“No início do século XVI” — afirma Rohrbacher — “a Alemanha e a Espanha apresentavam um curioso contraste: a Alemanha fora dividida e desviada por um monge agostiniano: Lutero; a Espanha fora edificada e santificada por um monge agostiniano: São Tomás de Vilanova”.
Ouçamos o que o Padre R. F. Rohrbacher nos diz, na sua “Vida dos Santos”, sobre São Tomás de Vilanova.
Nascido no ano de 1488, em Fuenllana, diocese de Toledo, Tomás era filho de velha nobreza empobrecida. Seus pais eram excepcionalmente virtuosos e incutiram no filho um extraordinário amor aos pobres. Sua mãe, mulher de raro valor, possuía até o dom dos milagres. O menino foi digno dos exemplos recebidos. Após uma infância virtuosa, formou-se brilhantemente em Alcalá, passando a lecionar Filosofia entre os eremitas de Santo Agostinho, professando a 25 de Novembro de 1517, no mesmo ano da apostasia de Lutero.
Dedicou-se depois à cátedra, ao púlpito e ao confessionário. Foi pregador e conselheiro de Carlos V, que nada lhe negava, pois dizia que ele tinha “o dom de vergar os corações”. Escolhido como bispo de Granada, recusou o cargo, mas anos depois foi obrigado a aceitar o de Valência. O imperador escolhera outro religioso, mas o seu secretário ouviu o nome de São Tomás e assim redigiu o diploma de nomeação. Ao saber do acontecido, Carlos V negou-se a retificar o engano, pois o considerou providencial.
Havia muito que o reino de Valência era vítima de seca e aridez. De súbito, quatro dias antes do Natal de 1544, ano da escolha do novo arcebispo, a chuva começou a cair em abundância, como a anunciar dias de graça e redenção. E, de fato, assim foi o governo de São Tomás. Dando ele o exemplo, reformou paulatinamente o clero de sua diocese, voltando-se depois para os demais fiéis. Continuou sua vida mortificada, vendo nos pobres sua maior riqueza. Liberal para com os outros, era tão parcimonioso para consigo mesmo que chegou a ser acusado de avarento por um alfaiate, a quem mandara reformar um velho gibão. Entretanto, a es-te mesmo alfaiate doou cento e cinqüenta moedas de prata como dote para suas três filhas.
Sua caridade era, frequentemente, acompanhada de milagres. Seus êxtases também eram tão comuns que deles chegou a falar, em seus vários sermões sobre a Transfiguração. Finalmente, após onze anos de episcopado, São Tomás caiu gravemente enfermo, vindo a falecer em 8 de setembro de 1555, dia da Natividade de Nossa Senhora, por quem demonstrara a maior devoção durante toda a vida. Já agonizante, doou a um pobre carcereiro a cama em que estava deitado, pois já nada mais possuía.
São Tomás deixou grande número de sermões, cujo magnífico estilo lembra São Bernardo, por quem sempre nutriu grande admiração.
Não é muito fácil comentar esta ficha, porque os traços que relata de São Tomás de Vilanova são de um lado, evidentemente admiráveis e, de outro, característicos de muitos santos, estando acima e além de qualquer louvor. Limito-me portanto, a ressaltar algumas coisas digna de meditação, por apresentar certa peculiaridade.
Homem suscitado pela Providência
Em primeiro lugar, o fato de Carlos V ter tido como pregador e conselheiro um tão grande santo quanto este. Vemos aí o dedo da Providência dirigindo os grandes homens de Estado. Carlos V, Imperador do Sacro Império Romano-Alemão, o homem em cujos domínios o sol nunca se deitava, Rei da Espanha, e, portanto, de todas as colônias que esta possuía no Novo Mundo — para a execução da tarefa providencial que cabia à Casa d’Áustria, teve o auxílio de São Tomás de Vilanova.
Há revelações privadas tratando a respeito do papel dos Habsburg, dos desígnios da Providência sobre a Casa d’Áustria, e das graças que lhe concedeu para realizar esses desígnios. Conhecendo tudo isto, compreendemos como é belo ver a Providência amparar por esta forma a Carlos V, de maneira a ajudá-lo a cumprir um dever realmente pesado.
Dom de vergar os corações
De outro lado, entretanto, não se pode deixar de notar com tristeza o resultado causado pela falta de correspondência dos homens às graças de Deus. Carlos V teve um santo como conselheiro, mas, devido à sua moleza e espírito de contemporização, permitiu ao protestantismo se expandir tanto em suas próprias terras. É bem verdade que ele lutava com muitos inimigos, como, por exemplo, a Turquia e a França, a qual se tornou responsável, por este modo, pelo alastramento do protestantismo. Porém, ele desfrutou longos períodos de paz, e teria tido muitos meios para se opor mais seriamente ao alastramento do protestantismo. Suas famosas contemporizações causam tristes reflexões da parte de todos os historiadores da Igreja.
De outro lado, existe o reverso da medalha. Este homem terminou sua existência como penitente. Abandonou todos os seus bens e foi se encerrar no Mosteiro de Yuste, onde passou os Últimos anos de sua vida de um modo digno a edificar a Cristandade. Não foram os conselhos de São Tomás que teriam, afinal de contas, repercutido em seu coração? Dizia Carlos V que São Tomás tinha o dom de vergar os corações. Tudo dá a impressão de que ele falava por experiência própria: não teria São Tomás vergado esse coração de ferro?
Poder-se-ia objetar: Dr. Plinio, por que o senhor fala em ‘coração de ferro’? Um homem contemporizador é um mole, um brando, não pode ser considerado um ‘coração de ferro’. É Minha experiência, que já não é pequena, me ensina o seguinte: não há alma mais dura do que a do mole; não há coisa mais difícil do que levar o mole a ser enérgico. É mais árduo fazer um mole ser enérgico do que um enérgico seja moderado.
Por exemplo, se um santo tivesse conseguido que Luís XVI fosse enérgico, teria feito uma proeza sobrenatural “se se pudesse usar esta expressão” maior do que um outro que convencesse Luís XIV a não praticar alguns atos de energia, talvez exagerada, que ele tenha feito em seu reinado. De maneira que, se isso São Tomás de Vilanova conseguiu, foi realmente uma prova de que ele vergava corações de ferro.
Desprendido, nosso Santo mostrava as maravilhas feitas por Deus em sua alma, sabendo que com isto glorificava-O.
Uma via excepcional suscitada pela Esposa de Cristo
Outra coisa bonita é notarmos que os êxtases de São Tomás foram tantos que ele próprio chegou a falar deles em sermões. Essa naturalidade, sinceridade e nobreza com que ele contava, do “pápito”, as manifestações da vida da graça em sua alma, demonstram um espírito verdadeiramente elevado, capaz de fazer isso sem se envaidecer nem procurar dar a entender que era por mérito próprio, mas, pelo contrário, atribuindo tudo é graça de Deus.
É o contrário de um certo modo protestantoso de entender a modéstia, que se generalizou mesmo em certos países católicos, segundo o qual o indivíduo seria imodesto sempre que se elogiasse a si próprio, deixando transparecer suas qualidades, porque a suprema modéstia consiste em escondê-las. Nem sempre isto é bem pensado. Porque os defeitos sempre aparecem. Se escondermos com muito cuidado as qualidades, pergunta-se o que iremos levar de bom para o convívio com os outros. Quer dizer, isso é um cálculo um pouco simplificado.
Que seja perigoso dizer a alguém: ‘Fale sobre suas qualidades’, eu compreendo. Pois é provável que a pessoa não tenha uma noção inteiramente objetiva a respeito delas. Mas afirmar que ocultar as virtudes seja uma obrigação, até lá não chego.
Desprendido, nosso Santo mostrava as maravilhas feitas por Deus em sua alma, sabendo que com isto glorificava-O. É uma via não-habitual, inteiramente justificável.