Sob o influxo de todas as energias naturais e sobrenaturais entesouradas nas nações cristãs, foi emergindo lentamente do caos da barbárie na alta Idade Média, a sociedade civil cristã, a Cristandade. Sua beleza, de início indecisa e sutil, mais promessa e esperança que realidade, foi se afirmando à medida que, com o escoar dos séculos de vida cristã, a Europa batizada “crescia em graça e santidade”. Nasceram por essas energias humanas vitalizadas pela graça, os reinos e as estirpes fidalgas, os costumes corteses e as leis justas, as corporações e a cavalaria, a escolástica e as universidades, o estilo gótico e o canto dos menestréis.
Os admiradores da Idade Média se exprimem mal quando sustentam que o mundo atingiu nessa época o maximum de seu desenvolvimento. Na linha em que caminhava a própria civilização medieval, muito ainda haveria que progredir. O encanto grandioso e delicado da Idade Média não provém tanto do que ela realizou, como da harmonia profunda e da veracidade cintilante dos princípios sobre os quais ela se construiu. Ninguém possuiu como ela o conhecimento profundo da ordem natural das coisas; ninguém teve como ela o senso vivo da insuficiência do natural — mesmo quando desenvolvido na plenitude de sua ordem própria — e da necessidade do sobrenatural; ninguém como ela, brilhou ao sol da influência sobrenatural com mais limpidez e na candura de uma maior sinceridade. Ela foi feita de homens que lutaram e sofreram na realização desse ideal, e que na sua caminhada muitas vezes recuaram ou desfaleceram ao longo do caminho; mas de homens que sempre continuaram fiéis ao seu ideal, ainda mesmo quando dele se afastavam por seus atos. E daí uma [grande] consonância de todas as instituições, de todos os costumes, de todas as tradições nascidas nessa época, não só com as circunstâncias contingentes e transitórias do tempo em que surgiram, mas com as exigências genéricas da alma humana “naturaliter christiana”(1) e as tendências espirituais peculiares aos povos do Ocidente.
Tocamos num ponto de importância fundamental. Todos os povos têm sua mentalidade coletiva e seus problemas regionais. (…) Os homens, como os cursos de água, poderão ir correndo para a eternidade. Mas as nações, como os rios, continuam sempre os mesmos nos dados essenciais de seu temperamento. Além destas circunstâncias psicológicas, há problemas peculiares à situação geográfica de cada região. (…) Toda civilização cristã há de ser inteiramente cristã, católica, universal, mas há de se ajustar, há de respeitar, há de desenvolver e estimular as características de cada região, e de cada povo. (…)
Nos séculos de civilização cristã, cada povo teve, pois, suas características próprias, bem definidas. A alma nacional, em todas as suas aspirações universais e humanas, em todas as suas aspirações nacionais e locais, encontrou plena e ordenada expansão dentro da civilização cristã. Daí a enorme variedade de formas de governo e de organização social ou econômica, de expressões artísticas e de produções intelectuais, nas várias nações da Europa medieval.
A expansão das tendências nacionais causa ao povo um grande bem-estar físico. A mentalidade nacional inspira a formação de símbolos, costumes, artes, nos quais ela se exprime, se define e se afirma, se contempla a si mesma e se solidifica. Esses símbolos são um patrimônio nacional, uma condição essencial para a sobrevivência e progresso espiritual da nação. Eles têm uma consonância indefinível e profunda com a mentalidade nacional, uma consonância que é natural e verídica, e não puramente fictícia e convencional. Por isto, em via de regra, cada povo elabora uma só arte, uma só cultura e nela caminha enquanto existe. O maior tesouro natural de um povo é a posse de sua própria cultura, isto é, quase a posse de sua própria mentalidade.
Plinio Corrêa de Oliveira, (Extraído do “Legionário”, nº 666, de 13/5/1945)
1 ) Naturalmente cristã.