Devoção mariana contrarrevolucionária

A devoção mariana deve se caracterizar também pelo espírito combativo, como o demonstra uma escultura medieval representando Nossa Senhora, com espada na mão, investindo contra o demônio. A piedade adocicada e sem luta surgiu com o Renascimento, fazendo com que os contrarrevolucionários se tornassem moles.

 

A consideração da Imaculada Conceição de Maria toca no tema do embate entre a Revolução e a Contra-Revolução no que tem de mais profundo.

Em relação à Revolução, é preciso ter uma oposição total e vigorosa

Se há tanta gente que é preguiçosamente contrarrevolucionária, isso se deve exatamente ao fato de que para ser contrarrevolucionário é preciso realizar um esforço. O homem, por sua própria natureza, pode ter algumas tendências contrarrevolucionárias. Entretanto, por outro lado, possui várias tendências revolucionárias e, por causa disso, é obrigado a desenvolver uma ação em si mesmo muito categórica, profunda, pela qual não só ele se abstenha de todas as ações revolucionárias, mas também de todos os pensamentos revolucionários, bem como de qualquer forma de simpatia ou menor rejeição para com coisas revolucionárias.

Assim, detestar uma coisa qualquer revolucionária – um monumento, por exemplo – menos do que a carga de Revolução existente naquilo exige, já é um fator para que a atitude contrarrevolucionária da alma amoleça e não tenha todo o vigor devido.

Em presença do mal e, portanto, da Revolução que se exprime, se simboliza por tal objeto ou se manifesta em tal indivíduo, escola literária, de pintura, etc., deve-se conhecer todo o mal que há ali e detestá-lo tanto quanto precisa ser detestado. Se uma pessoa tomar perante esse mal uma posição preguiçosa, indolente, que proporcione uma rejeição menor do que aquela que ele merece, naquilo em que o mal não foi detestado tanto quanto merece a pessoa acaba gostando de alguma coisa revolucionária.

Essa pílula de Revolução que a alma assim engole é suficiente para amolecer nela todas as energias contrarrevolucionárias, e fazer com que o indivíduo desenvolva um esforço que ele imagina colossal para ser contrarrevolucionário, mas não consegue ser se ele não se esforçou para combater tendências más, revolucionárias, que há nele. Porém esse combate é inútil enquanto o homem não combate tudo, não elimina tudo, porque um pouquinho que fique cria uma insistência revolucionária colossal diante dele. Ele é obrigado a desenvolver um esforço enorme para não capitular, mas está sempre voltando ao pé da mesma luta. O indivíduo toma uma atitude contrarrevolucionária, mas não é inteiramente contrarrevolucionário. Na primeira ocasião, ele vai estimar uma coisa revolucionária ou detestá-la menos do que ela merece porque, num outro ponto, foi mole com a Revolução.

Quer dizer, ou existe em relação à Revolução uma oposição total, tão vigorosa quanto ela merece em cada ponto dela, ou o indivíduo amolece.

Análise de um busto de Maria Antonieta

Isso um pouco se dá com o bem e o mal em geral, por exemplo a pureza. Eu já tenho visto pessoas que lutam seriamente para manter a castidade. Às vezes combatem de um modo a ficarmos espantados de ver como elas mantêm a pureza. Mas é uma luta que não é tão séria porque, em muitos casos – não quero dizer que seja sempre assim –, a pessoa em algum ponto conserva uma certa complacência para com a impureza. E isto faz com que, em outros pontos, ela tem para com a impureza uma moleza que não deveria ter. Então ela possui uma tendência para o pecado que não se explica à primeira vista, porque ela consegue com esforço enorme não cometer uma ação pecaminosa, mas vai-se ver no fundo esse esforço é tão grande por causa de uma conivência, uma complacência em que ela consentiu e que determina todo o resto.

Recentemente vi a fotografia de uma porcelana, feita pela famosa fábrica de Sèvres, representando um busto de Maria Antonieta com toda a grandeza que ela tem, mas com uma frieza extraordinária e uma espécie de desdém o qual afasta as pessoas que não estejam inteiramente à altura de estar na presença de uma Rainha da França como ela.

Maria Antonieta provavelmente teve atitudes de alma que correspondiam a isso, mas ela não era só isto nem principalmente isto. O charme e a graça dela foram aclamados e festejados pela Europa inteira. E quem fala em charme e em graça fala evidentemente em afabilidade, em gentileza, em aprazibilidade; uma presença que tem charme é agradável. E em algo a presença desse busto de Maria Antonieta não é agradável porque é de uma rigidez que deixa aparecer a majestade dela em toda a linha, mas sem aquilo que é o complemento harmônico da majestade régia o qual, antes de começar a “máfia” revolucionária contra ela, foi cantado em prosa e verso pela nação francesa, de todos os modos possíveis.

Resultado, a pessoa pega um busto desses, olha e diz:

“Está vendo? Aqui é evidente que ela foi isto. Esses revolucionários, coitados, certa razão tinham para fazer o que fizeram ou para serem como foram. E não se deve ser tão rigoroso no julgamento deles.”

Essa é uma conclusão injusta, não tem fundamento e leva a achar que o crime praticado pela Revolução contra Maria Antonieta tinha alguns lados de um ato de justiça. E em algo se deve ter pena daqueles agitadores ululantes e facinorosos que levaram Maria Antonieta à situação extrema a que ela foi conduzida.

Rainha que foi morta devido às qualidades que possuía

Ao olhar para uma fotografia desse busto, trazida por um amigo, e considerando tratar-se de um busto que, do ponto de vista artístico, é muito apreciável, a pessoa pode conservá-la como um marcador de livros, por exemplo. Uma vez ou outra, ao ler aquele livro, ela vai olhar a fotografia e aquela impressão se radica nela. Quando chegar a ocasião em que essa pessoa precise dar um curso de História, isso vai pesar de um modo revolucionário nesse curso.

Isso porque a pessoa foi mole no considerar esse busto, não tomou em consideração que era unilateral, apresentava um aspecto de Maria Antonieta, que a sua pessoa não podia ser julgada só segundo esse lado, pois ela tinha muitos outros aspectos relevantíssimos. E, sobretudo, é certo que não foi por isso que ela foi morta pela Revolução, mas pelas qualidades que ela possuía, pelo que havia de bom nela, porque a Revolução nunca combate o mal e jamais executa um ato de justiça contra o mal. Quando ela aponta um mal em alguém e finge combater esse mal é porque, no fundo, está combatendo um bem que existe naquela pessoa. Porque a Revolução é um movimento satânico, e satanás não é capaz de outro procedimento.

Portanto, a priori, sabendo o que foi a Revolução, devemos entrar no julgamento da coisa revolucionária certos de que, embora naqueles em que a Revolução executou violências havia coisas a punir, não foi esta a razão da punição; e nem sequer foi uma punição. Essas pessoas foram perseguidas pelos seus lados bons. Não considerar isso é ver a Revolução como ela não é.

Onde falta a luta há um dolo, uma fraude

Ora, isso exige uma firmeza, uma retidão de vontade, uma disposição de combater, uma oposição contrarrevolucionária completa que a maior parte das almas tem preguiça de ter. E por causa disso essas almas se deixam levar para baixo.

É por isso também que, por exemplo, chegando festas como a Imaculada Conceição, nós não tomamos em consideração as coisas que sabemos como teologicamente são, ou pelo menos podem ser vistas debaixo de um certo aspecto e que assim devem ser examinadas.

A imagem da Imaculada Conceição mais frequentemente difundida é a de Murillo. Esse quadro representa Nossa Senhora em pé sobre nuvens, num gesto de completo enlevo para com Deus, com as mãos postas e pensando só n’Ele. Como Rainha que está presente no seu reino e, portanto, completamente distendida, despreocupada, no terreno que Ela domina inteiramente, sentindo-Se objeto de todo o amor e comprazimento de Deus, de maneira que o amor que o Criador tem a todas as outras criaturas somadas não dá o amor que Ele tem a Ela, nem de longe.

A pessoa olha esse quadro e diz: “Que admirável!”

O contrarrevolucionário completo afirma: “É um quadro onde o combate não está presente, portanto, na realidade total, falta-lhe alguma coisa. E no representar a Imaculada Conceição alguma coisa falta. Tudo o que o quadro quer representar, Nossa Senhora tem, está presente. Mas, há algum lado para o qual não se pode fechar os olhos: a luta”.

Onde falta a luta o contrarrevolucionário percebe que há um dolo, uma fraude, que a verdade inteira não está ali.

Na realidade o que nos diz Cornélio a Lápide?

Ele não dá – tanto quanto eu me lembro, pelo menos – uma sentença como certa, mas apresenta como sentença aceita por muitos teólogos eminentes, cujos nomes e obras ele indica, o seguinte: Os que estão no Inferno têm um conhecimento sem delícias, sem alegria, sem amor, amargurado que, pelo contrário, dá-lhes uma situação de desagrado profundo do que se passa no Céu. Eles veem, quer dizer, conhecem Nossa Senhora posta na presença do Altíssimo e inundada de felicidade, etc., e o ódio neles aumenta. E do fundo do Inferno blasfemam contra Ela. Em oposição a essas blasfêmias Maria Santíssima executa neles um ato de justiça, mandando que outros Bem-aventurados respondam a elas. E se trava uma espécie de polêmica, de luta, não à maneira da batalha que houve no Céu quando satanás foi mandado embora por São Miguel Arcanjo, mas uma controvérsia em que os Bem-aventurados aclamam ainda mais a Ela por causa das blasfêmias que os precitos soltaram, e uma atmosfera de combate se torna notória no Céu, e Nossa Senhora é a vencedora que esmaga com o seu calcanhar a cabeça da serpente.

Assim o quadro da Imaculada estaria completo.

Guerra atormentante contra o maligno

Alguém poderá dizer: “Não, Dr. Plinio, devagar! O quadro de Murillo apresenta Nossa Senhora esmagando a cabeça da serpente”.

Não me lembro, mas é facilmente possível. Entretanto, Murillo A pinta como tão enlevada com Deus que nem toma conhecimento dos insultos do demônio. Aquilo é a última ralé para a qual Ela não liga e, portanto, é muito teológico que Ela seja apresentada não pensando no demônio. Se Ela tem a sua glória em que o demônio seja escarnecido, receba o ato de justiça com o vilipêndio atirado sobre ele, é justo que Ela tenha consciência disto. E que em reparação a Deus, que Maria Santíssima sabe estar sendo insultado por esse ato do demônio, Ela faça um ato de adoração. Um ato de adoração pleno como só Ela é capaz de fazer e tem os recursos para realizar, mas no qual o conhecimento da situação belicosa e a participação nesta guerra atormentante do demônio esteja presente dentro d’Ela.

Suponhamos que um católico coloque um quadro desses no retábulo da capela do seu oratório particular em casa. Ao rezar ele não tem a noção da atmosfera de luta em que todos os precitos, todos os demônios que estão no Inferno uivam contra Nossa Senhora, ao menos em certas ocasiões em que Ela majestaticamente, eu ousaria dizer – é impróprio porque Ela é tão maior do que qualquer outra criatura, que a comparação não está bem – “carolingiamente”, mete o pé em cima deles e os esmaga, e isso se dá gloriosamente.

O católico deve ter isso diante dos olhos pelo menos algumas vezes, e precisa sentir que falta alguma coisa quando, na sua devoção mariana, isso jamais lhe passa pela mente.

A Santíssima Virgem, usando um gládio, luta contra o demônio

Nunca me ensinaram isso e eu sentia que, na minha devoção à Nossa Senhora, faltava alguma coisa que procurava e não entendia o que era. Até que os meus olhos caíram sobre esse texto de Cornélio a Lápide.

Eu ali senti que havia um recôncavo da minha alma que estava vazio do necessário da devoção à Santíssima Virgem, e exultei porque me senti cheio de Nossa Senhora. E acho que a devoção contrarrevolucionária a Ela comporta este aspecto de um modo relevante.

Não quero dizer que a imagem ou o quadro, enfim a reprodução, que não se refira a isto seja censurável. Afirmo outra coisa: que quase nunca se veja isto é censurável.

Há uma escultura medieval, representando uma lenda, em que Nossa Senhora está defendendo, com espada na mão, uma alma que o demônio quer roubar. É, portanto, a Santíssima Virgem em luta contra o demônio, mas usando um gládio.

O efeito do Renascimento foi o de passar um pano molhado sobre todas essas realidades. E daí haver essa forma de piedade adocicada e sem luta, fazendo com que a Contra-Revolução não tenha lutadores. Os contendores estão do lado de lá, eles são ferozes; do lado de cá tem essa água com açúcar que conhecemos.

Mas volto a dizer, não é porque quando uma explanação de Nossa Senhora não se refere a isso seja água com açúcar, isso não é verdade. Mas é verdade que no conjunto das noções sobre Nossa Senhora deve-se ter isto presente, sob pena de não sermos verdadeiramente contrarrevolucionários. Tenho certeza de que o nosso espírito contrarrevolucionário brilha especialmente se tivermos o cuidado de sempre ter em vista que Nossa Senhora é assim.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 6/12/1992)

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