A vitória da confiança – II

Durante o cerco de Jasna Gora Frei Kordecki mostrou ser um homem de espírito sobrenatural, que sabe ver nos acontecimentos o momento da espera e do ataque, combatendo não só o adversário fora dos muros, mas os “quinta-coluna” dentro do mosteiro. Em todas as suas ações revelou esplendidamente o espírito militar. O verdadeiro sacerdote, na força do termo, deve ser assim. Para sermos clericais como devemos, é preciso recorrer a esses grandes exemplos do passado.

 

Até esse momento, tinham se dado atritos pequenos entre os sitiantes protestantes e os católicos de Jasna Gora, uns tiroteios de cá e de lá.

Enfurecidos, os protestantes concentraram um ataque contínuo de três dias contra Jasna Gora, lançando granadas e projéteis incendiários, procurando incendiar as instalações do mosteiro e do santuário. À noite, ocupavam-se em abrir trincheiras em direção aos muros.

O católico verdadeiramente piedoso é um guerreiro de primeira classe

Trata-se, agora, de um ataque maciço, completo, que não poupou sequer o mosteiro e a própria igreja. Travar-se-á, então, uma batalha em regra, durante a qual poderemos ver como se manifesta esplendidamente o espírito militar desse grande frade, Frei Kordecki, e o que é a combatividade segundo a boa tradição católica.

Em dado momento, em meio ao fragor do bombardeiro, ouve-se um piedoso hino sacral procedente do alto da torre do santuário, comunicando novo ânimo aos seus defensores. Desde então, tornou-se costume ouvir todos os dias, em meio à luta, os hinos que emanavam da torre sólida e majestosa. Os suecos, com isso, tanto mais se enfureciam, pois entendiam como uma manifestação de desprezo por eles.

O cântico de hinos indica, naturalmente, alegria, festa, despreocupação, ou então, luta. Ali, não. Eram hinos religiosos, enquanto os protestantes estavam se lançando ao combate. O que não fica claro nesta narração é se esses hinos eram entoados por monges do mosteiro ou por Anjos. Porque, como veremos mais adiante, aparecerá de modo resplandecente o caráter milagroso da defesa. Entretanto, podemos imaginar o efeito bonito produzido pelos canhões troando, o barulho da batalha enquanto do alto da torre majestosa evolam hinos. É uma coisa realmente bonita!

Equipes de prevenção foram distribuídas nas bases dos telhados a fim de dar combate às bombas incendiárias lançadas pelo inimigo. Algumas destas rebatiam nos telhados e caíam para fora dos muros. Uma bomba lançada contra a capela onde se encontra o milagroso quadro de Nossa Senhora de Czestochowa, como se fosse tocada por uma força invisível, voltou-se contra o campo inimigo, espalhando um terrível fogo pelos ares.

Isso é bonito também: o teto da capela repele aquela bomba sacrílega, como uma raquete rebate uma bola. Então, aquela bomba vai cair no campo do adversário.

O senhor Piotr Czarniecki, Castelão de Kiev, um dos cinco nobres que participavam da defesa de Jasna Gora, distinguido em guerras anteriores, decidiu dar um golpe de audácia nos suecos. Saindo à noite com um destacamento de soldados, conseguiu colocar-se na retaguarda do acampamento dos inimigos, sem que esses o notassem, e fez um belo trabalho: matou o comandante da artilharia, vários oficiais e muitos soldados e, tendo capturado dois canhões, voltou para o interior dos muros.

Chamo a atenção para o lado combativo do espírito católico. É um autêntico católico que luta como um grande batalhador. Isso tudo para espadanar com aquela noção do católico mole e imbecil apresentada pela “heresia branca”(1). Pode-se e deve-se ser muito religioso, e quando se é verdadeiramente muito piedoso, se é um guerreiro de primeira classe. Esta é a tese sobre a qual jamais será suficiente insistir.

Aproveitando a confusão e o pânico que se estabeleceram entre os suecos, e tendo muitos deles saído a campo aberto, os canhões de Jasna Gora completaram o golpe de Czarniecki, eliminando outros sitiantes. Czarniecki perdeu apenas um de seus homens na expedição.

A vida religiosa bem levada prepara o herói

Miller, convencendo-se de que não lhe seria fácil tomar a fortaleza, enviou mensagem a Wittenberg, comandante dos exércitos suecos em Cracóvia, pedindo que lhe enviasse canhões de potência suficiente para romper as muralhas, e lhe reforçasse o número de infantes.

É o fracasso, portanto, do General Miller. Ele, com suas tropas iniciais, ameaçou e não conseguiu nada, teve que pedir reforços. Jasna Gora, que não tinha quem a defendesse, estava ganhando a batalha.

Paralelamente, um nobre polonês, respeitável pela idade e pela linhagem, à primeira vista insuspeito, é enviado à fortaleza para tentar persuadir seus defensores a se renderem. Veio propor a capitulação, pois lhe parecia uma pretensão desmedida querer opor-se um mosteiro ao poderio sueco, quando o país inteiro se havia dobrado. Em seguida, dá um conselho de “amigo”:

“A continuação da resistência só poderá suscitar a violência da vingança. É melhor entrar em acordo com o inimigo enquanto o mosteiro está inteiro. Procedam como os outros, se tendes amor a vosso bem. Aliás, a arma de uma Ordem Religiosa é se abster de questões temporais. O que tendes de comum com as turbulências da guerra, vós, cujas regras chamam à solidão e ao silêncio? Ponderai bem para que as armas que empunhastes em vez de rosários, não vos tragam a perdição.”

Aqui é muito interessante o lado doutrinário. Pode-se imaginar esse homem, que é um “quinta-coluna”, um nobre venerável, talvez com barbas brancas, maneiras distintas, uma voz pausada, dizendo: “Tomai cuidado! É por amizade para convosco que eu sugiro…” Mas, no fundo, ele dá a seguinte doutrina: a solidão do padre é feita para não combater, só para rezar. O padre que combate está fora de sua posição.

Ora, essa é exatamente a doutrina “heresia branca”. A Doutrina Católica verdadeira ensina o contrário: a solidão e o silêncio preparam o herói e, se assim não fosse, não adiantava guardar nem solidão, nem silêncio. O Rosário é uma devoção esplêndida! Mas se serviu para formar um imbecil incapaz de combater quando deve, ele foi mal rezado.

A vida religiosa bem levada prepara um ânimo forte e combativo. O isolamento, o recolhimento, a clausura, ao invés de atrofiarem o indivíduo, o desenvolvem. Essa é, aliás, a antiga tese da Igreja Católica que, sendo Santa, nunca manteria uma instituição que atrofiasse seus membros. Porque atrofiar, evidentemente, é o contrário de santificar. Não se pode imaginar uma santificação que atrofie o caráter.

A atitude enérgica, intransigente, sempre alcança a vitória

O Padre Kordecki tinha estabelecido um armistício, com que ele esperava ganhar tempo, de maneira que as tropas eventuais de algum nobre inconformado com a situação da Polônia, de algum aliado, pudessem libertar o mosteiro.

Enquanto isso se passava, respeitava-se um armistício. Mas os suecos começaram a tomar posições mais e mais próximas das muralhas, diante do que os sitiados rompem o cessar fogo, impondo sérias baixas ao inimigo.

É bonito isso porque eles eram os mais fracos, poderiam contemporizar. Não. Os suecos aproveitam-se do armistício para aproximar os canhões das muralhas, tornando o pequeno alcance dos canhões daquele tempo mais eficaz. Frei Kordecki desencadeia a guerra. Solicitado a ceder, ele irrompe as hostilidades.

O General Miller volta a enviar novo mensageiro, exigindo a rendição de Jasna Gora. Frei Kordecki responde que, preliminarmente, exigia o respeito à palavra dada, pois que garantia poderia ter de que os suecos cumpririam os acordos feitos, se mantinham como reféns os dois delegados enviados pelo mosteiro? Iludido pela esperança de tomar Jasna Gora por vias pacíficas, Miller finalmente manda libertar os reféns.

Vejam como a atitude enérgica, intransigente sempre alcança a vitória. É questão de ser intransigente até a fim.

Nos dias que se seguiram, o general enviou insistentemente delegados à fortaleza sitiada, tentando convencer os seus defensores a abrirem os portões a uma guarnição sueca e discutirem os termos do acordo.

Notem a velhacaria: primeiro entra a guarnição, depois vão discutir o acordo… Como se pode propor isso a alguém? Mas o Télémaque, de Fénelon(2), e Luís XVI aceitariam.

Mas para desespero dos hereges, o padre Prior, para ter a garantia de que os acordos seriam respeitados, exige agora que os mesmos sejam discutidos diretamente com Carlos Gustavo, o qual se encontrava muito distante de Jasna Gora.

O Prior, Frei Kordecki, era inteligente, capaz, soube fazer a coisa.

Entrementes, um nobre polonês se aproxima dos muros e se dirige aos nobres fiéis: “Para nós, traidores, também é muito cara a salvação da Pátria; a nós igualmente interessa, como a outros nobres, a preservação de sua integridade. Quando esta se encontra cada vez mais ameaçada de ruína, é preciso que nos dediquemos a ela com sinceridade. Por isso decidimos prudentemente auxiliá-la, passando para o partido de sua majestade, o rei sueco, senhor e defensor benigníssimo. Cessem, pois, as resistências!”

Novamente uma atitude própria à “quinta-coluna”: “Nós, para defender o país, resolvemos passar para o inimigo. Vamos agora fazer a paz.” Ora, eles estão traindo e isso é defesa?!

As boas e as más notícias

O próprio Wittenberg, comandante das tropas em Cracóvia, envia uma carta aos sitiados indicando todos os benefícios que adviriam aos monges se entrassem em acordo com o General Miller, e ameaçando-os com represálias cruéis se continuassem a resistência.

Enraivecidos pela intransigência dos sitiados, os suecos, perdendo já a esperança de qualquer acordo, lançam pesados ataques contra Jasna Gora, mas os canhões de defesa não lhes permitem aproximar-se de suas muralhas.

Houve, portanto, uma defesa vitoriosa. Não podendo chegar perto, ou seja, o ataque era pouco eficaz. Praticamente era Frei Kordecki que tinha vencido mais uma vez.

A 7 de dezembro, véspera da festa da Imaculada Conceição, um nobre polonês, Piotr Sladowski, detido pelos suecos quando voltava à sua aldeia procedente da Prússia, foi enviado à fortaleza com a incumbência de pressionar os monges a capitularem. Mas, pelo contrário, ele os animou a não se entregarem, dizendo que os exércitos invasores começam a sofrer suas primeiras derrotas, e que as contínuas violências dos hereges – saques nas propriedades da nobreza, assassinato dos sacerdotes, profanação dos templos – estavam despertando grande reação no país. Todas essas violências sucediam, acrescentou, por permissão de Deus e para castigo daqueles que faltam com a fidelidade a João Casimiro.

Aparece, portanto, uma nobre figura de nobre, um guerreiro, um batalhador, que é dos poucos que dão ao Padre Kordecki o apoio moral de incitá-lo à resistência. É de grande valor para quem está lutando receber da parte de alguém o aviso: “Você faz bem, continue a lutar!” Tal benefício esse homem fez e nós devemos esperar que, por causa disso, a alma dele já esteja no Céu.

No dia seguinte, festa de Nossa Senhora, um dos aldeões de Czestochowa, disfarçado de soldado sueco, conseguiu chegar até os muros e comunicou aos seus defensores que os sitiantes estão por receber de Cracóvia seis canhões pesados para demolir as muralhas, mais duzentos infantes de reforço. Por outro lado, numerosas tropas tártaras estão acorrendo a se unir a João Casimiro. É atirada uma carta assinada por Frei Antônio Paszkovski, prior do convento paulino de Cracóvia, o qual descreve as atrocidades cometidas pelos hereges e recomenda aos defensores de Jasna Gora não se deixarem iludir pelas palavras gentis do inimigo, pois não há entre os suecos nenhuma fé, nenhuma religião; nada, divino ou humano, é para eles inviolável. Não costumam cumprir nenhum acordo puramente político.

Pouco antes, um tártaro, ao qual fora permitido adentrar os muros, após contemplar o santuário, surpreendeu os monges com palavras de encorajamento, incitando-os a não permitirem que os “porcos e perjuros”, dizia o tártaro, ocupassem o lugar consagrado à Virgem Puríssima. Com todos esses fatos, anota o Padre Kordecki, seus camaradas recobraram a confiança e o ânimo, embora soubessem que Miller receberia em breve seis canhões pesados para fustigar as muralhas.

Esse episódio nos faz ver que a luta estava aumentando de intensidade e caminhava para se tornar trágica. De um lado, o Rei de Polônia, João Casimiro, estava fora, mas recebeu um grande auxílio dos tártaros, que são guerreiros violentos, ferozes. A ferocidade de um guerreiro tinha muita importância numa época na qual as armas de fogo não eram determinantes na batalha, em que havia sempre o risco dos adversários entrarem e exterminarem uma população. À vista disso, a vinda dos tártaros representava um reforço importante.

De outro lado, as tropas suecas estavam recebendo canhões de grande potência e isso criava de um e outro lado da fortaleza pressões enormes. Ela podia receber bons auxílios, mas também ser dizimada de um momento para outro. Esse conjunto de circunstâncias punha à prova psicológica os defensores do mosteiro, porque embora seja verdade que as boas notícias, de si, animam principalmente os fracos que ficam logo autoconfiantes, corajosos, cheios de iniciativas, isso dura pouco pois nesta Terra o que há de mais incerto e raro são as boas notícias. Ora, quando chegam as más notícias, os fracos não aguentam.

É mais fácil manter a fidelidade de um fraco na constância das más notícias do que na alternação de notícias boas e más. Isso porque, ao receber novidades alvissareiras, uma pessoa fraca, de pouca combatividade, se distende, pois é otimista. De repente chega uma nova hecatombe e o fraco precisa retomar a posição desagradável da qual se julgava livre. Então é muito mais difícil para ele voltar à situação anterior, porque durante algum tempo ele se habituou à distensão.

Vemos os sitiados colocados nessa situação: ora uma notícia boa, ora uma ruim. Chega a má notícia, já estou vendo um fraco qualquer emburrado, que pensa: “Esse Frei Kordecki está me levando aonde não devia. É um louco, não tem bom senso!” Vem depois uma boa notícia: “Que herói é esse Frei Kordecki!” Não é à toa que estou dizendo isso. Poderão vir dias em que tenhamos de sofrer essas compressões e descompressões, e devemos nos habituar a sermos fortes.

Sob um bombardeio, é feita uma procissão em honra do Santíssimo Sacramento

Os católicos presenciam clara intervenção da Providência no meio dessas aflições. Enquanto transcorriam as cerimônias da Imaculada Conceição, um soldado sueco que voltava da aldeia de Redzin, onde blasfemara contra a honra de Nossa Senhora, tombou atingido por uma bala procedente de Jasna Gora, e que não era a ele dirigida, mas que rebateu na neve e o atingiu. Frei Kordecki registrou o fato, comentando: “Recebeu o justo castigo das mãos de Deus, como indigno de olhar o Sol aquele que insultou o brilho e a glória sempiterna da Santíssima Mãe”.

Esse é um comentário de um homem de espírito sobrenatural.

No sábado, os hereges recomeçaram a fustigar o mosteiro, e no domingo o bombardeio ganha tal fúria que parecia que o próprio inferno vomitava contra o sagrado ícone. Os monges, entretanto, realizaram nessa manhã, como de costume, uma cerimônia em honra do Santíssimo Sacramento.

É uma verdadeira beleza! Um bombardeio tremendo. Enquanto os soldados lutavam os monges realizavam, como de costume, a cerimônia em honra do Santíssimo Sacramento, impávidos.

Após a Santa Missa, o Santíssimo Sacramento foi levado em procissão ao longo das muralhas. Os projéteis passavam rente às cabeças dos defensores, mas só ao término da cerimônia estes responderam ao fogo inimigo.

É outra atitude de uma grandeza extraordinária, que só se justifica por um movimento interior da graça. Enquanto o Santíssimo passava pelas fortificações, os suecos atiravam mais do que nunca, mas os católicos não reagiram. Quando o Santíssimo Sacramento acabou de passar, eles recomeçaram a lutar; estavam adorando a Santíssima Eucaristia sem se importar com a fuzilaria.

Nesse dia, trezentos e trinta projéteis caíram sobre a fortaleza e três dos seus soldados entregaram a alma a Deus.

É bem pouco para essa quantidade de projéteis.

Cerca do meio-dia, o inimigo cessou o fogo e enviou uma mensagem perguntando se os monges haviam se persuadido a aceitar a proteção do rei sueco. Mas o Prior não tinha pressa. Disse-lhes que enviaria a resposta no dia seguinte. Imediatamente os suecos recomeçam o cerrado bombardeio. No dia seguinte repete-se a cena, e os monges tornam a responder: “Em questões tão importantes é preciso uma longa ponderação…”

Era bem feito, porque eles estavam esperando com certeza os tártaros chegarem.

Nessa época o inverno tornava-se mais intenso, o que levou os soldados suecos a acenderem fogueiras à noite para se protegerem do frio. Entretanto, revelavam assim suas posições, sendo alvejados pelos defensores de Jasna Gora. Convenceram-se logo de que entre o frio e a morte, era melhor escolher o frio.

Notem como os católicos souberam aproveitar bem a ocasião.

Já então os sitiados preparavam-se para o assalto que o inimigo lançaria, cedo ou tarde contra os muros. Prepararam as maças cravadas de pregos para repelir os que atingissem as muralhas, as varas de ferro, as vigas, as pedras.

Portanto, eles estavam pressentindo que o supremo ataque viria.

Uma névoa mandada pelo demônio

Quando os suecos se lançaram para o primeiro assalto foram repelidos com facilidade, pois a neve denunciava seus movimentos e os tornava alvo visível para os sitiados.

Nos dias seguintes, uma densa neblina envolveu o Monte Claro, possibilitando aos suecos aproximarem suas grandes máquinas de assalto sem serem percebidos.

Em vista disso, o Prior determinou a um dos religiosos que clamasse pelo auxílio dos poderes de Deus contra os feitiços do inimigo, limpasse com exorcismos o ar escurecido e benzesse as armas dos defensores. Isso resultou tão eficiente que, neutralizando os esforços dos feiticeiros, afastaram-se do ar as trevas e os tiros novamente se tornaram certeiros, fazendo tombar o inimigo, apesar de protegido pelo auxílio abjeto do demônio.

Considerem com que espírito sobrenatural Frei Kordecki lutava. Ele suspeitou que aquela névoa tinha sido mandada pelo demônio. Então, usou a “operação antinévoa”. É uma bonita cena: um nevoeiro denso, no qual não se vê quase nada, o Prior que dá suas ordens e o padre vai exorcizando os ares para expulsar os demônios, e benzendo as armas dos guerreiros para que os tiros fossem certeiros e as espadas entrassem a fundo no corpo dos adversários, apesar de qualquer ação do demônio. Pouco depois a névoa se dissipa, os feiticeiros protestantes ficam desapontados e a operação frustrada, porque todo o ataque estava planejado com base em máquinas de guerra que os sitiantes iam aproximando da muralha, protegidos pela névoa. Desfeita a neblina, o contra-ataque era triunfal.

A um general de exército contemporâneo não ocorreria esta ideia: “Esta névoa veio do demônio.” Provavelmente um técnico em matéria de meteorologia diria a ele que a neblina se devia à umidade saída do rio tal. Pode ser, mas talvez os demônios dos ares agravem ou até produzam esse fenômeno. Então, esse frei, com discernimento dos espíritos, percebendo a ação diabólica, dissipou o fenômeno meteorológico preternatural, e com isso alcançou uma vitória.

Eu gostaria de ser pintor para pintar uma cena assim: as muralhas na bruma, alguns guerreiros com armaduras meio resplandecendo à luz de umas tochas, o frade benzendo e exorcizando, e os demônios fugindo de todos os lados. Deve ser uma coisa magnífica pintar um quadro desses!

Enquanto os hereges continuavam fustigando Jasna Gora, dois nobres poloneses ali refugiados, temendo que a fortaleza fosse tomada, tencionaram abandoná-la levando duas pessoas: um deles, a esposa, e o filhinho, o outro. Tinham até obtido permissão de Miller para atravessar a linha de fogo, mas Frei Kordecki impediu-os terminantemente de cumprir o intento, a fim de que esse fato não refletisse mal na moral de seus comandados.

Sem dúvida, esse fato está muito resumido aqui. Para esses nobres terem essa promessa do comandante protestante era preciso que tivesse havido tratativas de lado a lado. Portanto, havia uma verdadeira “quinta-coluna” dentro do mosteiro tratando com os protestantes. Nessa situação qualquer um seria levado a dizer: “Quer sair, mande embora, para não atrapalhar aqui dentro.” Entretanto, Frei Kordecki é irredutível, por onde se vê a fibra desse religioso: “Não pode sair, porque se começam a sair fugitivos, abate-se a fibra de nossa gente. Ficam aqui dentro presos. Entraram, agora aguentem a batalha até o fim.”

Por atitudes assim entendemos o que é um verdadeiro padre, na força do termo. Isso deve nos levar a ter admiração pelo clero, compreendendo bem como o clero atual se distancia disso. Mas para sermos clericais como devemos, é preciso recorrer a esses grandes exemplos do passado.

Mas esse acontecimento, somado à insistência dos ataques inimigos e à morte de um jovem defensor, não tardou em influenciar o espírito de alguns monges. Estes, em contínuo temor, começaram a incitar à rendição, argumentando que se a Providência, em cujas mãos está o poder de colocar os tronos em mãos alheias, entregou a coroa polonesa aos suecos, não cabia a eles, monges, oporem-se à vontade de Deus, mas aceitá-la; tanto mais que o inimigo lhes assegurava a defesa da fé e a liberdade de culto.

Esses monges afirmavam o seguinte: “Deus permitiu que o rei saísse, porque se Ele quisesse o rei de volta, era só repô-lo. Por que vamos lutar pelo rei se Deus não quer que ele ocupe o trono?” É bem exatamente o que os judeus diziam a Nosso Senhor quando Ele estava pregado na Cruz: “Se és Deus, salva-te a Ti próprio e desce da Cruz!” Ora, Deus não intervém assim nos acontecimentos humanos. Ele dá aos homens os meios de agir e os ajuda. Mas quer a sua colaboração.

Quando tais insinuações se tornaram mais frequentes nas reuniões da congregação, o Prior chamou-os à ordem, de um modo fraternal, mas não sem energia. Bradou ele: “Que fé é a nossa, que reconhecimento a um Deus tão generoso para conosco que um tão pequeno dano nas comodidades terrenas consegue desviar-nos da guarda e proteção dos cofres dos tesouros celestes do Rei Eterno? Consideremos que de longe é mais prudente defendermos a integridade da casa de Deus, a santa fé e, ao mesmo tempo, nossas próprias liberdades, do que perdermos tudo, e além disso irmos para o exílio e para a escravidão eterna.”

Em outras palavras, não adianta defender bens perecíveis, fazendo correr risco os bens eternos.             v

(Continua no próximo número)

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 3 e 14/7/1972, 4/8/1972)

Revista Dr Plinio 263 (Fevereiro de 2020)

 

1) Expressão metafórica criada por Dr. Plinio para designar a mentalidade sentimental que se manifesta na piedade, na cultura, na arte, etc. As pessoas por ela afetadas se tornam moles, medíocres, pouco propensas à fortaleza, assim como a tudo que signifique esplendor.

2) Les aventures de Télémaque – As aventuras de Telêmaco. Obra de autoria do escritor francês François Fénelon (*1651 – †1715), Arcebispo de Cambrai, na qual propugna uma educação desprovida da virtude da fortaleza. Esse livro foi utilizado na formação de diversos príncipes da França, causando-lhes graves deformações na mentalidade.

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