São João Batista

Suscitado para predispor as almas a receberem o Divino Salvador, São João Batista “abatia as colinas e preenchia os vales,,, ou seja, calcava aos pés o orgulho e eliminava a impureza. Foi, além disso, um magnífico exemplo de destemor, ao exprobrar a impiedade e o pecado do rei Herodes. Esse homem que de tal modo abatia a sensualidade, lutava contra o orgulho,  cortava o caminho aos ímpios e servia de modelo de penitência, era digno de ser o precursor de Nosso Senhor Jesus Cristo!

Operando maravilhas…

A alma medieval era encantada por todas as formas de maravilhoso, mesmo as mais diversas… Há um fato na vida de Santo Antônio de Pádua, típico deste gracioso medieval:

Estando certa vez num povoado marítimo — o qual era repleto de hereges — Santo Antônio dispôs-se a fazer uma pregação sobre a onipotência divina. Como ninguém vinha escutá-lo, voltou-se para o mar e disse: “Já que não há aqui ninguém que queira ouvir a palavra de Deus, vós, puras criaturas, vinde ouvir-me a fim de ser confundida a indocilidade destes ímpios”. Logo surgiram milhares de peixes, os quais, pondo a cabeça para fora da água, pareciam prestar grande atenção na pregação de Santo Antônio. Ao fim de sua exortação, deu-lhes a bênção e despediu-os. Diante de tal milagre, todo o povo converteu-se.

Que maravilhosa a alma de Santo Antônio, tão humilde e cheia de fé: no desprezo a si próprio ele vê, no fundo, um desprezo à palavra de Deus; e, para reparar a ofensa feita a Deus, com toda simplicidade, opera um milagre extraordinário. Este foi o espírito intrínseco da Idade Média, e mais ainda da Igreja Católica.

Quando os homens tiverem esta fé ardente, veremos maravilhas ainda maiores.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 21/1/1974)

Santo Antônio

A hagiografia e iconografia católicas nos apresenta Santo Antônio de Pádua como um varão de extrema placidez e de uma ordenação de alma que se reflete, até mesmo, nas harmoniosas dobras de seu hábito franciscano.

A invariável compostura da veste é uma espécie de sismógrafo da ordenação de sua mente extraordinária. Rosto quase imberbe, nariz de um adunco muito bonito, com algo de ave de rapina. No arcado das sobrancelhas, uma delicadeza, uma precisão e uma força que se encontram expressas, sobretudo, no olhar. São olhos de quem já passou por todos  os desencantos, de quem conhece o pecado original e seus efeitos, assim como a Satanás, suas pompas e suas obras.

Tudo está analisado com raro discernimento. Na ponta dos lábios delgados, tem ele prontas as respostas que fizeram dele o magnífico defensor da fé contra as heresias. Em toda a sua pessoa  resplandece a pureza, a castidade e a serenidade do santo que tanto realizou a favor da glória de Deus.

Plinio Corrêa de Oliveira

Arca do Testamento e Martelo dos hereges

Uma deformada devoção a Santo Antônio — favorecida pelas imagens dele muito difundidas — o apresenta como bobinho, casamenteiro, festeiro. Entretanto, o verdadeiro Santo Antônio histórico foi o maior conhecedor da Sagrada Escritura em seu tempo, pregador extraordinário e grande polemista que derrotava os hereges.

 

No dia 13 de junho se comemora a festa de Santo Antônio de Pádua, Confessor e Doutor da Igreja. Chamado “Arca do Testamento” e “Martelo dos hereges”. Franciscano. Século XIII.

Fisionomia séria, olhar imperioso e majestoso

Nesse dia as igrejas em todas as nações do Ocidente, pelo menos, enchem-se de fiéis para comemorar a festa de Santo Antônio de Pádua. E por toda parte as imagens de Santo Antônio estão sendo expostas para objeto da veneração dos fiéis.

Este fato me faz lembrar que, estando em 1950 em Pádua, tive ocasião de me documentar a respeito de como era Santo Antônio. E na Basílica de Pádua se mostra um quadro pintado por Giotto, que passa por ser o mais próximo, mais provavelmente representativo da pessoa de Santo Antônio. E se trata, então, de uma pessoa de corpo hercúleo, pescoço taurino, forte, de expressão fisionômica séria, olhar imperioso e majestoso.

Comprei, então, algumas fotografias dessa imagem. As fotografias formavam um maçozinho, que se vendia na entrada da igreja.

E, ao mesmo tempo, comprei uma estampa retirada de uma das pilhas iguais, que eram vendidas às pessoas que iam à basílica, e que representava Santo Antônio não conforme a probabilidade histórica do quadro de Giotto, mas de acordo com uma concepção que figura nas imagens comuns.

Essa estampa representava um homenzinho imberbe, coradinho, com o Menino Jesus no braço, com um ar de quem não entende muito o que está fazendo com o Divino Infante; o Menino Jesus também com uma fisionomia de quem não entende muito o que está fazendo no braço de Santo Antônio, sorrindo os dois, um para o outro, como a dizer: “Desculpe, aqui deve haver algum equívoco. Vamos nos aturar algum tempo.”

Na fisionomia de Santo Antônio, nada havia que falasse do Doutor da Igreja, nada que representasse o homem tido como o maior conhecedor do Novo e do Antigo Testamento, no tempo dele, porque ele sabia as passagens mais raras, mais excepcionais, mais ignotas de todos e tirava delas efeitos de pregação extraordinários. E Santo Antônio é conhecido como o “Martelo dos hereges”, como polemista, homem capaz de discutir, de entrar em debate com os hereges, de achatá-los. Não havia ninguém como ele, e tudo isso coberto ainda com os milagres que completavam sua pregação e faziam com que ele fosse o terror dos hereges.

Tudo isso passou e ficou um Santo Antônio, eu quase diria, ecumênico: bonzinho, bobinho, casamenteiro, festeiro, que arranja questõesinhas. Quer dizer, o verdadeiro Santo Antônio histórico, como se encontra no Céu e como é apontado pela Igreja para nosso modelo, desapareceu quase completamente, para ficar uma imagem que dá apenas um aspecto de Santo Antônio: os muitos favores e graças que ele concede, mas representando uma figura física que nada tem a ver com ele e, sobretudo, com a sua fisionomia moral.

Conquista Orã e defende o Rio de Janeiro

Santo Antônio, além de ser o “Martelo dos hereges” e a “Arca do Testamento”, é venerado como o Patrono das Forças Armadas. E a razão disso, entre outras, está no fato de que Santo Antônio, em certa ocasião, foi objeto de um ato de devoção especial da parte de um almirante espanhol. Uma esquadra espanhola sitiava a cidade de Orã, na Argélia, e não havia meio de conseguir resultado eficaz. Então, o almirante dirigiu-se a uma imagem de Santo Antônio, colocou o chapéu de almirante sobre ela, deu-lhe as insígnias de comando e pediu-lhe que investisse contra Orã. Os mouros fugiram inesperadamente e, interrogados, disseram que tinha estado entre eles um frade vestido com o chapéu do almirante e que tinha ameaçado Orã com o fogo do Céu, e por causa disso, eles tinham achado mais prudente ir embora.

Este aspecto do “Martelo dos hereges”, que ao mesmo tempo incute terror aos mouros e se apresenta a uma cidade infiel ameaçando-a com o fogo do Céu, tudo isso foi abolido. Não se conhecem e não se ressaltam esses aspectos nessa espécie de devoção milagreira que se tem a ele. Vemos, por aí, a lamentável deterioração da devoção aos Santos em nossos dias. Quer dizer, como eles já não representam, nessa legenda popular criada em torno deles, a verdadeira santidade.

Quem, por exemplo, comentará a respeito da vida de Santo Antônio o seguinte fato ocorrido no Rio de Janeiro?

O Rio de Janeiro encontrava-se cercado pelos calvinistas franceses e estava quase completamente rendido, pois a cidade já não tinha meios de resistir. Os frades, então, tomaram a imagem de Santo Antônio, desceram com ela do morro, colocaram numa pilastra que se encontrava ali, e a simples exibição da imagem, de um modo maravilhoso, comunicou tal ardor na cidade que grande número de jovens se alistaram. Foi possível reorganizar a resistência aos franceses que, depois de pouco tempo, foram embora.

De maneira que o Rio de Janeiro não se tornou calvinista, e talvez com repercussão em toda a História da América Latina e, consequentemente, em toda a História da Igreja, por causa dessa ação simbólica da presença maravilhosa de Santo Antônio.

Missão de mostrar o lado combativo, polêmico e contrarrevolucionário de cada Santo

O fato de episódios como esses não serem contados nem comentados leva-nos a verificar duas realidades: em primeiro lugar, como é lamentável essa torção que a vida dos Santos sofreu.

Entretanto, por outro lado, como é admirável a vocação dada por Nossa Senhora àqueles que têm, por missão, restaurar todas essas coisas e mostrar os próprios Santos no seu aspecto combativo, guerreiro, polêmico e contrarrevolucionário, que a Revolução tanto gostaria de esconder e disfarçar.

Nessas condições, devemos pedir a Santo Antônio uma graça especial: Ele que soube ameaçar a cidade de Orã com o fogo do céu, nos faça esse favor de se apresentar em algum lugar do mundo, e ali nos obter, em determinado momento, uma graça que tenho em mente, mas prefiro não dizer qual é.

Esta graça é o melhor pedido que podemos fazer a Santo Antônio por ocasião de sua festa.         v

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 12/6/1965)

Glorificada em socorrer sempre

Na invocação de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, o que se enaltece especialmente não é Maria Santíssima enquanto nos auxiliando com muita frequência, liberalidade e ternura, mas o fato de que esse auxílio é perpétuo.

Por pior que façamos, por mais que abusemos, por mais incríveis que sejam nossas ingratidões, por mais agudo que seja o risco, por mais extraordinário que seja o milagre implorado, por mais extremo e improvável que seja o auxílio pedido, desde que não seja uma coisa má em si, a Mãe do Perpétuo Socorro nos atenderá.
É, portanto, a Mãe que se glorifica em atender sempre, em acudir sempre, em acolher sempre, de maneira a não haver uma hipótese possível em que nós, rezando para Ela, não sejamos socorridos.

Ela pode até atrasar o momento de conceder aquilo que pedimos, mas é para nos dar, depois, o cêntuplo, vindo a nós com as mãos carregadas com dons multiplicados.
Felizes aqueles que Nossa Senhora demora em atender!

(Extraído de conferência de 18/11/1964)

Tesouro da verdadeira Igreja

Célebre por sua imponente beleza e extraordinário significado para a piedade católica, a Basílica de Santo Antônio de Pádua reluz como precioso tesouro da arquitetura engendrada pela Igreja.

Ao considerá-la, vem-me ao espírito, uma vez mais, a comparação com o perpétuo objeto de meu enlevo, de meu encanto e entusiasmo: o mar. Nele, como já tive ocasião de dizer, sempre me agradou contemplar as inúmeras formas de pulcritude com que Deus o criou, os diversos estados em que ele se apresenta a nós, desde a extrema calma até  a extrema agitação, com todas as gamas intermediárias. Ora é o ordenado das grandes ondas que avançam em ofensiva para a terra, sem tumulto nem descabelo, como um  ataque em regra de uma cavalaria nobre. Por vezes as ondas nem sequer arrebentam, apenas se avolumam e se estendem; outras, pelo contrário, estouram na praia ou nos  rochedos, e há um gáudio de gotas pelo ar, bailando alegremente, como se executassem uma lendária dança da vitória. Ora me compraz ver o mar inteiramente calmo, quase  imóvel.

Dir-se-ia que ele se encontra de tal maneira absorto na contemplação do céu, para o qual olha a todo momento, que nem pensa em si mesmo… De repente, a partir de um  ponto qualquer daquela imensidão líquida, algo começa a se mover. Dali a pouco é um vagalhão, é um tumulto aquático, e é outro assalto contra a terra. Dessa vez, porém, as  ondas não se aproximam em fileiras ordenadas, mas parecem vir se empurrando e se acotovelando, cada qual no desejo de tomar a dianteira e conquistar a terra mais  depressa. É a beleza da variedade, do inesperado, do quase susto, do imprevisto, que tem seu encanto próprio. E é essa sucessão de aspectos que torna o mar tão entretido.

Ora, a arquitetura, e especialmente a arquitetura religiosa, pode ter uma variedade de feitios análoga aos movimentos do mar. Será, por exemplo, a calma e a estabilidade de  uma Catedral de Notre-Dame de Paris: irrepreensível, ordenada, perfeita, lindíssima, cheia de lógica, de poesia e candura.

Outras vezes, a arquitetura borbulha e apresenta aspectos meio inesperadas. E é o próprio movimento da alma religiosa, nos seus entusiasmos, nos seus êxtases, nos seus  impulsos, na sua generosidade, nos lances ‘a la’ Santa Teresa de Jesus, ‘a la’ Santo Inácio de Loyola, que nos deixam desconcertados diante de sua grandeza. E isso é o que se  nota no jogo das várias cúpulas e minaretes da Basílica de Santa Antônio de Pádua, borbulhantes como o movediço das ondas do mar.

Olhando-se para o teto da igreja quase se esquece do corpo do edifício. Tem-se a impressão de que todo o resto existe como uma bandeja para carregar bem alto o  movimento musical das coberturas. E assim como podemos imaginar uma melodia num “crescendo” em que as notas se vão sucedendo alegremente umas às outras, assim nos parece que esses minaretes e cúpulas estão jubilosos à espera da hora em que sejam separados da base para poderem subir em direção ao céu. E que essa ansiedade do maravilhoso, uma ansiedade festiva, feliz, é apenas contida por uma corda que mão caridosa a qualquer instante vai cortar.

Noutra analogia com o mar, do mesmo modo como este é também rico e esplendoroso nos mistérios de suas profundezas, igualmente o interior da Basílica de Pádua é um imenso escrínio de tesouros espirituais e artísticos. É, sobretudo, o ambiente criado pela presença do Santíssimo Sacramento, pelas relíquias do grande Santo franciscano, pelas graças de que elas são veículo e que impregnam todo o recinto da igreja, estimulando e condicionando a piedade dos fiéis que ali rezam e se recolhem com edificante  devoção.

Além disso, a profusão de maravilhas que ali deixou a arte cristã, entre abóbadas, colunas e capitéis esplendidamente trabalhados; capelas, altares e murais em que se pode admirar o talento de mestres imortais, e um grande número de pinturas e imagens que datam de diferentes épocas da Cristandade, fazem com que a Basílica pareça um compêndio da história da piedade católica.

Todos esses fatores — beleza arquitetônica, presença do Coração Eucarístico de Jesus, relíquias de Santo Antônio de Pádua, imagens especialmente abençoadas, fiéis que recebem graças e as deixam transpirar de algum modo na sua maneira de ser, de andar e de rezar — concorrem, numa igreja como a Basílica de Pádua, com particular intensidade para conferir uma impressão única de piedade autêntica, e uma sensação de presença verdadeira da verdadeira Igreja, a Esposa Mística de nosso Divino Redentor.

O zelo por tua casa me devora!

Em sua elevada devoção ao Sagrado Coração de Jesus e ao Imaculado Coração de Maria, Dr. Plinio hauriu tanto a bondade e a misericórdia para com os pecadores verdadeiramente arrependidos, quanto o zelo ardente pela defesa da Igreja e da Civilização Cristã. 

 

No conduzir a Contra-Revolução, como historicamente ela tem sido conduzida por mim ao longo dos anos, entra algo que se pode dizer ser obra de pensamento, mas também de guerra, no sentido psy-war evidentemente, mas é uma guerra até na acepção mais elevada da palavra.

Postura diante do combate

Assim, toda a tenacidade, a confiança, a esperança, o jeito, enfim, tudo quanto eu possa ter posto de aptidões para a condução dessa longa ação foi inspirado por um determinado espírito.

Imaginem um cruzado cujo espírito tenha sido formado na Igreja do Coração de Jesus, que recebeu análogas graças e investe para a Cruzada daquele jeito, ou seja, movido por aquelas razões: é a defesa daquilo contra um adversário que quer destruir e é o desejo de aproveitar a vitória para impor a expansão daquilo. É como um cruzado que partiria para a guerra santa.

Esse cruzado levaria ao mesmo tempo uma carga de afeto, de bondade, de doçura quase iluminados, no melhor e mais ortodoxo sentido das palavras. Portanto, entraria em combate não por birra: “Esses turcos não me deixam em paz… Vou acabar com eles! Esses árabes miseráveis!”

Nada de condições dessa natureza, mas outra postura: Eu deles aceitaria tudo, não quereria nada desde que não tocassem naquele ponto, não trabalhassem para a destruição desse ponto . Pelo contrário, se tendessem a assumir aquele espírito, seriam meus amigos, meus irmãos e meus filhos .

Eu vejo como o Sagrado Coração de Jesus e o Imaculado Coração de Maria os atraem, por onde saem das almas deles como que ganchos passíveis de serem elevados, percebo que podem ser ainda atraídos e, de toda a alma, eu os quero por causa disso. Mas acontece que, por culpa deles – porque não se faz uma coisa dessas sem uma culpa gravíssima –, puseram-se na inimizade mais implacável com aquilo que os ama e para cujo amor eles existem: o Sagrado Coração de Jesus, o Imaculado Coração de Maria, a Santa Igreja Católica.

É o ódio revolucionário que corresponde à recusa completa, ao fechamento total, com uma certa carga de pecado contra o Espírito Santo, em relação ao qual é difícil haver um arrependimento. E, portanto, eles estão nessa cegueira, agressivos e servindo de instrumentos para o pior inimigo da Cristandade. E durante o tempo em que ficarem assim, eu os odeio com toda a intensidade com a qual os amaria. E enquanto eles atacarem, lutarem, recusarem o amor que vai de encontro a eles, eu quero realmente liquidá-los e exterminá-los. E esse querer toma minha pessoa de lado a lado: Zelus domus tuæ, Domine, comedit me (Sl 68, 10) – Senhor, o zelo por tua casa me devora!

Ou seja, eu quero tanto que não tenho um instante, uma cogitação, sou incapaz de fazer qualquer coisa, até mesmo uma brincadeira em que não se encontre como causa remota, pelo menos, o desejo de exterminá-los. De maneira que dessa raiz de pecado e de maldição não sobre nada, para que o Sagrado Coração de Jesus e o Imaculado Coração de Maria reinem, porque precisam reinar.

A verdadeira combatividade

De onde implacabilidades inesgotáveis! Totalidades de propósitos beligerantes irredutíveis e gosto requintado das coisas mais truculentas! E, na medida em que for operacionalmente útil, encanto pela proeza! Mas a proeza não pode ser vista só como uma obra de arte, nem como uma atitude, eu quase diria, escultoricamente bonita. Não. Ela é bela na medida em que for conduto para o amor do Sagrado Coração de Jesus e do Imaculado Coração de Maria. Fora disso, não venham com conversa porque não me interessa. Não estou para perder tempo com “espadachinadas” e coisas análogas. Sou um homem tranquilo e cordato, e só faço isso na medida em que diga respeito a Nosso Senhor, a Nossa Senhora e à Igreja, porque, do contrário, eu não faria. Mas a serviço deles realizo qualquer coisa e vou até o fim.

Se quiserem chamar de fanatismo, desfira-se um pontapé na boca de quem chamou e acabou-se! Não tenho que dar satisfação de nenhum jeito. Então, volto-me contra esse também e não me incomodo de ficar um verdadeiro miliardário de inimigos, que tem inimigos como outros possuem dólares aos milhões, desde que eu possa obter essa vitória.

O pulchrum disso vem da beleza infinita do Sagrado Coração de Jesus e da beleza insondável do Imaculado Coração de Maria. Eles têm uma pulcritude moral que, passando por esses reflexos, mostram-se ainda mais belos. Se fizéssemos uma ladainha do Coração de Jesus, incluiríamos outras invocações. E, portanto, ao lado de “Coração de Jesus, fonte de toda consolação”, eu poria: “Coração de Jesus, fonte de toda combatividade inexpugnável”; “Coração de Jesus, fonte de toda incompatibilidade insanável”; “Coração de Jesus, fonte da guerra santa, tende piedade de nós e dai-nos força!” Então aí fica uma combatividade que não é a do Bismarck, nem do Moltke. Eu elogio muito aquele vorwärts do Moltke. Mas, passando pela minha alma, quem vai para a frente é Ele, é Ela! É uma coisa completamente diferente. E o vorwärts d’Ele e d’Ela é o avançar de uma outra índole.

Tenho vontade de chorar quando ouço alguém dizer, por exemplo, “Dr . Plinio é combativo”, entendendo mal o significado dessa palavra. Eu sei que sou combativo, mas isso não diz nada. Será que não percebem qual é o ponto de partida dessa combatividade? Eis o que se deveria ver, e não se vê: o Santíssimo Sacramento, Nosso Senhor realmente presente entre nós. Se forem tocar ali, a combatividade não é a mesma daquela de um homem que está defendendo seu cofre! Então seria preciso comparar isso com as formas erradas de combatividade.

Abundância, precisão e riqueza das observações de Dr. Plinio

Outro lado seria o do pensamento. Mas ainda é o mesmo ponto de partida. A inocência primeira, o gosto de todas as coisas que nós temos proclamado, é apenas uma disposição de alma que, levada às últimas consequências e posta diante desses dados sobrenaturais, entrega-se ao sobrenatural inteiramente como sendo o cume do que existe, o qual, se negado, todo o resto perde o sentido.

Para mim tudo se desfaria, nada tomaria significado. Nenhuma coisa bela ser-me-ia atraente e nada de hediondo me seria repulsivo, se esse cume não existisse, porque, de fato, só amo aquilo, e só aquilo me explica. Examinem-me em tudo quanto conhecem de mim, no meu passado. Pessoas que me conhecem há tantos anos presenciaram fatos, ditos meus, expressões fisionômicas, afirmações, viram-me avançar, recuar, descansar, raras vezes brincar um pouquinho, gracejar, dormir. A esses pergunto: No que, uma vez e um pouco que seja, notaram que eu, no fundo, não tinha isso em vista?

Por exemplo, mamãe. Eu queria tão bem a ela, e no momento em que me refiro a ela já a estou querendo bem. Mas na realidade, eu amava nela esse cume. Se a alma dela não fosse como que um relicário disso, eu teria o afeto e o respeito devidos à minha mãe. Mas não o afeto e o respeito que eu tenho a ela, que é muito maior por sentir nela isso.

É muito bonito aliar o pensamento à ação, a meditação à observação. A observação enriquece a meditação e esta esclarece a observação; isso forma um círculo muito bonito. Essas coisas para mim são verdadeiras, mas vazias. Não me moveriam.

Mas se a meditação e o pensamento estão inspirados no Sagrado Coração de Jesus, no Sapiencial e Imaculado Coração de Maria, se têm como ponto de partida, como inspiração, como conteúdo, como dinamismo e ponto de chegada esse cume, então me explico. Porque sou um homem muito observador, mas em função desse ponto. Se não for em função disso, não me interessa.

Isso explica a abundância, a precisão e a riqueza de minhas observações. Porque é a partir desse ponto onde se observa que as coisas tomam sua fisionomia e se explicam. Assim vale a pena observar, porque elas não se explicam nem se classificam sem isso.

Há quem me diga: “O senhor é muito inteligente, veja quantas coisas o senhor observa!” Sobretudo, fui favorecido com essa graça. Observo com critério verdadeiro, a partir do único critério, do único ponto de vista, do único elemento seletivo, e esse eu tenho aos borbotões porque Nossa Senhora teve a misericórdia de me fazer vir à ideia de dizer “Salve Regina, Mater Misericordiæ”, e sorriu para mim. Veio tudo da bondade d’Ela.

Escravo dos Sagrados Corações de Jesus e de Maria

Notem como de tal maneira estou querendo exaltar o Sagrado Coração de Jesus e o Imaculado Coração de Maria que, aos poucos, até fui deixando de falar da Igreja Católica, para deixar este ponto bem claro. Mas foi a Santa Igreja que transmitiu essa fisionomia, tinha um reflexo dessa fisionomia. Sem ela, eu não teria isso de nenhum modo. Mas eu queria que a fisionomia moral do Sagrado Coração de Jesus e do Coração Imaculado de Maria fosse bem ressaltada, antes de nossa atenção pousar, como deve, nesses outros elementos. Como homem de ação, eu me vejo como um escravo do Sagrado Coração de Jesus e do Imaculado Coração de Maria que não tem vontade e faz, a todo momento, o que é necessário para que Eles triunfem; sem preferências, idiossincrasias, amores-próprios, sem recusar nenhuma humilhação, sem fugir diante de nenhum rebaixamento, sem disputar nenhuma honraria. Contanto que não seja uma autodemolição, a qual moralmente não posso praticar, eu cedo de bom grado, desde  logo, tanto quanto queiram. Aquilo que chamam habilidade, vista do lado da vontade é, sobretudo, uma flexibilidade para nunca fazer o que eu gostaria, mas sim o dever do momento. Avançar, recuar, dar jeitinho, investir, etc ., inteiramente flexível. A única coisa que me preocupa é que aquele amor vença!

Quem me conhece pode dar testemunho. Nunca me viram fazer algo sem ter isso por meta. Mas também, tão logo eu perceba haver vantagem para a Causa Católica, faço sem atrasar nem antecipar inutilmente. Estar ociosamente perdendo tempo, por exemplo, folheando uma enciclopédia e por causa disso dizer “esperem que eu já vou”, nunca viram nada de parecido com isso.

Isso é bonito porque caracteriza um homem muito capaz? Vamos deixar o homem capaz de lado. Há capacidades dentro disso, vejo bem, mas isso não é nada. O que vale é o amor com que isso é feito, ou seja, valem Aqueles a quem eu amo. Aí estou explicado. Se em algo não sou assim, peço a Nossa Senhora que me perdoe, mas não vejo no que eu não o seja.

Está resumido, dito em duas palavras o que era preciso dizer. Não tenho o mínimo receio de alguém ser tentado a achar que é gabolice de minha parte. A minha posição é muito simples: é a alma sedenta de conhecer a perfeição suprema e, tendo-a conhecido, aderir a ela inteiramente. Há, portanto, uma sede de perfeição e um encontrar a fonte de água viva na qual a pessoa se dessedenta. Então, se eu a encontrei, não arredo pé. Aqui eu vivo, aqui eu morro. É isto!  

 

(Extraído de conferência de 2/11/1985)

Mártir vigoroso, varonil, de alma inquebrantável

Temos para comentar uma ficha biográfica de Santo Artêmio, mártir. Comandante das forças imperiais, ocupou, sob Constantino Magno, postos de honra no exército. Juliano, o apóstata, que levantara grande perseguição contra os cristãos, mandou degolá-lo. Sobre ele, diz o Padre Rohrbacher1:

Governador do Egito e da Síria

Enquanto os dois sacerdotes, Eugênio e Macário, eram supliciados, um oficial, que permanecera ao lado do imperador, levantou-se e se dirigiu a ele:

“Por que torturas tão cruelmente esses santos homens consagrados a Deus? Não vos esqueçais de que também sois homem, sujeito às mesmas misérias. Se Deus vos constituiu imperador, se recebestes de Deus o império, acautelai-vos para que satanás, que pediu e obteve permissão para tentar Jó, não tenha pedido e obtido permissão para usar-vos contra nós, a fim de passar pelo crivo o trigo de Cristo e semear o joio por toda parte. Mas sua empresa resultará vã; não tem o mesmo poder antigo. Desde que Cristo veio e foi erguido na Cruz, caiu o orgulho dos demônios, seu poder foi calcado aos pés. Não vos iludais, ó imperador, não persigais, por amor aos demônios, os cristãos protegidos por Deus, pois o poder de Cristo é invencível. Vós mesmo vos assegurastes disto.”

Ao ouvir essas palavras, Juliano, fora de si, exclamou: “Quem é o ímpio que ousa usar semelhante linguagem no nosso tribunal?”

Um meirinho respondeu: “Senhor, é o Duque de Alexandria do Egito.”

Com efeito, era Artêmio Governador do Egito e também da Síria havia longos anos, e que acabava de trazer para Juliano as tropas de duas províncias para servirem na guerra contra a Pérsia.

Juliano prosseguiu: “Como? É Artêmio? Ordeno que o despojem de suas dignidades e de suas roupas, e que seja imediatamente castigado pelas palavras que acaba de pronunciar.”

Depois de despido, o mártir teve as mãos e os pés amarrados com cordas pelos algozes; estes o estenderam no chão e açoitaram-lhe o ventre e as costas com nervos de boi, durante um espaço de tempo tão longo que foram obrigados a se alternarem quatro vezes. Contudo, Artêmio não soltou um único suspiro, nem seu rosto se alterou. Dir-se-ia que não era ele quem sofria, mas outra pessoa qualquer.

Todos os assistentes estavam surpreendidos, o próprio Juliano não escondia a admiração.

A idolatria seria irremediavelmente destruída

Levados para a prisão, os três mártires para ela se dirigiram entoando louvores a Deus. Artêmio dizia a si mesmo: “Agora os estigmas de Cristo já estão impressos no teu corpo; só falta dares tua alma, tua vida, com o resto do teu sangue.”

Depois de muitas tentativas infrutíferas, por meio de torturas e argumentos, para levar Santo Artêmio a apostatar, Juliano condenou-o à decapitação. Antes da execução, o mártir pediu momentos para orar. Agradeceu a Deus a graça de sofrer pela glória de seu divino Nome e suplicou-Lhe que Se compadecesse de sua Igreja, ameaçada com terríveis calamidades pelo apóstata Juliano:

“Vossos altares serão destruídos, vosso santuário profanado, o sangue de vossa aliança menosprezado por causa de nossos pecados e das blasfêmias que Ario vomitou contra Vós, Filho Unigênito, e contra vosso Espírito Santo, separando-Vos da consubstancialidade do Pai e supondo-Vos estranho à sua natureza; afirmando que sois criatura, Vós, o Autor de toda a Criação; subordinando-Vos ao tempo, Vós que fizestes os séculos, e dizendo: ‘Havia o Filho que não era’, chamando-Vos de filho da vontade.”

Depois de dobrar três vezes o joelho voltado para o Oriente, novamente o mártir orou, dizendo:

“Deus de Deus, só de um só, Rei de Rei, Vós que estais sentado nos Céus à direita de Deus Pai que Vos gerou, Vós que viestes à Terra para a salvação de todos nós, Vós que sois a coroa dos que combatem pela piedade, ouvi favoravelmente vosso humilde e indigno servo, recebei a minha alma em paz.”

Uma voz respondeu-lhe do Céu que sua oração seria ouvida; além disso, o imperador apóstata pereceria na Pérsia, que teria um sucessor cristão  e que a idolatria seria irremediavelmente destruída. Depois de ouvir essas palavras, cheio de alegria, Artêmio apresentou a cabeça à espada.

Católico combativo que agride, toma a iniciativa e interpela

Vamos recompor um pouco a cena para dar todo o relevo à narração. Imaginemos num circo romano uma tribuna imperial alta, com colunas, coberta por um tecido precioso, o imperador sentado numa espécie de trono, naturalmente com todo o pessoal de serviço por detrás dele, leques se agitando, ‘flabelli’ para impedir que as moscas pousassem nele, uma série de dignatários dentro da tribuna, depois o povo lotando todo o resto do teatro. Provavelmente, como eram os espetáculos, quer dizer, com as arquibancadas necessárias para os nobres, depois para os burgueses e a plebe. Eu creio que já não havia mais a bancada das vestais, porque estas se tinham extinguido. Ao lado, um oficial revestido do traje próprio aos oficiais romanos, com capacete, couraça, armas, junto ao imperador. Esse oficial é um homem de alta categoria. O livro fala em duque. É um anacronismo, pois não havia ainda duques, mas devia ser um chefe de duas importantíssimas unidades do império romano, que vinha a Roma trazendo tropas para serem utilizadas na luta contra a Pérsia. Ele estava, portanto, na tribuna imperial, quiçá muito mais como uma distinção do que como guarda do corpo do imperador. Era um hóspede de honra.

Enquanto dois sacerdotes estão sendo martirizados e o povo olhando para aquilo com uma alegria própria de hienas e de chacais, em certo momento esse homem se levanta: é Artêmio que dirige uma apóstrofe magnífica ao imperador que, embora sendo um indivíduo odiento e impulsivo, não profere uma só palavra e deixa-o dizendo quanto queria.

As palavras de Santo Artêmio mostram bem o caráter de católico combativo que não se limita a deixar-se matar, mas que agride, toma a iniciativa, interpela . O resultado é que, ao invés de dar razões, o imperador pergunta quem é ele . Informado, manda torturá-lo para ver se apostata . Não dando certo a tortura, ordena matá-lo.

A principal força da heresia e do mal está no demônio

A apóstrofe do Santo mártir merece ser considerada um pouco mais detidamente .

Na primeira parte ele pergunta ao imperador qual a razão pela qual ele tortura esses homens santos. Sabendo que o imperador não tem motivo para os torturar, Santo Artêmio o adverte que tenha cuidado porque ele, Juliano, está sendo instrumento de satanás para perseguir a Igreja Católica. Pondera que não adianta persegui-la, porque o poder dos demônios foi quebrado depois de Nosso Senhor Jesus Cristo ter sido elevado ao alto, quer dizer, crucificado. O poder das trevas está quebrado e toda a obra visando conter o Cristianismo fracassará, porque o demônio não tem mais a força antiga.

Vejam a bonita concepção presente por detrás disso: a principal força da heresia e do mal está no demônio cuja força, uma vez quebrada, está também rompida a força do mal. Essa é uma concepção eminentemente nossa, e muito profunda. Depois ele prossegue afirmando que o imperador está fazendo uma obra inútil, além de injusta, porque ele vai ser derrotado.

Então o imperador intervém e manda prendê-lo.

Poder-se-ia dizer que outra cena se abre nesse ou em outro circo romano: Santo Artêmio está sendo martirizado e faz uma oração. Uma voz do Céu lhe diz algo. Podemos imaginar o silêncio na arquibancada e, na arena, aquele homem vigoroso, varonil, de alma inquebrantável pede licença para fazer uma prece, e a recita em voz alta.

O esquema da oração  de  Santo Artêmio é o seguinte: ele declara que a perseguição sofrida pela Igreja é um castigo por causa da heresia de Ario. Então ele faz um duríssimo ato de increpação contra a heresia ariana. Qual é o fundamento dessa concepção dele? Como se pode compreender que a Igreja esteja sofrendo castigo por uma heresia condenada por ela?

A resposta é muito simples: a Igreja a condenou a duras penas; a massa quase completa dos católicos ficou ariana. São Jerônimo, se não me engano, teve essa expressão: o mundo, de repente, acordou e percebeu que se tinha tornado ariano. Para que o arianismo fosse derrotado foi necessária uma luta tremenda, durante a qual os Santos foram perseguidos, verteu-se muito sangue e o mundo não se converteu inteiramente dessa heresia. Depois apareceu o semiarianismo, que era uma tentativa de restaurar a heresia de Ario.

Auxílio para os católicos dos últimos tempos

Por fim, a voz vinda do Céu lhe assegura a morte de Juliano que seria sucedido por um imperador cris tão, e a idolatria irremediavelmente  serviriam de estímulo para pessoas e destruída. Quer dizer, apesar de tudo, vinha o castigo purificador. Poderia ainda haver outras crises, mas a idolatria não renasceria mais nações, as quais ele nunca imaginaria que pudessem vir a existir.

Assim são as coisas na Santa Igreja: nós sofremos e lutamos hoje, mas tendo ouvido isso, Santo Artêmio fez mais ou menos como Simeão, que disse: “Senhor, agora podeis mandar em paz o vosso servo, porque meus olhos viram o Salvador” (cf. Lc 2, 29-30). O mártir certamente pensou: “Senhor, agora podeis mandar em paz o vosso servo, porque estes ouvidos ouviram o anúncio da derrota daquele que é a causa de todos os flagelos, e a afirmação de vossa vitória.” Inclinou a cabeça e foi decapitado. Morreu em paz.

O que Santo Artêmio não viu nem soube é que tantos séculos depois o suplício e a varonilidade dele não sabemos de que auxílio esses sofrimentos serão para os católicos dos últimos tempos, cuja aflição será suprema quando, afinal de contas, estiverem esperando a hora de Nosso Senhor chegar. Talvez eles meditarão nas nossas lutas, nos nossos sofrimentos, na nossa espera pela realização das promessas de Fátima, e encontrarão no que fazemos um conforto que nós mesmos não sentimos, mas que as almas deles receberão pela nossa ação.    v

 

(Extraído de conferência de 19/10/1966)

Sagrado Coração de Jesus

Em todas as imagens do Sagrado Coração de Jesus podemos perceber uma nota de suave tristeza, pois em meio à harmonia e formosura da alma d’Ele estavam presentes a cruz e o sofrimento.

Homem-Deus, Nosso Senhor possuía em grau insondável, todos os títulos para ser amado e venerado, aos quais acrescentou as maravilhas de seus milagres e doutrinas.

Jesus realizou o inimaginável, e por certo despertou imensa admiração. Porém, seus admiradores se cansaram d’Ele. Essa rejeição, por ser imerecida e constituir um grande pecado, causava profunda dor à sua humanidade santíssima. No fundo do seu Coração Sagrado havia, pois, habitualmente uma nota de pesar, devido a essa  incorrespondência em relação a quem se dava com tanto amor.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Corações semelhantíssimos

Com grande sabedoria a Igreja instituiu a Festa do Imaculado Coração de Maria no dia seguinte à do Sagrado Coração de Jesus, celebrada este ano na primeira sexta-feira de junho. Assim, a liturgia une no louvor da Terra e do Céu os dois corações que foram sempre inseparáveis, denominados de “semelhantíssimos” (Ladainha do Coração de Maria), pulsando por amor aos homens, e que desde a Assunção de Nossa Senhora se encontram juntos no Céu, em seus corpos gloriosos.

Ao longo de sua vida, Dr. Plinio professou uma ardorosa devoção aos dois Corações. Em sua própria residência venerava as imagens do Sagrado Coração de Jesus que eram de Dona Lucilia, assim como uma estampa do Imaculado Coração de Maria — reproduzida em nossa capa — que o acompanhou desde os primórdios de sua lide profissional, abençoando seus trabalhos e apostolado no escritório de advocacia: “Imagem especialmente piedosa, comentava ele, exprimindo de modo tocante o insondável afeto de Mãe, a bondade, a misericórdia, a pureza e todas as excelsas virtudes que Nossa Senhora possui num grau inconcebível por nós. O quadro A representa no seu resplendor, segurando o coração com a mão, como se este houvesse rompido o peito para se mostrar aparente aos homens e oferecido pela Santíssima Virgem: ‘Ele é vosso; dou, se me pedirdes’. Portanto, é um convite à prece, à súplica ao Imaculado Coração d’Ela, feito por Ela mesma: ‘Sede devotos do meu Imaculado Coração e recebereis graças incontáveis’.”

Esse amor que tributava aos Sagrados Corações de Jesus e Maria e a confiança plena que neles depositava, fonte de sua invariável e inabalável serenidade, Dr. Plinio procurou alimentá-los igualmente na alma de seus discípulos. Perante um Sacrário, rezava sempre três vezes: “Cor Iesu Eucharisticum”, para venerar o Sagrado Coração na Eucaristia. Ao Coração da Mãe de Deus, costumava louvar com um tríplice “Dulcis Cor Mariae”. E a essa união dos dois Corações assim se referia:

“Se considerarmos o Coração de Jesus formado no seio virginal de Nossa Senhora, com a matéria-prima que a mãe fornece para a constituição do corpo do filho, temos que a carne e o sangue preciosíssimos do Redentor, ligados à divindade em união hipostática, são a própria carne e o próprio sangue de Maria. Portanto, o Coração de Jesus é, de algum modo, o Coração de Maria.

“Se evocamos esse processo de geração tão admirável pelo qual a Mãe como que se desdobrou e deu de si mesma tudo para compor o corpo do Filho, se nos lembramos que a humanidade do Verbo Encarnado foi assim engendrada no claustro da Santíssima Virgem, num incêndio de amor e adoração a esse Filho Divino, entenderemos ainda mais como o Coração de Nosso Senhor está unido ao Coração Imaculado de Maria. E como, em conseqüência, podemos nutrir uma confiança sem reservas na eficácia da intercessão de Nossa Senhora junto a Jesus, pois Este nada recusará a essa Mãe perfeitíssima que O cumula de superlativo e total contentamento, cuja carne sabe ser a própria carne d’Ele, e cujo Coração — por assim dizer — é o seu próprio Coração.

“A meu ver, não existe devoção mais significativa para nós do que esta aos Sagrados Corações de Jesus e de Maria, fonte de inesgotáveis favores, dons e misericórdias celestiais.”

 

Plinio Corrêa de Oliveira
Revista Dr Plinio 87 (Junho de 2005)