A procura de um superior

Todo homem deseja e procura seu superior, a qualquer título. A existência de superiores é uma condição natural para a inteira prática da virtude da religião. O maior crime que se pode cometer contra uma civilização é a supressão dos superiores, de maneira que as almas fiquem numa terrível orfandade.

 

Do ponto de vista natural, prescindindo, portanto, da graça para efeitos de estudo, o que vem a ser a força da presença de Deus e no que isto sustenta o homem?

Um jovem que deseja ser cavaleiro e vê passar ao longe Carlos Magno

Tenho a impressão de que, assim como dos elementos somados de uma paisagem resulta o panorama — o qual é muito mais do que o elenco de seus elementos constitutivos —, assim também, de várias influências conjugadas resulta o fato de que o verdadeiro superior dá para o inferior uma impressão de alguém que é uma resposta a uma pergunta, que é a pergunta da vida dele e o preenchimento de algo de que sua alma está vazia.

Nesse sentido, todo homem deseja e procura seu superior, a qualquer título.

E o maior crime que se pode cometer contra uma civilização é a supressão dos superiores, de maneira que as almas fiquem nessa orfandade, terrivelmente péssima, de não sentir que o superior aparece e que preenche o horizonte da vida.

Esse anseio por um superior corresponde a algo por onde a pessoa, melhor do que nunca, nota o conjunto todo da Criação reunido num ponto panoramático, a partir do qual ela capta melhor aquele panorama que explica a sua alma até o fundo, dando respostas às perguntas sem as quais o viver dela não tem sentido.

A título de exemplo, poderíamos imaginar um rapaz do tempo de Carlos Magno que tem o desejo de ser cavaleiro, mas nem tem noção clara de cavalaria. Está cavalgando pelos Pirineus, e numa volta de caminho vê passar ao longe Carlos Magno e seus cavaleiros. Ele fica encantado, vai correndo, presta ao soberano uma homenagem e pede licença para entrar naquela coorte. 

Esse é um momento sagrado, pois o que há de mais semelhante, mais adequado a ele, por onde ele explica a vida e encontra o caminho para Deus, aparece de repente diante dele, e é como que um encontro com o Criador.

Distâncias majestosas, intimidades paternas 

O que está dentro do homem bramindo, gemendo, sob a forma de aspirações implícitas que a realidade contingente não satisfaz; o que há de nobre em certos desejos, que o homem não conhece, mas que gemem dentro dele à procura de uma explicitação, de uma realização, de uma conexão para se tornarem mais elevados; tudo quanto é o próprio impulso na vida do homem; tudo quanto há de nobre na alma enquanto alma; tudo isso nesse momento se coloca em posição porque encontrou seu superior que lhe explica tudo.

Nisso o homem vê Deus que Se explica a ele por uma espécie de semelhança, que passará a orientar e a interpretar sua vida até o fundo. E estabelece-se um comércio entre Deus e o que a alma tem de mais delicado, e ao mesmo tempo de mais forte. De maneira que todas as ternuras e também todos os vigores se instalam naturalmente nesse comércio.

Um cavaleiro assim seria capaz de confessar os seus pecados para um homem desses, embora sabendo que não se trata de uma absolvição. Ato de suma intimidade e ao mesmo tempo de ternura. Sentir-se-ia, ademais, cheio de alegria ao contemplar esse homem num trono, ainda que ele se mantivesse afastado do trono a uma distância enorme. E ao presenciar uma ação solene diante deste homem, por exemplo, coroando-o, o cavaleiro sentiria todas as distâncias majestosas e todas as intimidades paternas em relação ao superior, fundidas num todo só, o que representaria para ele algo que é a figura de Deus.

É como nós veremos, no Céu, a Deus Nosso Senhor. Infinitamente transcendente a nós, mas na realidade o centro de nossa própria vida.

Entre superior e inferior há, pois, uma relação pela qual o superior está continuamente dando ao inferior toda essa corrente de “deiformidades”, que penetram nele e o vão modelando.

Às vezes, quando o pai é bom, é um mero precursor, porque o chefe o indivíduo vai encontrar em outras circunstâncias da vida.

Abstraindo de superiores, não podem existir verdadeiramente as condições naturais próprias para uma inteira prática da virtude da religião. Porque é só em função disso bem constituído que a virtude da religião se estabelece de um modo completamente adequado.

Quando esse fenômeno é irrigado pela graça — creio que normalmente o é —, então entra qualquer coisa que toma a graça do Batismo e dá a ela um fluxo especial.

Má influência exercida sobre a criança em muitos colégios

Algumas crianças têm certa noção da nobreza de sua própria alma — eu excluo aqui, completamente, a ideia de aristocracia terrena —, por onde elas, olhando no fundo de si mesmas, percebem a existência de algo muito elevado e nobre, que já habita ali. E acrescento, sem vacilação: percebem algo de muito santo. Quer dizer, muito conforme também à ordem sobrenatural, em que uma criança discerne em si mesma a própria graça de Deus que pousa sobre ela, mas especialmente sobre aquilo por onde é especialmente ela mesma e difere de todo mundo.

Isso dá à criança uma experiência interna de ser participante da natureza divina, chegando até a notar, em termos católicos, algo de divino em si mesma.

Quando a criança é fiel a isso, ela está ordenada, muito mais facilmente do que outras, a desenvolver tudo aquilo por onde tem em si radicalmente a semelhança de Deus. E, por isso, procurar com mais empenho, analisar com mais finura e encontrar com maior certeza o superior de sua vida.

Lamentavelmente, a maior parte das crianças perde isso no colégio, se não antes. Na vida da escola aparece, com o agarra-agarra e o empurra-empurra, o problema da comparação: esse veio com um automóvel mais bonito, o outro com não sei o quê… E isso no meio daquela folia e da zoeira do colégio, que se prolonga cabeça adentro até quando a criança dorme.

A criança é violentamente arrancada dessa ordem de cogitações e lançada no desenrolar da vida. Ela deixa de se perguntar quem ela é — interrogação através da qual encontra o seu superior — e passa a se perguntar como sobrepujar este ou aquele; surgem apegos, amizades e inimizades…

Aí entram as paixões desordenadas que calcinam a alma, na qual o ambiente procura incutir a ideia de que aqueles sentimentos interiores imbecilizam o homem, e são fatores negativos quando ele se põe na luta pela vida dentro do colégio: tornam-no menos capaz de berrar e de correr.

Ou seja, a criança era um Jacó em meio aos Esaús. E, para se redimir daquela situação, ela se joga naquela “esausada” e perde esse senso inicial incomparável.   v

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/7/1984)

Revista Dr Plinio 220 (Julho de 2016)

 

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