A primeira Comunhão

Na manhã do dia 19 de novembro de 1917, o jovem Plinio recebia por primeira vez a Sagrada Comunhão. Ao longo de sua vida, inúmeras vezes recordaria ele, com profunda devoção eucarística, aquela data que lhe era sobremaneira cara. Evoquemos uma dessas suas reminiscências:

 

A atmosfera que cercava as primeiras Comunhões no meu tempo de menino era muito especial e foi toda ela organizada segundo a doutrina e a mentalidade do grande São Pio X, o Papa das primeiras Comunhões. Antes de São Pio X, a tendência corrente era de que as pessoas só fizessem a primeira Comunhão quando estivessem inteiramente adultas, de maneira tal que era frequente o fato de que comungassem pela primeira vez ao se casar. O noivo e a noiva esperavam essa ocasião para fazer a primeira Comunhão, pela ideia de que esta é uma coisa muito sagrada; e julgava-se que as crianças não deviam se aproximar dela porque não tinham critério para comungar com o respeito e a devoção necessários.

Mais importante é a inocência do que a capacidade de pensar

Foi São Pio X que colocou a questão em termos diferentes. Segundo ele, não se trata de saber o que a criança é capaz de pensar, mas sim que grau de inocência ela tem; porque se fôssemos raciocinar em função de sua capacidade de pensar, não deveríamos batizar a criança nos primeiros dias depois de seu nascimento.

A criança não pensa, mas o Batismo é uma ocasião para a comunicação de graças extraordinárias, que vão ficar vivendo nela para que, logo no limiar de sua vida de pensamento, comece pensando bem; já seus primeiros passos são fortalecidos pela graça do Batismo. Por causa disso a Igreja batiza as crianças logo depois do nascimento.

O mesmo se pode dizer com relação à Sagrada Comunhão. Desde que a criança tenha a ideia, saiba distinguir entre hóstia e pão, compreenda que a hóstia é feita da mesma matéria que o pão; mas que, pronunciadas as palavras da Consagração, há uma transubstanciação, uma mudança de substância do pão e do vinho, e passa a estar ali presente verdadeiramente, em Corpo, Sangue, Alma e Divindade, Nosso Senhor Jesus Cristo. Então, se a criança compreende isso e cumpre as necessárias condições, pode comungar, porque ela está na sua inocência.

Trajes de primeira Comunhão

São Pio X quis, e se executou no tempo dele, que a festa da primeira Comunhão fosse muito solene. Eram ornamentadas as igrejas, os altares, as crianças iam vestidas com trajes especiais de primeira Comunhão.

Lembro-me de que as meninas iam trajadas de noivas: vestido branco até aos pés e véu, grinalda, flores, sapatos, tudo de cor branca, porque eram inteiramente inocentes e virginais e caminhavam de encontro ao seu Salvador.

E os meninos deveriam ir tão bem vestidos quanto as posses de seus pais o permitiam. Por causa disto, os pais — não necessariamente muito ricos, mas que possuíam certa largueza — mandavam fazer roupa especial para os meninos, que, no meu tempo de infância, era a cópia da roupa oficial usada em solenidades por uma das escolas mais famosas do mundo: o Colégio Eton, na Inglaterra.

E no braço esquerdo colocava-se uma fita que formava um laço em cujas pontas havia uns pingentes dourados. O branco da fita simbolizava a castidade, a virgindade daquele menino, e os pingentes dourados possivelmente representassem a Fé.

No próprio dia da primeira Comunhão, recolhimento e não festa

No dia da primeira Comunhão se fazia uma festa em casa. A recepção da Eucaristia era de manhã e a festa à tarde. A família de quem fez a primeira Comunhão convidava os parentes e amigos, mais ou menos da mesma idade. Então compareciam vinte, trinta crianças numa festa enorme onde se servia chocolate — que era tido como uma maravilha; hoje o chocolate se tornou comum — não com creme “chantilly”, mas com clara de ovo. São Paulo ainda era uma cidade tão primitiva que não conhecia creme de “chantilly”. Então vinham aquelas montanhas de clara de ovo batida em cima do chocolate e as crianças devoravam aquilo. Havia também frutas, doces, sanduíches, sorvetes, refrescos.

Terminado isto, se fazia uma correria pelo jardim da casa. À noite, ia-se dormir, depois de ter rezado.

Dona Lucilia, que organizou a primeira Comunhão dos filhos dela e de uma sobrinha que morava conosco em casa, filha de uma irmã dela, entendeu que desse modo a preparação não estaria bem feita. Se a festa fosse realizada no dia da primeira Comunhão, por causa da natureza da imaginação infantil, haveria o risco de a criança amanhecer pensando mais na festa do que no Santíssimo Sacramento.

Nós tivemos um curso de preparação com um padre que dava as aulas só para nós três — os filhos dela e uma sobrinha —, explicando a Doutrina Católica e a História Sagrada.

Depois de examinados e tendo sido verificado que sabíamos o bastante para comungar, fizemos parte de uma primeira Comunhão da Paróquia de Santa Cecília. Havia muitas crianças, vestidas de acordo com os níveis econômicos dos pais, que eram naturalmente os mais variados. Algumas estavam ricamente trajadas, portando, por exemplo, as meninas, livro de oração todo forrado, interna e externamente, com madrepérola ou até com pérolas na bordadura; e os meninos, livro impresso em várias cores e muito bonito; além disso, tinham lindos rosários.

Então, com o afeto e o cuidado que era todo dela, Dona Lucilia nos chamou alguns dias antes da primeira Comunhão e nos avisou como seria o programa. Ela disse o seguinte: “Vocês devem entender que a festa não vai ser no dia da primeira Comunhão. Nesse dia vocês não vão estudar nem trabalhar, será um feriado. Vocês devem ficar o tempo inteiro fazendo coisas tranquilas, pequenos brinquedos calmos, rezando, procurando lembrar-se do que se deu com vocês, andando dentro da casa de um local para outro — a residência era muito grande —, mas não podem ir ao jardim nem ficar olhando pelas janelas. Têm que estar olhando dentro de casa, para concentrar o pensamento no Santíssimo Sacramento”.

Papel com a relação dos pecados

A preparação feita com muito cuidado pelo padre, as explicações de Dona Lucilia que completavam as aulas do sacerdote e, depois, esse aviso nos fizeram ver bem como era sério o passo que íamos dar; e evidentemente próprio a determinar em nós todo o grau de recolhimento que uma criança possa ter.

Eu tinha nove anos de idade, tomei muitíssimo a sério o que ela disse e fiz o propósito de observar esse recolhimento.

Fiz a primeira Confissão tão seriamente que, para não me esquecer de nenhum dos meus pecados, anotei uma lista deles para confessá-los ao padre. Quais seriam os pecados de um menino de nove anos? Podemos imaginar.

Entrei no confessionário e o padre ouviu a minha confissão.

Quando cheguei em casa, pouco tempo depois, mexendo nos bolsos não encontrei o papel contendo a relação de meus pecados.

Então, eu disse a Dona Lucilia:

— Mamãe, preciso ir à igreja para pegar o meu papel, porque se alguém ficar com a lista dos meus pecados, estou perdido.

Ela percebeu logo que era coisa de criança, mas ficou até satisfeita vendo como eu tinha tomado a sério a minha primeira Confissão.

Enquanto ela falava comigo sobre isso, uma lavadeira que trabalhava em casa, pessoa muito boa, muito piedosa, chamada Madalena, estava dobrando umas roupas para colocá-las num armário. Mas naturalmente prestava atenção na conversa de Mamãe comigo e ouviu o que eu falei.

A Madalena disse então o seguinte:

— Ah! eu dava tudo para conhecer os pecados do Plinio. Dona Lucilia, a senhora me dá licença e eu vou depressa à Igreja de Santa Cecília para ver se pego a lista dos pecados do Plinio.

Fiquei ultrajadíssimo, mas notei que Mamãe não tomou isso ao trágico nem ficou com medo de revelações sensacionais. E vendo que ela não deu importância, até me esqueci do fato.

A Madalena foi à igreja e não encontrou a lista. Com certeza um sacristão ou alguém que limpava a igreja jogou fora aquele papel. Não sei que pecados estavam ali anotados; devo ter dito alguma mentirinha, faltado com o respeito a papai e mamãe, mas eram pecados que eu não deveria ter feito e precisava pedir perdão a Deus.

O traje do Colégio Eton

Tive também que experimentar o famoso Eton, para ver se caía bem. Durante toda a vida, tive um desagrado de experimentar roupa: o alfaiate punha uns alfinetes, depois marcava com giz. O homem fez aqueles ajeitamentos e chegou à conclusão que o Eton estava muito bom. Foi também a opinião de Dona Lucilia, que em tudo exigia perfeição e não se contentaria com um Eton mal cortado. O alfaiate seria muito bem tratado, receberia um bom pagamento pelo trabalho sob a condição de estar perfeito. Mamãe achou que estava perfeito.

O vestir o Eton deu-me muita alegria. Não sei se entrava alguma vaidade pelo meio, mas eu me considerava muito importante com aquele traje. Tinha a sensação de que ficara de repente mais velho e, portanto, mais capaz de me impor ao respeito dos outros.

Na noite que precedeu a primeira Comunhão eu tive um sonho. Porém um sonho muito singular, porque eu via Nosso Senhor em pé junto à porta de uma casa bem branca, iluminada por dentro com uma luz muito clara. Ele vestia uma túnica branca e uma capa vermelha, me olhava e abria os braços para mim.

Isso não tinha nada de comum com uma visão porque, no meu sonho, a casa na qual estaria Nosso Senhor era um enorme doce de coco, todo revestido de branco. Sendo preciso notar que jamais gostei de doce de coco; e que se me fizessem um doce de coco branco ou vermelho, ou de qualquer cor, eu não comeria. Portanto, vê-se que não foi uma coisa mandada pela Providência, mas um sonho natural de uma criança que está, isto sim, tomando profundamente a sério a Comunhão que vai receber.

Grande veneração para com a Igreja Católica

No dia seguinte, minha irmã, minha prima e eu fomos cedo à Igreja de Santa Cecília, cada um levando uma vela, pois em determinado momento da Missa eram acesas as velas de todas as crianças. Havia fiscalização, naturalmente, porque de repente pegava fogo no véu de uma menina… Tudo era muito organizado.

Afinal começou a Missa, cantada, um tanto longa, na qual eu me lembro de que prestei muita atenção, sem entender bem o que era a Missa. Eu sabia tratar-se de uma oração da Igreja, mas de que era a renovação incruenta do Santo Sacrifício do Calvário, na qual se dava a transubstanciação, eu tinha certa noção, mas não tão clara quanto seria desejável. Sem embargo disto, vendo que era uma cerimônia da Igreja, e pela enorme veneração que eu tinha para com a Igreja, assisti à Missa muito atento e rezando.

Na hora da Comunhão, eu entrei na fila dos meninos e, graças a Nossa Senhora, comunguei com muito recolhimento e rezei bastante. Depois, naturalmente, terminou a cerimônia e cada criança foi para casa com os seus.

Preparação para resistir à revolução “hollywoodiana”

Alguém dirá: “Mas que primeira Comunhão pobre! Nós esperávamos muito mais graças, algum milagre”.

A minha vida não tem milagres. Ela sempre se fez de piedade, atenção, vontade de cumprir perfeitamente os Mandamentos da Lei de Deus, os Mandamentos da Igreja; fazer vencer a Igreja sobre a Revolução e implantar o reino de Nossa Senhora na Terra.

Então, do que serviu a primeira Comunhão?

Ela foi a primeira de uma série de Comunhões e, sobretudo, preparou a minha alma para algo de especial: quando eu tive o meu primeiro contato com a revolução “hollywoodiana”, imperando no recreio do Colégio São Luís, ofereci resistência. Uma resistência muito dolorida, mas forte e decidida. Eu não me lembro, graças a Deus, de ter tido a menor dúvida: “É preciso ir para a frente até ao fim”. Não cedi em nada e aqui estou.  v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 19/11/1994)
Revista Dr Plinio 164 (Novembro de 2011)

 

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