No dia 21 de novembro a Igreja celebra um dos mais significativos momentos da vida de Nossa Senhora: sua Apresentação no Templo, quando Ela contava apenas três anos de idade. Segundo a tradição, ali a menina permaneceria num contínuo exercício de união com Deus, até a hora de sair para cumprir a augusta missão a que fora predestinada: conceber e trazer ao mundo o Divino Redentor.
Na conferência a seguir transcrita, tece Dr. Plinio piedosas considerações acerca de tão importante data mariana.
Nesta festa da Apresentação de Nossa Senhora, gostaria de comentar algumas reflexões de São Francisco de Sales a tal respeito, publicadas no livro “Os mais belos textos sobre a Virgem”. Assim se exprime o Doutor Suavíssimo:
“É ato de admirável simplicidade o desta gloriosa criança que, presa ao regaço de sua mãe, agia como as outras crianças de sua idade, embora falasse já com sabedoria. Ela ficou como um suave cordeiro junto a Santa Ana pelo espaço de três anos, após os quais foi conduzida ao Templo, para ali ser ofertada como Samuel, que também foi conduzido ao Templo por sua mãe e dedicado ao Senhor na mesma idade.”
“Ó meu Deus, como desejaria poder representar vivamente a consolação e suavidade dessa viagem, desde a casa de Joaquim até o Templo de Jerusalém! Que contentamento demonstrava essa criança vendo chegar a hora que tanto desejara!”
“Os que iam ao Templo, para adorar e oferecer presentes à Divina Majestade, cantavam ao longo da viagem. E, para essas ocasiões, o real profeta David compusera expressamente um salmo, que a Santa Igreja nos faz repetir todos os dias no Ofício Divino. Ele começa pelas palavras: ‘Beati inmaculati in via’. Bem-aventurados são aqueles, Senhor, que na tua via (ou seja, na observância dos Mandamentos) caminham sem mácula, sem mancha de pecado.”
“Os bem-aventurados São Joaquim e Santa Ana cantavam então esse cântico ao longo do caminho, e com eles, nossa gloriosa Senhora e Rainha.”
“Oh Deus, que melodia! Como Ela a entoava mil vezes mais graciosamente que os Anjos! Por isso ficaram estes de tal forma admirados que, aos grupos, vinham escutar essa celeste harmonia. E os Céus, abertos, inclinavam-se nos alpendres da Jerusalém celeste para olhar e admirar essa amabilíssima criança.”
“Eu quis vos dizer isso, embora rapidamente, para que tenhais com que vos entreter o resto desse dia considerando a suavidade dessa Virgem. Também para que fiqueis comovidos escutando esse cântico divino que nossa gloriosa Princesa entoa tão melodicamente. E isso com os ouvidos de nossa devoção, porque o muito feliz São Bernardo diz que a devoção é o ouvido da alma.”
Admiráveis contrastes numa criança imaculada
O fundamento teológico desse trecho de São Francisco de Sales — em que, aliás, transparece toda a doçura e todo o suco dos escritos dele — é a Imaculada Conceição de Nossa Senhora.
Ela, concebida sem pecado original, desde o primeiro instante de seu ser foi isenta de todas as limitações decorrentes da mancha que herdamos de Adão. Entre essas carências está o fato de o homem nascer sem o uso da sua inteligência, o que só ocorre mais tarde, à medida que ele cresce e se desenvolve. Em Nossa Senhora, porém, essa regra não se verificou. É sentença corrente na Teologia que Ela, tão logo foi concebida, teve imediato uso da sua inteligência, naturalmente altíssima.
Esse singular privilégio fazia com que, uma vez vinda ao mundo, se reunissem na excelsa menina aspectos admiráveis e aparentemente contraditórios. De um lado, possuía Ela, já naqueles primeiros passos de sua existência, uma capacidade de contemplação que sobrepujava a dos maiores Santos da Igreja. Mas, de outro, Ela mantinha uma postura de criança, não exteriorizando a perfeição de sua alma. Desejava assim, por humildade, viver como uma menina comum, de maneira tal que, quem tratasse com a pequena Maria, teria a impressão de estar em contato com uma criança igual a todas — exceto por alguma expressão de olhar ou palavra d’Ela.
Tal o Filho, tal a Mãe
O mesmo se deu com Nosso Senhor Jesus Cristo, que queria ser nutrido, protegido e custodiado como uma criança comum, embora Ele fosse Deus, soberano Senhor e Rei do Céu e da Terra.
Quem poderá imaginar, então, na vida quotidiana de Nossa Senhora e São José, o momento em que era preciso aleitar o Menino-Deus? Ou em que era necessário trocar suas roupinhas, e um dos dois O toma nos braços, reclina-O com todo o carinho sobre uma mesa e começa a vesti-Lo? Sabendo que, unida à natureza humana daquela criancinha que Lhe sorri, daquele menino que tudo entende, mas parece nada entender, está a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, constantemente imersa nas alegrias, nas grandezas, na majestade e nos esplendores divinos!
Quem poderá imaginar a admiração e o aturdimento que tais contrastes despertavam em São José e em Nossa Senhora!?
Pois bem, algo disso se dava igualmente com São Joaquim e Santa Ana, em relação à sua filha imaculada. Ainda que não tivessem conhecimento de que Ela estava predestinada a ser a Mãe do Deus Humanado, certamente compreendiam ser uma menina destinada a altíssima vocação em vista do Messias. Menina que, por vontade própria, levava a vida de uma criancinha como as outras. Simples, cheia de bondade e acessibilidade, deixando que os parentes a tomassem no colo, ou, assim que o foi capaz de fazer, servindo às visitas e dispensando pequenas atenções a todos. Ela, Rainha incomparável, Soberana do Universo!
Cantando, a caminho do Templo
Nessas condições, aos três anos de idade foi Nossa Senhora levada ao Templo por seus pais. E, como já afirmamos, no caminho iam entoando cânticos e salmos compostos pelo Rei David, obedecendo ao lindo costume dos judeus daquela época.
Como se sabe, embora houvesse espalhadas pela Judeia inúmeras sinagogas onde eles se reuniam para rezar e promover certos cultos, o Templo era um só, o de Jerusalém. E os fiéis de todo o território judaico, e também os da Diáspora, dispersos pelo mundo, iam periodicamente a Jerusalém para participar do sacrifício do Templo. E para externar a alegria de se dirigir até o lugar onde se manifestavam a glória e as consolações de Deus, ao lugar que representava o vínculo entre o Céu e a terra, era bonito que eles fossem cantando. Como, aliás, tantas vezes acontece em romarias católicas, nas quais o povo intercala seguidamente preces e hinos religiosos.
Compraz-nos imaginar os caminhos que conduziam à Cidade da Paz, nas épocas de visita ao Templo, repletos de judeus chegados de todos os lados, enchendo com seus cânticos os ares da terra judaica. Numa dessas ocasiões encontravam-se entre eles São Joaquim, Santa Ana e a pequena Maria. Sem dúvida, haveria de ser belo o cântico da menina, entoado com uma voz inefável, repetindo o salmo que David, por inspiração do Espírito Santo, compusera para tais circunstâncias:
“Bem-aventurados os que se conservam sem mácula no caminho, os que andam na lei do Senhor. / Bem-aventurados os que estudam os seus testemunhos, os que de todo o coração O buscam.”(Salmo 108)
É interessante notar que, com extraordinária finura de tato, São Francisco de Sales não comenta a impressão que o canto de Nossa Senhora produziria nas pessoas ao redor d’Ela. E isto porque, como a Santíssima Virgem não deixava transparecer sua grandeza, era possível que Ela não cantasse com toda a perfeição que estava a seu alcance. Na realidade, uma música cantada por Nossa Senhora, sem as limitações intencionais impostas por Ela, teria de ser o cântico!Antes e depois de Maria Virgem, excetuando Nosso Senhor Jesus Cristo, ninguém cantou nem igual a Ela.
Mas, se não era dado aos homens compreender a excelência das melodias entoadas por Nossa Senhora, diz São Francisco de Sales que os Anjos a conheciam, e por isso se punham a ouvir, extasiados, as harmonias de alma com que Ela cantava. E São Francisco vai mais longe: compara o Céu a uma cidade, a Jerusalém celeste, em cujos alpendres e terraços os Anjos se debruçavam para contemplar Maria Santíssima cantando pelos caminhos da Judeia. E essa visão os enchia de um gáudio inexprimível.
Ápice da história do Templo
A meu ver, pensamento mais apropriado e mais bonito do que esse, só mesmo o que nos sugere a entrada de Nossa Senhora no Templo de Jerusalém, o lugar mais abençoado da terra, envolto em grandeza e majestade sacrais, e ainda habitado pela glória do Pai Eterno.
Podemos imaginar o estremecimento de alegria de todos os Anjos que pairavam no Templo, ao verem Nossa Senhora entrando pela primeira vez na Casa do Altíssimo, como uma Rainha entra naquilo que lhe é próprio; como uma joia posta no escrínio onde deve ser guardada!
Os espíritos celestiais deviam saber, por revelação de Deus, ser aquele o momento em que a grande história e, ao mesmo tempo, a grande tragédia do Templo iam se iniciar. A história: em breve, o próprio Filho de Deus, nascido de Maria Imaculada, entraria por aquelas sagradas paredes. A tragédia: o Templo ia recusar o Messias. E o fim dessa história e dessa tragédia seriam — no magnífico dizer de um autor eclesiástico (Bossuet) — as pompas fúnebres de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ou seja, assim que Ele expirou, o Pai Eterno começou a preparar suas exéquias: o céu se obscureceu, o sol se toldou, a terra e o Templo tremeram!
No caso deste último, tenho a impressão de que os Anjos receberam ordem divina de abandoná-lo ao poder dos demônios, e que estes fizeram ali uma espécie de festa sacrílega, à maneira de cem mil gatos selvagens soltos naquele local, praticando abominações de toda ordem e fazendo estremecerem as colunas do outrora edifício sagrado.
Mas, apesar de tudo, o Templo conheceu sua plenitude quando Maria atravessou uma vez mais aqueles pórticos — que abandonara para se unir a São José — trazendo em seus braços o Menino Jesus, o Esperado das nações. Mãe e Filho foram recebidos por Ana e Simeão, representantes da fidelidade, os quais reconheceram Jesus como o enviado por Deus. Estava fechado o elo entre os justos da Antiga Lei e a promessa que se cumpria. Era o ápice da história do Templo de Jerusalém.
Ora, o primeiro passo para esse auge foi realizado naquele momento em que Nossa Senhora, menina de três anos, apresentou-se no Templo com seus pais. Quem poderá descrever o que devem ter sentido nessa hora os Simeões e as Anas ali presentes? E as graças, as fulgurações do Espírito Santo que se espargiram pelo Templo nessa ocasião?
Sigamos, porém, o conselho do suavíssimo São Francisco de Sales: conservemos todas essas cogitações em nossa alma, e, tanto quanto possível, pensemos nelas serena e alegremente. Máxime nestes tempos agitados em que vivemos. Nada mais recomendável do que, ao cabo de um dia de faina, nos distendermos na consideração desses fatos: Nossa Senhora, São Joaquim e Santa Ana a caminho do Templo, cantando pelas estradas da Judeia, enquanto nos alpendres da Jerusalém Celeste os mais altos Anjos se debruçam, embevecidos com a alma daquela menina.
Plinio Corrêa de Oliveira