Há dez anos Dr. Plinio entregava sua alma a Deus, no tríduo da festa de Santa Teresinha (outrora celebrada no dia do falecimento de Dr. Plinio, 3 de outubro).
Ele próprio fizera o oferecimento de si como vítima do amor misericordioso por aquelas almas e aqueles acontecimentos que esperara, baseado na leitura das obras da Santa de Lisieux (cfr. Editorial, página 4).
Transcrevemos a seguir, um dentre os diversos comentários tecidos por Dr. Plinio à edificante vida e missão de Santa Teresinha.
Em fins do século XIX a Divina Providência suscitou Santa Teresinha do Menino Jesus para despertar uma nova forma de espiritualidade própria a conduzir grande número de almas a Nosso Senhor. Foi uma resposta de Deus às manobras feitas para encharcar de Revolução a mentalidade do homem ocidental. Essa réplica consistiu na famosa pequena via a qual conforme afirmação profética da Santa, haveria de levar incontáveis almas ao Céu.
Um caminho para os menos fortes
A pequena via é própria aos espíritos mais débeis, sem meios naturais para realizar extraordinários atos de generosidade interior que marcaram tantos santos do passado os quais se flagelavam de maneira espantosa, faziam penitências terríveis, sofriam cruzes e provações pavorosas, porque eram assistidos pela graça e esta encontrava neles uma natureza capaz de grandes feitos.
Quando Santa Teresinha surgiu, as pessoas já estavam profundamente infiltradas de Revolução e, portanto, sem a coragem e disposição para lances heroicos de virtude. Por desígnio da Providência, ela abriu às “pequenas almas” (como as chamava) o caminho para o Céu.
Trata-se da via do reconhecimento da própria fraqueza e da ausência de coragem, de força de vontade para enfrentar imensos sacrifícios . E da convicção de que Nosso Senhor se compadece das almas fracas, diminutas em comparação com as do passado, e que assiste àquelas com bondade, afabilidade, abundância de graças que substituem nelas, vantajosamente, aquilo que a natureza não lhes proporcionou.
Desde muito jovem Santa Teresinha sentiu o chamado à perfeição, e dedicaria seus breves anos de vida a ensinar às “pequenas almas” o caminho para o Céu.
Quer dizer, para as pessoas dos séculos anteriores atingirem o pleno amor de Deus eram necessários — valendo-me de uma expressão inadequada — tantos quilowatts de sofrimentos. Porém, as do tempo de Santa Teresinha, e a fortiori as de nossa época, são incapazes de suportar tais graus de ascese. Então, a rogos de Maria Santíssima, a graça lhes concede vigor para carregar menores quantidades de cruzes. Porém, elas o fazem com tanta intensidade de amor que acabam suprindo a quota de sofrimentos pelos quais não suportariam passar. Pois aos olhos de Deus, o importante não é o quilowatt da dor, e sim a intensidade de amor com que é padecida.
Dessa sorte, o que as grandes almas conquistavam apenas no fim de sua existência, depois de muitos tormentos, as da pequena via recebem gratuitamente logo no começo da vida espiritual, unindo-se a Nossa Senhora, à Santíssima Trindade, por uma particular bondade de Deus. Esta graça encurta o caminho e faz amor nascer cedo, tão veemente que, com uma “quilowatagem” menor de sofrimento, brilha com uma luz fulgurante.
Admirável exemplo de Santa Teresinha
O modelo característico dessa via foi a própria Santa Teresinha do Menino Jesus, uma pequena alma típica, cônscia de sua incapacidade de suportar grandes sofrimentos. Entretanto, recebeu ela tal intensidade de amor a Deus que, desde menina, fidelíssima à sua vocação, fazia meditações e amava tanto as coisas do Céu que sobrepujava em virtude a um número incontável de pessoas.
Levou uma existência de verdadeiro sofrimento no Carmelo de Lisieux, tendo sido acometida por uma provação muito freqüente no claustro, embora no seu caso se apresentasse mais profunda: a aridez contínua, devido à qual ela não sentia consolações na piedade, nem no imenso amor a Deus que possuía.
Nessa situação, própria a afligir qualquer um, ela sempre manteve confiança cega na Providência, e reafirmava a cada instante seu desejo de morrer como vítima do amor misericordioso de Nosso Senhor para com aqueles que seguem a pequena via.
E, de fato, certa noite, quando já se achava deitada para dormir, Santa Teresinha sentiu o peito incomodado e expeliu uma golfada. Veio-lhe logo a idéia de que poderia ser sangue, indício da fatídica doença daquela época, a tuberculose. Essa enfermidade tornou-se comum em fins do século XIX, e a medicina não lograva combatê-la eficazmente, pois não descobrira ainda os medicamentos existentes hoje. Assim, grande era o número de vítimas dessa moléstia.
Ora, Santa Teresinha experimentou tal alegria diante da hipótese de estar tuberculosa, que ofereceu a Deus o sacrifício de não examinar de imediato o lenço sobre o qual golfara durante a noite, e fazê-lo apenas na manhã seguinte, à luz do dia. Verificando depois ser mesmo sangue, transportada de júbilo, ela compreendeu que sua derradeira paixão começava.
Manifestou-se desse modo a tuberculose, doença lenta, trágica sob vários aspectos, sobretudo naquele tempo, quando tantos dela sofriam e morriam. Era, pois, uma via comum, na qual a noite escura e o abandono se tornaram cada vez maiores.
Santa Teresinha passou a ser provada com tentações contra a Fé (também assíduas na vida dos santos), e chegou a afirmar serem estas tão violentas que só acreditava porque queria crer, tanto as razões de fé se tinham obnubilado em seu espírito. Sentia que estava morrendo, e na Terra nada mais havia para ela. Porém, a morte vinha aos poucos, a conta-gotas, no meio do sofrimento e da Dor.
De seu leito, ouviu um dia a conversa entre duas freiras sobre seu fim próximo, e este comentário: “Quando falecer nossa Irmã Teresa do Menino Jesus, e for preciso escrever uma circular às demais comunidades contando como transcorreu a vida dela no claustro, não sei realmente o que será narrado. Porque ela não fez nada. Ao longo dos anos passados aqui, realizou apenas coisas pequeninas…”
Vítima do amor misericordioso, Santa Teresinha ofereceu as dores comuns do dia-a-dia, bem como as grandes provações durante a doença, com intensa caridade, salvando assim um incontável número de almas.
Nossa Santa sentiu-se consolada ao ouvir essas palavras, pois de fato ela oferecera somente sacrifícios menores a Nosso Senhor, que os recebia por meio de Nossa Senhora. Entretanto, devido ao amor com que eram aceitos, o Redentor os acolhia com sumo agrado. Assim, ela salvava um incontável número de almas. Ela abria dessa forma a pequena via.
Então, uma característica da espiritualidade de Santa Teresinha é esse modo de oferecer as dores comuns do dia-a-dia, as quais Deus pede habitualmente a todo mundo. Porém, trata-se de oferecê-las como o fez a vítima do amor misericordioso de Nosso Senhor.
Uma inundação de graças…
Santa Teresinha nunca se vira favorecida por graças místicas extraordinárias, como visões ou revelações. Até que no último momento de sua vida foi arrebatada num êxtase, ficou transportada de alegria, ergueu-se na cama e disse palavras de entusiasmo diante daquilo que via. Depois, reclinou-se e expirou. Seu corpo jazia nesta Terra, mas sua alma já ingressava na eterna bem-aventurança.
Dentro da extrema pobreza carmelitana, seus funerais foram esplêndidos, porque um quintessenciado aroma de violeta, procedente não se sabe de onde, dominou literalmente o lugar em que o corpo dela se encontrava exposto à visitação pública. Como uma de suas primeiras intercessões junto à misericórdia divina, obteve a conversão da superiora de seu convento, que tanto a tinha amargurado.
De lá para cá, Santa Teresinha inundou o mundo com graças,sendo considerada a mais solícita em atender os pedidos feitos, inclusive os relativos aos bens terrenos. Nesse sentido, célebre é o caso passado em um convento na cidade de Galípoli, na Turquia. Essa comunidade se achava em grandes apuros financeiros, sem nenhum dinheiro para pagar suas despesas. A superiora implorou então o auxílio de Santa Teresinha: no dia seguinte, ao abrir o cofre da casa, encontrou a quantia necessária e mais ainda.
Obtendo-lhes donativos materiais, Santa Teresinha atrai s almas para que peçam bens espirituais. E ela as atende.
Destinada a socorrer a Terra
Tinha ela certeza de que seria canonizada, e nos últimos dias de sua vida recomendava conservassem fragmentos de suas unhas ou fios de suas sobrancelhas, dizendo: “Guardem-nos, porque após minha partida, haverá pessoas que ficarão felizes tendo isso”. Quer dizer, seriam distribuídos como relíquias após sua glorificação nos altares.
Em diversas ocasiões pronunciou ela essa linda frase: “Passarei meu Céu fazendo bem sobre a Terra”. E também afirmou: “Só estarei inteiramente livre das coisas da Terra depois que o número dos eleitos estiver completo”. Se pensamos que esse total dos escolhidos só será atingido no fim do mundo, esse dito significa que ela intervirá em nosso favor enquanto houver homens atuando na Terra.
“Passarei meu Céu fazendo o bem sobre a Terra”, costumava dizer Santa Teresinha, prometendo interceder pelos homens até o fim do mundo”.
Foi, portanto, uma Santa especialmente designada pela Providência para fazer grande bem à Terra. Muitos eleitos há cuja memória, por assim dizer, desaparece, perde-se, devido à versatilidade humana. Algum benefício eles fazem, porém menor se comparado com o realizado por uma Santa que vai para o Céu com o programa de continuar a agir intensamente nos acontecimentos terrenos, apenas repousando quando o número dos escolhidos estiver completo.
Alegria com a felicidade dos habitantes do Céu
Para Santa Teresinha, cada ano que passa é um período de ação, de vitória, de esplendor. Pois no dia de sua festa, a um título especial, comemora-se um aniversário que a torna intensamente feliz e aumenta sua glória no Céu. É verdade que esta, no Paraíso, não cresce após ter terminado o mundo. Mas, enquanto tal não suceder, é passível de aumento. Por exemplo, se um bem-aventurado escreve um livro, e 200 anos depois de sua morte essa obra é ocasião de instrumento para a salvação de alguém, a alegria e a glória dele se avolumam no Céu.
Alguém poderia objetar: “Dr. Plinio, sinto-me um pouco insultado pensando em meus sofrimentos aqui no mundo, nesse vale de lágrimas, e o senhor anuncia que Santa Teresinha, já muito feliz, recebeu uma felicidade a mais no Céu. Parece uma distribuição desigual dos dons divinos…”
Ora, os planos de Deus não são igualitários, e, sobretudo, os relativos aos que estão no Céu e na Terra. Permanecemos aqui para sofrer e expiar, e os santos no Paraíso para desfrutar a verdadeira felicidade. Se padecermos, lutarmos e expiarmos bem, seremos também daqueles que irão para o Céu, felizes por toda a eternidade.
Dessa maneira, há uma inteira proporção, não igualdade, entre a nossa desventura e a ventura de Santa Teresinha.
Mais. Devemos nos rejubilar com todos que se acham no Paraíso, pois nos precederam nesta Terra com o sinal da Fé. Viveram antes de nós com o signo da Cruz. São nossos irmãos em Nosso Senhor Jesus Cristo, em Nossa Senhora, e nos cabe desejar a alegria deles: a felicidade de um irmão interessa a outro irmão.
Por fim, cumpre considerarmos que, ao ver nosso contentamento pela felicidade dela, Santa Teresinha há de se tornar particularmente propensa a nos alcançar graças cada vez maiores. Do Céu, ela nos acompanha com afabilidade, com um sorriso todo dela, e dirige à Santíssima Virgem uma empenhada prece por nós: para que aumente nossa fé, nossa crença, nossa esperança e nosso gáudio com as glórias futuras que nos aguardam na venturosa eternidade, junto a ela e aos Sagrados Corações de Jesus e Maria.
Plinio Corrêa de Oliveira
(REVISTA DR. PLINIO 91, Outubro 2005)