O Juízo Final e a trama da História – II

Ao tecer comentários sobre o Juízo Final, Dr. Plinio põe diante de nossos olhos o momento grandioso no qual Jesus Cristo, Pontífice, Profeta e Rei, receberá das criaturas toda a glória que Lhe é devida.

 

Ao longo de todo o Juízo Final, Nosso Senhor Jesus Cristo estará oferecendo e recebendo glória enquanto Pontífice, cujo sacrifício foi aceito; como Rei, cujo governo foi bem sucedido, cuja guerra foi levada ao fim; enquanto Profeta, que previu tudo quanto foi realizado. De maneira que tudo quanto for narrado no Juízo será a glorificação do Pontífice, do Rei e do Profeta. A obra da Criação estará concluída e começará o grande domingo da História.

Pontífice da Humanidade

É Nosso Senhor, enquanto Pontífice, que no Juízo Final oferecerá ao Padre Eterno tudo quanto aconteceu na História; pois, no fundo, é o seu plano que foi executado. Ele tem o direito de oferecer os sofrimentos de toda a humanidade, porque nos tornamos capazes de sofrer por causa d’Ele. O padecimento de Nosso Senhor, de Nossa Senhora, a Corredentora, comprou-nos a capacidade de padecer.

Ofereço, então, meu sofrimento por meio d’Ele, porque é o Pontífice que oferece todas as coisas ao Pai Eterno. Se eu oferecer sem ser por meio d’Ele, minha oferta não será aceita.

Então há um contínuo evolar de tormento, de dor, de infelicidade da Terra, um contínuo gemido que caminha para o Céu e vai se transformando num brado de vitória e de glória. Mais ou menos como soldados que estão lutando numa trincheira, isolados, abandonados; é um sofrimento medonho! Mas tudo isso se torna glorioso quando se dá a vitória.

Assim, as provações tremendas, as incompreensões, tudo deve ser oferecido nessa perspectiva.

E vai se fazendo a trama da História.

Rei da História

A realeza de Nosso Senhor mostra-se já na distribuição dos méritos, os quais são o fluxo vital da História. Ele, como Pontífice, conquista e, ao distribuir, reina.

Analisando uma fotografia da Sagrada Face, no Santo Sudário, nota-se que há algo de extraordinariamente luminoso no alto da fronte, como se fosse um brilhante; algo que de fato Lhe dá majestade e poder de decisão.

Pois bem, é o diadema de Nosso Senhor, o único rei que reinou com a cabeça coroada de sangue, após serem tirados os espinhos. Esse sangue tornou-se o brilhante, o divino Koh-I-Noor(1) d’Ele.

Na consideração dessa luminosidade, percebe-se como do pontificado se passa para a realeza. Quer dizer, Ele tem a realeza “par droit de naissance”(2) e por direito de conquista. Nosso Senhor sofreu tudo que era preciso para resgatar o gênero humano, e tornou-Se dono daquilo que Ele resgatou. A humanidade era de Satanás e Ele a comprou por esse preço; portanto, Jesus possui também a realeza por direito de conquista.

Como Homem-Deus, Nosso Senhor é Rei de todas as coisas. Rei por ser da descendência de Davi, não só sobre o povo eleito, pois Salomão era chamado a uma realeza de hegemonia moral sobre toda a Terra, a mais gloriosa das realezas. E essa realeza Jesus Cristo deveria ter sobre o mundo inteiro, se não fossem os pecados dos homens. Se Nosso Senhor se encarnasse no Paraíso terrestre, Ele a teria.

Na Sagrada Face há uma decisão de Quem, na sua inteligência, vontade, sensibilidade, é o Rei de tudo e dirige a História. Aquela é Fisionomia de Rei. Nada se compara a Ele; o próprio Carlos Magno torna-se uma figura fátua. Nosso Senhor manda e os outros têm que obedecer, custe o que custar. No meu modo de interpretar, nota-se que Ele está morto, mas com tanta vida nessa morte!

Profetismo e História

Percebe-se que há n’Ele algo de profundamente pensativo, quer dizer, uma sapiencialidade, um desígnio que está feito “in radice” e vai se realizar nos seus pormenores, de acordo com um alto plano. E nisso Ele se afirma Profeta.

É o plano que, na sua sabedoria, Ele concebeu enquanto Redentor. Como Rei, Nosso Senhor manda aos anjos que intervenham, movimenta toda a Igreja. E executa aquilo que seu profetismo previu.

E todos os homens serão julgados, premiados ou castigados, em função da afirmação, da proclamação da glória de Nosso Senhor, como Pontífice, Rei e Profeta. A nossa glória consistirá em ter participado da glória d’Ele.

Colocados esses elementos na cena, o Juízo chega a ser uma espécie de imenso ofertório, caminhando para a Consagração. Tudo isso pode ser comparado com uma imensa Missa.

No momento em que termina o julgamento, há a glorificação suma de Cristo, porque cada coisa que Jesus fez é boa e o conjunto ainda é melhor.

Não se pode imaginar — seria de certo modo uma apresentação pictórica — o julgamento dos homens numa espécie de “monoclave”, do início ao fim. Não. Trata-se de um drama que vai crescendo e termina num auge.

Várias nações poderiam ser salvas, se sempre considerassem esse fundo de quadro.

Mensagem de Fátima e “Grand Retour”

À vista desse panorama, compreendem-se melhor os castigos previstos por Nossa Senhora em Fátima, porque eles são prefigura do fim do mundo. Não devemos imaginá-los sem o significado que continuamente apresentarão, ou seja, de Nosso Senhor que resgatou, governa e é Profeta; e que vai sendo desagravado no curso dos acontecimentos pelo castigo dos maus, pela virtude de que dão prova os bons, e depois pela glorificação de Jesus Cristo e dos bons, na entrada do Reino de Maria.

Assim é que se compreende o “Grand Retour”(3). Creio que sem a aptidão de considerar as coisas dessa maneira, não temos propriamente formação para o “Grand Retour”.

Isso suprime visualizações insuportavelmente mesquinhas a este respeito, como considerações puramente individuais.

Compreendemos, assim, o papel de nossa vida nesse conjunto de fatos. Cada um de nós não é o mero indivíduo, apto a realizar um destino apenas individual. Mas tem um papel a representar nesta outra dimensão da História; esse papel está à nossa espera e devemos crescer até ele.

Nossa vida individual pode ter aspecto bonito, mas que se conecta com o outro; do contrário ela não tem sentido.

Cada um de nós, na medida em que se eleva, entra nesse papel histórico, e os outros de algum modo percebem quando nos identificamos com nosso próprio papel.

O homem que, a meu ver, mais facilmente se percebe ter se identificado com seu próprio papel foi Carlos Magno. Não digo que ele foi quem melhor se identificou, mas quem mais facilmente se percebe.

Vislumbramos aqui o assunto arquetipização. Cada homem é único e, nesta ordem superior de coisas, pode vir a ser arquétipo de possíveis.

Exceção que confirma a regra

Tratarei agora a respeito de Nossa Senhora. Deus confirmou n’Ela todas as regras da ordem, bem como as exceções que confirmam as regras.

Deus constituiu propriamente a seguinte exceção: criou todo o universo, e o homem à sua imagem e semelhança, mas deixou sempre muito claro quanto Ele o transcendia. Entretanto, para mostrar até que ponto Ele é análogo, criou Nossa Senhora, ornou-A de tal maneira e tornou-A tão excelente, que, para O entendermos bem, de preferência devemos olhar para Ela.

Alguns, inclusive, afirmam que é “Cristocêntrico” voltar-se para Nossa Senhora, de tal maneira Jesus está mais presente n’Ela do que em todas as outras criaturas.

Pode‑se dizer que Nossa Senhora é, de certo modo, uma concentração de tudo quanto expusemos? Parece-me que sim, no seguinte sentido:

A glória de Nosso Senhor, como Pontífice, Rei e Profeta, é tão grande, que no Juízo Final Ele coroa sua Mãe — com esplendores que não se poderiam imaginar ser possíveis a uma mera criatura — como Corredentora, Co-reinante e de algum modo Co-profetiza.

Seria preciso depois aprofundar, à luz da Mariologia, essas três funções d’Ela em tudo que acabo de descrever. Pois tudo seria menos belo, menos esplêndido, menos glorioso, menos magnífico, se a como que imaginação de Deus não estivesse presente.

Imaginemos um general que vence uma guerra, e um rei não sabe como glorificá‑lo. O general diz então ao monarca:

“Se vós quiserdes me glorificar de fato, nomeai Condestável do exército a minha própria mãe, e dai‑me o bastão para eu pôr nas mãos dela. Nesta hora eu estarei glorificado, porque ela lutou comigo, fez isso e aquilo com toda a perfeição.”

No momento em que o general entregasse o bastão para sua mãe, haveria a máxima glorificação dele.

Assim também, o epílogo é a grande glorificação de Nossa Senhora, no dia do Juízo. Com isto de especial: até Nosso Senhor cantaria a glória d’Ela. Poderíamos imaginá-Lo — se se pode falar em cronologia —, ao encerrar-se tudo isso, cantando o Magnificat, sozinho, e depois acompanhado pela Criação inteira.

Como seria sua voz e resplendores, cantando o Magnificat, olhando para Ela? Não sei se haverá Eucaristia então, mas, se houver, Ele estará presente n’Ela. E outros mistérios a respeito de relações de Nosso Senhor Jesus Cristo — em sua divindade e humanidade — com Ela serão revelados. E constituirão gáudios maiores do que todos os outros, os quais ficarão, digamos, em nexo íntimo com a visão beatífica.

Tudo quanto eu disse a respeito de Nossa Senhora é uma insignificância.

Considerem o Sacro Volto [a Sagrada Face]. Cada dor que Nosso Senhor sofria repercutia n’Ela. E quando o Redentor levou em sua cabeça sagrada a pancada, que está expressa por aquela efusão de sangue no alto da fronte, Nossa Senhora sentiu-a na alma, com toda a intensidade do amor de Deus a Ela e do amor d’Ela ao seu Filho. E assim a fronte d’Ela cobriu-se de uma glória parecida com a de Nosso Senhor.

Por mistérios de Deus, de algum modo os homens veem melhor essa glória na fronte d’Ela do que na de Jesus, de tal maneira Ele quer glorificá-La. E para sabermos como n’Ele a glória é maior, devemos olhar para Nossa Senhora. Ela só pode ser bem vista n’Ele, e Ele, n’Ela.

Há aqui coisas inefáveis, porque a dupla relação da divindade com a humanidade em Jesus e, depois, d’Ele com Maria Santíssima, contém todo o “pulchrum, o verum, o bonum” do universo, a grandeza etc. É uma coisa tão extraordinária e maravilhosa, que é muito difícil termos ideia disso.

Toda essa História é de ouro, e o ponto final tem que ser preto, mas é um brilhante negro.

Porque amou a vulgaridade, Satanás não queria que nada disso fosse assim e, ao mesmo tempo, conhecendo de algum modo a grandeza de tudo isso, percebe o achatamento dele e de todos os que o seguiram. E um achatamento que é eterno, definitivo, e o castiga para todo o sempre. Mas o que mais o tortura é que essa grandeza venceu sua vulgaridade, e ele geme inteiro.

Ele está ligado à vulgaridade de maneira infame, torpe, enquanto nós devemos estar unidos à grandeza.

Há pessoas que têm inveja de nós, em razão de nossas qualidades. Se viesse agora o Reino de Maria e fôssemos postos no pináculo, esses que nos invejam por causa do que temos de terreno, mais sofreriam vendo o bem glorificado em nós.

Por exemplo, duas irmãs: uma ficou virgem e é glorificada; a outra se perdeu e foi lançada no inferno. Esta última sofre mais pela glorificação da virgindade, do que vendo a irmã que ela odiava, da qual tinha inveja.

Mais especialmente o inferno rangerá quando Nossa Senhora for coroada, porque ficará mais visível a vitória de Deus. v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 8/12/1982)
Revista Dr Plinio 150 (Setembro de 2010)

 

1) Célebre diamante que pertenceu a soberanos indianos, oferecido à Rainha Vitória

2) Por direito de nascimento.

3) Grand Retour (Grande Retorno): palavras usadas por Dr. Plinio para designar o surto de graças que prepararão as almas para o Reino de Maria.

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