneira justa e santa. Isso era algo que, de ponta a ponta, faltava na mentalidade das associações promotoras da devoção ao Sagrado Coração de Jesus.
Espírito de Cruzada
Se consideramos a presente situação, com católicos moles que não combatem, em grande parte isso vem de uma certa unilateralidade da linguagem sobre a devoção ao Sagrado Coração de Jesus, e que abrange depois outras formas de devoção, por onde o espírito dos cruzados verdadeiramente parece ter naufragado nos meios católicos.
Ora, admitir que o espírito de Cruzada naufragou na Igreja seria afirmar que a Esposa de Cristo errou, em determinado momento ela andou mal, o espírito de Cruzada não é próprio a ela, e a devoção ao Sagrado Coração de Jesus representa uma estimável retificação desse espírito.
Ora, em face disso nossa posição não é de fazer silêncio sobre a devoção ao Sagrado Coração de Jesus – isto nunca! –, mas de reparar essa lacuna, de maneira a tornar essa devoção atraente para aqueles a quem a graça chama para a luta.
Se tivesse tempo para isso, eu me deliciaria em pegar toda a literatura sobre o Sagrado Coração de Jesus e analisar debaixo desse ponto de vista: a ira no Sagrado Coração de Jesus. O que se faria não só procurando alguma repercussão disso na linguagem das aparições, mas também colhendo no Evangelho os exemplos dessa cólera sacrossanta. Com efeito, quem vibrou de indignação ao enxotar os vendilhões do Templo foi o Sagrado Coração de Jesus, que sofria, recebia a repercussão do que a mente d’Ele conhecia e execrava no grau que sabemos.Mas esta seria uma retificação respeitosa, sem nada de panfletário ou capaz de desviar. No fundo, é apenas o preenchimento de um vazio no mosaico que torna o quadro completo.
Vindo o Reino do Coração Imaculado de Maria, uma de nossas preocupações deve ser a de mostrar que esse exílio da ira santa representou, em última análise, uma das principais causas da ineficácia crônica das coisas católicas.v(Extraído de conferências de 19/2/1995 e 5/3/1995)
1) Cidade da França onde Jesus apareceu diversas vezes a Santa Margarida Maria Alacoque, no convento das irmãs da Visitação.
2) Sacerdote francês Fundador da Congregação do Santíssimo Sacramento (*1811 – †1868).
3) Do francês: bandeja, tabuleiro.
4) Expressão metafórica criada por Dr. Plinio para designar a mentalidade sentimental que se manifesta na piedade, na cultura, na arte, etc. As pessoas por ela afetadas se tornam moles, medíocres, pouco propensas à fortaleza, assim como a tudo que signifique esplendor.v -
Mãe da filha primogênita da Santa Igreja
À maneira da flor do cacto que desabrocha entre os espinhos, Santa Clotilde, do meio de um povo pagão e bárbaro, faz germinar nas fontes batismais de Reims a nação primogênita da Igreja, conferindo a ela sua graça, beleza e fé.
Em 3 de junho comemora-se a festa de Santa Clotilde. Sobre ela há uma referência tirada da obra L’Année Liturgique de Dom Guéranger.
Grande vocação nascida entre infortúnios
Santa Clotilde foi aureolada pela glória de uma maravilhosa maternidade espiritual, pois foi graças a essa rainha que, numa noite de Natal, nascia nas fontes batismais de Reims, a nação primogênita da Igreja. Clotilde foi preparada pelo sofrimento para o grande destino que Deus lhe reservava. A morte violenta de seu pai, destronado por um usurpador fratricida, seus irmãos massacrados, sua mãe afogada no Ródano, seu novo cativeiro na corte ariana do carrasco que trazia consigo a heresia ao trono dos borguinhões, desenvolveram nela o heroísmo do martírio e a fizeram mãe de um povo.
Santa Clotilde foi aureolada pela glória de uma maravilhosa maternidade espiritual, pois foi graças a essa rainha que, numa noite de Natal, nascia nas fontes batismais de Reims, a nação primogênita da Igreja. Clotilde foi preparada pelo sofrimento para o grande destino que Deus lhe reservava. A morte violenta de seu pai, destronado por um usurpador fratricida, seus irmãos massacrados, sua mãe afogada no Ródano, seu novo cativeiro na corte ariana do carrasco que trazia consigo a heresia ao trono dos borguinhões, desenvolveram nela o heroísmo do martírio e a fizeram mãe de um povo.
Vocações cujos méritos vêm de Nossa Senhora
Dom Guéranger mostra muito bem o contraste havido no começo da vida dessa rainha e o fim. No início opressa, perseguida, etc. De repente, sobe ao trono, mas de um rei pagão e bárbaro, o qual se converte. Ele se convertendo surge daí uma nação católica. Vemos assim a linda vocação que ela possuía.
Todas as vocações muito bonitas começam de um modo tremendo.
São contragolpes, dificuldades, coisas impossíveis, etc. É desses espinhos que germina a vocação bonita. Fala-se muito da beleza da rosa, mas há uma flor que rivaliza com ela em formosura e talvez seja mais bonita: a flor do cacto.
O cacto é uma planta horrenda: geralmente grossa, espinhada, sem perfume nem forma definida, uma espécie de animal antediluviano no reino vegetal. Pois bem, disso brota essa beleza de flor.
Assim também são as grandes vocações. Elas nascem de sofrimentos inenarráveis, decepções tremendas, revezes que se entrecruzam, derrocadas inesperadas.
No meio disso tudo, à maneira da flor do cacto que desabrocha entre os espinhos, vai surgindo uma maravilha que é a vocação, cujo êxito não se deve a nenhum mérito humano, mas a Nossa Senhora.
Em uma de suas epístolas São Paulo diz: “Quem lhe deu primeiro, para que lhe seja retribuído?” (Rm 11, 35) Quer dizer, primeiro Deus nos dá algo, depois fazemos algo por Ele e premia em nós o próprio dom concedido. Essa realidade convém muito termos em vista.
E aqui está Santa Clotilde, sob essa interpretação. Desde pequena preservada e guiada para isso, não porque ela tenha feito algo, mas porque a Providência quis e ela foi correspondendo. Aí está a santidade e o mérito dela. Mas no início foi todo ele de Deus.“Felizes os povos aos quais foi dada uma mãe, pela divina munificência”
Em seguida a ficha diz:
Deus quis que o homem saindo de suas mãos ainda sem poder contemplar diretamente seu autor, encontrasse como primeira tradução de seu amor infinito a ternura de uma mãe. Isso dá às mães essa facilidade única de completar, pela educação, na alma do filho, a reprodução completa do ideal divino que deve nele imprimir-se.
O pensamento de Dom Guéranger é belíssimo. Como o Criador faz o filho nascer de sua mãe, ela tem uma intuição especial para completar nele a obra divina. Isso é real em relação à mãe terrena, mas se refere muito mais a Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana, na qual somos gerados e que tem, portanto, uma intuição materna para completar em nós a obra de Deus. E essa verdade se aplica também de modo insondável a Nossa Senhora.
Continua o texto:
E se tão grande é a maternidade na ordem da natureza, muito mais sublime ainda o é na ordem da graça. É o exemplo da Santíssima Virgem, Mãe de Deus e, como decorrência, Mãe de todos os homens. E toda maternidade não foi, desde então, num verdadeiro sentido, senão uma decorrência da de Maria, uma delegação de seu amor e a comunicação de seu augusto privilégio de dar aos homens que devam ser seus filhos. A dignidade de mãe cristã foi acrescida porMaria a um ponto em que a natureza nunca poderia suspeitar.
Como Clotilde, frequentemente a esposa, preparada pelo divino sofrimento, ver-se-á dotada de uma fecundidade mil vezes maior do que a terrena. Felizes os homens nascidos, pelo favor de Maria, dessa fecundidade sobrenatural, que resume todas as grandezas. Felizes os povos aos quais foi dada uma mãe, pela divina munificência.
Ele faz aqui uma linda comparação. O que Santa Clotilde foi para os franceses, Nossa Senhora o é para todo o gênero humano. Ela é a mãe de todos os católicos.
E assim como da graça, da beleza e da fé de Santa Clotilde originou-se a nação, outrora da fé, da graça e da beleza, assim também nós ao nascermos de Maria Santíssima. Ela nos comunica a sua beleza espiritual, a sua graça e sua fé. Somos seus filhos porque tudo recebemos d’Ela, e por Ela somos gerados.v(Extraído de conferência de 3/6/1969)
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Combateu os vícios propulsores da Revolução
São João Batista disse a Herodes aquilo que hoje ninguém tem coragem de dizer à Revolução: “A ti não é lícito!”
Aquele que era o modelo da penitência foi chamado a preparar as almas para receber Nosso Senhor, abatendo as colinas, isto é, quebrando o orgulho, e preenchendo os vales, ou seja, eliminando a impureza. Portanto, suprimindo os dois vícios que são as causas da Revolução: orgulho e sensualidade.
Quem de tal maneira calcou aos pés a soberba e a luxúria foi também uma magnífica manifestação do destemor.
Sem dúvida, o homem que abateu o orgulho, lutou contra a impureza, disse as verdades e cortou o caminho à impiedade, era digno de ser o precursor de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Deveríamos nos inspirar nesse modelo para ser varões sérios, altaneiros, intrépidos, corajosos, que falam em nome de uma verdade eterna e, por isso, não se sentem intimidados nem diminuídos diante de ninguém.
Rezemos a São João Batista pedindo-lhe que nos obtenha o ódio aos dois vícios propulsores da Revolução e a coragem de dizer a verdade integral em face de quem quer que seja.(Extraído de conferências de
24/6/1965 e 20/9/1965) -
Auxílio dos Cristãos, solicitude maternal concedida aos homens
Ao comemorar a festa de Nossa Senhora Auxiliadora a Santa Igreja evoca o auxílio maternal dispensado pela Santíssima Virgem a todos os homens. Considerando cada um como se fosse filho único, Maria se desdobra em desvelo e atenções, realizando assim sua missão de Medianeira de todas as graças.
No dia 24 de maio a Santa Igreja comemora a festa de Nossa Senhora Auxiliadora. Essa invocação foi introduzida na Ladainha Lauretana por São Pio V, em comemoração da vitória alcançada contra os turcos, em Lepanto. A festa foi instituída por Pio VII, em ação de graças por sua volta à Roma depois de ter sido preso por Napoleão.
Lepanto, um dos fatos mais gloriosos da história da Civilização Cristã
Temos para comentar uma ficha a respeito da Batalha de Lepanto. Convém sempre relembrar as glórias da Civilização Cristã e, portanto, trazer à memória esse acontecimento, o qual é um dos mais gloriosos dentro dessa história. No entanto, será a respeito de Nossa Senhora Auxiliadora que teceremos considerações.
A ficha é tirada do livro sobre Lepanto, de Garnier1:
Agostinho Barbarigo, capitão veneziano, era o chefe da ala esquerda das galeras, na batalha de Lepanto. Soldado famoso, era aceitocomo verdadeiro líder da armada de Veneza.
Em Lepanto, em meio à luta, foi cercado habilmente pelos generais Siroco e Uluç Ali.
Pelo menos cinco adversários o contornaram e seus navios lançavam nuvens de flechas que cobriam a popa da nau capitania de Barbarigo. Durante uma hora inteira ele sustentou o assalto turco. Depois, com o auxílio de outras galeras conseguiu, finalmente, passar à ofensiva. Na confusão desse ataque furioso, conseguiu aprisionar o capitão Siroco.Sempre hábil na manobra e corajoso até a audácia, Barbarigo abordou depois a galera de Uluç Ali, cujo mérito guerreiro era bem conhecido e o fez prisioneiro também. A batalha prosseguiu violentamente. Em dado momento, Barbarigo percebeu que não era bem entendido pelos seus comandados, porque seu capacete cobria-lhe o rosto. Lançou-o então fora para ser melhor ser ouvido. Nesse momento, os inimigos intensificaram o lançamento das setas.
Preveniram então o capitão do perigo de lutar sem capacete. Respondeu ele: “É menor o perigo de correr tal risco do que ser mal compreendido em tal momento”. Logo foi atingido por uma flecha no olho e entregou o comando a seu imediato.
No dia seguinte, o excelente Barbarigo ouviu dizer que a vitória coubera aos cristãos. Ele levantou as mãos aos céus, pois não podia abrir a boca para pronunciar uma palavra; sua ferida o impedia. Ele exprimiu sinais de alegria e reconhecimento a Deus.
O episódio é muitíssimo bonito, quer pela audácia de Barbarigo, quer pelo espírito de fé, integridade e inteireza de alma com que ele aceitava esse ferimento o qual deveria ser terrível. Uma flecha no olho, que chega a impedir a pessoa de falar, podemos imaginar as profundidades atingidas por ela e quais os efeitos causados.Como crianças, abandonados aos cuidados de Maria Santíssima
Passo a comentar Nossa Senhora sob o título de Auxiliadora dos Cristãos. Por mais evidente que seja, há ocasiões em que as coisas óbvias devem ser lembradas.
Auxiliadora dos Cristãos é a invocação de Nossa Senhora enquanto tendo a missão, a vontade e o hábito de socorrer os cristãos. Cada um desses conceitos: missão, vontade e hábito, merece um comentário.
Primeiro, a missão. Maria Santíssima foi criada para ser Mãe de todos os cristãos, de forma especial, e de todos os homens, de modo geral. Ela tem essa incumbência, entregue pela Providência a todas as mães, de velar por seus filhos. Esse encargo não deve ser visto como o da mãe junto ao filho crescido. Por mais respeitável e dileta que seja a figura materna em todas as idades do homem, há uma fase na qual ele carrega a responsabilidade de seu próprio destino, inclusive protege a sua mãe mais do que é protegido por ela. Porém, nós devemos ver as nossas relações com a Santíssima Virgem não como a de um adulto com sua mãe, mas como a de uma criança. Porque o papel d’Ela junto a nós é este.Como explicar isso sendo algo tão contrário à piedade moderna, da concepção antipaternalista, do indivíduo evoluído, amadurecido, “desalienado”? O que estou dizendo, do ponto de vista hodierno e revolucionário, é uma barbaridade. Entretanto, é o melhor suco da piedade católica nesse gênero de assuntos.
O ser humano está nesta Terra em estado de prova e de luta, no qual sua alma vai se desenvolvendo para a maturidade plena a ser atingida no momento da morte. Vistos do Céu, somos como crianças em formação. A nossa verdadeira idade adulta é aquela na qual Deus colherá a nossa alma, pois aí teremos alcançado – se formos fiéis à graça – a perfeição para a qual fomos criados. De maneira que, desde o aspecto sobrenatural, a vida terrena é um educandário, e a maturidade é a morte. Nossa Senhora nos vê, por conseguinte, como espíritos em evolução.
Coloquemo-nos na perspectiva da sociedade contemporânea, com todos os desastres, as desordens, os desregramentos morais e o caos nela existentes, e perguntemo-nos qual a impressão transmitida por ela ao ser analisada por um bem-aventurado, o qual vê Deus face a face e está confirmado em graça. É tal a precariedade, a incerteza, a debilidade e o desatino do gênero humano, que, considerado pelos Anjos e Santos, ele é uma criança de maus bofes, mal encaminhada.
Compreendemos, portanto, que a Virgem Maria tenha para conosco a missão que se tem para com um filho bem pequeno, dando uma assistência inteira, ajudando em todas as horas, protegendo de todos os modos.
Do alto do Céu Maria Santíssima tem constantemente presente a existência de cada um daqueles que estão na Terra, no Purgatório, como também dos que se encontram na morada celeste. A cada instante Ela tem conhecimento simultâneo e perfeito de todos.Nossa Senhora ama a cada um como sendo filho único
De outro lado, Ela ama a cada um como nunca uma mãe terrena amou seu filho. Não conseguimos medir as solicitudes da Santíssima Virgem, como Ela acompanha, reza, obtém graças e guia a vida de cada um. E faz isso de maneira tal como se aquele fosse o único a existir; e sobre esse ponto eu gostaria muito de fazer uma insistência.
Quando rezamos para Nossa Senhora, temos a impressão de que Ela olha para todos, como para uma multidão e, assim sendo, mal discerne a cada um. Quando chega de nossa parte um brado muito angustiado, Ela pode prestar um pouco mais de atenção. Mas fora disso, aquilo se perde no tumulto da humanidade e dos séculos.
Essa visão é completamente antiteológica e falsa, a ponto de quem sustentasse isso não poderia lecionar Catecismo, de tal maneira o contrário é elementar. A impostação de alma que deveríamos ter ao nos dirigirmos à Virgem Maria é, antes de tudo, nos lembrarmos disso: Ela me vê, conhece e ama como se existisse só eu.
Suponhamos que aparecesse nosso Anjo da Guarda e nos dissesse: “Nossa Senhora irá parar, durante uma hora, de atender as orações do mundo inteiro, para olhar só para você. No universo inteiro se fará silêncio. E vai ser apenas a sua súplica que subirá a Ela e as graças d’Ela descerão para você”. Em primeiro lugar, nós ficaríamos para lá de comovidos. “Como é possível isso? Que honra! Eu não mereço! Eu tenho medo…! Mas, de outro lado, que maravilha!” Enfim, produziria inúmeras reações.
Todavia, isso se dá sempre. Quando rezamos em conjunto, é como se cada um o fizesse sozinho e o universo inteiro tivesse parado, e Ela estivesse prestando atenção só em um. Eu acho indispensável termos isso bem fincado na alma, do contrário não há piedade mariana viva e sincera. Fica-se apenas no esquema pseudoteológico, limitado, sem voo nem realidade.
De fato, se Nossa Senhora, durante uma hora, abandonasse tudo para olhar só para um, o universo ruiria nessa ocasião, porque ele todo vive do olhar e da proteção d’Ela, sendo Ela a Medianeira de todas as graças de Deus, papel central e contínuo. Essa é a missão.Completo desinteresse do autêntico amor materno
Discorramos agora sobre o conceito vontade.
A Virgem Maria não é infinita, é mera criatura, mas insondavelmente perfeita. Não temos ideia de como é a excelência d’Ela. Ora, uma pessoa perfeitíssima ama com amor perfeitíssimo sua própria missão. Basta Deus ter mandado para Ela querer por inteiro. Mas não é só isso. Nossa Senhora quer bem a cada um de nós individualmente, do modo como nós somos. Com aquela espécie de desinteresse do amor materno autêntico, no qual a mãe não ama o filho por causa da carreira, nem do auxílio, nem de nada disso, mas porque ele é ele.
Tudo quanto uma mãe dedica de bom em relação ao fruto de suas entranhas, Maria Santíssima tem de modo inimaginável por nós. Ela gosta de nos olhar, de nos querer bem e de ser querida por nós. Em Deus, é claro. Ou seja, na medida em que formos conformes ao Divino Artífice ou possamos nos converter para Ele. É assim que Ela nos quer.
Quando nos ajoelhamos diante de uma imagem, ou até mesmo quando oramos interiormente, devemos ter a convicção de que esse ato é grato a Ela. Isso é assim mesmo se estivermos em estado de pecado, pelo desejo que Ela tem de nos tirar dessa via. Por tudo isto Ela tem a vontade de nos amparar. Quando uma mãe tem esse desejo em relação ao filho, ela quer assisti-lo de todo jeito, de qualquer modo, e a todo momento.Liberdade filial, característica do verdadeiro devoto da Santíssima Virgem
Por fim, Maria tem o poder de nos ajudar a todo instante, nas coisas grandes, sobretudo na vida espiritual, para nos santificarmos, para servirmos a Igreja, a Causa Católica. Ela nos favorece também em nossas necessidades, inclusive pequenas. Portanto, um comprovado devoto de Nossa Senhora pede-Lhe qualquer coisa, as menores que queira, por exemplo, estando à espera de um táxi, pedir que este venha logo. Ele deve estar continuamente implorando tudo, desde que convenha para sua salvação e santificação.
*_*_*
A Santíssima Virgem é tão boa, que podemos até dizer o seguinte: “Minha Mãe, dai um jeito de tal coisa convir à minha santificação, porque eu a estou querendo muito”. Pois devemos possuir uma total liberdade filial para com Ela, sem nada de hirto. Se Ela não nos atender é porque nos dará outra coisa melhor do que a pedida.
Conto um episódio da vida do grande Dom Chautard. Ele encontrou-se certa vez com Clemenceau, político francês, de muitíssima personalidade, muito inteligente, contudo, muito anticlerical.
Sabe-se que os anticlericais odeiam de modo peculiar os contemplativos, por os acharem inúteis. Com base nesse pressuposto, podemos conceber o contato entre ambos: Clemenceau, chamado “o Tigre” pelo jeito e pela força de personalidade, e Dom Chautard, que hipnotizava até leões, sendo isso histórico na vida dele.
No encontro, começaram a conversar e Dom Chautard contou todas as suas ocupações. Então, Clemenceau lhe disse:
— Mas o senhor precisa me ensinar como encher tanto o tempo, porque eu não consigo pôr todas as minhas ocupações dentro do dia e o senhor consegue dispor tantas dentro do seu.
Dom Chautard respondeu:— Senhor Ministro, é muito fácil: se o senhor acrescentar a todas as suas ocupações o rezar todo dia, quinze minutos, um terço bem rezado, dará tempo para tudo, como dá para mim.
Isso pareceria uma afronta. Pois bem, o Tigre engoliu a provocação do domador. Não disse nada. Para propor a um anticlerical de rezar o terço todo dia… Não se pode cogitar algo de mais ousado, sobretudo se considerarmos como era o anticlericalismo do tempo de Clemenceau: um devora-frades horroroso.
Nesse desafio, o qual tinha qualquer coisa de hercúleo, entrava uma realidade: todo mundo vive no corre-corre, com falta de tempo. Se rezar mais, sobra mais tempo para os afazeres; os problemas se resolvem com menos enguiço, menos encrenca, se arranjam melhor. Para tudo se consegue tempo por sermos sustentados por Nossa Senhora até nas coisinhas. É questão de pedir com empenho.O melhor de seu amor, Maria reserva para os lutadores da Fé
Aí está Nossa Senhora Auxílio dos Cristãos. Entretanto, o que significa a palavra “cristãos”?
Há uma tese de Teologia da História, famosa e admitida por todos os autores: o mundo existe para os bons e os outros existem pela intenção de Deus que eles acabem sendo bons. No entanto, o centro da História, por onde ela é governada, são os eleitos.Por conseguinte, a Virgem Maria é sobretudo Mãe dos cristãos, e por cristão devemos entender o católico apostólico romano. Em relação aos outros, Ela é Mãe para os trazer à Igreja ou para os salvar. Mas o melhor de seu amor materno é para os católicos, para os que professam a verdadeira Fé.
Se isto é assim, o que dizer do afeto d’Ela para com aqueles que dedicam a vida ao serviço da Religião? Sobretudo em uma época de apostasia universal, inclusive dentro da Igreja? Já não é uma prova de predileção ter recebido esse chamado, mesmo não merecendo? E, além disso, ser conservado nessa epopeia, dádiva que desmerecemos de tantos modos? Entretanto, Ela nos deu isto.
Consideramos um privilégio o fato de São João Evangelista ter estado ao pé da Cruz. Pois bem, ser filhos inteiramente ortodoxos dentro da Igreja, sem pacto nenhum com a Revolução, em luta contra ela, perseguidos por ela, é estar ao pé da Cruz numa hora de abandono como nunca houve desde que Nosso Senhor morreu, visto que nunca a Fé foi tão negligenciada como em nossos dias. De maneira que, quando dirigimos preces a Nossa Senhora, nós deveríamos nos considerar ao pé da Cruz, com o Divino Redentor agonizante e sua Mãe Santíssima tendo nos atraído para aquela solidão e para a participação naquela dor.
Quanta coisa nos atreveríamos a pedir nessa circunstância! Quanto perdão, quantas graças! É assim que devemos nos ver.Recorrer é corresponder à solicitude de Deus
Uma última consideração: O bom ladrão, como diz Santo Agostinho, roubou o Céu. Foi o primeiro Santo a ser canonizado. Como ele obteve essa indulgência? Teologicamente é certo: pela oração de Maria Santíssima. Por ser Ela a Medianeira universal, só recebemos graça por meio d’Ela. Se ele conseguiu isto, quanto mais nós alcançaremos para a Santa Igreja, para nós e tudo o mais!
Isto devemos guardar e tomar o hábito de lembrar antes de rezar a Ela. Preparar o espírito e passar o dia inteiro suplicando. Quando não estivermos recitando as orações diárias, façamos jaculatórias. Então nossa alma encontrará a paz e teremos correspondido, de algum modo, à solicitude de Deus ao nos ter outorgado a Santíssima Virgem como auxílio. Com isso terminamos nossa meditação sobre Nossa Senhora Auxiliadora.v(Extraído de conferência de 24/5/1969)
1) GARNIER, François. Journal de la bataille de Lepante. Éditions de Paris, 1956.
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São Beda e o antagonismo de duas épocas
São Beda foi um homem em cuja presença sentiam-se impressões de respeito, reverência, enlevo e encanto, convidando ao recolhimento quem dele se aproximava. Tal era sua santidade que, não podendo chamá-lo de santo ainda em vida, deram–lhe o título de “Venerável”, o que contrasta com o espírito revolucionário e igualitário dos nossos dias.
Em 25 de maio se comemora a festa de São Beda, o Venerável, Confessor e Doutor da Igreja. Diz a seguinte ficha:
Êmulo de Santo Isidoro de Sevilha, São Beda foi um dos sábios mais ilustres do seu tempo. Tal era sua santidade que, não podendo chamá-lo de santo ainda em vida, deram-lhe o nome de “Venerável”, que não perdeu depois de sua morte.
Diferença entre o apogeu da Idade Média e nossa época
Simplesmente por esta alcunha de “venerável”, dada a São Beda, podemos ter ideia da mudança dos tempos e dos lugares. Calculem na Europa do começo da Idade Média, no século VIII, um homem que é tido como dos mais cultos e inteligentes de sua época. Seria mais ou menos, em nossos dias, um indivíduo que tivesse recebido o prêmio Nobel de Ciência, ou da Paz, ou da
Literatura; alguém, portanto, consagrado por sua cultura. Pois bem, este homem é um Santo.
Já neste ponto notamos a diferença em relação ao nosso tempo, porque é raro vermos coincidirem sobre o mesmo homem a auréola e o esplendor da santidade e o fulgor da cultura e da inteligência. Aqueles grandes Santos foram, por assim dizer, “especializados” em santidade. Eles eram mais santos do que qualquer outra coisa.
Em nossos dias não encontramos, como no apogeu da Cristandade medieval, Santos que, ademais, sejam muito salientes em qualquer outra atividade: grandes guerreiros, notáveis sábios ou imponentes reis. Por quê? Justamente por causa da decadência da Cristandade que levou os homens de cúpula a serem tantas vezes pinçados para servirem ao mal, escapando das mãos amorosas da Igreja. Assim, vemos um grande contraste entre a figura de São Beda, o Venerável, e as circunstâncias da nossa época.
De outro lado, imaginem uma pessoa de quem se dissesse o seguinte: “Ah, é um indivíduo amabilíssimo, de uma prosa agradável, engraçado, atraente, um piadista como ninguém!” Certamente esse homem atrairia muito as companhias em torno de si, sobretudo se correspondesse aos elogios que fizessem dele.
Entretanto, se perguntássemos a alguém numa roda comum de nossos dias:
— Que tal é Fulano?
— Ah, respeitabilíssimo…
Esse homem atrairia muita gente em torno de si? Sem dúvida, não.O homem desfigurado pela Revolução
Ora, tempo houve em que a mais alta qualidade de uma pessoa era a de ser respeitável, venerável. Então, a um homem que possuía essa virtude em grau eminente dava-se a alcunha: “o Venerável”. Quer dizer, era aquele em cuja presença sentiam-se impressões de respeito, reverência, uma superioridade que enlevava e encantava, e que colocava as pessoas numa atitude de recolhimento. Era uma humanidade católica, batizada, que, por possuir o espírito incutido pelo santo Batismo nas pessoas, e conservado nelas quando fiéis à graça, gostava de ter diante de si alguém superior, cuja superioridade reconheciam e admiravam. Poder estar com um homem venerável, vê-lo ou reverenciá-lo era a suprema alegria.
Por que, no mundo de hoje, as pessoas não gostam de venerar? E, tendo a alcunha de venerável, por que o indivíduo veria o vazio em torno de si? Por uma razão muito simples: em primeiro lugar, o igualitarismo faz com que se odeie toda superioridade. E em segundo lugar, porque a venerabilidade é séria, grave, convidando as pessoas que tomam contato com ela a uma postura de recolhimento, bom senso, respeito.
É exatamente disso que foge o homem modelado pela Revolução, ou, se preferirem, desfigurado pela Revolução. Aquele título, considerado como uma pérola brilhante sobre a fronte do homem medieval, afugenta em nossos dias. Nisso constatamos a enorme rotação dos espíritos, pois tudo mudou.O nocivo imperialismo norte-americano
Daquela Europa antiga do século VIII para nossa América deste século, na enorme mutação dos tempos e dos lugares, como todas as coisas são diferentes! E eu falo de modo especial da América do Norte, porque se há um espírito que foge ao venerável é o espírito norte-americano, tendo seu foco de irradiação nos Estados Unidos, mas que se expande em largos borbotões pelas nações vizinhas do continente.
Não sou economista, de maneira que não posso avaliar até que ponto esse imperialismo americano, tão falado, existe do ponto de vista financeiro, material. Deve haver um exagero, porque os comunistas dizem que ele existe; e quando os comunistas não mentem, eles exageram, mas afirmar a verdade inteira nunca fazem.
O imperialismo político norte-americano praticamente não existe. Porém, há um imperialismo nocivo, imponderável, ideológico, mas de uma ideologia difundida de forma vivencial, que se espalha por toda parte, impregna todos os ambientes e penetra no subconsciente das pessoas através de mil condutos de propaganda, inimigo da veneração e da desigualdade.
Se considerarmos, por exemplo, a fotografia do primeiro mandatário de qualquer grande nação de nossos dias, pode-se dizer tudo dele: que ele conta piadas, é muito inteligente, haverá até quem afirme ser muito agradável… Há um provérbio prosaico de antigamente que meu pai gostava de citar em certas ocasiões: “Não há sapato velho que não procure o seu pé inchado.” Assim também haverá quem ache graça em certos personagens da política contemporânea. Mas o que eu não concebo é alguém olhar a fotografia de algum deles e dizer: “o venerável Fulano…!”
Um indício de como as coisas mudaram que se faz bem presente ao espírito, é este: antigamente, se houvesse uma eleição, ganharia o mais venerável. Em nossos dias, quantas vezes um palhaço tem maiores possibilidades de vencer uma eleição! Imaginem alguém se apresentar para uma eleição com os dizeres: “Fulano de tal, candidato da respeitabilidade nacional.” Estava derrotado. Assim, vemos como tudo decaiu ao sopro da Revolução.
Eis uma pequena meditação sobre o título de um grande Santo.v(Extraído de conferência de 27/5/1972)
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Homem que lutou arduamente contra a Revolução
Orador brilhante, São Fidélis de Sigmaringa evangelizou cidades alemãs e foi enviado para a região dos grisões, na Suíça, a fim de pregar contra o protestantismo. Alcançou sucessos importantes, o que levou os hereges a martirizarem-no. Foi um verdadeiro contrarrevolucionário porque a heresia protestante era a Revolução no seu tempo.
o dia 24 de abril, a Igreja comemora a festa de São Fidélis de Sigmaringa. Sua ficha biográfica apresenta alguns dados tirados da Vida dos Santos, de Reindenberg, e da História da Igreja Católica, de Rohrbacher.
Chefe de uma missão para combater o protestantismo
Marcos Roi, o rei que viveu de 1577 a 1622, tomou o nome de Fidélis quando entrou para os capuchinhos, aos 35 anos de idade.
Nascido em Sigmaringa, distinguiu-se como estudante de Filosofia e Direito em Friburgo de Brisgóvia. A seguir foi nomeado tutor de três jovens príncipes, com quem viajou por toda a Europa durante três anos. Depois de ter exercido a profissão de advogado em Colmar, resolveu abandonar o mundo.
No testamento que fez nesta altura, diz o seguinte: “Quero viver daqui para o futuro na maior pobreza, castidade e obediência, nos sofrimentos e nas perseguições, numa penitência austera e humildade profunda. Saí nu do seio de minha mãe e despojo-me de tudo para me entregar aos braços do Salvador.”
O Padre Fidélis possuía grandes dotes oratórios. Nomeado guardião (superior) do Convento de Feldkirch, pregou em numerosas cidades alemãs e suíças, e numerosas igrejas do campo.
A cidade de Feldkirch foi de todo transformada por ele. Como o protestantismo estava a se espalhar pela Suíça, especialmente entre os grisões, a Congregação da Propaganda encarregou os capuchinhos de irem combatê-lo. O Padre Fidélis foi nomeado chefe dessa missão.
“Dentro em breve não me tornareis a ver, disse ele a seus amigos em Feldkirch, pois fui chamado a dar o sangue pela Fé”. E desde então passou a assinar suas cartas da seguinte maneira: “Padre Fidélis, prope diem esca vermium” – que em breve será pasto dos vermes.
Em janeiro de 1622, entrou na região ocupada pela Áustria e lá começou a pregar a Fé com grande êxito.
Furiosos, os protestantes prepararam uma revolta e o missionário avisou os austríacos. Os grisões levantaram-se então em massa.
No dia 24 de abril, estando o Padre Fidélis a pregar em Seewis, ouviu-se o grito: “Às armas!”
Os grisões saíram ao encontro das tropas imperiais que tinham forçado seus postos avançados, convencidos de que o Padre Fidélis é quem chamara os austríacos.
Ainda o deixaram sair da cidade. Mas como daí a pouco regressasse a Grächen, 20 soldados caíram sobre ele, trataram-no de sedutor e queriam forçá-lo a abraçar a sua seita.
“Que me propondes? – perguntou Fidélis – Vim até vós para refutar vossos erros e não para abraçá-los. A Doutrina Católica é a Fé de todos os séculos, não a renunciarei. Ademais, sabei que não temo a morte.”
Eles então mataram-no a sabre.Homem sobrenatural e indômito que enfrentou a morte
É interessante notarmos qual foi a atuação deste grande pregador para que o comentário hagiográfico possa se fazer adequadamente. Ele era um missionário famoso que pregava em vários lugares. E a Santa Sé, desejando impedir a expansão do protestantismo na região da Suíça denominada dos grisões, incumbiu a Ordem religiosa da qual ele fazia parte – os capuchinhos – de mandar para aquela zona pregadores, bons oradores, a fim de converterem os que se tinham pervertido para o protestantismo, e impedir que novos católicos fossem objeto com êxito do proselitismo protestante.
Então ele, que já havia transformado por inteiro uma cidade importante da Alemanha – Feldkirch – pelos seus sermões, se dirigiu à Suíça sabendo que ia morrer, pois recebeu uma revelação de que lá seria martirizado. Mas, homem sobrenatural, indômito, enérgico, batalhador, não recuou diante dessa ameaça. Pelo contrário, enfrentou a morte.
E tinha uma espécie de prazer em considerar a hipótese de sua morte próxima, e até assinava “Frei Fidélis que em breve será pasto dos vermes.” Quer dizer, sabia que seria mártir e iria para o Céu o que lhe dava uma grande alegria.
A essa prova de tenacidade, ele juntou outra demonstração de força, de valor: o fato de ter irritado sobremaneira os protestantes. Ninguém se torna irritante para o adversário sem ter conquistado êxitos contra este. São Fidélis alcançou sucessos tão importantes contra a heresia, que os protestantes prepararam um encontro no qual ele foi morto.
Foi um orador audacioso, valoroso, forte, um missionário vigoroso que não recuou diante do holocausto do martírio. Um homem que nos dá um admirável exemplo de fortaleza, que leva a abnegação de sua própria vida e o desejo de lutar a ponto de imolar efetivamente a sua existência.Sentimentalismo religioso do século XIX
Consideremos a fórmula utilizada por São Fidélis:
Quero viver para o futuro na maior pobreza, castidade e obediência, no sofrimento e nas perseguições, numa penitência austera e humildade profunda. Saí nu do seio de minha mãe e despojo-me de tudo para entregar-me nos braços do Salvador.
Se uma pessoa hoje empregasse essa fórmula, seríamos levados a achar que ela é “heresia branca”1. Diria isto suspirando, com tanta moleza, que afirmaríamos: “Qual! Você é um pulha e não tomamos a sério a sua vida espiritual.”
Ele assinava suas cartas com as palavras: “Frei Fidélis, que em breve será pasto dos vermes.”
Compreende-se o equívoco tremendo que o sentimentalismo religioso do século XIX criou em torno dessas fórmulas, e precisamos não nos deixar vencer pelo equívoco.
O estado de espírito que apontei é muito ruim, mas a fórmula é muito boa em si mesma considerada. Ela foi empregada por um Santo e, portanto, não pode deixar de ser boa, porque tudo quanto o Santo faz é bom. Se essa fórmula não fosse boa, ele não teria sido canonizado.
Precisamos compreender que essa fórmula é susceptível de ser pronunciada, ser vista de outro modo, e não devemos permitir que o besuntado sentimentalismo religioso do século XIX nos tolde a visão da coerência que ela tem com as virtudes as quais somos mais chamados a praticar: a fortaleza de ânimo, a resolução, a combatividade. Entre virtudes não há incompatibilidade. Ora, isso tem de ser virtude porque foi pronunciado por um santo.
O valor dessa fórmula é muito grande. Evidentemente, um homem que tem a verdadeira virtude da sabedoria, compreendendo, portanto, que todas a coisas desta Terra são um nada – desde que elas obstem à aquisição da virtude, ao pleno conhecimento da sabedoria e ao amor de Deus –, precisa afastar-se delas.Quem tem vocação religiosa deve abraçá-la
Quando Nossa Senhora quer que alguém tenha uma vocação, torna-lhe difícil a vida fora da vocação a qual deve abraçar. E um santo nessas condições, em geral, é levado pelas circunstâncias a uma alternativa: ou se perde ou adota o estado de vida para o qual foi chamado.
Depois, independente do perigo de perder-se, ele tem o atrativo da graça para estar meditando as coisas da sabedoria e, por amor de Deus, assume aquela fórmula.
Então, ele fez-se capuchinho. Isso significa abraçar a pobreza completa, renunciar a toda forma de sinarquia2. É despreocupar-se com os bens deste mundo, não só não querendo tê-los para si, mas não se entusiasmando com as pessoas pelo fato de os possuírem. Não admirando ninguém porque tem um bonito automóvel, um formoso apartamento ou, suprema ventura, possui uma fábrica importante, Mas dando valor aos homens e às coisas na medida em que se aproximam, praticam a sabedoria.
Uma pessoa assim, com um estado de espírito varonil, combativo, fazendo um ato de imolação inteiramente inaciano, pode dizer: “Eu quero viver daqui para o futuro na maior pobreza, castidade e obediência, nos sofrimentos e nas perseguições. Desejo imitar a Nosso Senhor Jesus Cristo que sofreu, e por isso vou ser um lutador, agredir o adversário; sofrerei porque na guerra se sofre.”
É o sentimentalismo religioso do século XIX que dá a isso um aspecto de “heresia branca”. Mas não tem nada de “heresia branca”. É a piedade de boa lei que o homem mais valoroso e combativo deve ufanar-se em possuir.Verdadeiro contrarrevolucionário
Assim também, dizer que dali a pouco ele vai ser o pasto dos vermes é ter coragem, uma prova de que não tem medo de morrer. São Fidélis poderia acrescentar, apontando para seu corpo: “Esta carne vai ser comida pelos vermes. Através destas órbitas eles entrarão – como que engendrados pelo meu próprio corpo – que comerão os olhos, sairão pelos ouvidos e pela boca. Mas eu não me incomodo porque a minha alma vai para o Paraíso. Terei a glória do martírio que vale muito mais do que essa decomposição do meu corpo. E no último dia ele ressuscitará e se juntará à minha alma no Céu.”
É uma atitude de força de alma que o faniquito do liberal, do sentimental, não dá.
Compreendemos, assim, como uma fórmula como essa, sendo bem interpretada e entendida, nada tem de “heresia branca”; é uma fórmula esplêndida.A “heresia branca” se encontra no estado temperamental do estúpido com que os sentimentais repetiam isso.
Temos a prova concreta: um homem que empregava tais fórmulas é um mártir de uma admirável coragem, o qual viu chegar a morte com a serenidade que os maiores heróis não teriam. Que lutou arduamente contra a Revolução, foi um verdadeiro contrarrevolucionário – porque o protestantismo era a Revolução no seu tempo –, homem completo, portanto, e digno de toda a nossa veneração.
A relíquia de São Fidélis se encontra em nossa capela. Faremos uma boa coisa pedindo a ele que nos obtenha a graça de compreender como fórmulas dessas se compaginam bem com a nossa piedade, desde que expurgadas dos péssimos eflúvios do sentimentalismo religioso do século XIX vivo até nossos dias, infelizmente.
Tal sentimentalismo, sendo uma coisa má, como é evidente, não houve na obra de nenhum santo daquele tempo. São deformações que existiram à margem do santo e de modo contrário ao exemplo dado por ele. Naquele século, houve santos admiráveis que estavam isentos e até eram o contrário disso, como Santa Teresinha do Menino Jesus.
A pequena via ensinada por ela, tão cheia de candura, de suavidade, é uma via de grande força e combatividade para quem sabe ler um livro de Santa Teresinha.
Percebe-se isso nos seus desejos. Ela dizia que possuía anseios infinitos, queria ser missionária, brandir o ferro no combate contra os inimigos da Igreja, etc. É uma manifestação de uma combatividade que chega até o Cruzado, e inclusive o desejo de derramar o sangue. E isto da parte dessa santa tão suave na sua pequena via. Vê-se, portanto, como as duas coisas são compatíveis.v(Extraído de conferência de 24/4/1967)
1) Expressão metafórica criada por Dr. Plinio para designar a mentalidade sentimental que se manifesta na piedade, na cultura, na arte, etc. As pessoas por ela afetadas se tornam moles, medíocres, pouco propensas à fortaleza, assim como a tudo que signifique esplendor.
2) Diferentemente do sentido político que lhe é dado habitualmente, Dr. Plinio usava a palavra “sinarquia” para caracterizar a mentalidade ateia, segundo a qual a finalidade suprema de uma sociedade é o trabalho e a produção material. -
Poder maravilhoso de se comunicar com as pessoas
O quadro de Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzano tem um poder maravilhoso de fazer com que as pessoas entrem em comunicação com a Mãe de Deus. Ele muda de colorido e Maria Santíssima ora parece alegre, satisfeita e risonha, ora apresenta um aspecto de tristeza. Sem que se possa dizer que haja um movimento nos traços do afresco, ele exprime por esta forma a inúmeros fiéis aquilo que a Virgem deseja.
No dia 26 de abril, comemora-se a festa de Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzano, instituída a propósito do célebre afresco da Mãe de Deus que se venera na igreja dos agostinianos, na cidade de Genazzano, Itália.
Scanderbeg, um guerreiro valorosíssimo
As informações que darei foram tiradas de um livro sobre Nossa Senhora do Bom Conselho. A razão da compra desta obra, de minha parte, foi que em pequeno eu rezava muito diante de um quadro dessa invocação, o qual se encontrava no altar-mor da antiga capela do Colégio São Luís e tem uma história milagrosa, cujos pormenores não me lembro, mas que está ligada ao martírio dos quarenta jesuítas que vieram evangelizar o Brasil.
Vendo esse livro, comprei-o e confesso que me encheu de admiração. De fato, tudo quanto ali diz respeito à história do afresco e à devoção a Mãe do Bom Conselho é uma verdadeira maravilha!Em duas palavras a história desse quadro é a seguinte: a Albânia, no século XV, era um Estado cristão capitaneado por um general chamado Scanderbeg, um guerreiro valorosíssimo que lutava contra as hordas turcas as quais estavam tentando avançar pela Europa adentro.Scanderbeg era um homem bastante religioso e que se colocava sob a proteção de Nossa Senhora do Bom Conselho, da qual havia na Albânia um santuário nacional muito frequentado. Enquanto Scanderbeg viveu, a luta contra os turcos foi vitoriosa. Ele reunia em si todo o valor e toda a combatividade da nação albanesa. Era um grandíssimo homem, mas o povo albanês estava em decadência e por causa disto provavelmente a resistência cessaria quando ele morresse. Os últimos lances de sua vida foram extraordinários. Numa ocasião ele se encontrava deitado, agonizando, quando veio a
notícia de que os turcos estavam chegando às portas da cidade. Quando ele ouviu isto, fez uma oração a Nossa Senhora e pediu-Lhe forças para combater. Levantou-se do leito e foi de encontro aos turcos. Ele tinha dois auxiliares que o ajudavam porque quase não aguentava mais dirigir a batalha. Depois, voltou para a cama e faleceu. Assim morre um verdadeiro herói católico, um devoto de Nossa Senhora na sua acepção mais exata e mais adamantina. É uma verdadeira beleza!
As águas do mar se tornaram sólidas
Mas dois amigos albaneses, que eram filhos da luz, notando o declínio da Albânia e prevendo que o país cairia quando morresse Scanderbeg, resolveram ir ao Santuário de Nossa Senhora do Bom Conselho a fim de pedir luzes a respeito do que deveriam fazer: ficar na Albânia realizando uma certa resistência e algum apostolado debaixo das hordas turcas, ou ir para a Itália. Tanto mais que um número muito grande de albaneses já estava fugindo para lá, e parecia-lhes mais indicado emigrarem.
Chegando ao Santuário, rezaram e ficaram de
voltar no dia seguinte para ter uma solução do caso. Qual não foi a surpresa deles quando verificaram que o quadro se destacara da parede, deu uma espécie de giro dentro da igreja, saiu pela porta e foi andando no ar lentamente. Eles acompanharam o afresco que, quando chegou ao mar, continuou a andar acima das águas. Os dois amigos, então, prosseguiram sua caminhada sobre o mar, que se tornou sólido debaixo dos seus pés, sempre acompanhando o quadro. Assim, chegaram à Itália.
É uma grande caminhada, mas eu acho que não é o caso de interpor aqui perguntas e críticas, porque Nossa Senhora tem o poder de fazer um quadro andar pelos ares e de dar consistência às águas. E pode conceder a dois homens a possibilidade física de atravessar uma grande extensão, caminhando sobre as águas solidificadas.
Na Itália, o quadro sumiu misteriosamente da vista deles. Então, empreenderam – isso é muito medieval ainda – andar por todo o país a fim de ver onde tinha ido parar, porque não queriam se separar dele. Assim como a estrela desapareceu da vista dos Reis Magos quando chegaram a Jerusalém, assim também o quadro sumiu para esses dois albaneses.
Uma nuvem brilhante desceu sobre o terreno de Petruccia
Havia em Genazzano – uma pequena cidade da Itália, que era feudo dos Príncipes de Colonna, uma grande família nobre romana – uma mulher anciã chamada Petruccia que dizia ter vocação de construir uma igreja. Era uma senhora isolada, meio mendiga, um pouco maníaca e todo mundo debicava dela. Em certo momento, Petruccia conseguiu que lhe dessem um terreno para edificar uma igreja em louvor de Nossa Senhora. Mais tarde, obteve um pouco de material da construção e, assim, levantou-se algo a maneira de um muro numa parte do terreno. Depois os trabalhos pararam porque ela não recebeu mais auxílios.
E toda a molecada, quando encontrava a Petruccia na rua, dizia para ela:
— Ei, Petruccia, cadê a igreja? Quando é que será construída?
Não é preciso ter muita imaginação para dar o alinhamento geral da cena.
Havia em Genazzano uma feira para onde afluía grande parte da população. Certo dia em que Petruccia estava no meio do povo, de repente se fez ouvir um estrondo no céu e apareceu uma nuvem brilhante, da qual partiam harmonias que desciam sobre a cidade. A nuvem baixou sobre o terreno de Petruccia e, quando desapareceu, encontrou-se o quadro – que o povo não sabia ser de Nossa Senhora do Bom Conselho – encostado junto a uma das paredes, sem prego, nem apoio, nem suporte, o que é uma coisa inexplicável. Foi o grande dia da Petruccia.
Mas ninguém sabia que invocação era aquela. Nunca se tinha ouvido falar dela. Era uma manifestação angélica.
Um belo dia, os dois albaneses, que estavam à procura do quadro de Nossa Senhora do Bom Conselho, tendo ouvido falar, em Roma, sobre o que havia ocorrido em Genazzano, desconfiaram naturalmente que aquele era o quadro de Nossa Senhora do Bom Conselho.
Foram para lá, se prostraram diante do afresco, rezaram. Comunicaram ao povo que se tratava do quadro de Nossa Senhora do Bom Conselho, da Albânia, que eles tinham visto partir para não se deixar subjugar pelos turcos.O quadro se mantém junto à parede de um modo miraculoso
A igreja se tornou um lugar das múltiplas romarias partidas dos vários Estados italianos, antes da abominável unificação da Itália. A romaria andava em fila, homens separados das mulheres, havia proibição de estar prestando atenção nas coisas do caminho, devia-se o tempo inteiro rezando o Rosário, cantando ladainhas em louvor de Nossa Senhora, parando nos lugares ermos – onde não houvesse possibilidade de escândalo – para comer, e continuando a caminhada até chegar a Genazzano.
Mesmo nos dias de enchentes, em que pessoas acabam dormindo até nas ruas, o quadro de Nossa Senhora continua junto à parede, mas não encostado nela, de maneira que ele se mantém de um modo miraculoso. Há, então, chuvas de graças que o afresco espalha para todas as pessoas.
Essas graças são muitas vezes de curas, porém o forte não é propriamente a graça de cura, mas um poder maravilhoso de, sem praticar um milagre evidente, se comunicar com um grande número de pessoas que vão consultar a Santíssima Virgem a respeito de padecimentos espirituais, dúvidas, problemas. A meu ver, a ideia relacionada com o afresco é a seguinte:
O quadro muda de colorido, ora toma uma cor brilhante e Nossa Senhora parece alegre, satisfeita e risonha, ora adquire cores que Lhe dão um aspecto de tristeza. E sem que se possa dizer que haja um movimento nos traços do afresco, entretanto é verdade que ele exprime por esta forma a inúmeros fiéis aquilo que Ela quer, e muitos acabam entendendo isto e passam a ter com a Mãe de Deus uma comunicação, resolvendo problemas importantíssimos.Mudanças de fisionomia de Nossa Senhora
O quadro é veneradíssimo, e o livro apresenta atestados importantes de pessoas que reconheceram mudanças da fisionomia de Nossa Senhora. Um dos atestados mais interessantes é de um pintor de certa celebridade de Gênova, que recebeu de uma família genovesa, provavelmente rica, a incumbência de ir a Genazzano e fazer uma cópia do afresco para ser colocada numa igreja de Gênova. Como era um homem de projeção, consentiram que trabalhasse no próprio altar, perto do quadro, para poder ver bem, e ele começou, então, a pintar a imagem.
O livro transcreve um atestado dele declarando que a figura de Nossa Senhora tantas vezes modificou a expressão fisionômica, enquanto ele pintava, que lhe foi impossível retratá-la. Ela não modifica tanto, mas é um prodígio que Maria Santíssima quis fazer para que este homem atestasse o maravilhoso do fato, e até hoje se dá isto.
É um prodígio contemporâneo que não pode ser apresentado como um milagre, mas demonstra ser a Fé Católica verdadeira, e deve ser visto como uma graça muito preciosa para todas as pessoas que querem elucidar seus problemas.
O mais interessante é que vários outros quadros de Nossa Senhora do Bom Conselho, os quais afinal se copiaram e foram levados para diversos pontos da Itália, têm propriedades análogas e há peregrinações porque a Santíssima Virgem prodigaliza os seus conselhos às pessoas que vão ali rezar.
Temos, assim, a indicação de um elemento para nos afervorarmos na piedade a Nossa Senhora.v(Extraído de conferência de 25/4/1967)
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Missão profética dos três Arcanjos
São Gabriel, São Rafael e São Miguel formam um unum. Conforme o matiz de nossa atividade apostólica, somos mais beneficiados por um ou por outro, tornando-nos eficientes na ação, terríveis no combate, e às vezes nos sentindo tão convidados à meditação, que temos a sensação de não existirmos senão para ela. É uma espécie de síntese dos três Arcanjos.
Na vida do ser humano é possível distinguir três aspectos: a contemplação, a luta e a ação.
Diferencio a ação da luta no seguinte sentido: A ação tem como fim principal a construção; ela, per accidens, derruba os obstáculos que encontra no caminho. A luta é a derrubada de algo que não deve estar de pé.São Gabriel: o Arcanjo da contemplação
Isso tem uma correlação no mundo angélico? Para encontrar a resposta a essa questão, consideremos o seguinte:
Quando o Divino Espírito Santo convidou Nossa Senhora para ser sua Esposa, no dia da Anunciação, enviou um mensageiro para essa missão. Mas seria contra toda e qualquer ordem celeste das coisas imaginar que esse mensageiro fosse se incumbir de um recado sem ter nenhuma semelhança com a mensagem que ele levava.
Eu posso, por exemplo, mandar uma mensagem de alta nobreza e significação por meio de um portador qualquer que estiver ao meu alcance, dizendo: “Você chega lá, entrega a mensagem e pede um protocolo comprobatório.”
Mas na ordem angélica isso não é assim. São Gabriel deveria representar magnificamente o Divino Espírito Santo para Nossa Senhora, de maneira que fosse a própria figura do Esposo convidando-A. Portanto, ele precisa ser visto como o Arcanjo da contemplação, da chama que leva a alma a se embevecer com o Espírito Paráclito.
Se assim não fosse, São Gabriel não seria um mensageiro, mas um porta-recado. Ele tem que ser a imagem da mensagem que leva. Por aí podemos perceber o que Nossa Senhora sentiu quando viu o Arcanjo São Gabriel.
Compreende-se, assim, que logo que a Santíssima Virgem disse o “sim”, o Espírito Santo Se tenha unido a Ela. O Divino Paráclito preparou a alma d’Ela para ver face a face o “Original”, o Arquétipo, do qual São Gabriel não era senão um tipo. Claro está que o Espírito Santo é infinitamente mais do que um arquétipo, Ele é o Criador. Mas se poderia conceber essa relação à maneira de uma arquetipia.
Nesta concepção, o Arcanjo São Gabriel é aquele que nos traz o lumen, convida-nos para o recolhimento, a oração, a fim de sentirmos o gosto das coisas celestes e o desdém das terrenas, o que é uma graça insigne do Espírito Santo.Agilidade diplomática de São Rafael
A única passagem da Bíblia onde vem descrita a atuação de São Rafael é o episódio narrado no Livro de Tobias. Pelo que me lembro da narração, Tobit, pai de Tobias, tendo ficado cego acidentalmente, empobreceu, precisando ser sustentado pelo trabalho da esposa.
Vê-se que Tobias era um rapaz casto, direito, sério, alegria de seu pai.
Em determinado momento, Tobit resolveu mandar Tobias a uma cidade onde morava um parente dele para cobrar uma dívida, pois isso os ajudaria naquela situação.
Tobias se põe a caminho e aparece um companheiro que era o Arcanjo São Rafael. A certa altura da viagem, chegam junto a um rio e aparece um peixe misterioso que ataca Tobias. Então, sob a orientação do Anjo, Tobias agarra e mata o peixe. São Rafael o ensina a abri-lo e a tirar de dentro dele um certo óleo que iria curar a cegueira de Tobit.
Chegando à cidade, encontra um parente, homem abastado e influente, cuja filha era lindíssima. Sete homens tinham querido casar-se com ela, mas movidos pela sensualidade. Ora, Deus não permitia que um homem sensual se casasse com a moça. Por isso todos os maridos tinham morrido, e ela já ficara viúva por sete vezes sem ter sido tocada por nenhum homem, pois não aparecera o varão casto que deveria desposá-la.
Apresenta-se Tobias e, com o assentimento do pai da jovem, casam-se. Então, acompanhado de sua esposa, ele volta para junto de Tobit.
Quando Tobias estava fora de perigo, já na casa paterna, o companheiro de viagem anunciou que era São Rafael, um dos sete espíritos que assistem na presença do Altíssimo, e sumiu.
Notem como toda a dificuldade de Tobias não era uma situação de guerra, mas um problema de ação. Seu pai é pobre e Tobias tem uma dívida para cobrar, uma viagem arriscada a fazer, uma jovem a desposar, uma vida para arranjar; pela intervenção do Anjo, essas atividades se consertam em cadeia.
Na ação entra a agilidade diplomática, a continuidade, tudo aquilo quanto representa o operar ao longo de situações incertas. São Rafael é também o protetor nessas circunstâncias, porque se vê que Tobias foi sujeito a toda espécie de vicissitudes até a situação da família dele se regularizar, tendo ele de agir arduamente, e só se saiu bem por meio de milagres.
Por isso, São Rafael é protetor na linha do princípio axiológico1, da confiança, da misericórdia, enfim, de toda a bondade para se restabelecer e se levar uma vida normal.São Miguel: o Arcanjo da luta
Embora, absolutamente falando, a contemplação seja superior à ação, não corresponderia à realidade comparar a atuação dos três Arcanjos a um triângulo em que São Gabriel estivesse sempre no ângulo superior e os outros dois abaixo, em situação de igualdade. Isso torna-se particularmente claro ao considerarmos São Miguel, o Arcanjo da luta.
O empenho do combate, de si, tem algo de destrutivo de quem o trava. Mesmo quando não conduz necessariamente à morte, a luta corresponde a um esforço superior ao desgaste normal do mero trabalho. Por isso traz consigo um aspecto de oblação, na qual o caráter de desinteresse é maior. Por exemplo, o desprendimento manifestado no episódio de Abraão com Isaac é fabuloso! Aquilo é puro amor. Pois bem, pode-se lutar por puro amor indo para uma Cruzada, como Isaac caminhou para ser morto pelo pai.
Aliás, Nosso Senhor Jesus Cristo afirmou que a imolação é a maior prova de amor: “Não há maior prova de amor do que dar a vida pelo amigo” (cf. Jo 15, 13). E dizia isto de Si mesmo para nos explicar como devemos estar certos de seu amor por nós.
Por aí podemos ver a magnificência da luta e, portanto, da atuação de São Miguel Arcanjo.Profetismo da luta e do holocausto
Em face deste quadro, a ação parece muito inferior à contemplação e à luta. O problema está em termos uma concepção muito material da ação. Com o próprio São Rafael fica-nos na mente o desenhinho – aliás, encantador e bobinho –, que ilustrava os livros de História Sagrada para crianças, dele andando a pé, com um bastão do qual pendia uma espécie de moringuinha, e conversando com Tobias animadamente.
Ora, São Rafael foi um Anjo de uma sabedoria ativa superior, que ajudou Tobias a ver o que de fato ele deveria querer na viagem, encontrar os meios para realizá-la, e cuja companhia lhe dava força e ânimo para empreendê-la com êxito. O aspecto material da viagem para o Anjo não era nada. Fazer com aquele boneco fabricado por ele – o qual Tobias tomava como sendo um homem – falasse e caminhasse, para um espírito angélico não era coisa alguma.
Compreende-se, então, que para nos referirmos a São Rafael como o Arcanjo da ação devemos escolher os mais altos graus e padrões da ação. Portanto, muito mais do que a atuação operacional, meramente ativa, a ação pensante. Algo à maneira, por exemplo, daquela frase do Marechal Foch2: “Ma droite est pressé, ma gauche est menacé, ma arrière est coupée… que fais-je? J’attaque”3. Isto é magnífico! Quer dizer: “Eu estou num apuro total, então vou atacar!” Esta é uma ação, se assim se pode dizer, “rafaélica”, no sentido de que é o pensamento sobre a ação de uma alta categoria.
A arte de reinar, governar, dirigir profeticamente, a missão profética no conjunto da ação da vida diária estaria com São Rafael, enquanto que com São Miguel estaria o profetismo da luta e do holocausto. Assim se compreende a beleza da distinção entre o agir desses Arcanjos.Os três Arcanjos em episódios da vida de Nosso Senhor
Poder-se-ia perguntar, na vida santíssima e augustíssima de Nosso Senhor, qual desses aspectos brilhou mais e em quais episódios Ele Se conduziu como o Deus de Gabriel, o Deus de Rafael e o Deus de Miguel. Seria um estudo do Evangelho muito bonito.
A meu ver, na Transfiguração do Monte Tabor Nosso Senhor pode ser simbolizado eminentemente por São Gabriel. Na Paixão, por São Miguel, pois é o holocausto e a luta, foi quando Ele venceu o mundo. Ademais, agonia, em grego, significa a luta do atleta; os atletas eram chamados agonistas. Depois, enquanto Mestre, percorrendo a Terra Santa e fazendo apostolado em sua vida pública, é simbolizado por São Rafael.
Com base nestas considerações poderíamos imaginar a nossa vida como uma ação concomitante dos três Arcanjos, com momentos em que ora prepondera São Rafael, ora São Miguel, ora São Gabriel.
Os três Arcanjos formam um unum e, conforme o matiz de nossa atividade apostólica, somos mais beneficiados por um ou por outro. De maneira que, às vezes, nos tornamos tão eficientes na ação que temos a impressão de existir só para agir. Outras vezes, somos tão terríveis no combate que parecemos viver só para a luta. Mas há ocasiões nas quais nos sentimos tão convidados à meditação, que temos a sensação de não existirmos senão para ela. É uma espécie de síntese dos três Arcanjos.
Donde se poderia deduzir que o objetivo de nossa ação apostólica é uma “angelização”. Há uma espécie de presença angélica entre nós, um prolongamento angélico de uns para os outros, e uma representação angélica correspondente ao fundo de nossos espíritos e de nossas almas, que explica a nossa escravidão e união a Nossa Senhora.v(Extraído de conferências de 28/3/1976 e 12/12/1976)
1) Princípio que leva o homem a ser fiel a sua axiologia, ou seja, ao eixo em torno do qual devem girar todas suas ideias, volições e atividades, visando a glória de Deus e o bem de sua alma.
2) Ferdinand Foch (*1851 – †1929). Militar católico francês que comandou os exércitos da França e da Inglaterra durante a I Guerra Mundial.
3) Do francês: Minha direita é comprimida, minha esquerda é ameaçada, minha retaguarda é golpeada… Que faço eu? Eu ataco. -
Sinal do abandono divino
Em nossos dias, como reagiriam os maus diante de um milagre semelhante ao operado por Deus a favor de São Wenceslau? Tal reação determina a atitude da Providência para com a humanidade.
No dia 28 de setembro a Igreja comemora a festa de São Wenceslau. A respeito dele, temos a seguinte nota em nosso calendário:
Soberano e Padroeiro da Boêmia. Século X. Praticou as mais belas virtudes, conservou durante toda a vida, intacto, o tesouro da virgindade. Foi assassinado por seu próprio irmão Boleslau, por instigação de sua mãe, enquanto orava na igreja. A Hungria, a Polônia e a Boêmia escolheram-no por patrono.O rei pacificador
Seguem os dados biográficos de São Wenceslau, tirados de L’Année Liturgique, de Dom Guéranger.
São Wenceslau é uma das mais radiosas figuras deste décimo século, que foi chamado o século de ferro. Neto de uma santa e filho de uma mãe pagã fanática, ele foi uma expressão muito pura desta realeza cristã, que devia ter em São Luís, três séculos mais tarde, seu tipo mais perfeito; regime onde a natureza materna da autoridade lhe assegurava todos os devotamentos e temperava todos os excessos; regime que, fazendo do príncipe o tenente de Deus e de Cristo o seu representante autêntico, o revestia de um caráter sobrenatural e sagrado.
Chefe de uma grande família nacional, o rei era o pai de seu povo e, do maior ao menor, todos tinham o direito de serem seus filhos e de apelar para sua justiça. Mestre inconteste, mas cujo poder era temperado naturalmente pela identidade dos interesses da coroa e do povo, ele era o árbitro nas decisões. Ele era o árbitro cujas decisões são as mais sábias, porque nenhuma ambição pessoal, como nenhum interesse de partido podia influenciar um homem que, recebendo tudo de Deus, não tinha contas a dar senão ao próprio Deus, pelo que Ele era o juiz supremo.
O rei era então o pacificador, o “l’apaiseur”, dizia São Luís, sempre o apaziguador. Portanto, sempre preocupado em resolver as disputas entre seus filhos para os unir em vista do bem comum, a tranquilidade do reino, prelúdio da paz de Deus.
No programa do príncipe cristão, que Wenceslau realizou durante os curtos anos de seu reino, Deus apôs a este programa o selo do martírio, dando assim à sua obra completa um valor de eternidade.Virtude comprovada por sinais sobrenaturais
Na vida de São Wenceslau, mártir, escrita pelo Gal. Silveira de Mello, encontramos estes dados:
A fama das virtudes de Wenceslau percorreu o mundo. Era admirado e querido pela Cristandade. Amigo de seu povo, dedicado ao serviço da nação, austero e generoso, protetor da pobreza, propugnador da fé e súdito fiel da Igreja e também soldado destemido e leal. Oto, Imperador da Alemanha, chamou Wenceslau à Dieta de Worms e cumulou-o de atenções.
Certo dia, demorou-se inadvertidamente na igreja. Quando chegou à assembleia, o imperador e os outros príncipes, ressentidos com o atraso do duque, tinham resolvido a não se levantar, como era de estilo, à entrada do dignitário retardado. Mas assim que o duque penetrou na sala, viram os nobres que dois Anjos o acompanhavam.
Tomados de admiração e respeito, o Imperador levantou-se para recebê-lo e lhe deu o lugar à sua direita. Como lhe poderiam negar honras, se os próprios Anjos lha tributavam? O Imperador, em sinal de apreço, obsequiou-o com duas preciosas relíquias: um braço de São Vito e os ossos de São Sigismundo, rei da Borgonha e também grande soldado.Numa assembleia de soberanos, autêntica vassalagem mútua
Tenho a impressão de que este dado biográfico de tal maneira supera o resto, que impede qualquer outro comentário. Vamos, portanto, nos cingir a isto.
Notem a linda cena. São Wenceslau era rei da Boêmia, mas, com certeza, seu reinado invadia também uma parte da Polônia, pois esta nação também o admitiu como seu padroeiro. Ele era rei, portanto, de uma grande parte do território, e nessa época estava sendo realizada uma Dieta, quer dizer, uma reunião dos principais dentre os príncipes e senhores feudais do Sacro Império Romano Alemão. Certamente ele foi convocado para esta Dieta porque essas nações, naquele tempo, estavam sujeitas, de algum modo, à suserania do Sacro Império.
Então, era uma reunião muito bonita e cheia de nobreza, porque não era uma reunião do rei com seus súditos, mas de um senhor que chefiava e liderava outros senhores, também soberanos. De maneira que era uma espécie de assembleia de soberanos, cheia de cavalheirismo e de força.
Vemos aqui um belo exemplo: notem o respeito à soberania. Cada um era como que um soberano e, portanto, quando um senhor entrava na sala, mesmo de categoria inferior à do Imperador do Sacro Império, todos se levantavam, inclusive o Imperador.Cruel inflexibilidade do mal e doce vingança do bem
Então, vem a represália. Quando entrou São Wenceslau, resolveram não se levantar, porque ele tinha demorado demais na oração. Percebam a raiva daquela assembleia. Mesmo em plena Idade Média pairava, sutil, aquela antipatia enigmática da parte dos que rezam pouco para com os que rezam muito, pois os primeiros são sempre inflexíveis com relação aos segundos. Infelizmente, o contrário não acontece, porque os que rezam muito são propensos a ter uma condescendência com os que rezam pouco.
Decidiram os pouco piedosos: “Vamos todos ficar quietos e sentados quando ele entrar, para desfeiteá-lo, porque ele chegou atrasado.”
Vejam a resposta da Providência: São Wenceslau ingressa na sala e todos veem dois Anjos entrando junto com ele. Acabou-se, não tem mais nada para dizer. A virtude sai coberta de honra e de glória, e o Imperador dá a ele dois presentes.
As pessoas daquele tempo tinham o senso muito mais elevado do que as de nossos dias e, em vez de dar coisas que valiam dinheiro, o Soberano presenteou-lhe duas relíquias – pois se dava muito maior valor a estas do que ao ouro –, uma das quais a de um soldado, para o grande soldado que era São Wenceslau.Ausência de manifestações sobrenaturais
Surge a seguinte pergunta: Hoje em dia, quando alguém muito piedoso chega atrasado a algum evento e sofre desfeita, por que não aparecem dois Anjos acompanhando essa pessoa? Por que não ocorrem as manifestações sobrenaturais que cobrem de glória o bem e esmagam o mal? A resposta é evidente: porque os pecados do mundo chegaram a tal cúmulo, que os homens não merecem mais isso.
Não devemos imaginar que os Anjos apareceram ao lado do Santo principalmente para a glória dele. Não! Estavam, sobretudo, para o bem do público, que presenciava aquele milagre. Era, portanto, um bem para os maus. Mas os ímpios de nossos dias não o merecem.
Poderíamos nos perguntar que atitude tomariam os maus se hoje aparecessem Anjos ao lado de um justo. Com certeza, seria um ódio sem nome e provavelmente não mudariam de posição. É este estado de espírito córneo, hirto, rijo, que merece, com razão, a punição divina. Porque quando milagres como esses não comovem mais, ou nem sequer existem, é o sinal de que a Providência abandonou uma determinada coletividade humana, um ciclo de cultura ou a humanidade inteira em certa quadra histórica, a qual ficará marcada para toda espécie de castigo. v(Extraído de conferência de 27/9/1966)