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Autor: Bruno

  • São Basílio de Cesareia, campeão da Fé

    São Basílio de Cesareia, campeão da Fé

    Assim como São Basílio enfrentou heroicamente os imperadores que desejavam restaurar o paganismo, os católicos devem combater os atuais propugnadores do neopaganíssimo, sem vacilações nem conivências, sem concessões ao erro, sem mutilações da doutrina da Igreja.

    Em sua luta contra a Cidade de Deus, o pai da mentira nem sempre é original e costuma incidir às vezes nos mesmos artifícios e nos mesmos processos.

    Problemas de estratégia apostólica

    Assim, por exemplo, a tática ultramoderna e aerodinâmica de combater a Igreja de preferência por meios indiretos, com ares de quem pede desculpas pelos danos a contragosto causados aos que se postam no caminho da “civilização” e do “progresso”, esta tática é velha de vários séculos.

    E como Deus suscita Santos com peculiaridades especiais, conforme a época em que aparecem e a tarefa que deles espera, vejamos sumariamente o modo de agir de um Santo que, já no século IV da era cristã, teve pela frente, em sua essência, os mesmos problemas de estratégia apostólica que os católicos defrontam no mundo de hoje, pois enfrentou a mesma espécie de inimigos: os que mordem e sopram ao mesmo tempo.

    Efetivamente, São Basílio viveu em uma época idêntica à nossa, com a diferença que se achava numa fase da história do cristianismo que corresponde ao crepúsculo que antecede a aurora, enquanto tudo parece indicar que nos achamos num momento que corresponde ao crepúsculo prenunciador das sombras da noite, da espessa sombra totalitária neopagã e socialista que ameaça o mundo moderno.

    O grande Doutor da Igreja do Oriente assistiu aos últimos estertores do paganismo, como nós assistimos ao seu renascer.

    E nesse estrebuchar do paganismo não vemos apenas os esforços desesperados de um neopagão do porte de Juliano Apóstata e de todos os seus áulicos, mas também o terror das heresias que faziam causa comum contra a Igreja com esses remanescentes do cesarismo, tal como hoje hereges e cismáticos se aliam ao bolchevismo totalitário em sua luta contra a civilização católica.

    Juliano Apóstata e os atuais inimigos da Igreja

    O arianismo havia perturbado profundamente o mundo cristão. Ao lado de bispos fiéis à Igreja, piedosos, caritativos, amados do povo, havia os bispos arianos, prelados da corte semipagã, que favoreciam a persistência do paganismo.

    Entre os imperadores romanos e do Oriente, que após a conversão de Constantino tentaram restabelecer o paganismo, Juliano Apóstata é o exemplo mais expressivo. E em sua tática vemos os mesmos processos hoje usados pelos inimigos da Igreja, sejam eles liberais ou totalitários.

    Com efeito, Juliano, precursor do Estado leigo moderno, começa por dar liberdade não somente ao Catolicismo, que já emergira das catacumbas com o advento de Constantino, mas a todas as seitas cristãs dissidentes.

    Com esse gesto visava ele a mesma finalidade dos nossos inimigos de hoje. O pagão Marcelino1 perfeitamente compreendeu o embuste: “Juliano agiu de tal modo que a liberdade que parecia conceder degenerasse em licença e aumentasse as divisões.”

    Obtido esse resultado, não mais tinha a temer para suas empresas ulteriores uma “resistência unânime dos cristãos”.

    A hipocrisia dessa liberdade de cultos não tardou a se revelar com a perseguição que moveu contra Santo Atanásio e na proteção que concedeu aos hereges, como no caso dos donatistas.

    Monopólio do ensino pelo Estado

    Em Juliano Apóstata vemos os mesmos esforços no sentido da implantação do neopaganismo de que Hitler foi o exemplo em nossos dias. E, entre outras analogias, podíamos aplicar indiferentemente a um e a outro a tática da corrupção, mediante a negação de empregos públicos aos católicos, conforme nos mostra a História.

    Também no laicismo escolar temos em Juliano Apóstata um precursor da moderna perseguição à Igreja. E assim como a legislação escolar, que lentamente promove o monopólio do ensino pelo Estado, é a mais terrível arma usada pelos inimigos da Igreja liberais e totalitários, do mesmo modo essa foi a grande arma desse imperador neopagão.

    Em suas leis, que estabeleciam o monopólio educativo do Estado, dizia Juliano: “Todos aqueles que fizerem profissão de lecionar devem ter a alma imbuída das únicas doutrinas que são conformes ao espírito público.”

    Bem podemos avaliar o que Juliano entendia por esse “espírito público”, como bem sabemos o que quer dizer hoje em dia a “neutralidade” escolar.

    Pois foi num mundo assim minado pelos mais satânicos métodos de perseguição ao Catolicismo – por isso mesmo, hipócritas e velados –, nesse tempo em que, humanamente falando, a causa da ortodoxia estava perdida, foi nessa época em que viveu São Basílio.

    Sem a chama da vida interior é vã toda obra de assistência social

    Ninguém melhor indicado do que ele, São Basílio, para promover uma larga política da mão estendida com os neopagãos e os hereges. Com efeito, em Atenas, juntamente com São Gregório Nazianzeno, sentara lado a lado com Juliano nos mesmos bancos escolares. E era de natural pacífico e retraído.

    Entretanto, resoluto e reiteradamente recusou-se a aceitar o convite para ir à corte de Juliano, como mais tarde enfrentaria o Imperador Valente, quando este começou a persegui-lo devido à sua oposição ao arianismo e à sua recusa em aceitar em sua igreja esses mesmos hereges.

    Mais do que o Santo da ação social, mais do que um precursor do serviço social em seu aspecto moderno, devemos ver no grande Bispo de Cesareia o campeão da Fé, o defensor da ortodoxia, o homem da Igreja.

    E essa pureza de doutrina, essa santa intransigência em matéria de Fé e de costumes é que são a chave de sua obra no setor social. Conforme diz o Evangelho de sua festa, “se o sal perder sua força, com que se há de condimentar?” (cf. Mt 5, 13).

    Se a meta do serviço social é facilitar à sociedade os meios necessários para que os seus membros possam desenvolver plenamente sua personalidade, se o sumo bem que podemos aspirar para o próximo é a realização de sua missão sobre a Terra para que consiga atingir a bem-aventurança eterna, é claro que sem essa chama da vida interior seria vã toda a obra de assistência social desenvolvida pelo grande Santo.

    Operários saem às ruas exigindo a libertação de São Basílio

    São Basílio enfrentou o totalitarismo do Estado do mesmo modo que os católicos do mundo de hoje terão de fazer perante os novos imperadores neopagãos e neocoroados, sem vacilações nem conivências, sem concessões ao erro, sem mutilações da doutrina da Igreja, sob pretexto de proselitismo ao campo contrário.

    Só assim podemos imitar o grande e Santo Doutor em sua desassombrada intervenção a favor dos humildes, dos fracos, de todas as vítimas da arbitrariedade, da tirania, das injustiças sociais.

    Só assim poderemos edificar, nas cidades de hoje, aquela verdadeira cidade de assistência social por ele construída às portas de Cesareia. Só com esse verdadeiro conceito de caridade é que poderemos trazer à Igreja as multidões desgarradas que hoje se debatem no meio da mais completa miséria, principalmente espiritual.

    Só assim teremos ao nosso lado aquele mesmo povo que sai tumultuariamente pelas ruas, ao saber que São Basílio se achava perante o tribunal do Prefeito Imperial de Cesareia, que o ameaçava com as acusações mais infames. Esse mesmo povo a cuja frente, segundo a narração de São Gregório Nazianzeno, se achavam os operários das fábricas imperiais, brandindo os instrumentos de seu ofício e exigindo a libertação do seu benfeitor.

    Só imitando as verdadeiras virtudes de São Basílio é que estaremos certos de haver combatido o bom combate no campo social.

  • Coração de Jesus, ordenado como um exército em campo de batalha.

    Coração de Jesus, ordenado como um exército em campo de batalha.

    O culto ao Sagrado Coração de Jesus foi desvirtuado pelo Romantismo, que baniu dessa devoção as virtudes da sabedoria e da fortaleza, transformando-a em um fogareiro de sentimentalidade. Isso abriu o campo para a penetração dos erros da Ação Católica.

    Quando li São Luís Grignion, me entusiasmei e fiz minha consagração a Nossa Senhora. Comecei de imediato a trabalhar para generalizar essa devoção na Congregação de Santa Cecília, à qual pertencia, e na Ação Universitária Católica, da qual era fundador.
    Noção errônea a respeito do apostolado
    Analisando os estados dos espíritos naquele tempo, vi que o jogo do demônio seria o seguinte: para diminuir o alcance e a robustez da consagração a Nossa Senhora, insistir muito na devoção ao Sagrado Coração de Jesus.
    Em princípio, o problema se resolveria com a possibilidade de uma devoção absorver a outra, começando por não temer essa absorção caso fosse bem feita, porque a fórmula de São João Eudes é “o Sagrado Coração de Jesus e de Maria”. Contudo, eu percebia que estavam anexadas à devoção ao Sagrado Coração de Jesus, como ela era praticada então, certas deformações, o que me levou a tocar menos nessa tecla fundamental e insistir muito naquela que o demônio estava querendo silenciar mais no momento, isto é, a devoção pregada por São Luís Grignion, pois atacar essa devoção era o jeito de liquidar com ambas.
    Por outro lado, havia um elemento que caracterizava profundamente a diferença entre a devoção e o apostolado daquele grupo que se reunia no salão de cima da sede da Congregação Mariana de Santa Cecília e os do grupo do Legionário.
    O apostolado era concebido por eles, sobretudo, como sendo individual. A ideia de conquistar um país por uma ação de caráter político para, por esse meio, operar a conquista dos indivíduos, pareceria ímpia, seria como arrancar o apostolado de dentro do santuário e cobri-lo não sei com que verniz de mau sabor laicista, levando a ver mal o esforço dos católicos nessa direção.
    Por aí pode-se imaginar o choque causado na pequena Academia Jackson de Figueiredo, da Congregação de Santa Cecília, quando um jovem congregado mariano, estudante de Direito, de uma das melhores camadas sociais de São Paulo, com o destaque normal que naquele tempo tinha um estudante de Direito, é convidado a falar e, diante de uma grande expectativa dos ouvintes, profere um discurso sobre Maria Antonieta.
    “Mas, o que isso tem a ver com o apostolado?! Que loucura é essa?!”
    Como eram os horizontes das pessoas imbuídas dessa mentalidade?
    As duas principais paróquias nesse mundo de que estou falando eram a de Santa Cecília e a da Consolação. Fazendo uma comparação visual entre ambas as matrizes, nota-se que, embora de estilos e plantas diferentes, são do mesmo quilate, da mesma importância como igrejas.
    Assim como havia uma rivalidade intensa entre os dois principais clubes de futebol de então – o Paulistano e o Palmeiras –, que fazia vibrar a cidade inteira quando ambos se confrontavam, no campo religioso rivalizavam as paróquias de Santa Cecília e da Consolação.
    O grande problema no que havia de mais interno na paróquia não  era conquistar as almas, nem a cidade, muito menos o país e menos ainda o mundo, mas lograr que a próxima semana de estudos promovida por Santa Cecília, ou seja, pelos “cecilianos”, tivesse mais brilho do que a organizada pelos “consolacionianos”, para fazer uma briga que, no fundo, era um ato de amor filial e de dedicação pessoal aos vigários, no caso concreto Mons. Pedrosa e Mons. Bastos. Devido a essa rivalidade, quem queria bem a Mons. Pedrosa não podia deixar de ficar machucado vendo como os outros homenageavam Mons. Bastos, e reciprocamente. Essa era a vida interna com mais nervo e “fecundidade” de uma paróquia.
    Incêndio do amor de Deus que trará a regeneração da sociedade
    Pode-se imaginar o choque que senti quando me deparei com essa situação, eu que entrara no movimento católico tangido por razões e considerações tão diferentes!
    Compreendi que só me era dado ter contra isso uma reação: assistir às conversas e às conjurações recíprocas, interparoquiais, com ar de quem presta muita atenção, um novato que está conhecendo coisas enormes e torcendo… Sem dizer uma palavra, porque eu não podia mentir, mas pensando no íntimo com meus botões: “Quando eu tiver alguma influência aqui, outro galo cantará.”
    Tão logo me foi possível, procurei despertar nessas pessoas o interesse a respeito das perseguições religiosas ocorridas naquela ocasião no México. Mostrar-lhes tudo quanto de horrível estava sendo feito lá contra os católicos tiravam-nas um pouco dessa luta de bairros. Então eu dizia: “Rezemos porque esses martírios podem trazer para as nossas almas muito bem!” Também levantava um problema: “Vai ou não vai cair Obregón1? Vai ou não vai cair Calles2? O que acontecerá? A integridade física desses bons católicos está dependendo disto. Rezemos por eles porque amanhã pode acontecer o mesmo no Brasil!”
    Quer dizer, poderia suceder no Brasil que o governo perseguisse a Religião, então era preciso começar a prestar atenção no governo e abrir as janelas para algo que não fosse o “altíssimo” debate, o “altíssimo” antagonismo “cecílio-consolacionista”. Daí formar um grupinho que gostasse de conversar sobre temáticas abertas a problemas internacionais relativos a implantar a Civilização Cristã, ou seja, o Reino de Cristo, portanto o Reino do Sagrado Coração, no mundo inteiro.
    Isso feito devagar, ao longo de conversas que levaram anos, mas que foram colocando nessa linha um certo número de espíritos mais cultos, mais inteligentes, mais abertos. Ao mesmo tempo, eu ia interessando-os pelos problemas espirituais de cunho individual, vistos enquanto atuando no mundo moderno.
    Por exemplo, A alma de todo apostolado, de D. Chautard, considera, na sua essência, os problemas espirituais, falando do indivíduo, mas com a atenção voltada sobre o conjunto das questões do apostolado. Se houver vida espiritual intensa em algumas almas, estas alcançarão a fecundidade de seu apostolado e obterão o incêndio do amor de Deus nas outras almas. Este incêndio trará como consequência a regeneração da sociedade, porque os autênticos católicos constituirão um Estado verdadeiramente católico.
    Bola de neve que não cai, mas sobe a montanha
    Não se trata de tomar a seguinte posição: nós somos por uma piedade coletiva e os outros são a favor de uma piedade individual. Isto seria um antagonismo estúpido, heretizante e que eu detestaria. É preciso adotar o equilíbrio: “Queiram tudo quanto a Igreja pede e a doutrina manda para o apostolado individual. Animem, portanto, seus amigos a comungarem, rezarem o Rosário, fazerem meia hora de meditação diária, visitas ao Santíssimo Sacramento. O que um católico muito fervoroso dedica à sua vida espiritual coloquem no primeiro plano, porque se vocês não tiverem isso em dia, o resto é uma patacoada.”
    Porém, o primeiro plano não quer dizer plano único. Quem plantou a árvore deve querer colher os frutos que são as obras de apostolado. Se estas atuarem de modo individual visando mais longe, conseguirão um grupo capaz de trabalhar sobre um conjunto maior que, por sua vez, atuará sobre outro grupo ainda maior. Seria uma bola de neve que não cai, mas paradoxalmente sobe a montanha, de maneira a chegar ao píncaro quase um globo.
    Não tardou a começar um dardejamento contra nós, no sentido de que não nos interessávamos pela paróquia e ouvíamos pouco o vigário; tínhamos a atenção posta em questões de que ele quase não tratava e, portanto, não afinávamos com a Igreja.
    É fácil notar o efeito que isso produzia sobre as devotas da paróquia e o pessoal a elas semelhantes. Isso nos isolava. Assim, quanto mais irradiávamos, mais ficávamos distantes do fluxo corrente.
    Certa vez, estávamos fazendo uma obrazinha qualquer de reerguer um muro na sede da Congregação e o vigário contratou uns operários para esse serviço. Encontrávamo-nos juntos, por ali, alguns desse clã paroquial e do clã de largas vistas, quando entraram os operários para trabalhar. Estes, ao passarem por nós, disseram com amabilidade “boa tarde” e todos respondemos, com urbanidade corrente, “boa tarde”.
    Julguei interessante fazer notar de modo favorável a atitude desses operários, para mostrar que não tínhamos nenhum preconceito social e nos alegrava reconhecer na classe operária uma qualidade que, conforme se dizia, ela não possuía, pois, na São Paulinho daquele tempo, se julgava que todo operário era um revolucionário, um comunista.
    Então eu disse:

    — Vejam como são amáveis esses operários!
    Vira-se um do clã paroquial e, com os olhos incendiados e num tom de um Marat que encontrou um barão de quinta classe para exterminar, me diz:
    — Plinio, é bom você ver nesta ocasião que o operário não é a fera que você imagina!
    Sempre tratei essas coisas com muita brandura, mas minha vontade era de afirmar: “Fulano, veja o seguinte: eu sou seu irmão e não essa fera que você está imaginando!” Não disse, deixei passar a coisa.
    Entretanto, de maneira irreversível, as relações foram rachando. Era o prognóstico da crise progressista, porque todos esses “paroquialistas” entraram para o progressismo, enquanto os de horizontes mais largos ficaram na Contra-Revolução. Então, havia alguma coisa de muito profundo que germinava dentro disso.
    “Carolismo” e “anticarolismo”
    Quando se tratou de fundar a Liga Eleitoral Católica, fui nomeado seu secretário e, enquanto tal, coube-me providenciar que todos os vigários da Arquidiocese de São Paulo fundassem núcleos da Liga nas suas paróquias, bem como procurar todos os bispos para fazerem a mesma coisa em suas dioceses. Era um trabalho enorme, que me tirou daquele circuito paroquial e me fez tomar contato direto com o grande público católico. Então, compreendi duas coisas que eu não sabia.
    Primeira, que a massa do povo era muito mais católica do que eu pensava. Segunda, julgava que numa paróquia os bons católicos eram só os que frequentavam a igreja; ora, pelo contrário, notei existir muita gente que não frequentava as paróquias porque tinha objeções a um certo “carolismo” reinante nelas. Por certo, nesse “anticarolismo” havia opositores da Religião e, portanto, uma coisa péssima; esses não me procuravam nem nos víamos. Entretanto, existia também muita gente católica vivendo bem no seu canto, mas que carola não queria ser. Assim, havia uma massa aproveitável, desde que o espantalho do carola se tivesse afastado.
    No culto do Sagrado Coração de Jesus entrava uma desfiguração que não era pregada como uma doutrina, mas estava no ambiente. Consistia em certa deformação da laudabilíssima insistência na reparação. Mostrava o Sagrado Coração de Jesus como contínua, invariável e exclusivamente ferido, machucado, magoado e triste por definição. Mas de um determinado modo que os atos de devoção a Ele só O consideravam enquanto flagelado, punido de modo injusto, perseguido, dirigindo-Se aos fiéis só para Se queixar, e essa queixa tinha obrigação de ser doce, lacrimejante e pedindo uma reparação de coração a Coração.
    Ora, o que se entendia como coração no tempo de Santa Margarida Maria, e no Ancien Régime, mudou de tonalidade na época do Romantismo. Até este último, o coração era um símbolo da vontade e, portanto, de todos os movimentos legítimos – infelizmente ilegítimos também – de que a vontade humana é capaz. Então, nós poderíamos dizer: Coração de Jesus e Maria acies ordinata – ordenado como um exército em campo de batalha.
    Mas todo o relacionamento entre o Coração de Jesus e o seu fiel estabelecia-se entre corações feridos, tristes e sentimentais. Em vez de o elemento determinante da consagração ao Sagrado Coração de Jesus ser o ato de vontade, era a consonância lacrimal.
    Estando de viagem por um país da América espanhola, fui a uma igreja cujo andar térreo é todo consagrado ao culto perpétuo de adoração ao Santíssimo Sacramento. Tudo muito bonito e me agradou, mas notei que as músicas ali cantadas e os devocionários utilizados provinham dos mesmos manuais, em geral compostos na Europa e traduzidos para o espanhol, como aqui eram para o português.
    Eu via entrarem senhoras saudáveis, distintas, com ar resoluto e muito menos sentimental do que em outros países, mas tão logo se ajoelhavam tomavam um ar sentimental. Iam lá para isso…
    Em uma nação muito combativa e determinada, eu notava o efeito específico daquela forma de piedade, que era de estimular uma atitude de espírito naturalmente existente no coração de uma mãe, de um pai. A vida de família tem disso e ai de nós se não possuísse. É obrigação até dos Mandamentos ter uma sentimentalidade de família que, entretanto, quando bem constituída, é de outro modo: dominada pela razão, que se chama virtude da sabedoria, e pela vontade, que se designa virtude da fortaleza. Assim, a pessoa iluminada pela fé vê como são as coisas, está disposta ao martírio para executar seu dever e compreende que o martírio envolve a batalha. Com efeito, uma das formas de martírio não é apenas morrer na guerra, mas também marchar, cansar-se, viver no meio das baratas da trincheira, ter aquela forma de força de vontade que enfrenta tudo com vistas a um ideal. Nisto se incluiria a figura da mulher forte, exaltada na Sagrada Escritura (Pr 31, 10-31).
    Posição “acies ordinata”
    Ora, a devoção ao Sagrado Coração de Jesus estava transformada num fogareiro de sentimentalidade, sendo sistematicamente banidas as virtudes da sabedoria e da fortaleza. Isto tinha que trazer como consequência uma falta de entendimento entre nós.
    No seio dessa incompreensão entra, de repente, a Ação Católica. Esta, contudo, não é mais lacrimejante. Ela é alegre, otimista: “Todo mundo é bom, ninguém vai para o Inferno. Alegrem-se, queiram-se bem, amem-se muito todos uns aos outros e o mal desaparecerá da face da Terra. Nada mais de luta!” A moleza deixou de ser chorosa e foi substituída por uma festividade que era uma atração ao pecado; o raciocínio deixou de ser invertebrado para ser vertebrado, mas a serviço da heresia.
    Quem ficava de fora? Nós, com a posição acies ordinata. O agere contra3 faz parte de nossa espiritualidade de forma marcante ; inclusive o agere contra interior. Na realidade, sem ele o resultado é uma devoção ao Sagrado Coração de Jesus desvirtuada.
    Sendo secretário da Liga Eleitoral Católica, falava em público como um profissional, mas dizia o que precisava dizer. Eu percebia que em auditórios católicos muito grandes, onde aquele núcleo paroquial mais interno estava presente, mas como força quantitativamente menor, minhas palavras eram aclamadas; o que na reunião paroquial não acontecia.
    Resultado sintomático: fui eleito como deputado, de longe o mais votado. Pouco depois houve uma eleição interna na Congregação Mariana de Santa Cecília e se tratava de eleger uma diretoria. Não havia candidatos, as pessoas votavam em quem queriam. Fui derrotado. Então, ganho vinte e quatro mil votos no Brasil e não tenho votação suficiente para me eleger na Congregação Mariana. Porque aquele núcleo de vistas mais reduzidas, que achava que eu considerava o operário uma fera, organizou uma trama para me derrotar, baseada nessas questõezinhas. Derrotou-me com facilidade, enquanto eu galgava os degraus da Constituinte.
    Não me queixei e na reunião de posse da diretoria compareci com fisionomia alegre, satisfeita. O vigário falou: “Eu emposso a diretoria eleita. Agora, devo dizer que manifesto o meu desagrado, porque não pode ser uma coisa correta que um candidato, considerado idôneo por vinte e quatro mil brasileiros para representá-los na Constituinte, não esteja à altura de ser presidente desta Congregação. Portanto, fica aqui esta nota do meu desagrado.”
    Eu, mantendo-me frio, olho para os outros, frios também. Vê-se como aquilo que o progressismo devorou tanto quanto pôde, estava feito para ser devorado por ele.

     

    (Extraído de conferência de 5/2/1995)

    1) Álvaro Obregón Salido (*1880 – †1928), Presidente do México de 1920 e 1924.
    2) Plutarco Elías Calles (*1877 – †1945), Presidente do México de 1924 a 1928.
    3) Do latim: agir contra.

  • Dizei uma só palavra e minha alma será salva!

    “Dizei uma só palavra e minha alma será salva!”

     

    Se tivermos fé de que uma só palavra de Nosso Senhor pode nos curar ou ser o ponto de partida da cura, compreenderemos ter nossa vida espiritual possibilidades de progresso e de desencalhe inimagináveis.

    A devoção ao Coração Eucarístico de Jesus deve ser entendida como o Coração de Jesus enquanto dirigindo-Se às almas na Sagrada Eucaristia, ou a Sagrada Eucaristia considerada como prodígio da misericórdia do Coração de Jesus.
    As curas narradas pelo Evangelho eram autênticas e tinham valor simbólico
    Sugiro fazermos algumas considerações práticas que possam ajudar a nossa Comunhão na Festa do Sagrado Coração de Jesus.
    Devemos nos lembrar do princípio, sempre importante nessas situações, de que a festa litúrgica traz consigo graças especiais relacionadas com a data. Portanto, na Festa do Sagrado Coração de Jesus receberemos graças que derivam do Coração Eucarístico de Jesus. Ao mesmo tempo, como se trata de uma festa eucarística, essas graças devem ser particularmente abundantes por ocasião da Comunhão. E nós, que possuímos a felicidade inapreciável de nos aproximarmos da Sagrada Mesa todos os dias, teremos um título especial de fervor para comungarmos.
    Quando nos preparamos para receber a Sagrada Eucaristia, devemos ter em mente que o Deus que vamos receber em nossas almas é um Deus de misericórdia infinita, no maior rigor da palavra “infinita”. Ou seja, de uma condescendência imensa, pronto sempre a ajudar a reerguer o pecador, quer se trate do que tenha a suprema desventura de estar em estado de pecado mortal, quer do que se encontra em estado de pecado venial ou atolado em algumas das tais dificuldades ou ingratidões que o pecador tem às vezes, mesmo quando está em estado de graça, e que retarda o seu progresso por muitos anos.
    E devemos nos lembrar de que todas essas situações dos pecadores em vários graus têm algo de parecido com as circunstâncias das pessoas curadas por Nosso Senhor. Aquelas curas narradas pelo Evangelho foram fatos autênticos, que possuíam valor simbólico. Elas indicavam doenças da alma e mostravam o poder de Jesus para curá-las. E que o Redentor pode, por uma só palavra, operar de um momento para outro a cura completa de uma alma ou, pelo menos, dizer no seu interior uma palavra que seja o ponto de partida para sua cura total.
    Havia os paralíticos e há os que estão paralisados nas vias da vida espiritual e não se movem; os mudos e os que não abrem a boca para falar a Deus de suas próprias necessidades, nem ao seu diretor ou a quem pode ajudar suas almas; os surdos e aqueles que não ouvem a palavra de Deus nem os bons conselhos dados pelos verdadeiros amigos. Assim também nós estamos num desses casos.
    A mais alta forma de amor
    Devemos, então, dizer ao Coração infinitamente misericordioso de Jesus na Sagrada Eucaristia aquelas palavras que o padre declara quando aponta a Hóstia para os fiéis: “Sed tantum dic verbum et sanabitur anima mea.”1
    Nós não temos ideia do que é a fecundidade de uma palavra de Nosso Senhor no interior das almas. Às vezes nos esforçamos durante muitos anos para abandonar um defeito ou adquirir uma virtude, e fracassamos sempre. Mas, se nos lembrássemos de que Nossa Senhora pode nos obter de Nosso Senhor Jesus Cristo, de um momento para outro, uma só palavra, a qual pode nos curar inteiros ou ao menos ser o ponto de partida de nossa cura, então compreenderíamos que a vida espiritual tem possibilidades de progresso e de desencalhe que, em nossa tibieza da rotina, nem sequer imaginamos toda sua extensão e importância.
    Precisamos nos aproximar de Nosso Senhor sempre por meio de Nossa Senhora, a Medianeira de todas as graças, e pensar: Ele nos patenteia seu Coração – ou seja, o símbolo de sua misericórdia dentro da obra-prima de amor que é a Sagrada Eucaristia – e toma a iniciativa de instituir uma festa para que todos os fiéis venham a Ele. Nós, com humildade, obediência, contrição, vamos nos apresentar a Nosso Senhor rogando o perdão pelos nossos pecados e a virtude, pela qual nos unimos a Ele. É o pedido mais grato que Lhe possamos fazer, o qual contém a mais alta forma de amor: querermos parecer-nos com Ele.
    E rogamos nesse dia que Ele diga uma só palavra e nossa alma será salva, curada. Essa palavra pode tanto vir agora quanto daqui a algum tempo. Pedir continuamente que ela venha é uma das melhores coisas da vida espiritual. Quanto mais ela tardar tanto mais virá fecunda e, até certo ponto, irresistível. É na espera dessa palavra que devemos viver nossa vida espiritual.
    Então, por intermédio de Nossa Senhora devemos dizer: “Senhor, eu não sou digno de que entreis em meu coração, mas Vos recebo com confiança. Dizei uma só palavra e minha alma será salva!” É um dia, portanto, de alegria, de confiança e de muita esperança.
    Talvez alguém receba a graça de repetir muitas vezes durante o dia e em todos os dias de sua existência esta expressão: “Sed tantum dic verbum et sanabitur animam mea.” Quando chegar a hora da morte, receberemos a última palavra que dará à nossa alma o último passo necessário para atingir toda a sua santificação. E morreremos em paz, com a morte do justo, depois de termos vivido na luta da vida dos justos.

     

    (Extraído de conferência de 10/6/1964)

    1) Do latim: Mas dizei uma só palavra e minha alma será salva.

     

  • ASCENSÃO DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO

    As mil expressões de Nosso Senhor Jesus Cristo na Ascensão
    Não é possível que Nosso Senhor Jesus Cristo ascendesse sem glória. O
    Evangelho não narra quais foram os sinais sensíveis daquela ocasião, mas devemos imaginá-los majestosos, grandiosos e enlevantes.
    Ascensão – Museu Palácio
    Barberini, Roma Uma meditação completa
    sobre a Ascensão deveria
    comportar dois aspectos:
    o primeiro seria a respeito
    do que ela significa teoricamente. O outro, uma recomposição do quadro daquilo que se passou por ocasião da
    Ascensão e que simbolizaria o significado dela.
    Era preciso a glorificação
    atingir o Céu A Ascensão de Nosso Senhor Jesus
    Cristo aos Céus representou a consumação do triunfo d’Ele aos olhos dos homens. Ele Se encarnou,
    nasceu de Maria Virgem, viveu praticando maravilhas, foi glorificado
    antes de sua Paixão pelos numerosos milagres que operou, tanto no
    Tabor, como na aclamação do povo em Jerusalém; foi também humilhado, crucificado e morto.
    Era preciso que a enorme injustiça cometida contra Nosso Senhor Jesus Cristo fosse reparada. Essa reparação se fez sob a forma primeira da Ressurreição gloriosa d’Ele, na qual Ele venceu a morte e por todos os séculos
    ficou demonstrado ser Ele o Filho de Deus, e que tudo quanto quiseram fazer não valeu de nada. Com a Ressurreição, todos os seus adversários ficaram aniquilados e a glória do Homem-Deus atingiu o auge.
    Mas era ainda uma glória se realizando nesta Terra. Era preciso a glorificação
    atingir o Céu, quer dizer,
    depois de Nosso Senhor Jesus Cristo ser glorificado aos olhos dos homens, que estes vissem Deus Pai elevá- Lo à mais alta das glórias, levando- O ao Céu para governar ao seu lado. E o triunfo d’Ele ser o de estar sentado por toda a eternidade ao lado direito do Padre Eterno. Ele nunca deixou de estar no Céu. Contudo, na sua natureza humana, esteve também na Terra. Na Ascensão, Ele, na sua humanidade, subiu ao Céu e sentou-Se à direita do Pai. E como Ele era Homem-Deus, completamente Deus e completamente Homem, para a natureza humana
    d’Ele era uma glorificação sem precedentes estar num lugar onde nunca um Querubim ou um Serafim ousou pensar em estar. Ali está sentado um verdadeiro homem, com corpo, sangue e alma humana, hipostaticamente
    unido à Segunda Pessoa
    da Santíssima Trindade.
    O último ato da existência d’Ele na Terra foi a Ascensão. Fisicamente,
    ela é um ato pelo qual Ele foi subindo até perder-se da vista dos homens.
    Entretanto, é muito mais do que um subir: é entrar no Céu e sentar-Se à mão direita de Deus Pai. Os Céus se abrem Há como que “duas ascensões”
    de Nosso Senhor Jesus Cristo. A primeira, aos olhos dos homens: Ele
    perfura todo o espaço e sobe ao Céu. Depois, é aos olhos dos Santos, quando atravessa subindo – no sentido figurativo da palavra – os coros
    dos Anjos e chega até Deus. Ele Se torna superior a todas as criaturas existentes no Céu. São, portanto, duas festas: uma
    que é a Ascensão d’Ele na Terra e uma no Céu. Ele subir tanto aos olhos dos homens indica de um modo material a glória que Ele recebeu no Céu, pois subir é ser glorificado. Devemos, à vista disso, considerar que essa glória foi seguida ou acompanhada de outra glória imensa: Nossa Senhora, os Apóstolos, os
    discípulos, viram-No subir, estavam presentes, mas com Nosso Senhor Jesus Cristo subiram todas as almas justas que estavam no Limbo à espera d’Ele, porque ninguém tinha entrado no Céu antes d’Ele. Então, São José, o mais santo dos
    homens; São João Batista, o maior dos homens nascidos de mulher; todos
    os profetas do Antigo Testamento, com exceção de Elias e de Enoc; todas as figuras justas que já tinham saído do Limbo ou do Purgatório, entrando no Céu; Nosso Senhor levou
    essa miríade de almas resplandecentes. Era uma data histórica: o Céu, que estivera fechado para os
    homens, se abria! Uma outra imensa festa, que só se tornava possível a partir da Ascensão, começava a se preparar: a entrada
    de Nossa Senhora no Céu. Então as mais altas glórias do Céu ficariam completas, porque com Nosso Senhor e Nossa Senhora lá, todo o resto
    é acidental, é novidade de quinta categoria.

    Revista Dr.Plinio. Maio 2024 – Pág 8 – AS MIL EXPRESSÕES DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO NA ASCENSÃO

  • Só ama o bem quem odeia o mal

    Só ama o bem quem odeia o mal

     

    São Lázaro, monge do século IX, teve as mãos queimadas por ordem de um imperador iconoclasta porque fazia imagens sagradas. Os humanitários que hoje declamam contra as Cruzadas e a Inquisição não têm uma palavra de censura para com os imperadores romanos que martirizavam os católicos.

    Temos para comentar alguns dados biográficos de um Santo extraordinário: São Lázaro, Confessor. Não é o amigo de Nosso Senhor, irmão de Marta e Maria. Monge e pintor de sagradas imagens, viveu no século IX. Queimaram lhe as mãos com ferro em brasa, mas foi curado pelo poder de Deus e pintou novamente imagens que haviam sido raspadas pelos iconoclastas. O Criador restaurou suas mãos e ele restaurou as pinturas.
    Mãos queimadas até os ossos
    Lázaro, nascido no Monte Cáucaso, deixou seu país na primeira juventude e veio para Constantinopla, onde abraçou a vida religiosa. Além dos exercícios ordinários do estado monástico, aprendeu pintura, arte que se cultivava nos claustros, sobretudo em Constantinopla, desde que a guerra contra as sagradas imagens tinha sido declarada pelos iconoclastas1.
    Como os iconoclastas eram contra o uso das imagens, nos bons mosteiros os monges aprendiam a pintá-las como um meio de combatê-los. Naturalmente, depois eles difundiam essas pinturas.
    Os imperadores, não contentes de quebrar as imagens e perseguir seus defensores, tinham ainda de tal modo intimidado os pintores com o rigor de seus editos, que o medo da morte, da prisão e do exílio os impedia de fazer qualquer quadro de Jesus Cristo ou dos Santos. Foi o que levou muitos superiores de mosteiros a querer reparar esse dano, apesar das ameaças e da indignação do soberano, introduzindo a arte da pintura em suas casas, para impedir que as santas imagens fossem abolidas pelos ímpios.
    Lázaro tinha se tornado muito hábil nessa profissão, e a perpetuação, a reputação que adquiriu foi causa da perseguição particular que teve de sofrer.
    O Imperador Teófilo, em 829, tendo ordenado a pena de morte para todos os pintores que recusassem a rasgar os quadros nos quais tivessem pintado os Santos, mandou buscar Lázaro em seu mosteiro, para executar o edito em sua presença. Não conseguiu levá-lo a isso pela doçura e recorreu à tortura. Fê-lo tão cruelmente que pensou que São Lázaro morreria no suplício. Mas, tendo recuperado suas forças algum tempo depois, continuou a pintar. O imperador mandou prendê-lo de novo e torturá-lo com brasas de ferro rubro nas mãos, queimando-as até os ossos.
    A imperatriz Santa Teodora obteve do marido a sua libertação e o manteve oculto na Igreja de São João Batista, onde o fez curar. Quando Lázaro se restabeleceu, pintou, por reconhecimento, um quadro do Precursor, que se tornou um dos mais célebres de seu tempo.
    Após a morte de Teófilo, a imperatriz Santa Teodora e seu filho Miguel III restabeleceram a honra das imagens. Lázaro elaborou um Salvador que colocou sobre uma coluna para ser exposto à veneração pública.
    Vendo, então, o culto antigo bem fortalecido, entregou-se aos santos exercícios da vida monástica, não pensando senão em santificar-se nas obscuridades do claustro, onde morreu em 867.
    Ódio contra os que defendem a Fé
    Percebemos nesta narração, de modo muito notável, a fidelidade desse Santo à sua vocação, levando-o a enfrentar toda espécie de torturas. Mas me parece ser tal o número de mártires com essa fidelidade – isso é algo refulgente de tal maneira na Igreja que as nossas almas estão cheias dessa luz –, não sendo o caso de insistir sobre isso.
    Talvez seria conveniente apontar, nesse conjunto de fatos, um aspecto não tão batido quanto o da glória insondável do martírio: a impiedade é fina e perspicaz no seu ódio, e devemos lamentar que nós, filhos da luz, não sejamos tão perspicazes e finos como ela.
    Os humanitários declamam muito contra as Cruzadas, a Inquisição e toda forma de guerra de religião – porque, dizem eles, são torturas horrorosas, não se deve absolutamente permitir uma coisa dessas, é contra a caridade etc. – porém, não têm uma palavra de censura para com os imperadores romanos que martirizavam os católicos. Quando se diz a um deles:
    — Você não fala contra Diocleciano, Nero? Só contra Torquemada2?
    E num movimento temperamental de um ódio todo platônico, ele diz:
    — Ah, também contra esses eu sou contra. Mas Torquemada… é preciso acabar com ele.
    — E Nero não foi horroroso?
    — Sim, sim. São coisas que se deve censurar, e – bocejando, acrescenta – eu censuro…
    Mas o ódio dinâmico dos ímpios é contra aqueles que derramaram o sangue na defesa da Fé. Contra os que o fizeram verter para combater a Fé eles não têm ódio dinâmico nenhum. Isso prova que, no fundo, o ódio deles não é contra o derramamento de sangue, mas é contra a defesa da Fé.
    Quanto se tem falado contra os Autos de Fé espanhóis! No que isso tem de diferente de um Auto contra a Fé, do ponto de vista sangue? Não tem nada de diferente. Tanto um quanto outro envolvem sangue, são opressões da liberdade. Entendamo-nos a esse respeito. O ódio dos humanitários, dos liberais vai exclusivamente contra aqueles que derramaram o sangue para defender a Fé.
    Sanha de perseguição contra os bons
    Isso vai mais longe. Se eles não têm ódio aos que promoveram o derramamento de sangue perseguindo os católicos, muitos dentre eles, podendo, também não verteriam o sangue dos católicos? Uma coisa traz a outra, como consequência. Se eu, diante de crimes atrozes como esse, me manifesto frio, no fundo acho que quem fez isso tem uma certa razão e eu, no caso, talvez o fizesse. Compreende-se, então, até onde chega a ferocidade dos ímpios: não só até a contradição, mas até uma sanha de perseguição que não revelam, mas que, no fundo, eles têm.
    Reflexão muito útil quando estivermos em presença de pessoas como essas, pois quase todo mundo tem esse estado de espírito.
    Façam um teste nos ambientes frequentados. Digam algo sobre a Inquisição e todo mundo se levanta para atacá-la. Falem contra as perseguições, por exemplo, dos iconoclastas no Império Romano do Oriente, e sai o tal ódio frio, platônico, que não é verdadeiro ódio.
    Portanto, toda essa gente tem, no fundo – ao menos em algumas fibras da alma, quando não em todas –, uma complacência com a ideia de matar os autênticos católicos.
    Então, em contato com pessoas desse naipe, devo pensar: “Esse indivíduo que está falando comigo quereria matar-me, se pudesse”. É preciso chegar até o caso pessoal, atingir a pele e o instinto de conservação. Não considerar apenas em tese a morte dos cristãos, dos católicos.
    Não conhece nem ama o bem quem não conhece e não odeia o mal
    Se esse indivíduo fosse meu familiar, eu poderia cogitar: “É verdade. Mas sendo ele meu parente, não me mataria”. Isso é falso. O ódio deles contra a Fé é tão grande que gostariam de matar os católicos e não poupariam ninguém.
    Quem julgasse que o indivíduo não faria isso com ele porque é seu parente, pensaria como um ingênuo. Seria bom passar por um curso de “desingenuização” porque levou a ingenuidade até extremos muito grandes.
    Peçamos, então, a São Lázaro esta graça penetrante: perceber e discernir nos ímpios com os quais tratamos o ódio que eles têm a nós.
    Alguém dirá: “Mas, Dr. Plinio, qual é a vantagem disso? Eu vivo tão bem com os meus parentes. São agradáveis, influentes, conversam bem. Agora está o senhor me fazendo ver um Nero ou um Calígula… O senhor desarranja tudo! E parece estar contente com o desarranjo produzido.”
    A minha resposta é a seguinte: Não conhece nem ama o bem quem não conhece e não odeia o mal. O conhecimento do mal é indispensável para o conhecimento do bem, como contraste. Depois do pecado original, não se pode dispensar o conhecimento do mal. E é preciso medir o mal em toda a sua extensão, para conhecermos o bem em toda a sua nobreza.
    Portanto, é necessário fazer esse exercício com as pessoas próximas de nós. Porque, ademais, seria uma atitude simplória achar que os parentes dos outros não prestam e são muito ingênuos quando acreditam neles, mas os nossos são diferentes.
    Vale muito a pena nos compenetrarmos do ódio pessoal que eles têm a nós, porque enquanto não tivermos essa compenetração, um restinho de complacência com o mundo pode ficar. E se trata, exatamente, de dissipar toda e qualquer complacência com o mal. Então, fica isso indicado à nossa consideração a propósito da vida de São Lázaro.

     

    (Extraído de conferência de 22/2/1967)

    1) Não dispomos dos dados da ficha utilizada por Dr. Plinio.
    2) Tomás de Torquemada (*1420 – †1498), sacerdote dominicano espanhol, confessor da Rainha Isabel, a Católica, e do Rei Fernando de Aragão. Foi também grande Inquisidor de Espanha.

     

  • plinio

  • Mártir da liberdade da Igreja

    Mesmo inerte em seu jazigo, São Tomás Becket, séculos depois de se tornar mártir pela liberdade da Igreja, constituía ainda um obstáculo para que a caudal da heresia pudesse avançar entre os ingleses. Por isso, o ímpio Henrique VIII mandou profanar e queimar seus restos mortais.

     

    Há um adágio latino que diz: “Nemo summo fit repenter”. De fato, nenhuma ação sumamente boa ou má se faz repentinamente, mas é precedida de uma série de atos que a preparam. Isto que se aplica à vida moral dos indivíduos revela-se igualmente verdadeiro no que diz respeito à história das civilizações, das nações, dos ciclos de cultura: os grandes acontecimentos históricos se preparam com antecedência.

    Como explicar um dos episódios mais tristes da História da Igreja?

     

    Nesse sentido, um dos episódios mais tristes da História da Igreja é, sem dúvida, a passagem quase maciça da Inglaterra da plena observância da Religião Católica para o protestantismo, no século XVI. Bastou o Rei Henrique VIII entrar em desacordo com a Santa Sé, por esta não lhe permitir divorciar-se de Catarina de Aragão e contrair novas núpcias, para que ele se proclamasse chefe da igreja inglesa e se separasse de Roma.

    No momento em que o monarca rompeu com a Igreja Católica Apostólica Romana, um número muito pequeno de eclesiásticos e de leigos manteve-se fiel. Alguns deles se tornaram mártires, entre os quais os dois mais ilustres foram São Tomás Morus, como leigo, e São João Fischer, como cardeal. Contudo, a maior parte entregou-se e mudou de religião vergonhosamente, sem o menor remorso. Conventos inteiros, universidades, instituições de caridade, tudo passou em bloco para o protestantismo.
    Como explicar um fato tão escandaloso como esse? Como uma ação dessa natureza foi praticada, ao mesmo tempo e por tantas pessoas, pelo simples sopro de um rei?
    Compreende-se que, estando a Europa no período das monarquias absolutas e sendo muito grande, em consequência, o poderio dos monarcas, fosse grande também a pressão exercida por eles para obrigar o reino à apostasia. Contudo, cabe observar que, em primeiro lugar, esse não era exatamente o caso de Henrique VIII, pois há muito os poderes da monarquia inglesa se encontravam limitados pelos do Parlamento. Em segundo lugar, mais absolutos do que todos os monarcas da Europa daquele tempo foram os potentados da Roma pagã; entretanto, incontáveis mártires souberam resistir a eles. Portanto, o despotismo da autoridade que prevarica não justifica a prevaricação do súdito.
    Estamos, pois, diante de uma página nigérrima da História da Igreja, a qual, aliás, repetiu-se, mutatis mutandis, em alguns outros reinos. A deterioração da Igreja Católica para a igreja protestante na Suécia, na Noruega, na Dinamarca e em várias partes da Alemanha deu-se assim. Houve uma pressão do poder civil, e o corpo eclesiástico aderiu maciçamente à heresia.

    Duas concepções opostas da vida

    No caso concreto da Inglaterra, nós encontramos a explicação no ocorrido com São Tomás Becket.
    Já no século em que ele viveu, em plena Idade Média, havia uma disputa entre a realeza e o Papado. Os reis entendiam que a Hierarquia Eclesiástica inglesa deveria estar sob seu domínio, enquanto os Papas, fundamentados na instituição criada por Nosso Senhor Jesus Cristo, reivindicavam o pleno domínio em matéria espiritual sobre todos os bispos, sacerdotes e fiéis.
    Por trás desse desacordo encontrava-se um princípio mais alto, uma discussão a respeito de um ponto que continha em si os germens da Revolução: quem afirma que o rei tem poder sobre a Igreja, no fundo sustenta que o poder temporal, representante das coisas desta Terra e da matéria, possui um primado sobre o poder espiritual.
    Isso equivale a dizer que, na ordem dos valores, os assuntos terrenos e civis têm mais importância que os religiosos, sendo estes meros instrumentos daqueles. Donde fica subentendido, embora não se afirme explicitamente, que o fim da religião se restringe à vida do homem neste mundo e que a Fé é um mito útil para disciplinar os homens, mas não representa uma verdade revelada, objetiva e absoluta.
    Ao contrário, o princípio sustentado pela Igreja é de que as coisas desta Terra existem em função da vida eterna e que, embora o Estado possua uma finalidade própria temporal, ele deve ajudar a Igreja a cumprir sua missão. Por essa razão, além de estar revestida de todo direito e poder em matéria eclesiástica, no que diz respeito à salvação das almas a Igreja tem autoridade até sobre o Estado, o qual não pode promulgar leis que contrariem a Lei de Cristo.
    Trata-se, portanto, de duas concepções opostas da vida: uma sacral e religiosa, sustentada pela Igreja; outra laica, materialista, revolucionária.

    Lenta invasão do Estado nos poderes da Igreja

    No século XII houve uma luta muito forte entre o Rei Henrique II e São Tomás Becket, o qual defendia o poder do Papado e rejeitava a jurisdição do monarca sobre a Igreja.
    O embate teve especial importância porque ele era Arcebispo de Canterbury, sede primacial da Inglaterra, e, portanto, implicitamente representava todo o corpo eclesiástico inglês enquanto sua mais alta figura.
    A disputa tornou-se intensa e São Tomás Becket acabou exilado durante anos. Tendo voltado para a Inglaterra, foi assassinado pelos esbirros do Rei.
    Boa parte do povo ficou a favor de São Tomás Becket e indignada com o Rei, a tal ponto que este se julgou na necessidade de fazer penitência pública diante do sepulcro do santo Arcebispo, pedindo perdão a Deus pelo que havia acontecido.
    Contudo, uma porção considerável das classes dirigentes continuou a dar apoio ao Rei em segredo, enquanto certo número de intelectuais católicos e mesmo de clérigos sustentavam, na surdina, que São Tomás Becket havia exagerado e, embora o Rei tivesse agido mal ao matá-lo, doutrinariamente a razão estava com ele, pois o Estado gozava de superioridade em relação à Igreja.
    De fato, acompanhando a História da Inglaterra vê-se que houve uma lenta e progressiva invasão do Estado sobre os poderes da Igreja. Esta era cada vez mais garroteada, e glaterra ainda era católica, mas sua catolicidade tornara-se tão superficial que foi possível derrubar a Igreja naquele reino mais ou menos como se abate uma árvore em cuja raiz há cupim: com um solavanco ela cai. Por mais que algumas fibras continuem ligadas ao solo, facilmente se cortam e está tudo acabado.
    Quando subiu ao trono Maria Tudor, que se casou o Rei Felipe II da Espanha, houve uma restauração religiosa na Inglaterra. A nação inteira se converteu à Fé Católica e um legado papal foi enviado para dar absolvição ao Parlamento; ter-se-ia a impressão de que estava tudo em ordem.
    Entretanto, nada estava em ordem. Morta Maria Tudor, aqueles mesmos bispos e outras autoridades que haviam se convertido à Religião Católica voltaram para o protestantismo. Logo, era tudo aparência e oportunismo.

    Se não houver uma reação, o progressismo levará os fiéis à heresia

    Esses fatos têm analogia com nossos dias. Notamos precisamente o pensamento católico minado pela Revolução a partir, pelo menos, do século XIX. Inicialmente por meio de simples omissões ou concessões em pontos doutrinários não bem definidos; mais tarde, mediante a adesão explícita a doutrinas injustificáveis.
    Vemos no mundo atual o surto do progressismo. Se não houver uma reação, é forçoso que ao cabo de algum tempo os fiéis caiam em heresia. Com efeito, o edifício espiritual de um país minado pelo progressismo assemelha-se à madeira corroída por dentro pelo cupim, mas que conserva sua aparência exterior: quem a olha, pensa que está tudo normal, quando na realidade basta calcar o dedo para aquela casca ceder. Aliás, nem mais essa aparência está muito conservada; há apenas um resto de ortodoxia. Põe-se a mão, e logo aparece o pensamento revolucionário.
    Eu pude assistir a essa evolução no Brasil. Quando era jovem congregado mariano, entre 1929 e 1932, notava que a Religião Católica professada em torno de mim parecia inteiramente ortodoxa, tal como eu aprendera em menino. Contudo, observava com estranheza que o sentido de luta havia desaparecido por completo. Dez anos antes ainda se atacavam muito os erros do protestantismo, mas quando eu tinha cerca de vinte e três anos já quase não se falava disso.
    Ademais, eu percebia que as verdades católicas mais características, aquelas que doem mais aos hereges, não eram afirmadas nos seus pontos protuberantes. Por exemplo, chamava-me a atenção como todo mundo admitia a infalibilidade da Igreja e o princípio da monarquia papal, mas se tratava com indiferença quem quisesse falar com muito entusiasmo a esse respeito. Em geral, os temas que interessavam limitavam-se aos que não despertavam polêmica.
    Por volta de 1937 e 1938, começou a primeira infiltração das ideias progressistas. Em 1970 essas ideias vão tomando conta de tudo. Primeiro as omissões, depois as concessões, em seguida as traições: um ritmo tríplice. Vemos isso tanto na História da Inglaterra com em nossos dias.

    Preparação remota para a completa negação da Igreja

    Assim caminham as grandes heresias: os silêncios preparam as traições. A Inglaterra aderiu ao protestantismo não com explosões de ódio como aconteceu, por exemplo, na Alemanha, nem com uma espécie de crise de consciência coletiva que cortou o país ao meio, como se deu na Revolução Francesa, mas sim na indolência e na inexistência de qualquer reação.
    Em nossos dias, as alas mais avançadas do progressismo sustentam que a Igreja, como a conhecemos, deve ser desarticulada e praticamente abolida a sua Hierarquia. Os bispos e padres precisam ser tutelados por uma espécie de “profetas”, e as paróquias, aglutinadas ao sabor desse “espírito profético”.
    Essas ideias estão na lógica de um mesmo erro que avança: primeiro afirma-se que a Igreja deve estar sujeita ao Estado, porque o princípio leigo prevalece sobre o religioso; mais adiante se diz que o princípio religioso é inútil.
    Com efeito, é tão antinatural defender que o leigo está acima do religioso que tal contradição não se sustenta, e só pode ser vista como uma etapa para a rejeição do religioso. Então, a posição inglesa representou uma preparação remota de terreno para a completa negação da Igreja.
    Essa preparação remota teve seus primórdios nos episódios vividos por São Tomás Becket, de cuja post-história nos fala Dom Guéranger no L’Année Liturgique.

    Relíquias profanadas e destruídas

    O século XVI veio acrescentar algo mais à glória de São Tomás Becket, quando o inimigo de Deus e dos homens, Henrique VIII da Inglaterra, ousou perseguir com sua tirania o mártir da liberdade da Igreja até no esplêndido relicário onde ele recebia há quatro séculos as homenagens da veneração do mundo cristão.
    Henrique VIII pretendia dirigir a Arquidiocese de Canterbury, transformando seu Arcebispo numa espécie de lacaio mitrado. Uma vez que o mais importante dos prelados ingleses cedesse, era natural admitir que os outros se deixassem arrastar também e a Igreja na Inglaterra se transformasse numa repartição pública.
    São Tomás Becket foi morto na sua catedral, tornando-se mártir da liberdade da Igreja. Tendo sido canonizado, seu corpo jazia num relicário esplêndido, onde durante quatro séculos recebeu as homenagens dos ingleses.
    Ora, a partir do momento em que Henrique VIII se separou de Roma e se declarou chefe da igreja da Inglaterra, era natural que ele quisesse injuriar as relíquias daquele que morrera para que isso não se desse. Então, mandou algumas pessoas irem à Catedral de Canterbury para violar a sepultura de São Tomás Becket. Como comenta Dom Guéranger, é uma glória a mais para esse Santo o fato de seus restos mortais terem sido profanados pelo homem nefando que separou a Inglaterra da Igreja Católica.
    Continua o texto:
    Os ossos sagrados do prelado, morto pela justiça, foram arrancados do altar. Um processo monstruoso foi instituído contra o pai da pátria, e uma sentença ímpia declarou Tomás réu de crime de lesa-majestade.
    Esses restos preciosos foram colocados sobre uma fogueira, e nesse segundo martírio o fogo devorou os despojos do homem simples e forte cuja intercessão atraía sobre a Inglaterra os olhares e a proteção do Céu.

    A Inglaterra não era mais digna daquele tesouro

    Também era justo que o país que devia perder a Fé por uma desoladora apostasia não guardasse em seu seio um tesouro que não seria mais devidamente estimado. Além disso, a sede de Canterbury estava manchada. Cranmer sentava-se na cadeira dos Agostinhos, dos Dunstanos, dos Lanfrancos, dos Anselmos, de Tomás enfim; e o santo mártir, olhando ao redor de si, não teria encontrado entre seus irmãos dessa geração senão João Fisher, que consentiu em segui-lo até o martírio. Mas este último sacrifício, por muito glorioso que fosse, nada salvou. Há muito a liberdade da Igreja perecera na Inglaterra. A Fé, lentamente, apagar-se-ia.

    O autor comenta ser explicável esse processo monstruoso. A Inglaterra protestante destruiu um tesouro que não era mais digna de conter. Privou-se, assim, pelas suas próprias mãos, da presença das relíquias de um Santo que seria um intercessor ainda válido para evitar que ela caísse nos últimos degraus da apostasia. E, com isso, consumou-se o crime.
    Além disso, até mesmo a Igreja na Inglaterra não era mais digna desse tesouro. Com exceção do Cardeal João Fisher, todos os bispos do país apostataram. Os padres e as freiras, na sua quase totalidade, aceitaram a passagem para o protestantismo com uma passividade simplesmente vergonhosa, como aconteceu na Suécia, Noruega, Dinamarca e em certas partes da Alemanha. Conventos, dioceses, populações inteiras deixaram a Religião Católica com a maior indolência, quando não com a maior alegria, e se fizeram protestantes.

    Ser odiado pelos maus, até depois da morte, é uma glória

    Quase ninguém fala dessa execução póstuma de São Tomás Becket; entretanto, há nela uma verdadeira glória para o Santo. Ser odiado pelos maus, sofrer perseguição por amor a Nosso Senhor Jesus Cristo é uma glória. Mas que o exemplo dado por um homem tenha sido tão magnífico que os maus não conseguem violar os Mandamentos da Lei de Deus sem primeiro destruir suas relíquias é uma glória ainda maior!
    Até depois de morto ele era uma barreira, e foi preciso remover esse obstáculo para que a caudal da heresia pudesse avançar. Ora, não há nada mais belo do que um varão deitado no seu jazigo, inerte, posto na sombra da morte – ao menos quanto ao seu corpo – ser ainda uma sentinela pela qual só se passa eliminando-a. É uma verdadeira beleza!
    Santa Teresinha do Menino Jesus dizia que ela passaria seu Céu fazendo bem à Terra. São Tomás Becket, à maneira dele, fez o mesmo: seu corpo incutia pavor nos adversários.
    Nesse sentido, Louis Veuillot1 afirmava que a sua suprema alegria seria se suas cinzas ainda incomodassem os inimigos, depois de durante a vida ele ter levado tão longe quanto possível a luta e lhes arrancado a máscara da hipocrisia.
    Alguns amigos meus que estiveram no Equador contaram-me que até hoje não se sabe onde García Moreno2 está enterrado, porque a divulgação do lugar de sua sepultura poderia ocasionar manifestações pró e contra esse ex-presidente, fiel imitador de Nosso Senhor Jesus Cristo por ser sinal de contradição e pedra de escândalo.3
    Como eu gostaria de saber que não só a minha sepultura, mas a de cada um dos que me seguem na luta contrarrevolucionária, fosse um marco de divisão e de escândalo! Muito mais do que isso, eu desejaria que, indo para o Céu, me fosse dado voltar continuamente à Terra para perseguir os maus, confundi-los, passar-lhes descomposturas, incutir terror e batalhar contra a Revolução de todos os modos imagináveis, de maneira a fazer, depois de morto, tudo aquilo que em vida eu quereria ter feito, mas não me foi possível.

    Seria uma linda maneira de prosseguir em nosso apostolado se todos nós, do Céu, continuássemos a deitar sobre a Terra essas e outras “chuvas de rosas”.v

    (Extraído de conferências de 28/12/1968 e 29/12/1970)

    1) Escritor e jornalista francês (*1813 – †1883).
    2) Gabriel Gregorio Fernando José María García y Moreno y Morán de Buitrón (*1821 – †1875). Presidiu a República do Equador por dois mandatos consecutivos, tendo sido assassinado durante o segundo, depois de ser eleito para o terceiro.
    3) Somente em 16 de abril de 1975 foram encontrados os restos mortais de Gabriel García Moreno.

  • Como é grande este nome!

    Chamai-vos Amigos da Cruz. Como é grande este nome! Confesso-vos que ele me encanta e deslumbra. É mais brilhante que o sol, mais elevado que os céus, mais glorioso e mais pomposo que os títulos mais magníficos dos reis e dos imperadores. É o grande nome de Jesus Cristo, a um tempo verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, é o nome inequívoco de um cristão.
    São Luís Grignion escreveu essa obra, Carta Circular aos Amigos da Cruz, numa época em que os títulos ainda tinham muita importância, e por meio deles se definiam as pessoas com o direito de usá-los. Então o Santo utiliza o valor da titulatura, conforme à ordem natural das coisas, para mostrar como o título de amigo da Cruz é elevado.
    Esse título equivale ao nome d’Aquele que é verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, Nosso Senhor Jesus Cristo. Pensamento lindíssimo e acertado, pois ao longo de toda a História a piedade católica elegeu a Cruz como símbolo do próprio Redentor.
    Nota-se, ainda, que ele não se refere à cruz apenas como sofrimento, aceito e levado até seu termo em união com os méritos infinitos de Nosso Senhor, mas considera filosoficamente a forma de uma cruz como símbolo que traz consigo algo de santo, pelo vínculo que adquiriu com a Paixão. São Luís deseja nos comunicar, assim, ternura e veneração pelo holocausto redentor de Jesus, bem como pela Santa Cruz.
    (Extraído de conferência de 6/6/1967)

  • Concedei-nos a plenitude de vosso espírito

    Ó Coração Sapiencial e Imaculado de Maria, imploramo-vos que torneis profunda a nossa formação e eficaz a nossa ação, para a vossa maior glória.
    Assim, nós vos suplicamos que nos concedais a plenitude de vosso espírito, uma fidelidade inteira aos princípios da Contra-Revolução, e que nos abrais os olhos para conhecermos, rejeitarmos e combatermos as disposições de alma, os modos de ser, de pensar e de viver que caracterizam, no ambiente em que vivemos, a oposição à implantação do vosso Reino. Assim seja.

    (Composta em 31/1/1967)

  • Protetor da Santa Igreja

    Dentre as várias invocações a São José, exceção feita das que o mencionam diretamente ligado a Nosso Senhor Jesus Cristo, nenhuma é mais bonita do que a de Protetor da Santa Igreja Católica.
    De algum modo, o protetor simboliza aquilo que protege. Por isso, para a guarda de uma rainha, por exemplo, escolhem-se os mais capazes, que demonstraram maior coragem nas guerras, dando assim provas de maior dedicação à coroa.
    Por certo, o Anjo da Guarda da Igreja Católica é o maior da Corte Celeste, pois nenhuma criatura individualmente considerada tem a dignidade da Igreja, Corpo Místico de Cristo, que envolve todos os Santos e é a fonte da santidade deles.
    Assim, São José deve ser alguém tão alto, tão excelso a ponto de, por assim dizer, constituir o reflexo da Igreja que ele guarda e estar proporcionado a ela.
    Podemos então ter uma ideia da sublimidade do chamado de São José, considerando-o enquanto coidêntico com o espírito da Igreja Católica, exemplar prototípico e magnífico da mentalidade e das doutrinas dela. Vocação tão elevada que só se pode medir por este outro critério: o fato de ser Esposo de Nossa Senhora e Pai adotivo do Menino Jesus e, portanto, proporcionado a Eles.

    (Extraído de conferência de 19/3/1969)