Harmonia e felicidade no Céu entre anjos e santos

Baseando-se nas revelações de Santa Francisca Romana, Dr. Plinio nos propõe interessante paralelo entre a harmonia existente no Céu e a beleza de uma sinfonia, na qual cada nota, distinta uma da outra, contribui com sua beleza própria para formar um lindo e melodioso conjunto. Ali, anjos e bem-aventurados, unidos na diversidade de seus sons, entoam a Deus um magnífico hino de louvor.

 

Célebre por suas visões e revelações a respeito dos anjos e demônios, Santa Francisca Romana descreve de modo admirável o conhecimento que teve de toda a ordem celeste. O pressuposto desta revelação é o ensinamento da doutrina católica segundo o qual os lugares no Céu deixados vacantes pelos anjos apóstatas, serão preenchidos pelos homens que se salvarem.

Como notas de uma sinfonia

Não se trata, é claro, de lugares materiais, pois os anjos, sendo puros espíritos, não ocupam um espaço físico. Para se entender o significado de “lugar” aqui empregado, devemos pensar que cada coro angélico é como uma sinfonia de notas em que cada elemento — cada anjo — representa um papel. Digamos que algumas dessas notas se tenham revoltado e abandonado a partitura. As lacunas desse imenso concerto serão, graças à misericórdia divina, cobertas pelos bem-aventurados, os quais completarão assim a harmonia do conjunto celestial.

Imensa alegria no Paraíso pela chegada de um novo santo

Pelas descrições de Santa Francisca Romana somos levados a imaginar, por exemplo, a alma de um justo que ascende pelos vários coros angélicos até alcançar o lugar na mais elevada categoria de anjos a que foi destinada. E como os anjos situados num grau inferior, à medida que aquela alma sobe, manifestam uma extrema alegria pela glória por ela alcançada.

E a vidente nos mostra que, ao chegar a alma no lugar que lhe compete, o gáudio dos anjos ali presentes é incomparável, pois cada posição vaga ocupada é mais uma parte da beleza daquele imenso conjunto que se completa. Diz a santa:

São enormes demonstrações de alegrias e de amizade, de cânticos de louvores e bênçãos para dar graças a Deus por sua felicidade. E este júbilo dura mais longo tempo nuns coros do que noutros. Na ordem dos serafins,  uns penetram mais do que os outros na compreensão divina. Há entre eles uma gradação de inteligência que  existe igualmente em todos os coros.

Ou seja, até mesmo entre os serafins, que são os mais altos, há distinções de inteligência e de capacidade de compreender a infinita perfeição de Deus. Essa desigualdade, segundo a narração de Santa Francisca Romana, existe em todos os demais coros angélicos.

Quanto maior a sutileza de entendimento, maior a saciedade na visão beatífica

E continua:

O que digo dos anjos, digo igualmente dos espíritos humanos que lhes estão associados. Todos os espíritos de um mesmo coro não estão igualmente próximos de Deus. Ora, quanto mais de perto uma inteligência vê a Deus, melhor n’Ele penetra e, portanto, mais feliz é.

Todos os espíritos humanos colocados na glória não a  possuem no mesmo grau. Alguns, quando viviam em sua carne mortal, receberam uma inteligência mais sutil e, segundo suas operações intelectuais e capacidade, penetram mais no abismo da divindade. Eles levaram ao Céu um espírito mais arguto e penetrante.

Assim, quanto mais uma alma tem capacidade e sutileza de entendimento, mais é saciada da visão beatífica. É verdade que no Céu todas as almas são plenamente saciadas, mas cada uma o é segundo a medida de sua capacidade.

Quando os Apóstolos receberam o Espírito Santo, não obtiveram todos a mesma medida de graça. Aqueles que tinham mais capacidade e sutileza em seu entendimento as receberam em mais alto grau. Ora, o que se dispõe a uma maior graça, dispõe-se igualmente a uma maior glória.

Ela, então, nos dá a compreender que os bem-aventurados, ao ocuparem os lugares vagos no Céu neste ou naquele coro angélico, obedecem também a essa espécie de regra pela qual os mais inteligentes e perspicazes vêem e compreendem mais da perfeição divina. Além disso, a saciedade que terão pela visão beatífica será determinada pelo grau de correspondência que deram às graças recebidas por eles na Terra.

Cântico harmonioso entre anjos e bem-aventurados

Temos, pois, dois interessantes aspectos a considerar nessas descrições de Santa Francisca Romana.

Primeiro: todos os anjos e santos no Céu gozam de plena felicidade. As almas dos homens se encaixam ao longo da hierarquia angélica, ocupando as lacunas deixadas pelos anjos rebeldes. A felicidade maior de uns não ofende a menor de outros, pois todos são inteiramente felizes de acordo com a capacidade de inteligência e de percepção que lhes foi dada por Deus.

Segundo: embora sendo superiores aos homens por sua natureza, os anjos manifestam extremo contentamento ao verem uma alma bem-aventurada galgar os maiores escalões da hierarquia celeste, sobrepujando aos próprios anjos de coros inferiores.

Há nisso uma esplêndida lição de harmonia e de humildade. No Paraíso celestial, onde impera a mais perfeita ordem das coisas, os anjos e os santos são desiguais, e nenhum deles sofre com as diferenças que os distinguem. Pelo contrário, todos se unem num cântico perpétuo e inexcedível de louvor a Deus, como notas desiguais que compõem uma maravilhosa sinfonia.

Comprazer-se com a superioridade do próximo

Essas considerações devem nos levar a um propósito concreto de nos examinarmos quanto às nossas disposições de alma nesta vida. Em que sentido?

Se as coisas bem ordenadas e belas da Terra são reflexos da ordenação celeste, cumpre sê-lo também as atitudes que tomamos em relação ao nosso próximo no que diz respeito às desigualdades que nos distinguem. Noutros termos, sentimos, como sentem os anjos e os bem-aventurados, alegria em constatarmos a superioridade de um semelhante sobre nós? Manifestamos nosso júbilo ao vê-lo crescer, igualar-se a nós e, mais, tornar-se maior, sobrepujando nossas próprias qualidades? Entoamos um Magnificat em louvor de Nossa Senhora, em agradecimento a Deus por essa desigualdade?

As respostas a essas perguntas nos dirão até que ponto estamos preparados para a insondável e maravilhosa harmonia de grandezas distintas existentes no Céu.

Roguemos a todos os anjos e santos que, pela intercessão de Maria Santíssima, nos alcancem a graça de sermos como eles, isto é, de desejarmos o bem maior para o próximo, e de termos alegria pela superioridade alheia.

Lembro, a esse propósito, das preces redigidas pelo Cardeal Rafael Merry del Val em sua Ladainha da Humildade, entre as quais, esta: “que os outros sejam mais santos do que eu, embora me torne santo o quanto me for possível, Jesus dai-me a graça de desejá-lo”.

Portanto, é levar ao auge o desapego de si e a alegria pela glória do seu semelhante. É desejar, de fato, que os mais inteligentes e capazes brilhem mais do que eu nas vias do serviço de Deus. Sobretudo, é querer, segundo dos desígnios da Providência, que os outros sejam mais santos do que eu, porque me alegro com todas as superioridades que estão acima de mim. Esse é o timbre de voz da alma autenticamente católica quando reza. v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 1/11/1965)
Revista Dr Plinio 125 (Agosto de 2008)

 

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