Cidade florida, alegre e risonha – II

Amenidade, beleza e alegria de viver, numa época que, segundo Karl Marx, foi a idade de ouro do operariado europeu.

 

Vemos em Rothenburg uma pequena praça pública, na qual se entra por meio de um largo arco — sempre os tais arcos com torres — para permitir um trânsito abundante. Junto às fontes, vivacidade e ornato A primeira coisa que o passante percebe é uma fonte.

Era muito frequente, na Idade Média, a ideia de que a fonte deveria ter qualquer coisa de monumental, precisava ser bonita e não uma simples torneira de água. Por quê? Porque a água era rara, as casas ainda não havia água encanada, as pessoas iam recolhê-la na fonte, que era um ponto central de vida na cidade. As pessoas das classes média e baixa da sociedade — muitas vezes as próprias donas de casa —, iam pegar água na fonte com um jarro grande que elas levavam, em geral, em cima da cabeça. Mas enquanto enchiam um, dois, três jarros — e elas pagavam alguém para levá-los; é um arranjo de senhoras —, ficavam conversando. E era o ponto de mexerico da cidade. Os homens nunca iam pegar água na fonte, somente as mulheres. E elas faziam futrica e intrigas, contavam coisas, etc.; as senhoras boas exerciam apostolado e levavam pessoas para a igreja.

Então, para tornar mais alegre a vida dos habitantes, a Prefeitura, que era eleita por eles, mandava construir um ornamento na fonte. Observamos ali um ornamento um pouco pós-medieval: uma bonita coluna, cercada com um gradeado também agradável, um monumentozinho em cima, o qual representa uma criatura humana que está em pé — talvez seja Nossa Senhora — e a fonte que serve para esse bairro da cidade.

Notem as casas altas com os tetos em forma de “V”. Qual é a razão disso? No inverno, para não acumular neve nos tetos — que é muito pesada e os faz ruir —, estes são dessa forma para que a neve escorregue e vá para o chão. Que o solo fique cheio de neve não importa, o problema é salvar o teto das casas.

Como, entre a base e o alto do teto, havia um espaço coberto muito grande, eram feitos andares. Esses são prédios de apartamentos de classe média baixa — mais da classe baixa do que da média; qui é um ambiente mais simples do que o da primeira praça que vimos. Os prédios são menos bonitos, exceto aquele que se vê no fundo, o qual deveria ter provavelmente uma utilização municipal ou eclesiástica, do município ou de uma paróquia da Diocese de Rothenburg.

As flores e as folhas

Numa outra fotografia, percebe-se que é verão e nota-se uma coisa característica das cidades alemãs, que lhes dá um encanto especial: é serem floridas. Ao longo das paredes, jarros de flores que ornam — quando elas florescem — a cidade muito alegre, risonha, onde se mostra, também nas cortininhas, a alegria de viver do povinho. É típico de casa alemã, mesmo muito modesta: cortininha bem arranjadinha e, quando chega o verão, põem-se do lado de fora jarras com gerânios e outras flores de cores vivas. E fazem concurso para saber quem expôs as flores mais  ivas. E isto constitui um ponto de amor-próprio que atrai toda a atenção da cidade, e concentra as conversas e a atenção deles em coisas inocentes, bonitas, que elevam, educam, e não têm nada do cinema e da TV moderna.

Tenho a impressão de que aquela torre é de uma igreja, porque no ápice dos torreõezinhos me parece haver cruzes. E, provavelmente, no cume do telhado central deve existir uma cruz ainda mais evidente. Tem algo indefinido de edifício religioso. Será talvez a torre da principal igreja da cidadezinha.

Em outra fotografia nota-se a beleza da vegetação da Europa. Nossa vegetação sul-americana, centro-americana, tem coisas lindíssimas, mas Deus a cada qual concedeu as suas coisas. À América do Sul, e creio que também à do Norte, o Criador deu lindas flores. Deu-as também, em alguma medida, à Europa: as tulipas da Holanda, por exemplo, são qualquer coisa de maravilhoso, mas o que  nós não temos como eles são as folhas maravilhosas.

Comparemos as folhas que estamos habituados a ver em nossas cidades, com essas que são verdadeiras exposições de pedras preciosas. As folhas são de um colorido bonito, meio douradas, e tem-se a impressão de que cada uma delas é uma pedra preciosa. São finas e o sol as atravessa; por causa disso, quando se olha, tem-se a impressão de que o astro rei mora dentro delas. São muito bonitas na primavera, mas a sua beleza muitas vezes é maior no outono, quando elas ficam velhas. É um fenômeno com poucos exemplos na natureza: quando a velhice enfeita.

No inverno, quando começam a cair, essas folhas têm uma cor de “champagne”, de vinho, cores fantásticas; várias vezes estando na Europa tive vontade de fazer uma coleção de folhas, para mostrar aqui em São Paulo. Mas não foi possível, eu não tinha tempo, porém vontade não faltava.

Vejam como todo esse arvoredo, aquém e além do muro externo da cidade, faz um ambiente maravilhoso. Tudo isso enfeita as velhas pedras e a torre da catedral ou da paróquia. Forma um  ecanto lindo!

Povo muito alegre, expansivo e comunicativo

Em outra fotografia vemos a beleza assombrosa do inverno, com a neve. Tem-se a impressão de que as árvores são feitas de cristal; são, portanto, lindíssimas! Nesse edifício mais baixo, nota-se que a neve cobriu o teto e se acumulou a ponto de revesti-lo inteiramente. Fica agradável de ver e, apesar da ideia de frio que esta neve dá, tem-se  ma sensação de aconchego e faz supor ali dentro uma lareira acesa, na qual se queimam troncos de árvores com uma resina perfumada, junto à qual se encontra, sentado numa grande poltrona de couro, um homem lendo um daqueles livros escritos em pergaminhos colossais,  fumando um cachimbo e gozando o seu domingo.

O prédio à esquerda, com aquele balcão, pertence à Prefeitura. Embaixo, desenvolvem-se danças tradicionais onde moços e moças da cidade se dão as mãos e cantam. Vê-se a alegria inocente de  udo isso, com trajes moralizados. É a alegria medieval.

Aqui podemos observar uma rua de Rothenburg. As casas não são palácios, mas residências simples. É uma cena agradável de olhar e nos dá, muito ao vivo, uma ideia do que seria uma cidade medieval em dia de festa popular. O povo alemão é muito alegre, expansivo, comunicativo. E quando, em torno da cerveja, estão reunidos muitos alemães, eles cantam. Não por ficarem bêbados, as por estarem bem nutridos e alegres.

Não existe uma coisa que esteja em desordem; tudo bem arranjado e bonito. A decoração da parte de cima das casas é feita só com madeira, mas madeira entalhada; nada disso é rico, tudo é simples. Vemos como o bom gosto da classe popular pode formar uma vida plebeia digna. Assim eram, por exemplo, os móveis populares medievais. Não eram fabricados para reis, nem para  ondes ou barões; contudo, eram entalhados à mão, e hoje custariam uma fábula por serem muito raros. Uma verdadeira beleza! Por espantoso que seja, eu termino citando Marx. Karl Marx, o fundador do comunismo, numa história que ele faz do operariado na Europa, diz isto: “A idade de ouro do operariado europeu foi a Idade Média!” Isso os revolucionários não afirmam. Por quê?  porque a Revolução é mentirosa quando fala e até quando se cala; essa é a Revolução.

 

Plinio Corrêa de Oliveira – Revista Dr Plinio 200 (Novembro de 2014)

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