Modelada por seu Divino Esposo

O Espírito Santo é o verdadeiro Esposo de Nossa Senhora, razão pela qual São Luís Grignion de Montfort recomenda que peçamos ao Divino Paráclito o conhecimento da Santíssima Virgem.
Por aí vemos quão razoável é o pedido da jaculatória Emitte Spiritum tuum et creabuntur, et renovabis faciem terræ. Enviai o vosso Espírito e todas as coisas serão criadas, isto é, restauradas, revivescidas, reconstituídas na sua situação de maior esplendor. E, fazendo isto, Ele renovará a face da Terra. Com efeito, quando os homens receberem o Divino Espírito Santo e corresponderem, serão como que recriados e a Terra terá outra face.
Para obter a abundância do Espírito Santo, a fim de possuir o espírito do Reino de Maria e nos santificarmos, parece-me fundamental crescermos e nos aprofundarmos na devoção a Ela enquanto Esposa do Espírito Santo.
Desta maneira compreenderemos bem o que é a graça do Espírito Santo no Reino de Maria, filtrada através de sua Esposa virginal, modelada à semelhança d’Ele.
Se, pois, quisermos ser pessoas válidas para a nossa vocação, devemos pedir a Nossa Senhora que, enquanto Esposa do Espírito Santo, nos conceda o espírito d’Ela em abundância.
(Extraído de conferências de
13/3/1992 e 7/9/1994)

Que Maria antecipe o novo Pentecostes

Durante o mês de maio sentimos uma proteção especial de Nossa Senhora estender-se sobre todos os fiéis, e a alegria que ilumina nossos corações exprime a universal certeza dos católicos de que o indispensável patrocínio de nossa Mãe celestial se torna ainda mais solícito e amoroso, convidando-nos a uma intimidade tão mais acentuada com Ela, que em todas as vicissitudes da vida saibamos pedir com mais respeitosa insistência, esperar com mais invencível confiança e agradecer com mais humilde carinho todo o bem que Ela nos faça.

Maria Santíssima é a Rainha do Céu e da Terra, e, ao mesmo tempo, nossa Mãe, a Quem amamos por sua própria glória, por tudo quanto Ela representa nos planos da Providência.

Os filhos nunca são mais seguros da vigilância amorosa de suas mães do que quando sofrem. A humanidade inteira sofre hoje em dia, de todos os modos pelos quais se possa sofrer. As inteligências são varridas pelo vendaval da impiedade e do ceticismo; ideias nebulosas, confusas, audaciosas esgueiram-se em todos os ambientes e arrastam consigo não só os maus e os tíbios, mas até aqueles de quem se esperaria maior constância na Fé.

Sofrem as vontades obstinadamente apegadas ao cumprimento do dever, com todas as contrariedades que lhes vêm de sua fidelidade à Lei de Cristo. Sofrem os que transgridem essa Lei, pois longe de Cristo todo prazer não é senão amargura, e toda alegria uma mentira. Sofrem os corações dilacerados pelos horrores das guerras que se alastram, das famílias que se dissolvem, das lutas que armam por toda parte irmãos contra irmãos. Sofrem os corpos dizimados pela metralhadora, depauperados pelo trabalho, minados pela moléstia, acabrunhados pelas necessidades de toda ordem.

Pode-se dizer que o mundo contemporâneo enche os ares de um grande e clamoroso gemido. Porém, quanto mais sombrias se tornarem as circunstâncias e mais lancinantes as dores, tanto mais devemos pedir a Nossa Senhora que ponha termo a tanto sofrimento, não só para fazer cessar nossa dor, mas para maior proveito de nossas almas.

Diz a Teologia que a oração de Maria antecipou o momento em que o mundo deveria ser redimido pelo Messias. Nesta quadra histórica, cheios de angústias, volvamos confiantes nossos olhos à Mãe de Misericórdia, pedindo-Lhe que apresse a chegada do grande momento em que um novo Pentecostes abra clarões de luz e de esperanças nestas trevas, e restaure por toda parte o Reinado de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Para a glória de Deus, desejemos grandes e muitas coisas. Peçamos a Nossa Senhora muito e sempre. O que Lhe devemos implorar, sobretudo, é aquilo que a Sagrada Liturgia suplica a Deus: “Emitte Spiritum tuum et creabuntur, et renovabis faciem terræ”. Devemos pedir, pelo intermédio de Maria Santíssima, que Deus nos envie em abundância o Espírito Santo, para que as coisas sejam novamente criadas, e purificada, por uma renovação, a face da Terra.

Confiemos à Santíssima Virgem este anelo, no qual vai todo o nosso coração. As mãos de Maria serão para nossa prece um par de asas puríssimas por meio das quais chegará certamente ao trono de Deus.

Neste mês de Maria, façamos nossas estas súplicas, referentes às necessidades da Santa Mãe Igreja: Para que vos digneis humilhar os inimigos da Santa Igreja, nós vos rogamos, ouvi-nos, Senhor! Para que vos digneis exaltar a Santa Igreja, nós vos rogamos, ouvi-nos, Senhor!*

 

Plinio Corrêa de Oliveira, artigo

* Cfr. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Mês de Maria. Em O Legionário, n. 563, 23/5/1943.

Graças de Pentecostes

Talvez não nos enganemos ao pensar que um dos primeiros ambientes da Terra inteiramente abençoado e sacrossanto, no qual a bênção e a unção próprias das coisas sobrenaturais não só se fez presente mas perdurou enquanto o edifício existiu; em cujo interior brilhou um imponderável católico que todas as realizações da Igreja trazem consigo — e que é a manifestação do Espírito Santo —, que ­esse lugar tenha sido, precisamente, o Cenáculo onde se deu o esplendoroso espargir das graças de Pentecostes…

Vinde, consolador das almas desoladas!

Tocado de modo especial pela prece de Santo Agostinho ao Espírito Santo, Dr. Plinio no-la comenta, aproveitando a oportunidade para nos incutir uma fervorosa e humilde confiança no auxílio do Divino Esposo de Maria — tanto mais humilde e fervorosa, quanto mais sentirmos o peso de nossas debilidades e carências.

 

No ensejo da Festa de Pentecostes, creio que seria oportuno considerarmos algumas das belas invocações que Santo Agostinho dirige ao Divino Espírito Santo, na oração por ele composta [em destaque na página 21].

Amparo e remédio em nossas aflições

Vinde, vinde doce consolador das almas desoladas, refúgio no perigo e protetor na aflição desamparada.

Nesse pensamento do santo se nota a ideia de uma doçura forte ou de uma força doce. Com efeito, é próprio ao sabor das coisas celestes nos fazer sentir a bondade e a suavidade de Deus, ao mesmo tempo que nos comunicam uma grande firmeza espiritual.

Por exemplo, quando somos tocados por uma graça especial que nos comunica algo da doçura do Sagrado Coração de Jesus e do Imaculado Coração de Maria, nos tornamos mais resistentes às tentações, mais fortes no perigo, mais perseverantes na Fé.  Quer dizer, trata-se de uma doçura que comunica força.

Doce consolador das almas desoladas, diz Santo Agostinho. A desolação é uma espécie de auge de tristeza. Quando, na linguagem comum, alguém se mostra desolado, significa que experimenta um grande pesar, e nele não há quase senão tristeza. Para momentos de desolação, é o Espírito Santo que nos consola, ou seja, nos recobre de força para enfrentarmos a dificuldade.

Por outro lado, é nosso refúgio nos perigos.  Quais perigos?  Não são, primordialmente, os que afetam o corpo, mas a alma. Nossa salvação depara, a todo momento, com circunstâncias adversas que a comprometem. Nessas horas de incerteza, nosso refúgio e protetor é o Espírito Santo, com suas graças e sua ação nas profundidades de nossa alma.

Essa verdade nos deve incutir extrema confiança no Céu e, particularmente, na intercessão de Nossa Senhora. Quantas vezes, ao considerarmos nossos problemas e defeitos, nos pomos desanimados e hesitamos no caminho da salvação! Pois bem, cumpre termos então em vista que o Espírito Santo é o Esposo da Virgem Santíssima, e não recusa coisa alguma a Ela. Portanto, nossas preces, feitas por meio da Esposa Imaculada, serão sempre ouvidas pelo Esposo Divino. Tenhamos ânimo e coragem, pois em todas as nossas necessidades, encontraremos remédio no Espírito Santo.

Além disso, Ele é também o que nos protege em nossas desventuras, em nossos desamparos semeados de aflição. Quantas situações de vida espiritual não existem assim?  Rezamos, imploramos, e quando menos imaginamos, qualquer coisa nos toca a alma e nos sentimos aliviados. É a ação do Espírito Santo no fundo de nossos corações, ordenando-os e os tranquilizando.

Purificador das nossas misérias

Vinde, Vós que lavais as almas de suas sordices e que curais suas chagas.

Assim se exprimindo, Santo Agostinho quis assinalar como o Espírito Santo é, por excelência, quem lava as almas de suas misérias e as cura de suas chagas.

Mais uma vez aparece a ideia de um alento cumulado de doçura. Compreende-se: não raro, as pessoas consideram o interior de suas almas e as percebem tomadas de tantas chagas purulentas, de tantas sordices, que tendem ao desânimo. Como não desanimar? Não sentem forças para vencer a si mesmas!

Ora, esse é o momento de intervir a graça do Espírito Santo. Ele nos traz aquela força do Céu, com imensa suavidade, como uma luz dulcíssima, que penetra no âmago da nossa alma e a cura, a rejuvenesce. Tenhamos a certeza desse auxílio, e sentiremos outro ímpeto, outra coragem para subir, para continuar em frente no caminho da virtude.

Doutor das almas humildes

Vinde, doutor dos humildes e vencedor dos orgulhosos.

Outra bela invocação: Doutor dos humildes. O Mestre que esclarece e ensina às almas humildes, antes de tudo em face d’Ele. Ou seja, aquelas que reconhecem as próprias limitações e sabem que somente o Divino Espírito Santo possui a solução para todos os nossos problemas.

Aquelas que compreendem a necessidade da oração perseverante, a importância de pedir, implorar, e de fazê-lo com humildade. Eu, Plinio, sozinho, nada resolvo, porque não sou capaz de solucionar todas as dificuldades. Mas, se eu rezar ao Espírito Santo, por meio de Nossa Senhora, Ela, que é Mãe de Misericórdia, pedirá por mim e me alcançará as graças de que preciso. Esse é o caminho fácil, seguro e rápido para ser atendido. Essa verdade deve me manter alegre e de pé no meio das aflições pelas quais  todo homem passa nesse vale de lágrimas.

Somos órfãos na peregrinação por este mundo

Vinde, pai dos órfãos, esperança dos pobres, tesouro dos que estão na indigência.

Essa invocação também nos leva a considerar o ponto que Santo Agostinho teve em vista ao compor a prece: a santificação daquele que a reza. Então, implora ao Pai dos órfãos.

De fato, quanto órfão há em matéria de vida espiritual! Se pensarmos, por exemplo, em todos aqueles que, num bendito dia, encontraram a vocação de servir a Igreja em nosso movimento, podemos dizer: “Se não fosse o fato de terem sido tocados pela graça e seguido o chamado de Deus, o que seria deles? A quantos riscos de se extraviar nos caminhos desse mundo estariam expostos? Como haveriam de, no fundo, sentir‑se órfãos?”

O pensamento é mais pungente: como o homem, ao longo da viagem nesta terra, é um órfão! Ainda que ele atinja os 80 ou 90 anos, é um órfão. Donde, essa bela invocação ao Divino Espírito Santo, como Pai daqueles que sentem a terrível orfandade dessa vida.

Esperança dos pobres, tesouro dos que estão na indigência. Antes de tudo, os pobres de espírito, que não têm nada a esperar e que, internamente, sentem sua própria carência, sem título nem méritos que os autorizem a pedir alguma coisa. Vivem somente da misericórdia. Desses é o Divino Espírito Santo o Pai de bondade e acessibilidade infinitas. É o seu tesouro inesgotável: peçamos, com confiança e humildade, e Ele, a rogos de Maria, nos ouvirá.

Estrela dos navegantes, porto seguro dos náufragos

Vinde, estrela dos navegantes, porto seguro dos náufragos.

Santo Agostinho expressa aqui dois conceitos que se relacionam. Primeiro, refere-se ao Espírito Santo como a estrela dos navegantes. O que lembra a invocação a Nossa Senhora como Estrela do Mar, o norte dos que navegam pelas águas turbulentas desta vida. Ora, pergunta-se: convém aplicar a Nossa Senhora o que Santo Agostinho afirma do Espírito Santo?

Sim, pois o que se diz do Esposo, se diz ao mesmo tempo da Esposa. Maria é a estrela dos navegantes por ser a Consorte mística daquele que é, por excelência, o astro de luz divina que nos guia pelo mar da existência terrena, com seus riscos, problemas, aflições.

Em segundo lugar, Santo Agostinho se refere aos náufragos. Quer dizer, o navio se estraçalha, o passageiro se agarra a um destroço e vai por onde as águas tocam. De repente, as correntes marítimas o levam para junto de um porto. Este porto é o Divino Espírito Santo.

Quer dizer, os vagalhões das tentações e das paixões impelem a alma do homem de um lado para outro. Ele se vê entregue às apetências mais desregradas, aos assomos de orgulho mais tumultuados, aos desregramentos sem remédio. Para ele, não há mais porto. Não? Engano. Sempre haverá, graças à intercessão misericordiosa da Santíssima Virgem junto a seu Divino Esposo. São Eles o porto seguro dos que naufragaram.  Rezem. Entrem nesse porto, e tudo se resolverá.

Salve, ó Deus, o que vai morrer te saúda!

Vinde, força dos vivos e salvação dos moribundos.

Outro belo jogo de conceitos: força dos vivos e salvação dos que morrem. Para o vivo, a existência terrena é uma luta na qual ele necessita de forças sempre renovadas.  Mas, ao morrer, precisa de uma graça especial, própria àquele supremo momento, a graça da boa morte. E essa salvação do moribundo está ao alcance de todo aquele que a implora ao Espírito Santo.

Essa circunstância lembra a pungente cerimônia que, na Roma antiga, desenrolava-se nas arenas onde se davam os jogos de gladiadores. Estes entravam em ordem, cada qual com suas armas de combate, paravam diante da tribuna do Imperador e bradavam, em latim: “Ave Caesar, morituri te salutant — “Ave, ó César, os que vão morrer te saúdam!”

Pungente! O César — o mais das vezes um soldado tosco e cheio de vícios, acomodado na segurança da tribuna imperial — vê se aproximarem dele, em passo de marcha, jovens robustos, munidos de espadas, tridentes, redes e lanças, para começar o combate, e que lutarão apenas para diverti-lo. Situação triste na vida, mas infelizmente assim se apresentava: aqueles eram os “morituri”.

Ora, numa comparação não desprovida de beleza, todo homem, na iminência da sua morte, pode dizer, não a um César impudico, mas a um Deus infinitamente perfeito:  “Ave, ó Deus, o que vai morrer te saúda!”  É a derradeira saudação antes da morte. Pois bem, para que essa saudação seja ouvida como um pedido de clemência e salvação, façamo-la ao Divino Espírito Santo, sempre a rogos de Maria, sem a qual nada alcançamos.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 20/5/1990)

 

Não perdi nenhum!

As considerações a respeito da solenidade de Pentecostes, por vezes se ignora um aspecto essencial, tão bem salientado por São Luís Grignion de Montfort no Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem: “Quanto mais, em uma alma, Ele [o Espírito Santo] encontra Maria, sua querida e inseparável Esposa, mais operante e poderoso Se torna para produzir Jesus Cristo nessa alma, e essa alma em Jesus Cristo” (n. 20). Somente dessa maneira se tornará efetiva a renovação da face da Terra.

 Renovação que deve ser iniciada na alma de cada fiel, de maneira a ele se tornar uma tocha ardente de amor a Deus para atear em toda parte o fogo do Espírito Santo. Sem essa iniciativa misericordiosa da graça, com a vinda do Paráclito sobre as almas, pouco poderemos esperar do insuficiente esforço humano. “Em Pentecostes — comenta Dr. Plinio — os Apóstolos estavam reunidos em torno de Nossa Senhora, e eles rezavam. Se não fosse eles rezarem, podiam fazer a ascese que quisessem, não chegariam ao ponto onde chegaram num minuto, quando, atendendo aos rogos de sua Mãe, Nosso Senhor cumpriu a promessa enviando o Espírito Santo. Num minuto eles se transformaram”.(1)

É, pois, a difusão da verdadeira devoção a Nossa Senhora condição indispensável para o novo Pentecostes desejado pelas almas santas e requerido pela glória divina. É Maria que “produziu, com o Espírito Santo, a maior maravilha que existiu e existirá — um Deus-homem; e Ela produzirá, por conseguinte, as coisas mais admiráveis que hão de existir nos últimos tempos. A formação e educação dos grandes santos, que aparecerão no fim do mundo, Lhe está reservada” (n. 35), afirma São Luís Grignion.

Em consequência, tomando as palavras do santo mariano, podemos afirmar que a grande questão de nossos dias, na perspectiva sobrenatural, não é outra senão saber: “Quando chegará o dia em que as almas respirarão Maria, como o corpo respira o ar? Então, coisas maravilhosas acontecerão neste mundo, onde o Espírito Santo, encontrando sua querida Esposa como que reproduzida nas almas, a elas descerá abundantemente, enchendo-as de seus dons, particularmente do dom de sabedoria, a fim de operar maravilhas de graça” (n. 217).

Veremos, então, a transformação de povos inteiros por meio do que São Luís Grignion denomina o Segredo de Maria. Será, comenta Dr. Plinio, “uma operação da graça tal que se diria que a alma, objeto dessa operação, não tem mais livre-arbítrio, embora isto seja o auge do livre-arbítrio. Eu já vi almas passarem de repente por transformações tais, que me pareciam estar privadas do livre-arbítrio, de tal maneira elas mudavam e floresciam […]. Esse dia, creio eu, virá afetuosamente, amorosamente, pacientemente, de maneira que Nossa Senhora olhará para todo o rebanho d’Ela e dirá: ‘Eu Vos dou graças, meu Deus, porque de todos os que Vós me destes, Eu não perdi nenhum.’ Ela nos acompanhou pelos extravios, pelas infidelidades, pelas prostrações, pelas conspurcações, pelos olvidos, pelas ingratidões, por toda a poeira e lama do caminho. Mas a todo o mundo e a cada um, em determinado momento, Ela terá dito a palavra que os salvou”.(2)

 

1) Conferência de 1/9/1973.

2) Conferência de 26/4/1974.

Reflexão na festa de Pentecostes

No Cenáculo, um crepitar de ardor. Apóstolos e discípulos se encontram reunidos em torno de Maria Santíssima. De súbito, um grande estalo, “harmonioso e angélico”. O Espírito Santo desce e ilumina a todos, por meio da Virgem, sua Esposa. Dr. Plinio, com os olhos da fé, descreve Pentecostes.

 

É excelente comemorar a Festa de Pentecostes, a vinda do Divino Espírito Santo sobre toda a Igreja Católica, a qual naquele tempo era pequena. Constituíam-na Maria Santíssima, os Apóstolos e algumas pessoas que haviam permanecido na fé em Nosso Senhor Jesus Cristo, apesar de tudo quanto se passara na sua Paixão e Morte. E graças ao Pentecostes, o número de cristãos multiplicou-se de repente, além de toda a medida do excogitável.

Uma explosão harmônica e angélica

Quando desceram as labaredas, produziu-se dentro do Cenáculo um grande estalo, ouvido em toda a cidade de Jerusalém. Podemos supor que esse estampido tenha sido muito bonito, pois aquilo que Deus faz vem acompanhado, normalmente, de beleza e magnitude.

Não havendo — que seja do nosso conhecimento — dados concretos a respeito da natureza daquele estalo, e sem que nossa imaginação contrarie em algo a Sagrada Escritura, é-nos lícito conjecturar o seguinte: deu-se ele não sob a forma de um troar de artilharia (que ainda não existia), mas como uma explosão harmônica e angélica.

A palavra “explosão” traz consigo a ideia de desordem, de caos, pois significa a demolição de algo através da decomposição de seus elementos internos. Trata-se de uma destruição, gerada e seguida de desordens.

Na descida do Divino Espírito Santo houve precisamente o contrário: foi a vinda d’Aquele que é o Criador, a Ordem, a boa disposição das coisas. Seria natural, portanto, que naquela explosão (empregada no sentido da irrupção brusca, forte e enfática) os sons fossem angelicamente belos e concatenados, à semelhança de certas músicas iniciadas com uma retumbante abertura.

Podemos também imaginar que perfumes deliciosos se difundiram pelo ambiente! Nada ou muito pouco teriam a ver com o conceito comum de fragrância vendida em lojas comercias.  Seriam odores mais espirituais que materiais, espalhando-se por todo o universo palpável daqueles arredores, partindo do lugar onde se situava o Cenáculo.

Além dos sons harmoniosos e dos aromas, terão havido lindas reações da natureza como, por exemplo, pássaros que se reuniram e se puseram a entoar seus mais belos trinados. Enfim, pode-se supor que toda a Criação se rejubilou com a descida do Espírito Santo. Ele veio a Nossa Senhora e, por meio d’Ela, aos Apóstolos, sob a forma de línguas de fogo, transformando suas mentalidades e os santificando.

A partir de então, os Apóstolos passaram a atear esse fogo — ou seja, a ação da graça divina e a expansão da Igreja Católica — no mundo inteiro, e até hoje ele se difunde entre nós, fruto do milagre de Pentecostes.

A presença do Espírito Santo nos edifícios sagrados

Esse influxo do Espírito Santo podia ser percebido em certas igrejas, por exemplo a de Santa Cecília, onde fui batizado. Quando menino, ao entrar nesse templo, tinha a impressão de que ali pulsava uma vida difusa repleta de bênçãos as quais podiam como que ser seguradas pelas mãos. Tratava-se de uma mera impressão, porém muito palpável, comparada a uma chuva feita só de orvalho.

Essa igreja possuía uma acústica muito boa, e quando andávamos — minha irmã, uma prima nossa e eu — no recinto sagrado, nossos passos repercutiam harmoniosamente naquela atmosfera. Era um som bonito, do caminhar de três crianças inocentes, e tudo ali me proporcionava uma satisfação extraordinária.

Assim eram em geral as igrejas católicas, cujas bênçãos vêm de Deus através dos órgãos, dos vitrais, das imagens, colunas, arcos, etc. Tenho certeza de que muitos sentiram sensações semelhantes ao entrarem nos templos católicos, essa unção e essa graça especiais que não encontramos em nenhum outro lugar do mundo.

Tudo isso teve seu início no Cenáculo, no meu entender o primeiro ambiente da Terra inteiramente abençoado e sacrossanto, onde esta impressão permaneceu enquanto durou o prédio original e nele foram realizadas cerimônias sagradas. Essa presença de um certo imponderável em todas as coisas católicas é uma manifestação do Divino Espírito Santo, percebida pela primeira vez em Pentecostes.

Graças obtidas por Nossa Senhora

Podemos imaginar que, naquela ocasião, estava Nossa Senhora sentada numa cadeira de braços como se fosse um trono, colocado num estrado, tendo diante d’Ela os doze Apóstolos sentados em tronos menores, dispostos mais ou menos em semicírculo.

Todos rezavam, pois haviam feito um longo recolhimento espiritual e suplicaram graças, as quais desceram sobre cada um deles em torrentes, a rogos de Maria Santíssima, medianeira de todos os dons divinos. Segundo nos ensina a doutrina católica, Nosso Senhor sempre atende os pedidos de sua Mãe em nosso favor, e Ela tem para conosco toda espécie de misericórdias e bondades, alcançando-nos não apenas as graças de que necessitamos, como também o conhecimento exato e a justa ponderação de nossas faltas e imperfeições. Em seguida, o pesar, ou seja, a contrição. Esta é preciosa, pois torna agradável a Deus a alma até há pouco carregada de pecados.

Continuando a se dirigir a Deus, sempre por meio da Virgem Maria, a alma recebe graças e mais graças.

Quantos e que espécie de favores divinos os Apóstolos terão alcançado, estando assim juntos de Nossa Senhora, participando de seu convívio e com Ela conversando?

Podemos imaginar que, nessa situação, um deles talvez tenha se levantado, feito-Lhe uma vênia profunda, ajoelhou-se, acusou-se de seus pecados e pediu perdão.  E a Mãe de Deus, fitando-o com bondade e delicadeza inigualáveis, lhe diz: “Filho, vou rezar por ti. Tem certeza, teus pecados serão perdoados”. Permanecendo mais um tempo genuflexo, ele afinal se ergue e retorna ao seu lugar…

“Grand-retour”, a Pentecostes nos dias de hoje

Crepita um ardor na sala. E um a um, os demais Apóstolos procedem da mesma forma. Aproveitam para contar fatos da vida de Nosso Senhor, ocorridos no convívio deles com o Divino Mestre, que os outros ouvem com avidez extraordinária. Nesse ambiente — de um silêncio eloquente, ou eloquência silenciosa — o fervor aumenta e em determinado momento todos se sentem mais no Céu do que na Terra.

O espírito de Nossa Senhora paira a uma altura inimaginável, sem perder contato com os filhos d’Ela. Em certa hora, uma luz começa a aparecer. Quando ela se torna mais intensa e se generaliza, há um estouro harmônico e perfumado. Os anjos cantam, Nossa Senhora está recolhidíssima, como no instante em que se deu a Encarnação do Verbo em seu seio puríssimo, ou quando Ela segurou em suas mãos o Menino Jesus, logo após Lhe ter dado à luz, e seus olhares pela primeira vez se cruzaram.

Tudo isso se pode imaginar com cuidado, para não se cair em erro. Porque a imaginação voa, e é capaz de nos levar a sérios enganos. Assim, nunca devemos conjecturar algo que não esteja de acordo com a doutrina da Igreja baseada na Escritura, a qual foi redigida sob a inspiração do Espírito Santo. Contudo, nossa alma pode supor coisas que alimentem seu próprio fervor, e nos proporcionem a ideia de como os fatos se teriam passado.

Se houvesse hoje um milagre semelhante ao de Pentecostes, o que aconteceria?

Um dado fundamental distingue nossa época daquela. No tempo de Jesus Cristo existia o mal, como o prova a Paixão e Morte de Nosso Senhor tramada pelos seus adversários, que tinham sido reprovados pelo Redentor com veemência em suas pregações. Havia o mal, não porém a Revolução.  Esta é uma forma organizada, articulada, estruturada do mal, como se fosse um país invisível. Existe por toda a parte, trama contra o bem e procura atacar tudo quanto o represente.

Se em nossos dias sobreviesse fenômeno parecido com o de Pentecostes, teríamos de imaginar — com quanta alegria! — os anjos esmagando a Revolução pelo mundo afora. Seria, então, o nosso Grand-Retour, uma conversão completa, um total repúdio a todo o mal que havíamos feito, e um amor inteiro às virtudes e a todo o bem que éramos chamados a praticar e a realizar. Em suma, um voo à santidade, que abarca o perfeito amor a Deus e ao próximo, com o deliberado propósito de extinguir a Revolução sobre a face da Terra.

Temos assim uma proveitosa reflexão para a Festa de Pentecostes.