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Mártir da liberdade da Igreja

Mesmo inerte em seu jazigo, São Tomás Becket, séculos depois de se tornar mártir pela liberdade da Igreja, constituía ainda um obstáculo para que a caudal da heresia pudesse avançar entre os ingleses. Por isso, o ímpio Henrique VIII mandou profanar e queimar seus restos mortais.

 

Há um adágio latino que diz: “Nemo summo fit repenter”. De fato, nenhuma ação sumamente boa ou má se faz repentinamente, mas é precedida de uma série de atos que a preparam. Isto que se aplica à vida moral dos indivíduos revela-se igualmente verdadeiro no que diz respeito à história das civilizações, das nações, dos ciclos de cultura: os grandes acontecimentos históricos se preparam com antecedência.

Como explicar um dos episódios mais tristes da História da Igreja?

 

Nesse sentido, um dos episódios mais tristes da História da Igreja é, sem dúvida, a passagem quase maciça da Inglaterra da plena observância da Religião Católica para o protestantismo, no século XVI. Bastou o Rei Henrique VIII entrar em desacordo com a Santa Sé, por esta não lhe permitir divorciar-se de Catarina de Aragão e contrair novas núpcias, para que ele se proclamasse chefe da igreja inglesa e se separasse de Roma.

No momento em que o monarca rompeu com a Igreja Católica Apostólica Romana, um número muito pequeno de eclesiásticos e de leigos manteve-se fiel. Alguns deles se tornaram mártires, entre os quais os dois mais ilustres foram São Tomás Morus, como leigo, e São João Fischer, como cardeal. Contudo, a maior parte entregou-se e mudou de religião vergonhosamente, sem o menor remorso. Conventos inteiros, universidades, instituições de caridade, tudo passou em bloco para o protestantismo.
Como explicar um fato tão escandaloso como esse? Como uma ação dessa natureza foi praticada, ao mesmo tempo e por tantas pessoas, pelo simples sopro de um rei?
Compreende-se que, estando a Europa no período das monarquias absolutas e sendo muito grande, em consequência, o poderio dos monarcas, fosse grande também a pressão exercida por eles para obrigar o reino à apostasia. Contudo, cabe observar que, em primeiro lugar, esse não era exatamente o caso de Henrique VIII, pois há muito os poderes da monarquia inglesa se encontravam limitados pelos do Parlamento. Em segundo lugar, mais absolutos do que todos os monarcas da Europa daquele tempo foram os potentados da Roma pagã; entretanto, incontáveis mártires souberam resistir a eles. Portanto, o despotismo da autoridade que prevarica não justifica a prevaricação do súdito.
Estamos, pois, diante de uma página nigérrima da História da Igreja, a qual, aliás, repetiu-se, mutatis mutandis, em alguns outros reinos. A deterioração da Igreja Católica para a igreja protestante na Suécia, na Noruega, na Dinamarca e em várias partes da Alemanha deu-se assim. Houve uma pressão do poder civil, e o corpo eclesiástico aderiu maciçamente à heresia.

Duas concepções opostas da vida

No caso concreto da Inglaterra, nós encontramos a explicação no ocorrido com São Tomás Becket.
Já no século em que ele viveu, em plena Idade Média, havia uma disputa entre a realeza e o Papado. Os reis entendiam que a Hierarquia Eclesiástica inglesa deveria estar sob seu domínio, enquanto os Papas, fundamentados na instituição criada por Nosso Senhor Jesus Cristo, reivindicavam o pleno domínio em matéria espiritual sobre todos os bispos, sacerdotes e fiéis.
Por trás desse desacordo encontrava-se um princípio mais alto, uma discussão a respeito de um ponto que continha em si os germens da Revolução: quem afirma que o rei tem poder sobre a Igreja, no fundo sustenta que o poder temporal, representante das coisas desta Terra e da matéria, possui um primado sobre o poder espiritual.
Isso equivale a dizer que, na ordem dos valores, os assuntos terrenos e civis têm mais importância que os religiosos, sendo estes meros instrumentos daqueles. Donde fica subentendido, embora não se afirme explicitamente, que o fim da religião se restringe à vida do homem neste mundo e que a Fé é um mito útil para disciplinar os homens, mas não representa uma verdade revelada, objetiva e absoluta.
Ao contrário, o princípio sustentado pela Igreja é de que as coisas desta Terra existem em função da vida eterna e que, embora o Estado possua uma finalidade própria temporal, ele deve ajudar a Igreja a cumprir sua missão. Por essa razão, além de estar revestida de todo direito e poder em matéria eclesiástica, no que diz respeito à salvação das almas a Igreja tem autoridade até sobre o Estado, o qual não pode promulgar leis que contrariem a Lei de Cristo.
Trata-se, portanto, de duas concepções opostas da vida: uma sacral e religiosa, sustentada pela Igreja; outra laica, materialista, revolucionária.

Lenta invasão do Estado nos poderes da Igreja

No século XII houve uma luta muito forte entre o Rei Henrique II e São Tomás Becket, o qual defendia o poder do Papado e rejeitava a jurisdição do monarca sobre a Igreja.
O embate teve especial importância porque ele era Arcebispo de Canterbury, sede primacial da Inglaterra, e, portanto, implicitamente representava todo o corpo eclesiástico inglês enquanto sua mais alta figura.
A disputa tornou-se intensa e São Tomás Becket acabou exilado durante anos. Tendo voltado para a Inglaterra, foi assassinado pelos esbirros do Rei.
Boa parte do povo ficou a favor de São Tomás Becket e indignada com o Rei, a tal ponto que este se julgou na necessidade de fazer penitência pública diante do sepulcro do santo Arcebispo, pedindo perdão a Deus pelo que havia acontecido.
Contudo, uma porção considerável das classes dirigentes continuou a dar apoio ao Rei em segredo, enquanto certo número de intelectuais católicos e mesmo de clérigos sustentavam, na surdina, que São Tomás Becket havia exagerado e, embora o Rei tivesse agido mal ao matá-lo, doutrinariamente a razão estava com ele, pois o Estado gozava de superioridade em relação à Igreja.
De fato, acompanhando a História da Inglaterra vê-se que houve uma lenta e progressiva invasão do Estado sobre os poderes da Igreja. Esta era cada vez mais garroteada, e glaterra ainda era católica, mas sua catolicidade tornara-se tão superficial que foi possível derrubar a Igreja naquele reino mais ou menos como se abate uma árvore em cuja raiz há cupim: com um solavanco ela cai. Por mais que algumas fibras continuem ligadas ao solo, facilmente se cortam e está tudo acabado.
Quando subiu ao trono Maria Tudor, que se casou o Rei Felipe II da Espanha, houve uma restauração religiosa na Inglaterra. A nação inteira se converteu à Fé Católica e um legado papal foi enviado para dar absolvição ao Parlamento; ter-se-ia a impressão de que estava tudo em ordem.
Entretanto, nada estava em ordem. Morta Maria Tudor, aqueles mesmos bispos e outras autoridades que haviam se convertido à Religião Católica voltaram para o protestantismo. Logo, era tudo aparência e oportunismo.

Se não houver uma reação, o progressismo levará os fiéis à heresia

Esses fatos têm analogia com nossos dias. Notamos precisamente o pensamento católico minado pela Revolução a partir, pelo menos, do século XIX. Inicialmente por meio de simples omissões ou concessões em pontos doutrinários não bem definidos; mais tarde, mediante a adesão explícita a doutrinas injustificáveis.
Vemos no mundo atual o surto do progressismo. Se não houver uma reação, é forçoso que ao cabo de algum tempo os fiéis caiam em heresia. Com efeito, o edifício espiritual de um país minado pelo progressismo assemelha-se à madeira corroída por dentro pelo cupim, mas que conserva sua aparência exterior: quem a olha, pensa que está tudo normal, quando na realidade basta calcar o dedo para aquela casca ceder. Aliás, nem mais essa aparência está muito conservada; há apenas um resto de ortodoxia. Põe-se a mão, e logo aparece o pensamento revolucionário.
Eu pude assistir a essa evolução no Brasil. Quando era jovem congregado mariano, entre 1929 e 1932, notava que a Religião Católica professada em torno de mim parecia inteiramente ortodoxa, tal como eu aprendera em menino. Contudo, observava com estranheza que o sentido de luta havia desaparecido por completo. Dez anos antes ainda se atacavam muito os erros do protestantismo, mas quando eu tinha cerca de vinte e três anos já quase não se falava disso.
Ademais, eu percebia que as verdades católicas mais características, aquelas que doem mais aos hereges, não eram afirmadas nos seus pontos protuberantes. Por exemplo, chamava-me a atenção como todo mundo admitia a infalibilidade da Igreja e o princípio da monarquia papal, mas se tratava com indiferença quem quisesse falar com muito entusiasmo a esse respeito. Em geral, os temas que interessavam limitavam-se aos que não despertavam polêmica.
Por volta de 1937 e 1938, começou a primeira infiltração das ideias progressistas. Em 1970 essas ideias vão tomando conta de tudo. Primeiro as omissões, depois as concessões, em seguida as traições: um ritmo tríplice. Vemos isso tanto na História da Inglaterra com em nossos dias.

Preparação remota para a completa negação da Igreja

Assim caminham as grandes heresias: os silêncios preparam as traições. A Inglaterra aderiu ao protestantismo não com explosões de ódio como aconteceu, por exemplo, na Alemanha, nem com uma espécie de crise de consciência coletiva que cortou o país ao meio, como se deu na Revolução Francesa, mas sim na indolência e na inexistência de qualquer reação.
Em nossos dias, as alas mais avançadas do progressismo sustentam que a Igreja, como a conhecemos, deve ser desarticulada e praticamente abolida a sua Hierarquia. Os bispos e padres precisam ser tutelados por uma espécie de “profetas”, e as paróquias, aglutinadas ao sabor desse “espírito profético”.
Essas ideias estão na lógica de um mesmo erro que avança: primeiro afirma-se que a Igreja deve estar sujeita ao Estado, porque o princípio leigo prevalece sobre o religioso; mais adiante se diz que o princípio religioso é inútil.
Com efeito, é tão antinatural defender que o leigo está acima do religioso que tal contradição não se sustenta, e só pode ser vista como uma etapa para a rejeição do religioso. Então, a posição inglesa representou uma preparação remota de terreno para a completa negação da Igreja.
Essa preparação remota teve seus primórdios nos episódios vividos por São Tomás Becket, de cuja post-história nos fala Dom Guéranger no L’Année Liturgique.

Relíquias profanadas e destruídas

O século XVI veio acrescentar algo mais à glória de São Tomás Becket, quando o inimigo de Deus e dos homens, Henrique VIII da Inglaterra, ousou perseguir com sua tirania o mártir da liberdade da Igreja até no esplêndido relicário onde ele recebia há quatro séculos as homenagens da veneração do mundo cristão.
Henrique VIII pretendia dirigir a Arquidiocese de Canterbury, transformando seu Arcebispo numa espécie de lacaio mitrado. Uma vez que o mais importante dos prelados ingleses cedesse, era natural admitir que os outros se deixassem arrastar também e a Igreja na Inglaterra se transformasse numa repartição pública.
São Tomás Becket foi morto na sua catedral, tornando-se mártir da liberdade da Igreja. Tendo sido canonizado, seu corpo jazia num relicário esplêndido, onde durante quatro séculos recebeu as homenagens dos ingleses.
Ora, a partir do momento em que Henrique VIII se separou de Roma e se declarou chefe da igreja da Inglaterra, era natural que ele quisesse injuriar as relíquias daquele que morrera para que isso não se desse. Então, mandou algumas pessoas irem à Catedral de Canterbury para violar a sepultura de São Tomás Becket. Como comenta Dom Guéranger, é uma glória a mais para esse Santo o fato de seus restos mortais terem sido profanados pelo homem nefando que separou a Inglaterra da Igreja Católica.
Continua o texto:
Os ossos sagrados do prelado, morto pela justiça, foram arrancados do altar. Um processo monstruoso foi instituído contra o pai da pátria, e uma sentença ímpia declarou Tomás réu de crime de lesa-majestade.
Esses restos preciosos foram colocados sobre uma fogueira, e nesse segundo martírio o fogo devorou os despojos do homem simples e forte cuja intercessão atraía sobre a Inglaterra os olhares e a proteção do Céu.

A Inglaterra não era mais digna daquele tesouro

Também era justo que o país que devia perder a Fé por uma desoladora apostasia não guardasse em seu seio um tesouro que não seria mais devidamente estimado. Além disso, a sede de Canterbury estava manchada. Cranmer sentava-se na cadeira dos Agostinhos, dos Dunstanos, dos Lanfrancos, dos Anselmos, de Tomás enfim; e o santo mártir, olhando ao redor de si, não teria encontrado entre seus irmãos dessa geração senão João Fisher, que consentiu em segui-lo até o martírio. Mas este último sacrifício, por muito glorioso que fosse, nada salvou. Há muito a liberdade da Igreja perecera na Inglaterra. A Fé, lentamente, apagar-se-ia.

O autor comenta ser explicável esse processo monstruoso. A Inglaterra protestante destruiu um tesouro que não era mais digna de conter. Privou-se, assim, pelas suas próprias mãos, da presença das relíquias de um Santo que seria um intercessor ainda válido para evitar que ela caísse nos últimos degraus da apostasia. E, com isso, consumou-se o crime.
Além disso, até mesmo a Igreja na Inglaterra não era mais digna desse tesouro. Com exceção do Cardeal João Fisher, todos os bispos do país apostataram. Os padres e as freiras, na sua quase totalidade, aceitaram a passagem para o protestantismo com uma passividade simplesmente vergonhosa, como aconteceu na Suécia, Noruega, Dinamarca e em certas partes da Alemanha. Conventos, dioceses, populações inteiras deixaram a Religião Católica com a maior indolência, quando não com a maior alegria, e se fizeram protestantes.

Ser odiado pelos maus, até depois da morte, é uma glória

Quase ninguém fala dessa execução póstuma de São Tomás Becket; entretanto, há nela uma verdadeira glória para o Santo. Ser odiado pelos maus, sofrer perseguição por amor a Nosso Senhor Jesus Cristo é uma glória. Mas que o exemplo dado por um homem tenha sido tão magnífico que os maus não conseguem violar os Mandamentos da Lei de Deus sem primeiro destruir suas relíquias é uma glória ainda maior!
Até depois de morto ele era uma barreira, e foi preciso remover esse obstáculo para que a caudal da heresia pudesse avançar. Ora, não há nada mais belo do que um varão deitado no seu jazigo, inerte, posto na sombra da morte – ao menos quanto ao seu corpo – ser ainda uma sentinela pela qual só se passa eliminando-a. É uma verdadeira beleza!
Santa Teresinha do Menino Jesus dizia que ela passaria seu Céu fazendo bem à Terra. São Tomás Becket, à maneira dele, fez o mesmo: seu corpo incutia pavor nos adversários.
Nesse sentido, Louis Veuillot1 afirmava que a sua suprema alegria seria se suas cinzas ainda incomodassem os inimigos, depois de durante a vida ele ter levado tão longe quanto possível a luta e lhes arrancado a máscara da hipocrisia.
Alguns amigos meus que estiveram no Equador contaram-me que até hoje não se sabe onde García Moreno2 está enterrado, porque a divulgação do lugar de sua sepultura poderia ocasionar manifestações pró e contra esse ex-presidente, fiel imitador de Nosso Senhor Jesus Cristo por ser sinal de contradição e pedra de escândalo.3
Como eu gostaria de saber que não só a minha sepultura, mas a de cada um dos que me seguem na luta contrarrevolucionária, fosse um marco de divisão e de escândalo! Muito mais do que isso, eu desejaria que, indo para o Céu, me fosse dado voltar continuamente à Terra para perseguir os maus, confundi-los, passar-lhes descomposturas, incutir terror e batalhar contra a Revolução de todos os modos imagináveis, de maneira a fazer, depois de morto, tudo aquilo que em vida eu quereria ter feito, mas não me foi possível.

Seria uma linda maneira de prosseguir em nosso apostolado se todos nós, do Céu, continuássemos a deitar sobre a Terra essas e outras “chuvas de rosas”.v

(Extraído de conferências de 28/12/1968 e 29/12/1970)

1) Escritor e jornalista francês (*1813 – †1883).
2) Gabriel Gregorio Fernando José María García y Moreno y Morán de Buitrón (*1821 – †1875). Presidiu a República do Equador por dois mandatos consecutivos, tendo sido assassinado durante o segundo, depois de ser eleito para o terceiro.
3) Somente em 16 de abril de 1975 foram encontrados os restos mortais de Gabriel García Moreno.

Como é grande este nome!

Chamai-vos Amigos da Cruz. Como é grande este nome! Confesso-vos que ele me encanta e deslumbra. É mais brilhante que o sol, mais elevado que os céus, mais glorioso e mais pomposo que os títulos mais magníficos dos reis e dos imperadores. É o grande nome de Jesus Cristo, a um tempo verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, é o nome inequívoco de um cristão.
São Luís Grignion escreveu essa obra, Carta Circular aos Amigos da Cruz, numa época em que os títulos ainda tinham muita importância, e por meio deles se definiam as pessoas com o direito de usá-los. Então o Santo utiliza o valor da titulatura, conforme à ordem natural das coisas, para mostrar como o título de amigo da Cruz é elevado.
Esse título equivale ao nome d’Aquele que é verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, Nosso Senhor Jesus Cristo. Pensamento lindíssimo e acertado, pois ao longo de toda a História a piedade católica elegeu a Cruz como símbolo do próprio Redentor.
Nota-se, ainda, que ele não se refere à cruz apenas como sofrimento, aceito e levado até seu termo em união com os méritos infinitos de Nosso Senhor, mas considera filosoficamente a forma de uma cruz como símbolo que traz consigo algo de santo, pelo vínculo que adquiriu com a Paixão. São Luís deseja nos comunicar, assim, ternura e veneração pelo holocausto redentor de Jesus, bem como pela Santa Cruz.
(Extraído de conferência de 6/6/1967)

Concedei-nos a plenitude de vosso espírito

Ó Coração Sapiencial e Imaculado de Maria, imploramo-vos que torneis profunda a nossa formação e eficaz a nossa ação, para a vossa maior glória.
Assim, nós vos suplicamos que nos concedais a plenitude de vosso espírito, uma fidelidade inteira aos princípios da Contra-Revolução, e que nos abrais os olhos para conhecermos, rejeitarmos e combatermos as disposições de alma, os modos de ser, de pensar e de viver que caracterizam, no ambiente em que vivemos, a oposição à implantação do vosso Reino. Assim seja.

(Composta em 31/1/1967)

Protetor da Santa Igreja

Dentre as várias invocações a São José, exceção feita das que o mencionam diretamente ligado a Nosso Senhor Jesus Cristo, nenhuma é mais bonita do que a de Protetor da Santa Igreja Católica.
De algum modo, o protetor simboliza aquilo que protege. Por isso, para a guarda de uma rainha, por exemplo, escolhem-se os mais capazes, que demonstraram maior coragem nas guerras, dando assim provas de maior dedicação à coroa.
Por certo, o Anjo da Guarda da Igreja Católica é o maior da Corte Celeste, pois nenhuma criatura individualmente considerada tem a dignidade da Igreja, Corpo Místico de Cristo, que envolve todos os Santos e é a fonte da santidade deles.
Assim, São José deve ser alguém tão alto, tão excelso a ponto de, por assim dizer, constituir o reflexo da Igreja que ele guarda e estar proporcionado a ela.
Podemos então ter uma ideia da sublimidade do chamado de São José, considerando-o enquanto coidêntico com o espírito da Igreja Católica, exemplar prototípico e magnífico da mentalidade e das doutrinas dela. Vocação tão elevada que só se pode medir por este outro critério: o fato de ser Esposo de Nossa Senhora e Pai adotivo do Menino Jesus e, portanto, proporcionado a Eles.

(Extraído de conferência de 19/3/1969)

Varão polêmico e recriminador

Na escultura de Aleijadinho representando o Profeta Isaías, nota-se o olhar de um homem que está com a cabeça povoada de ideias, não meramente contemplativas, mas de quem vai fazer uma invectiva. É um varão polêmico e recriminador.

Lendo as profecias de Isaías, tem-se a impressão da narração da dor e da desventura de um homem, quase uma autobiografia. É preciso ver como essa autobiografia se encaixa na História da salvação.

Os justos são o centro da História

Ela poderia eventualmente ser vista da seguinte maneira: uma vez que o centro da História são os justos, Isaías representaria a história de Nosso Senhor e dos filões de justos ao longo dos tempos, e conteria uma espécie de doutrina da história dos justos, a qual teria, no Antigo Testamento, seu ápice em Elias.
Alguns trechos dão a história do justo, que se divide em dois tipos de episódios. Primeiro, Deus parece retirar-se e o justo é abandonado, perseguido, precisando confiar n’Ele. Segundo, a hora em que o Criador volta e dá o triunfo ao justo. Notem a coisa curiosa: muito mais do que se diz, Ele concede ao justo também o triunfo terreno.
De outro lado, vem narrada a história da atitude interna do justo diante dessa variação de tratamentos de Deus e uma história da tática de combate em face do injusto. Para ser mais preciso, a história do justo diante de sua própria dor e do Criador enquanto permitindo sua dor. Depois, a tática de combate e a atitude dele perante sua própria vitória e diante de Deus, causador de sua vitória.
Ele era inocente, foi atacado injustamente e padeceu tormentos que não merecia; o Criador pareceu abandoná-lo; mas ele rezou, confiou e reagiu de acordo com uma certa conduta interior e exterior, e Deus lhe deu a vitória.
Tomando em consideração as vitórias e as dores dos justos, são compendiadas todas as inocências, as vitórias, as dores e as táticas dos justos ao longo da História, em Nosso Senhor Jesus Cristo e, a seu modo, em Nossa Senhora. Ela vive tudo isso e depois o Divino Redentor leva ao auge.
Todas as inocências, dores, táticas e vitórias dos justos ao longo da História constituem uma coleção metafísica. Eu seria levado a supor que cada resplendor de Cristo ressurreto não deveria mostrar-se como se costuma fazer – um halo luminoso em torno de Nosso Senhor –, mas sim fachos de luz, cada qual representando, na coleção das modalidades de glória, uma espécie de tratado de metafísica da glória enquanto tal, de maneira que Ele estaria cercado de todas as formas e graus de glória possíveis.

O melhor modo de meditar o Rosário

Outro dia fiz a meditação do Rosário neste sistema, imaginando em cada dezena as várias modalidades metafísicas que aquele mistério comportava, desde a Anunciação até a Coroação de Nossa Senhora no Céu. Constitui o melhor modo possível de meditar o terço.
Então, por exemplo, a Ressurreição: triunfo sobre a morte.

Imaginar, por exemplo, na Ascensão todos os movimentos ascensionais dos bons e do Bem rumo à vitória completa. Essa trajetória tem mil modalidades realizadas na Ascensão de Nosso Senhor, de maneira tal que os muitíssimos brilhos possíveis de todas as ascensões do Bem na História foram representados em aspectos sucessivos à medida que Ele ia subindo.
Vinda do Espírito Santo: todas as formas de graça possíveis que há na Igreja Católica baixando, metafisicamente ordenadas, sobre os fiéis. Línguas de fogo, sim; mas o que elas conteriam? Não é uma maçaroca de linguinhas de fogo, e sim uma apoteose de ordem, de sabedoria e de ordenação, uma coisa maravilhosa!

A Assunção de Maria Santíssima aos Céus. Não é mais o Justo que Se levanta por uma ação direta sobre ele, mas o justo que, socorrido pelos outros, sobe glorificado. Por fim, a Coroação d’Ela.
Seriam todas as formas possíveis de vida do justo imbricadas na vida de Nosso Senhor. Também na dor. Neste sentido, eu seria levado a imaginar que o número de açoites desferidos contra o Redentor não foi arbitrário, nem determinado pela cólera vil daqueles bandidos, mas cessaram quando Ele gemeu todos os ais próprios à flagelação, enquanto flagelação de alma mais do que de corpo.
Quer dizer, eu veria na Paixão uma espécie de compêndio, ao mesmo tempo, de Teologia e de Metafísica. Caso se justificasse teologicamente, esse modo de meditar seria belíssimo!
Os profetas, enquanto precursores de Nosso Senhor Jesus Cristo, já possuíam sinais de toda a história d’Ele, mas que é também a história dos justos ao longo dos tempos. Inclusive a nossa própria história.
Seria interessante fazermos um histórico nesse nível sobre os profetas; serviria muito para se ter uma visão de conjunto.

 

Batalhador contemplativo da batalha

 

Na escultura de Aleijadinho que representa o Profeta Isaías, nota-se um olhar que fita um ponto indefinido no horizonte, o mirar de um homem que está com a cabeça povoada de ideias, as quais não estão na mente dele numa posição contemplativa, mas de quem vai tirar dali uma invectiva.
Ele está com ar de quem descansa da descompostura que passou e prepara-se para a que vai passar. É um homem polêmico e recriminador em posição de luta, que contempla o embate de todas as ondas. Não o deixaram impune, mas ele sente que permanece substancialmente o mesmo e, percebendo as outras vagas que vêm, pensa: “A lembrança dos embates passados me ajudará no futuro.”
O Profeta Isaías é um batalhador e, ao mesmo tempo, um contemplativo da batalha. Nessa contemplação ele vê os inimigos de Deus avançando por todas as partes e sente o que Nosso Senhor Jesus Cristo disse: “O Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça” (Mt 8, 20). E pensa: “Todos têm um ponto de beneplácito, eu não tenho. Tudo é mal, dor, oposição. Porém, Deus é maior do que todas as investidas.” A certeza da vitória divina está presente. Encontrava-se pronto a prorromper em catilinárias e não tinha pena de si mesmo. Eis a visão do mundo do Profeta Isaías.
Essa visão cada alma a tem conforme a vocação. Por exemplo, São João Bosco. É-me fácil penetrar no olhar dele. Ele possuía uma centelha profética. Não era o profeta dos castigos previstos em Fátima, mas da vitória que deveria vir docemente triunfante, dando uma antecipação, um deleite dessa vitória.

Conosco o que há é a previsão de uma situação análoga à de Isaías, de todo o pulchrum1 de estar nessa situação e uma felicidade de encontrar-se nesse infortúnio: “Mar bravio! Isto é lindo!”
Se me oferecessem de vencer já, sem enfrentar a luta, eu não quereria. Esse holocausto teria que ser feito.
Paciência é a capacidade de sofrer, de entrar na dor e arrostá-la. Santo Ambrósio dizia: “Ubi patientia ibi lætitia”2. Sofrer na jovialidade e na alegria.

O que Isaías afirma de si mesmo se aplica a Nosso Senhor Jesus Cristo e a Nossa Senhora: “Eis na paz minha amargura amaríssima” (Is 38, 17).
Como é bonito sermos os guerreiros que enfrentamos a luta a ponto de estalarmos e com a confiança de que vamos para frente! Ter esse estado de espírito e mostrá-lo levanta as ondas contra si. E quanto mais os inimigos ficam sem pretexto, mais odeiam. É o que o Profeta Isaías via vir de longe.v

(Extraído de conferências de 10/3/1966, 31/7/1979 e 15/1/1989)

1) Do latim: belo.
2) Do Latim: Onde há paciência há alegria.

Fazei que eu seja um perfeito Apóstolo dos Últimos Tempos!

Ó Virgem Mãe, Nossa Senhora de Fátima, que anunciastes ao mundo tão extremas aflições e tão extremas alegrias, revelando os terríveis castigos e os grandes triunfos pelos quais passará a Cristandade! A Vós que denunciastes com tanta clareza os extremos de abominação moral a que chegamos e ao mesmo tempo fizestes ver a plenitude de vossa insondável santidade, eu suplico que mudeis o meu espírito.
Não permitais que eu continue sendo uma dessas incontáveis pessoas de horizontes curtos e de interesse circunscrito à pequena esfera de seu próprio eu. Fazei, pelo contrário, com que, pela despretensão e pela abnegação, eu seja uma alma aberta e ardente, capaz de medir em toda a sua extensão os extremos que em Fátima se divisam, e de tomar posição intransigente e completa a favor do extremo sacrossanto que sois Vós, ó minha Mãe: extremo de amor de Deus, de pureza, de humildade e de despretensão, extremo de inquebrantável combatividade! Fazei com que eu, assim, seja um contrarrevolucionário modelar, um perfeito Apóstolo dos Últimos Tempos!
Cor Sapientiale et Immaculatum Mariæ, opus tuum fac!1
(Composta em 8/5/1971)

Uma meditação para a Ascensão

Devemos imaginar o momento da Ascensão como uma glorificação, uma despedida na qual todas as virtudes singularíssimas, insondáveis, infinitas de Nosso Senhor apareceram com uma rutilância como nunca antes tinham manifestado.

 

Para atentarmos bem ao significado da Ascensão de Nosso Senhor Jesus Cristo, deveríamos tomar em consideração o fato concreto de ela ser a despedida d’Ele dos homens.
A existência terrena do Redentor se encerrou, de algum modo, com sua morte. Entretanto, depois de ressuscitado, Jesus esteve entre seus discípulos e lhes apareceu várias vezes. De maneira que a sua presença era como um fato comum, frequente, porque Ele tinha convivido com os homens.

 

Novo modo de conviver com os homens

A partir do momento da Ascensão, pelo contrário, esse convívio visível se tornaria raríssimo, esporádico, extraoficial, em

revelações particulares somente. Entretanto, a presença d’Ele entre os homens, no período entre a Páscoa e a Ascensão, teve o caráter de uma revelação oficial.
E, por esse lado, então, podemos afirmar ter a Ascensão constituído uma verdadeira despedida de Nosso Senhor. Os homens não O veriam mais. Ele continuaria realmente presente no Santíssimo Sacramento, porém de um modo insensível.
A Ascensão era mais uma despedida das aparências do sensível, do que do real, embora insensível, isto é, a sua presença permanente entre os homens na Eucaristia.
E era, portanto, a figura de Nosso Senhor naquilo que o homem vê, ouve, admira através dos sentidos, que se retirava da Terra e subia aos Céus. Era um encerramento e uma despedida. E, ao mesmo tempo, uma glorificação, porque Nosso Senhor Jesus Cristo voltava ao Padre Eterno. A sua missão terrena estava encerrada. Ele subia para receber o triunfo, as manifestações de honra e de glória devidas àqueles que cumprem, de um modo exímio e sublime, uma missão muitíssimo árdua. Ele seria glorificado pelo Padre Eterno.
Assim, a Ascensão se daria em condições para que toda a glória de Nosso Senhor aparecesse aos olhos dos homens. E chegando ao Céu seria recebido por uma manifestação, no sentido literal da palavra, apoteótica, de todos os Anjos e de todos os justos que tinham morrido e estavam à espera do Redentor para entrar no Céu com Ele e reinar com os Anjos por toda a eternidade.

No momento da despedida, uma nova rutilância

Devemos imaginar o momento em que Nosso Senhor Jesus Cristo se despediu como uma despedida imensamente gloriosa e uma glorificação de todos os aspectos de sua santidade, de sua perfeição moral infinita.
Então, todas as virtudes singularíssimas, insondáveis, infinitas manifestadas por Nosso Senhor em sua existência terrena, todos os atrativos, todos os encantos de sua personalidade, tudo isso devia aparecer com uma rutilância, uma cintilação, um fulgor, uma glória, como nunca tinham aparecido.
À medida que Nosso Senhor ascendia, a sua glória resplandecia ainda mais, até o momento no qual os homens perderam o olhar d’Ele e compreenderam que aquela glória se tinha confundido com os esplendores do Padre Eterno e nada mais dela era visível.
Imaginemos Nosso Senhor caminhando com os seus para o alto do monte a partir do qual Ele subiria aos Céus. Assim como quando Ele foi para o Horto das Oliveiras ao iniciar a Paixão, com os Apóstolos cada vez mais tristes e distantes d’Ele, assim nessa segunda caminhada Nosso Senhor foi com os seus, desta vez, porém, foi com uma alegria e glória cada vez maior. Houve uma despedida, Ele disse algumas palavras para todos e, então, começou a subir aos Céus.

Todos viam tudo, mas com aspectos diferentes

Numa síntese maravilhosa, todos os predicados de Nosso Senhor Jesus Cristo começavam a aparecer. E cada alma ia notando, de acordo com sua luz primordial1, algo que ela deveria ver.

Podemos conjecturar a Ascensão tendo se passado aos olhos de todos de um modo igual. Entretanto, cada um deve ter notado qualquer coisa de completamente diferente. Para algumas almas, Nosso Senhor apareceu como um Rei resplandecente de glória, subindo ao Céu e refulgindo de poder sagrado; a outras, com uma nota mais dominante de Mestre sapientíssimo, levando consigo toda a Sabedoria; a outras, como o Taumaturgo poderosíssimo; a outras, como o Pastor boníssimo; a outras, enfim, apareceram o encanto e a meiguice do Divino Salvador.
Nosso Senhor Jesus Cristo, se ousássemos afirmar isto, mostrou-Se pequeno para os pequenos, meigo para os meigos, acessível para os tímidos e, assim, subiu ao Céu na glorificação de sua condescendência, de sua bondade, de sua afabilidade e misericórdia.
Alguns tê-lo-ão visto subir com aquele poder terrível da divindade manifestada por Ele quando respondeu aos soldados que O buscavam: “Ego Sum”, fazendo todos caírem por terra. Outros viram-no ascender de tal modo que as suas palavras mais carinhosas, mais afetuosas e condescendentes para com os homens tenham aparecido ali de uma forma verdadeiramente magnífica. E, sobretudo, todos viram tudo, mas cada um viu aquilo que faria mais bem para sua alma.

Como estava o Céu naquele momento

Enquanto Nosso Senhor Jesus Cristo subia, talvez o céu tenha tomado coloridos inefáveis, com irisações onde se alternaram o ouro e cores várias; as pessoas tenham ouvido músicas e experimentado sensações extraordinárias que eram coruscações da glorificação do Céu e do concerto dos Anjos baixando à Terra, para os homens compreenderem quais triunfos o Pai preparava para Ele.
Tudo isso é uma conjectura. Entretanto, algo à maneira disso se deu e a História não nos registra bem exatamente, nos pormenores e nas manifestações concretas. Mas esse é o efeito que a Ascensão d’Ele produziu sobre as almas, impressionando a todas de um modo ou de outro.
Fazendo uma recomposição hipotética de lugar, imaginemos Nosso Senhor subindo e a glória d’Ele empolgando cada vez mais.
Podemos, então, voltar os nossos olhos para os fiéis que estavam ali contemplando a Ascensão, a multidão embevecida, entusiasmada com o que via, mas com um entusiasmo sagrado, cheio de recolhimento, de veneração, de amor. Essa multidão, que era a semente da Igreja Católica, estava ajoelhada. Imaginem a impressão de piedade que todas aquelas almas deviam dar.
Ainda que não víssemos a elevação de Nosso Senhor aos Céus, mas apenas essas almas, pelo estado delas poderíamos saber como foi a Ascensão. E, no centro de tudo, naturalmente São Pedro e os Apóstolos, mas, sobretudo, Nossa Senhora!

 

A Ascensão e a missão de Maria

Nossa Senhora ficava enquanto a imagem de Cristo. Era Ela quem assegurava, nos planos da Providência, pela sua presença na Igreja, que aquela distância imensa estabelecida entre Nosso Senhor e os homens não era um abismo ou um hiato, mas, pelo contrário, havia algo que continuava e unia. Maria era exatamente a Mediadora onipotente, o traço de união entre o Céu e a Terra, entre Deus e os homens.
Ana Catarina Emmerich nos diz, e é muito explicável, que durante a presença de Nosso Senhor na Terra a Santíssima Virgem não apareceu tão claramente no esplendor de suas prerrogativas aos Apóstolos e aos primeiros católicos. E isso era para que a Pessoa de Nosso Senhor ocupasse a plenitude de tudo.

No entanto, a partir do momento em que Ele subiu aos Céus, começou-se a notar mais tudo quanto havia n’Ela e toda a sua semelhança com Ele, e isso foi reforçado com Pentecostes. Deste modo o fervor de todos para com Ela foi crescendo. Iniciou-se, então, aquilo que alguns escritores chamam “a missão de Maria”. E a missão terrena de Maria antes d’Ela subir ao Céu era fazer de algum modo as vezes da presença sensível de Nosso Senhor.
Começava a veneração “marial” a se tornar mais nítida, a tomar o caráter de um culto e Nossa Senhora iniciou o seu trabalho na Igreja, como quando o Sol se põe e aparece a Lua. E, embora a Lua não seja de nenhum modo o Sol, ela tem sua meiguice, seu encanto, sua beleza e seu atrativo, que é verdadeiramente maravilhoso!
Nosso Senhor Jesus Cristo partiu, mas nos deixou sua presença real na Eucaristia e sua Mãe Santíssima. E todas aquelas refulgências notadas na Ascensão começaram a se notar depois, conservados os devidos graus, na pessoa de Nossa Senhora. Iniciava-se, assim, a grande missão de Nossa Senhora na Igreja.
Com base nessas considerações, poderíamos nos perguntar o seguinte: “Se eu estivesse lá, como veria? De acordo com minha luz primordial, como imaginar?” Desde que se tenha o cuidado de compreender que não passa de uma hipótese – com certo substrato real no seu aspecto simbólico, não histórico –, existe a possibilidade de uma meditação muito frutuosa a respeito da Ascensão.

 

Magnificência do mistério

Ainda sobre a Ascensão, temos uma ficha tirada do L’Année Liturgique, de D. Guéranger2, com uma oração da liturgia grega a respeito de Nossa Senhora:
Senhor, após o cumprimento, por vossa bondade, do mistério oculto há tantos séculos e tantas gerações, viestes com vossos discípulos ao Monte das Oliveiras. Tínheis convosco Aquela que vos colocara no mundo, Vós, o Criador e Artífice de todas as coisas.

Não convinha, na verdade, que Aquela que em sua condição de Mãe sofrera mais do que qualquer outro quando de vossa Paixão, usufruísse de uma alegria que ultrapassa qualquer outra alegria, na glória de vossa carne?

Tomando parte também nessa alegria, glorificamos na vossa Ascensão ao Céu o grande benefício que Vós nos fizestes.
No Horto das Oliveiras, onde Nosso Senhor subiu, Nossa Senhora estava presente. A presença d’Ela era a primeira junto d’Ele na hora da glória porque tinha sido a primeira junto a Ele na hora da dor. Essa glorificação e alegria é algo pelo qual todos nós devemos dar graças, e não apenas Nossa Senhora.
A oração continua:
Colocastes no mundo, ó Soberana Imaculada, o Senhor de todas as coisas, o qual escolheu uma Paixão voluntária e subiu ao Pai, do qual não Se afastara ao Se encarnar. Ó maravilha inconcebível! Como, Vós que sois cheia de graça divina, contivestes em vosso seio o Deus incompreensível, Aquele que mendigou uma carne e que neste dia sobe aos Céus no meio de uma tão grande glória? E que deu a vida aos homens?
Essa oração glorifica Nossa Senhora, porque Ela deu a carne a Nosso Senhor, o qual, com a carne dada por Ela, sobe aos Céus. E isso torna-se para Ela, como Mãe d’Ele, uma glória incomparável.
Eis que vosso Filho, ó Mãe de Deus, após ter vencido a morte por sua Cruz…
Nosso Senhor, morrendo na Cruz venceu a morte do pecado.
…ressuscitou ao terceiro dia e, após ter aparecido aos discípulos, retomou o caminho para os Céus. Nós nos unimos a Ele em nossa veneração e vos cantamos e glorificamos em todos os séculos.

Esta frase foi o pensamento de todos os católicos que estavam no momento da Ascensão, depois de Nosso Senhor desaparecer e dos Anjos virem anunciar a volta d’Ele.

Salve Mãe de Deus, Mãe de Cristo Deus, Aquele que destes ao mundo, Vós O glorificais vendo-O neste dia elevar-Se da terra com os Anjos.
Maria Santíssima viu Nosso Senhor subir ao Céu por poder próprio, mas seguido de uma revoada de Anjos. Quem O tinha dado ao mundo, contemplava-O, naquele momento, sendo objeto de uma tão imensa glória! Podemos afirmar que a maior, a mais magnífica das meditações sobre a Ascensão foi feita por Nossa Senhora.v

(Extraído de conferência
de 18/5/1966)

1) A luz primordial é a virtude dominante que uma alma é chamada a refletir, imprimindo nas outras virtudes sua tonalidade particular.
2) Não dispomos dos dados desta ficha.

Nota de Pesar e de Homenagem da TFP pelo falecimento de Bento XVI

NOTA DE PESAR E DE HOMENAGEM DA TFP
PELO FALECIMENTO DE BENTO XVI

       No último dia de 2022, quis a Providência Divina chamar à eternidade o Papa Emérito Bento XVI, aos 95 anos de idade, selando sua vida e o conturbado ano com marca indelével.

       Sem a pretensão de traçar uma síntese biográfica – entre tantas outras mais autorizadas já existentes -, alguns aspectos da longa e profícua trajetória do Pontífice podem ser aqui destacadas sem demérito para tantos outros, os quais seria impossível elencar em uma nota necessariamente breve.

       Nascido em 1927, numa pequena cidade alemã, Joseph Ratzinger recebeu, aos 24 anos, a ordenação sacerdotal em 1951 e ainda muito jovem doutorou-se em Teologia, logo alcançando grande destaque, tornando-se, anos depois, um dos mais influentes teólogos do Concílio Vaticano II.

       Em 1977 foi nomeado arcebispo de Munique e, logo a seguir, recebeu o chapéu cardinalício. Em 1981, foi nomeado Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, pelo Papa João Paulo II, cargo que exerceu até 2005, ano do falecimento daquele Sumo Pontífice.

       Nesse mesmo ano foi eleito Papa, adotando o nome de Bento XVI, exercendo o Pontificado Romano até sua inesperada renúncia, em fevereiro de 2013.

       Sua atuação como Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé notabilizou-se pelo grande cuidado com a manutenção da pureza doutrinária no seio da Igreja Católica, marca essa que conservou também em seu Pontificado.

       Dentre seus inúmeros empreendimentos à frente daquela que é a mais antiga das Congregações romanas, vale destacar o monumental Catecismo da Igreja Católica, cuja elaboração presidiu.

       Trata-se de uma obra que resume toda a Teologia Dogmática e Moral, repleta de citações das Sagradas Escrituras, de documentos conciliares e papais, bem como de excertos de Padres da Igreja e dos grandes Doutores, como Santo Agostinho e São Tomás de Aquino e de muitos outros santos e mestres da espiritualidade, como Santa Teresinha do Menino Jesus.

       Posto em vigor em 1992, por São João Paulo II, recebeu depois o Cardeal Ratzinger a incumbência de presidir a redação de uma versão resumida, denominada Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, a qual foi aprovada e posta em vigor, em junho de 2005, por ele mesmo, já como Sumo Pontífice recém-eleito.

       Esse Compêndio é uma versão mais acessível ao público em geral, porém resume fielmente o conteúdo do Catecismo, retomando, todavia, a forma de exposição da matéria adotada nos antigos catecismos, por meio de perguntas e respostas.

      Conhecido por sua discrição – a qual muitos confundiam com timidez -, atraiu multidões, algumas delas jamais vistas, em suas viagens como Sumo Pontífice, fato esse que ocorreu, por exemplo, em sua vinda ao Brasil no ano de 2007, o mesmo se verificando nas audiências papais e celebrações litúrgicas.

       Quer na sua atuação como Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, quer como Pontífice Romano, empenhou-se em pôr em prática a pastoral de São João Paulo II relativa aos movimentos leigos, também conhecidos como novos movimentos religiosos,  apontando-os, ambos os Pontífices, como instituições com as quais o Espírito Santo enriquece a santidade da Igreja, com novas formas de espiritualidade e novos instrumentos para indicar os caminhos ao Povo de Deus.

       É o que exprime São João Paulo II, por ocasião do IV Congresso Mundial dos movimentos eclesiais e das novas comunidades em Roma, em 1998: “[Os movimentos leigos]são uma resposta providencial, suscitada pelo Espírito Santo para estes dramáticos desafios atuais. Vocês são esta resposta providencial”.

       Pensamento esse que Bento XVI reitera, em discurso aos Bispos no encontro em Rocca di Papa (2008): “Os movimentos eclesiais e as novas comunidades não são um problema ou um risco a mais, que se soma às nossas já gravosas incumbências. Não! São um dom do Senhor, uma reserva preciosa para enriquecer com os seus carismas toda a comunidade cristã. Por isso não deve faltar um acolhimento confiante que lhes dê espaços e valorize a sua contribuição na vida das Igrejas locais.”

        Por fim, um aspecto do qual certamente ainda a História se ocupará e terá muito a aprofundar é o das relações de Bento XVI com a Virgem Maria e, em especial, com as revelações dadas por Ela ao mundo em Fátima.

        Com efeito, ainda no pontificado de João Paulo II, o cardeal Ratzinger teve o encargo ímpar de divulgar a parte das revelações de Fátima que ainda era mantida em sigilo, conhecida como terceiro segredo de Fátima.

        No entendimento equivocado de alguns, essa divulgação teria encerrado a missão das revelações de Nossa Senhora de Fátima. Entretanto, o próprio Bento XVI encarregou-se de esclarecer a questão refutando tais interpretações incompletas: “Iludir-se-ia quem pensasse que a missão profética de Fátima esteja concluída”. (…) Possam os sete anos que nos separam do centenário das Aparições apressar o anunciado triunfo do Coração Imaculado de Maria para glória da Santíssima Trindade” (homilia de Bento XVI em 13/5/2010).

        A inesperada renúncia com a qual Bento XVI pôs término a seu pontificado deu origem a uma série de eventos, por assim dizer inéditos, entre os quais o que vivemos no presente momento, quando temos a insólita oportunidade de contemplar o passamento de um Papa não reinante. 
 Que outras surpresas nos reservará o ano que assim se inicia? Diante de tais perplexidades, esclarecedoras são estas palavras de nosso Fundador, Professor Plinio Corrêa de Oliveira, ao final de seu livro “Revolução e Contra-Revolução”:

       “Incertos, como todo o mundo, sobre o dia de amanhã, erguemos em atitude de prece os nossos olhos até o trono excelso de Maria, Rainha do Universo. E ao mesmo tempo nos sobem aos lábios, adaptadas a Ela, as palavras do Salmista dirigidas ao Senhor:

        “Levanto meus olhos para ti, que habitas nos céus. Assim como os olhos dos servos estão fixos nas mãos dos seus senhores, e os olhos da escrava nas mãos de sua senhora, assim nossos olhos estão fixos na Senhora, Mãe nossa, até que Ela tenha misericórdia de nós (Ps. 122, 1-2).

        “Sim, voltamos nossos olhos para a Senhora de Fátima, pedindo-Lhe quanto antes a contrição que nos obtenha os grandes perdões, a força para travarmos os grandes combates, e a abnegação para sermos desprendidos nas grandes vitórias que trarão consigo a implantação do Reino d’Ela. Vitórias estas que desejamos de todo coração, ainda que, para chegar até elas, a Igreja e o gênero humano tenham de passar pelos castigos apocalípticos – mas quão justiceiros, regeneradores e misericordiosos – por Ela previstos em 1917 na Cova da Iria.

        “Estamos nos lances supremos de uma luta, que chamaríamos de morte se um dos contendores não fosse imortal, entre a Igreja e a Revolução. (…) A mediação universal e onipotente da Mãe de Deus é a maior razão de esperança dos contra-revolucionários. E em Fátima Ela já lhes deu a certeza da vitória, quando anunciou que, ainda m
esmo depois de um eventual surto do comunismo no mundo inteiro, por fim o seu Imaculado Coração triunfará”.

A TFP se une em oração a todo o orbe católico – e conclama os leitores a fazerem o mesmo – pela alma de Bento XVI, bem como pela Santa e Imaculada Igreja Católica Apostólica e Romana.

Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade – TFP

www.tfp.org.br

Sorrisos do alto da Cruz

Que Vos levaria, Senhor, a sorrir do alto da Cruz?
Vós vedes Maria. E ao lado da Virgem fiel, vedes os heróis da fidelidade: o Apóstolo virgem, as Santas mulheres, a fidelidade da inocência, e a fidelidade da penitência. Vosso olhar, para o qual tudo é presente, vê mais, pois se alonga pelos séculos, e Vos faz ver todas as almas fiéis que hão de Vos adorar ao pé da Cruz até o dia do Juízo. Vedes a Santa Igreja Católica, vossa Esposa. E por tudo isso sorris com o sorriso mais triste e mais jubiloso, o mais doce e mais compassivo sorriso de toda a História.
Entre as miríades de almas que seguindo a Maria estão ao pé da Cruz, e para as quais sorris, também está a minha, Senhor?
Humilde, genuflexo, sabendo-me indigno, entretanto eu Vos peço que sim. Vós que não expulsastes do Templo o publicano (cf. Lc 18, 6-20), pelas preces de Maria não rejeitareis para longe de Vós um pecador contrito e acabrunhado. Dai-me, do alto da Cruz, um pouco de vosso sorriso inefável, ó bom Jesus.
(Catolicismo, n. 148, abril de 1963)