Distantes já se encontram os séculos que conheceram os esplendores da cristandade européia. Porém, ainda hoje, em determinados palácios, monumentos, igrejas e praças do Velho Continente pode-se contemplar uma reverberação do espírito católico que os concebeu e realizou. Pode-se discernir neles um prolongamento de certos atos de virtude ali praticados, que marcaram esses ambientes com qualquer coisa de imponderável que faz deles, no presente, uma espécie de relíquia. São restos e símbolos sagrados de uma época em que a ordem temporal, com seus aspectos sociais e econômicos, procurou ser em tudo conforme com a Doutrina Católica. São reflexos da alma de gente batizada, que correspondeu aos desígnios da Providência e engendrou maravilhas segundo a mentalidade da Igreja.
Sim, algo das graças da antiga Civilização Cristã continua ligado a esses lugares, à maneira de vestígios de um requintado aroma aderentes a velhos muros e velhas paredes. E quando algum peregrino, admirador das grandezas de outrora, passa junto a essas paredes e esses muros, pode ele sentir o evolar-se do perfume, isto é, ter ideia daquelas graças que ainda pairam sobre tantos ambientes e monumentos da Europa.
É o que sucede quando se visita, por exemplo, a pequena cidade de Genazzano, a poucos quilômetros de Roma. Nela se percebe como conceitos de vida, princípios de organização social e de existência pública, profundamente impregnados de religião católica, marcaram toda a edificação das casas, a disposição das praças, bem como o traçado de ruas e veredas. Sente-se ainda ali palpitações de coisas do passado, de sociedade orgânica italiana, pervadida de tradições cristãs e de milagres operados pela imagem da Mãe do Bom Conselho.
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O santuário é uma igreja em estilo renascentista, de tamanho razoável, com mármores muito bonitos e uma ornamentação que, felizmente, não tende para certos exageros disparatados da Renascença. É um templo digno e composto. Na nave à esquerda de quem entra aparece um gradeado, atrás do qual se ergue o altar onde se venera o afresco milagroso de Nossa Senhora de Genazzano. Cercada de toda a veneração que lhe é devida, a imagem exerce indescritível atração sobre o fiel que lhe dirige suas preces. E pode-se dizer que Genazzano é um extraordinário aspirador e orações: rezando ali, tem-se a impressão de que nossas súplicas vão de fato para o
Céu. É uma verdadeira maravilha.
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Complementando a imagem e o santuário, espraiam-se pela cidade ruas e casinholas prodigiosamente interessantes.
Um pitoresco urbanismo que, concebido para fazer caber Genazzano dentro de suas vetustas muralhas, exprime um estado de alma sadio, com qualquer coisa de inventivo e encantador, que o situa acima de muitas belezas modernas…
O casario, contudo, é construído o mais ao léu que se possa imaginar, com aspectos bastante curiosos. Numa determinada fachada, por exemplo, o visitante pode avistar uma pequena janela com enquadramento românico. Aquilo é um dedinho de Idade Média, e de Idade Média iniciante, porque o estilo românico ainda não é o gótico, embora já contenha o sabor deste. A janela é cheia de fantasia, de poesia, de expressão, sem ser teatral.
Nota-se que quem a abriu teve uma preocupação apenas de arejamento, pensou tão-só no lado prático de bisbilhotar o movimento na rua e comentá-lo com o vizinho.
Não raras vezes é essa a origem de semelhantes detalhes. Mas, vai-se ver, eles se mostram pitorescos, poéticos, interessantes, cheios de vida, de uma espontaneidade ao mesmo tempo ousada e harmônica. O fundamento dessa poesia e dessa beleza está em que, sendo tais realizações animadas pela graça divina, acabam exprimindo uma harmonia, pode-se dizer, mais pensada por Deus que pelos homens.
Um teórico da Renascença afirmaria que todas as espontaneidades, caso não sejam controladas pela razão, redutíveis a normas e seguidas como sistema, redundam num horror. Ora, a tese verdadeira, conforme a doutrina cristã, é outra: quando a alma está penetrada pela graça de Deus, realiza espontaneamente coisas de extraordinária formosura, que têm uma ordenação superior, e que expressam elevados princípios, nem sempre susceptíveis de serem convertidos em termos mais simples.
Assim, compraz considerar em Genazzano essa arquitetura, filha da virtude, libertada dos grilhões da arte sistemática, das regras coercitivas, e entregue à alegria de si mesma. Dir-se-ia um pouco a felicidade do sol, da natureza amena, a alegria da vida cotidiana, alegria da saúde (que seus habitantes possuem de forma impressionante!), enfim, mil alegrias, mas sobretudo a alegria da Fé.
O que torna agradável o passeio em Genazzano é embeber-se dessa espontaneidade, é ouvir esse cântico de um povo batizado, é deixar-se tomar pelas coisas vivas, claras, bruscas, pelo imprevisto e pelos aparentes entrechoques das harmonias. Variegados aspectos que a alma do homem contemporâneo tem necessidade de contemplar, de acariciar até, experimentando mais ou menos a sensação que nos colhe quando vemos surdir do chão uma água límpida, despoluída, que brota meio cantante das profundezas da terra. Tal é a vida, quando ela nasce do populino católico.
O mesmo populino que construiu as casinholas encantadoras, algumas aprumadas, outras trôpegas, essa aconchegada a um canto de muralha, aquela elevando-se sobre uma espécie de arcada, de maneira que dá meio para o plano, meio para um precipício.
O mesmo populino que traçou essas ruas interessantes, alargando-se em pequenas praças, escondendo-se em becos, ou confundindo-se com escadarias de pedras diferentes, alheias a planos de arquitetura. Pôs-se um degrau, outro e outro, sem a intenção de fazer algo pitoresco. Mas foi o que resultou do espontâneo. Às vezes aparece uma simetria, por acaso, sem ser calculada, porém simpática, e faz com que o visitante descanse da espontaneidade anterior.
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Se formos analisar o ponto inicial de tantas bênçãos, chegaremos à grande irradiação de um “lúmen” existente na Idade Média, do qual os primeiros reluzimentos já se haviam feito sentir no tempo das catacumbas. Esse “lúmen” estava para o mundo dos primórdios do cristandade como uma lamparina com uma linda chama, acesa numa catedral tão grande que, apesar de sua maravilhosa labareda, não se notava capaz de iluminar todo o recinto sagrado. No volver dos séculos, foi ele crescendo em intensidade, até atingir sua plenitude na civilização medieval.
E tamanha força adquiriu que, quando entrou em decadência a Idade Média, esta continuou todavia muito carregada desse lúmen: o “Lumen Christi”, a Luz de Cristo, cujas cintilações ainda podem ser admiradas nas pitorescas ruelas e esquinas de Genazzano.