Procurando imitar as perfeições divinas

Desde a sua infância, Dr. Plinio cultivou um profundo amor às excelsas perfeições do Homem-Deus, almejando o quanto possível refleti-las em sua própria alma. De modo particular, encantava-o a sublime dignidade de Nosso Senhor, à qual desejou imitar para difundir ao seu redor o “bom odor de Cristo”.

 

No tempo em que fiz a Primeira Comunhão e cursava os anos iniciais de colégio, Nosso Senhor era apresentado sempre na plenitude de sua bondade, mas também com majestade e dignidade excelsas. De tal maneira que, tenho a impressão, quem O conhecesse pessoalmente, ao mesmo tempo se derreteria de confiança e se evanesceria de humildade diante da grandeza d’Ele. As imagens, o estilo do culto, o ambiente das igrejas, tudo recendia uma elevação que era a expressão da majestade suprema e incomparável de Jesus. Essa realeza se origina do fato de ser Ele o Homem Deus e, como tal, o Rei de todas as coisas por definição e natureza.

Espelhando-se na dignidade de Jesus

Ora, eu julguei que O imitava, na medida em que toca às meras criaturas, de dois modos. Primeiro, prestando muita atenção e procurando entender a dignidade humana, não com raciocínios filosóficos (os quais não estavam ao alcance de minha jovem idade), mas vendo as pessoas mais especialmente dignas que eu conhecia, analisando a sua superioridade e como se colocavam acima das outras, para o bem delas e o de todas. Em segundo lugar, compreendendo, em conseqüência, o que é ser e como se tornar uma pessoa digna.

Depois, quanto coubesse à minha condição de criança, tentei realizar essa dignidade em mim mesmo. Porque nunca aceitei como válida a teoria — muito difundida no meu tempo de infância, e talvez ainda vigente e requintada nos dias atuais — segundo a qual um menino não possui dignidade nenhuma. Ele é considerado um palhacinho, um bobinho, para divertir os mais velhos e fazer coisas terríveis: quebrar as janelas, praticar toda espécie de turbulências, com o que indica a sua genialidade e o grande homem que ele será no futuro. Isso nunca admiti. Pelo contrário, detestei essa ideia com toda a minha alma.

O menino é uma participação dos seus pais. Ele tem a dignidade inerente a seus maiores, embora posta nas condições da infância. Daí eu sempre cultivar maneiras cerimoniosas, o modo elevado de se exprimir, o observar a castidade (inseparável da dignidade), o prestar homenagens aos mais dignos do que eu, etc. Como também o fazer sentir àqueles que me eram inferiores, os limites, as diferenças, movido pelo senso das proporções da caridade que impregna tudo quanto faz o verdadeiro católico.

Hábito da reflexão e amor às autoridades

Outro elemento característico da dignidade que procurei nutrir em minha alma, para imitar a Nosso Senhor Jesus Cristo, é o hábito e o gosto da reflexão. Sempre me pareceu que a pessoa espontânea, irrefletida, estava a um milímetro do completo ignorante. O indivíduo que mal ouve algo e já se põe a tagarelar, sem nunca ter pensado naquilo, é um asno, pois se orienta apenas pelos seus sentimentos impulsivos. Essa atitude me inspirava não pequeno desdém.

Pelo contrário, aquele que reflete, pesa todas as coisas, entende, considera, forma as suas opiniões, tem uma dignidade especial. E essa dignidade eu procurei, desde os meus primeiros anos, manter em mim, muito ciente de que em Nosso Senhor Jesus Cristo, a própria Sabedoria Encarnada, isso tomava os aspectos divinos que n’Ele têm todas as coisas.

Outro traço da divindade de Jesus que procurei cultivar em mim, tanto quanto possível, foi reverenciar adequadamente todas as autoridades constituídas. Lembro-me de ficar indignado vendo como alguns dos meus colegas consideram certos professores. Tratavam-nos como lacaios ou algo até inferior. Em última análise porque eram filhos de pais ricos e o professor era pobre. Se esse mesmo professor um dia aparecesse no colégio dirigindo um automóvel de luxo, porque se tornara um homem de posses, seria tratado com bajulação. Porém, como em geral recebiam um ordenado pequeno e levavam vida modesta, eram humilhados pelos seus alunos abastados. Então, senhores de 50, 60 anos, dignos de alguma reverência, tornavam-se objeto de debiques e gargalhadas. Isso me revoltava, e me levava a ter para com todos os meus professores um imenso respeito.

As perfeições de Nosso Senhor são tantas, que passaríamos vários dias enumerando-as e indicando os modos de um fiel imitá-las. Poderíamos considerar, ainda, a observância de todas as leis que Ele praticou desde Menino, bem como o ter sempre manifestado muito respeito às autoridades legítimas. Por exemplo, às da Sinagoga, pois quando Ele curava alguém, mandava-o mostrar-se aos sacerdotes.

Enfim, em tudo Nosso Senhor demonstrou a maior deferência, até o momento em que investiram contra Ele. E o Redentor se deixou matar como uma ovelha, um manso cordeiro, sem protesto nenhum, mas sustentando implacavelmente a verdade.

A exemplo do Divino Mestre, eu julguei que também era meu dever sustentar a verdade em qualquer ocasião, de modo intransigente, porém com o respeito e o acatamento devidos a todas as autoridades.

E assim, nas diversas circunstâncias da vida, procurei formar meu senso contra-revolucionário por meio da imitação das qualidades divinas de Nosso Senhor.

O dom da palavra

Um dos mais excelentes dons que Deus deu ao homem é o da palavra, e o bom uso que dela devemos fazer, pois é o melhor meio de se praticar a caridade. Com efeito, o dinheiro e outros recursos materiais que oferecemos a alguém necessitado pode lhe matar a fome do corpo, mas a fome da alma só é saciada pela palavra.

Nesse sentido, poder-se-ia tecer uma longa descrição a respeito do uso que Nosso Senhor Jesus Cristo fazia da palavra, e nos perguntar: Ele falou pouco ou muito?

É curioso: não parece que Ele tenha sido de muito falar, mas de dizer coisas apropriadas. Cada palavra de Nosso Senhor tinha um peso, uma densidade, uma luminosidade especiais. O menor conselho ou comentário seu, era um tesouro, uma bênção, algo extraordinário!

Mesmo na intimidade com Lázaro, Marta e Maria, em que Ele se expandia mais, como se estivesse em casa, imaginemos que ali Jesus falasse de modo menos conceptual: quais eram as suas conversas?

O Evangelho não nos revela, mas vendo o conjunto da conduta dos anfitriões com Ele, percebe-se que cada palavra nascida dos lábios de Jesus era uma estrela que se acendia, deixando seus interlocutores mudos de admiração e enlevo.

Ora, tanto quanto houvesse proporção com a minha condição de menino, de mocinho e, depois, de homem feito, eu procurei cultivar uma linguagem correta, elevada, com vocabulário abundante, e, sobretudo, na qual eu tivesse o que dizer. Claro, não indo além do limite alcançado por meu espírito, mas chegando até ele, pelo que sou responsável diante de Deus.

Então, com o auxílio da Santíssima Virgem, procuro atingir esse limite, fazendo um bom uso da palavra, para imitar Nosso Senhor, para bem servi-Lo e à Santa Igreja.

Sem nos esquecermos de que a presença é a bem dizer o complemento da palavra, a qual está para a primeira como o perfume para a flor, patenteando-se não só através de fatores ponderáveis, mas também imponderáveis. Há presenças insignificantes: a pessoa entra numa sala onde vários estão conversando, não chegou ninguém; e quando sai, não se retirou ninguém. A roda de conversa não se enriqueceu com a chegada dela, nem se empobreceu com a sua saída.

Devemos procurar, com humildade, sem pretensões, que nossa presença faça sentir aos outros o bom aroma de Nosso Senhor Jesus Cristo. E ao entrarmos num ambiente, possam dizer que chegou alguém, e ao sairmos, que alguém se ausentou. Entretanto, há muita gente que abusa do dom da palavra, dizem asneiras, coisas sem importância, conversam sobre trivialidades sem valor, sem conteúdo algum. Além disso, se exprimem com uma linguagem vil, com termos chãos, sem elevação, sem beleza, sem a menor preocupação de adornar suas palavras. Para usar uma bonita expressão hispânica, é uma “linguagem pedestre”. Ou seja, não é a do homem a cavalo, mas a do que anda a pé e se arrasta no meio da poeira.

Quantos exemplos Jesus nos deu disso! Nem há palavras para exprimi-lo. Quando estava presente, só havia Ele; quando ausente, não havia ninguém. Porque num lugar onde deixou de estar Nosso Senhor, podem ter ficado os homens mais célebres do mundo, o local se tornou vazio. Pois Ele condescendeu que Lhe fôssemos semelhantes também nessa qualidade, e, portanto, devemos cultivá-la.

Os divinos olhares de Nosso Senhor

Sempre procurei imaginar e admirar igualmente a divina perfeição dos olhares de Nosso Senhor. Ah, se eu pudesse fazer uma ladainha dos divinos olhares de Jesus! Acredito que, para se elaborar tais invocações, precisar-se-ia ser um extraordinário pintor.

É belo considerar as várias cenas do Evangelho, tentando figurar-se a expressão dos olhos de Jesus naquelas diferentes ocasiões. Por exemplo, no sermão das Bem-Aventuranças, cada palavra que Ele dizia era acompanhada, discretamente, por mudanças de fisionomia, assim como o mar assume esse ou aquele colorido, sem percebermos em que instante passou de um para outro. E retratar tão-só os vários semblantes de Jesus no Sermão da Montanha seria uma obra tal que mereceria se edificasse sobre ela uma imponente catedral.

Imagine-se, então, vitrais que representassem os divinos olhares de Jesus, nas várias circunstâncias de sua vida. O último e supremo olhar d’Ele nesta Terra, que podemos conjecturar tenha sido dirigido à sua Mãe, aos pés da Cruz. Como foi essa troca de olhares, mais valiosa que todos os olhares que houve, há e haverá no mundo? Ou como foi o colóquio de olhares que Mãe e Filho travaram, quando Ele, ressurrecto, pela primeira vez apareceu a Ela?

Aparecerão artistas capazes de pintar isso? Tenho a esperança de que, no Reino de Maria, sim. Pois sendo a santidade a medida de todas as coisas, quando ela é muito grande — como o será no reinado de Nossa Senhora — todas as qualidades humanas têm condições ideais para florescer. Portanto, assim como haverá santos extraordinários, aparecerão artistas geniais que saberão representar essa ladainha de olhares de Jesus. Nossa terá sido a voz que, antes de  todas essas maravilhas, as prognosticou e com elas se alegrou. É uma primeira saudação a todas essas grandezas.

Plinio Corrêa de Oliveira

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