Tocado de modo especial pela prece de Santo Agostinho ao Espírito Santo, Dr. Plinio no-la comenta, aproveitando a oportunidade para nos incutir uma fervorosa e humilde confiança no auxílio do Divino Esposo de Maria — tanto mais humilde e fervorosa, quanto mais sentirmos o peso de nossas debilidades e carências.
No ensejo da Festa de Pentecostes, creio que seria oportuno considerarmos algumas das belas invocações que Santo Agostinho dirige ao Divino Espírito Santo, na oração por ele composta [em destaque na página 21].
Amparo e remédio em nossas aflições
Vinde, vinde doce consolador das almas desoladas, refúgio no perigo e protetor na aflição desamparada.
Nesse pensamento do santo se nota a ideia de uma doçura forte ou de uma força doce. Com efeito, é próprio ao sabor das coisas celestes nos fazer sentir a bondade e a suavidade de Deus, ao mesmo tempo que nos comunicam uma grande firmeza espiritual.
Por exemplo, quando somos tocados por uma graça especial que nos comunica algo da doçura do Sagrado Coração de Jesus e do Imaculado Coração de Maria, nos tornamos mais resistentes às tentações, mais fortes no perigo, mais perseverantes na Fé. Quer dizer, trata-se de uma doçura que comunica força.
Doce consolador das almas desoladas, diz Santo Agostinho. A desolação é uma espécie de auge de tristeza. Quando, na linguagem comum, alguém se mostra desolado, significa que experimenta um grande pesar, e nele não há quase senão tristeza. Para momentos de desolação, é o Espírito Santo que nos consola, ou seja, nos recobre de força para enfrentarmos a dificuldade.
Por outro lado, é nosso refúgio nos perigos. Quais perigos? Não são, primordialmente, os que afetam o corpo, mas a alma. Nossa salvação depara, a todo momento, com circunstâncias adversas que a comprometem. Nessas horas de incerteza, nosso refúgio e protetor é o Espírito Santo, com suas graças e sua ação nas profundidades de nossa alma.
Essa verdade nos deve incutir extrema confiança no Céu e, particularmente, na intercessão de Nossa Senhora. Quantas vezes, ao considerarmos nossos problemas e defeitos, nos pomos desanimados e hesitamos no caminho da salvação! Pois bem, cumpre termos então em vista que o Espírito Santo é o Esposo da Virgem Santíssima, e não recusa coisa alguma a Ela. Portanto, nossas preces, feitas por meio da Esposa Imaculada, serão sempre ouvidas pelo Esposo Divino. Tenhamos ânimo e coragem, pois em todas as nossas necessidades, encontraremos remédio no Espírito Santo.
Além disso, Ele é também o que nos protege em nossas desventuras, em nossos desamparos semeados de aflição. Quantas situações de vida espiritual não existem assim? Rezamos, imploramos, e quando menos imaginamos, qualquer coisa nos toca a alma e nos sentimos aliviados. É a ação do Espírito Santo no fundo de nossos corações, ordenando-os e os tranquilizando.
Purificador das nossas misérias
Vinde, Vós que lavais as almas de suas sordices e que curais suas chagas.
Assim se exprimindo, Santo Agostinho quis assinalar como o Espírito Santo é, por excelência, quem lava as almas de suas misérias e as cura de suas chagas.
Mais uma vez aparece a ideia de um alento cumulado de doçura. Compreende-se: não raro, as pessoas consideram o interior de suas almas e as percebem tomadas de tantas chagas purulentas, de tantas sordices, que tendem ao desânimo. Como não desanimar? Não sentem forças para vencer a si mesmas!
Ora, esse é o momento de intervir a graça do Espírito Santo. Ele nos traz aquela força do Céu, com imensa suavidade, como uma luz dulcíssima, que penetra no âmago da nossa alma e a cura, a rejuvenesce. Tenhamos a certeza desse auxílio, e sentiremos outro ímpeto, outra coragem para subir, para continuar em frente no caminho da virtude.
Doutor das almas humildes
Vinde, doutor dos humildes e vencedor dos orgulhosos.
Outra bela invocação: Doutor dos humildes. O Mestre que esclarece e ensina às almas humildes, antes de tudo em face d’Ele. Ou seja, aquelas que reconhecem as próprias limitações e sabem que somente o Divino Espírito Santo possui a solução para todos os nossos problemas.
Aquelas que compreendem a necessidade da oração perseverante, a importância de pedir, implorar, e de fazê-lo com humildade. Eu, Plinio, sozinho, nada resolvo, porque não sou capaz de solucionar todas as dificuldades. Mas, se eu rezar ao Espírito Santo, por meio de Nossa Senhora, Ela, que é Mãe de Misericórdia, pedirá por mim e me alcançará as graças de que preciso. Esse é o caminho fácil, seguro e rápido para ser atendido. Essa verdade deve me manter alegre e de pé no meio das aflições pelas quais todo homem passa nesse vale de lágrimas.
Somos órfãos na peregrinação por este mundo
Vinde, pai dos órfãos, esperança dos pobres, tesouro dos que estão na indigência.
Essa invocação também nos leva a considerar o ponto que Santo Agostinho teve em vista ao compor a prece: a santificação daquele que a reza. Então, implora ao Pai dos órfãos.
De fato, quanto órfão há em matéria de vida espiritual! Se pensarmos, por exemplo, em todos aqueles que, num bendito dia, encontraram a vocação de servir a Igreja em nosso movimento, podemos dizer: “Se não fosse o fato de terem sido tocados pela graça e seguido o chamado de Deus, o que seria deles? A quantos riscos de se extraviar nos caminhos desse mundo estariam expostos? Como haveriam de, no fundo, sentir‑se órfãos?”
O pensamento é mais pungente: como o homem, ao longo da viagem nesta terra, é um órfão! Ainda que ele atinja os 80 ou 90 anos, é um órfão. Donde, essa bela invocação ao Divino Espírito Santo, como Pai daqueles que sentem a terrível orfandade dessa vida.
Esperança dos pobres, tesouro dos que estão na indigência. Antes de tudo, os pobres de espírito, que não têm nada a esperar e que, internamente, sentem sua própria carência, sem título nem méritos que os autorizem a pedir alguma coisa. Vivem somente da misericórdia. Desses é o Divino Espírito Santo o Pai de bondade e acessibilidade infinitas. É o seu tesouro inesgotável: peçamos, com confiança e humildade, e Ele, a rogos de Maria, nos ouvirá.
Estrela dos navegantes, porto seguro dos náufragos
Vinde, estrela dos navegantes, porto seguro dos náufragos.
Santo Agostinho expressa aqui dois conceitos que se relacionam. Primeiro, refere-se ao Espírito Santo como a estrela dos navegantes. O que lembra a invocação a Nossa Senhora como Estrela do Mar, o norte dos que navegam pelas águas turbulentas desta vida. Ora, pergunta-se: convém aplicar a Nossa Senhora o que Santo Agostinho afirma do Espírito Santo?
Sim, pois o que se diz do Esposo, se diz ao mesmo tempo da Esposa. Maria é a estrela dos navegantes por ser a Consorte mística daquele que é, por excelência, o astro de luz divina que nos guia pelo mar da existência terrena, com seus riscos, problemas, aflições.
Em segundo lugar, Santo Agostinho se refere aos náufragos. Quer dizer, o navio se estraçalha, o passageiro se agarra a um destroço e vai por onde as águas tocam. De repente, as correntes marítimas o levam para junto de um porto. Este porto é o Divino Espírito Santo.
Quer dizer, os vagalhões das tentações e das paixões impelem a alma do homem de um lado para outro. Ele se vê entregue às apetências mais desregradas, aos assomos de orgulho mais tumultuados, aos desregramentos sem remédio. Para ele, não há mais porto. Não? Engano. Sempre haverá, graças à intercessão misericordiosa da Santíssima Virgem junto a seu Divino Esposo. São Eles o porto seguro dos que naufragaram. Rezem. Entrem nesse porto, e tudo se resolverá.
Salve, ó Deus, o que vai morrer te saúda!
Vinde, força dos vivos e salvação dos moribundos.
Outro belo jogo de conceitos: força dos vivos e salvação dos que morrem. Para o vivo, a existência terrena é uma luta na qual ele necessita de forças sempre renovadas. Mas, ao morrer, precisa de uma graça especial, própria àquele supremo momento, a graça da boa morte. E essa salvação do moribundo está ao alcance de todo aquele que a implora ao Espírito Santo.
Essa circunstância lembra a pungente cerimônia que, na Roma antiga, desenrolava-se nas arenas onde se davam os jogos de gladiadores. Estes entravam em ordem, cada qual com suas armas de combate, paravam diante da tribuna do Imperador e bradavam, em latim: “Ave Caesar, morituri te salutant — “Ave, ó César, os que vão morrer te saúdam!”
Pungente! O César — o mais das vezes um soldado tosco e cheio de vícios, acomodado na segurança da tribuna imperial — vê se aproximarem dele, em passo de marcha, jovens robustos, munidos de espadas, tridentes, redes e lanças, para começar o combate, e que lutarão apenas para diverti-lo. Situação triste na vida, mas infelizmente assim se apresentava: aqueles eram os “morituri”.
Ora, numa comparação não desprovida de beleza, todo homem, na iminência da sua morte, pode dizer, não a um César impudico, mas a um Deus infinitamente perfeito: “Ave, ó Deus, o que vai morrer te saúda!” É a derradeira saudação antes da morte. Pois bem, para que essa saudação seja ouvida como um pedido de clemência e salvação, façamo-la ao Divino Espírito Santo, sempre a rogos de Maria, sem a qual nada alcançamos.
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 20/5/1990)