Enquanto a Revolução quer que as pessoas não tenham amor autêntico umas às outras, mas sejam completamente egoístas, a Contra-Revolução promove um relacionamento humano fundamentado no verdadeiro amor, o qual converge para o Sagrado Coração de Jesus, que é o centro de tudo. Portanto, Ele é o centro da Contra-Revolução.
O fenômeno revolucionário, examinado como ele está descrito em meu livro Revolução e Contra-Revolução, é antes de tudo um problema espiritual. O resto é secundário, colateral, por maior importância que tenha.
Portanto, o aspecto mais importante é a atitude que o fiel toma em relação a Nosso Senhor Jesus Cristo, e mais especialmente ao Sagrado Coração d’Ele, que é a quintessência de tudo quanto há n’Ele de perfeição e de amor.
Por que esse é um ponto fundamental?
A relação dos homens com o Sagrado Coração de Jesus é o centro do relacionamento humano
O centro das relações humanas é o amor que as pessoas tenham entre si. É uma coisa evidente.
Se nas relações de duas pessoas o centro é a simpatia e a antipatia existente entre elas, tomando em consideração uma qualidade muito maior do que essas meras disposições humanas, a observação é válida do mesmo modo, ou até vale mais acentuadamente.
É por esta razão que uma senhora, por exemplo, afeita a considerar a devoção como centro da vida espiritual, e o Coração de Jesus centro dessa devoção, pode ser o ponto de partida e o centro de toda a Contra-Revolução.
Assim, em última análise, aquele dito de Dona Lucilia “viver é estar juntos, olhar-se e querer-se bem” indica o centro da vida do homem na Terra.
De fato, na medida em que um homem tem pessoas a quem ame, com as quais conviva, às quais queira bem e das quais é, por seu turno, bem-querido, ele pode ser o centro de um entrelaçamento enorme de relações, em que tudo corre retamente, porque esta é a própria definição da retidão das relações dos seres humanos entre si.
E para que tudo corra bem e retamente nessas inter-relações, é preciso compreender que se deve ter como ponto de partida o próprio homem, e tudo aquilo que ele faz. Por causa disso, a relação dos homens com o Sagrado Coração de Jesus é o centro de tudo. Logo, o centro da Contra-Revolução.
No caso concreto, a Revolução quer, sobretudo, que as pessoas não tenham amor autêntico umas às outras, amor a nada nem a ninguém, mas sejam completamente frias, egoístas.
Por outro lado, ela quer que esse enregelamento de volições e de apetências seja durável e perpétuo. Então nós temos todo um relacionamento humano errado, enquanto que se considerarmos o relacionamento humano voltado inteiramente para o bem, veremos como a situação muda completamente de aspecto.
Então, o ponto principal é saber por que os homens devem amar especialmente o Sagrado Coração de Jesus e se, de fato, O amam. Se não amam, como devem fazer para adquirir esse amor? Esse é o centro da espiritualidade católica.
Uma das formas de retidão do Reino de Maria
Essa devoção marcou a vida inteira de Dona Lucilia e foi certamente neste ponto que ela mais atuou sobre mim. Quer dizer, as relações de mamãe com as pessoas a quem ela quis bem eram desenvolvimentos desse relacionamento com o Sagrado Coração de Jesus.
Quando eu era pequeno, tinha o defeito de ser muito volúvel em minhas relações de amizade. Fazia relações boas e, de repente, aquilo me cansava, eu metia um “pontapé” naquele amigo como se nunca tivesse existido e pegava outro. E Dona Lucilia não gostava nada disso.
— Onde é que está tal amigo seu? — perguntava ela.
— Mamãe, ele está por aí — eu já tinha dado o “pontapé” nele e não queria saber.
— Mas por aí aonde? Ele saiu da Terra?
— Não, meu bem, quer dizer, ele…
— Olha, Plinio, eu já estou vendo o que aconteceu. Você já se enfarou dele e já lhe meteu um “pontapé”. É uma pessoa que lhe queria bem e a quem você não podia fazer uma coisa dessas.
— Mamãe, ele é muito sem graça…
— Você lá sabe se outras pessoas não acham você sem graça e, entretanto, devem querer bem a você? Queira bem aos outros…
Vê-se que para ela as relações afetuosas, bem centradas sobre os temas em que deviam ser, era uma coisa inestimável. É compreensível que Dona Lucilia queira nos obter isto de Nossa Senhora e fazer disto uma das formas da retidão no próprio Reino de Maria na Terra.
De fato, nas revelações a Santa Margarida Maria Alacoque, o Sagrado Coração de Jesus dava a entender que a devoção a Ele traria ao mundo uma era que os devotos do Sagrado Coração de Jesus chamaram de “o reinado social de Nosso Senhor Jesus Cristo”, o qual corresponde ao Reino de Maria.
Em determinado momento virá, sem dúvida, uma graça excepcional de devoção ao Sagrado Coração de Jesus, e tem-se a impressão de que surgirão almas privilegiadas que deverão espelhar, cada uma a seu modo, a multiplicidade de aspectos da devoção ao Sagrado Coração, e por esta forma dar a Ele uma glória especial.
Erros que avançavam à maneira da lava que escorre das montanhas
Por outro lado, quando vemos Nosso Senhor falar a respeito da consagração ao seu Sagrado Coração, tem-se a impressão de que Ele considera a batalha entre a piedade e a impiedade, o bem e o mal, a verdade e o erro, um combate que se porá sempre, em termos gerais, na linha em que ele estava posto já no tempo de Santa Margarida Maria Alacoque.
Sem que esta visão deixe de ser exata, é preciso considerar, entretanto, que um aspecto dessa batalha foi mudando com o passar dos séculos, a ponto de merecer ser analisado separadamente. É o modo pelo qual o erro começou a combater a verdade, disfarçando-se de tal maneira, primeiro no modernismo, e depois, cortado o modernismo por São Pio X, em erros congêneres até nossos dias.
Dir-se-ia que o erro passou a ser tão envolvente, penetrante e dominador, dentro da própria Igreja, que o curso das coisas mudou na perspectiva do Sagrado Coração de Jesus — o que seria um absurdo —, e que se inaugurou um clima de luta onde nem a devoção ao Sagrado Coração de Jesus tinha muita coisa a fazer, porque já não é mais o erro contra a verdade, mas a pseudo verdade contra a verdade, o pseudo bem contra o bem.
De tal maneira que a luta principal passou a ser interna e produziu na Igreja movimentos tão desastrados, que devoções como a do Sagrado Coração de Jesus e a do Imaculado Coração de Maria saíram da ordem do dia na piedade corrente.
Sempre me chamou muito a atenção, na devoção ao Sagrado Coração de Jesus, a noção de que Ele estava sendo ofendido, traído, abandonado de um modo horrível pelo ateísmo, pelas formas expressas de combate contra a Igreja, mas também por uma espécie de moleza dos católicos em reagirem contra todas essas ações anticatólicas.
Parecia-me que o conjunto da luta da impiedade declarada e o relaxamento, a moleza e a indiferença de pessoas que se diziam católicas — e o eram, mas católicos relaxados na miserável força do termo — constituía um pecado, uma ofensa enorme a Nosso Senhor Jesus Cristo.
Tanto quanto eu percebia, esse movimento vinha de muito antes, avançando à maneira da lava que escorre das montanhas: um líquido espesso, viscoso que vai indo com um jeito meio pesadão, cobrindo e dominando tudo. Nosso Senhor Jesus Cristo, portanto, nessa perspectiva era ofendido.
Ademais, eu notava outra coisa que também me chocava muito: falava-se, certamente, da devoção reparadora à apostasia social em relação a Nosso Senhor Jesus Cristo e ao reinado de seu Sagrado Coração. Contudo, não era o ponto sensível das cogitações sobre o Sagrado Coração de Jesus.
O ponto sensível — aliás, ponto adorável, admirável que, se bem orientado, faz prever a vitória d’Ele de um modo muito assinalado — era a ideia de que Nosso Senhor Jesus Cristo era a personificação da misericórdia.
Na simbologia do tempo, a devoção ao Sagrado Coração de Jesus era a devoção do pecador ao qual pesa andar mal, mas não tem coragem nem força para tomar a resolução de passar a andar bem e que, portanto, só teria razões para se desesperar.
Entretanto, esse pecador nessas condições, tomando em consideração a misericórdia infinita do Sagrado Coração de Jesus, se implorasse essa misericórdia e recebesse graças intensas e fortes, se realizariam nele as palavras do Salmo: “Asperges me hyssopo, et mundabor; lavabis me, et super nivem dealbabor” (Sl 50, 9) — aspergi-me e ficarei puro; lavai-me e me tornarei mais branco do que a neve.
Devoção que cessava na emoção e não gerava frutos de verdadeira conversão
Tudo isso é verdadeiro. Entretanto, o desvio estava na difusão da ideia de que essa transformação se dava sem esforço do pecador, por um movimento concebido como partindo do Sagrado Coração de Jesus e mais nada, e trazendo automaticamente uma correção, uma retificação da posição moral do pecador, quase por encanto, e muitas vezes consistindo em uma graça recebida na hora da morte.
Quer dizer, pessoas que se consideravam tão más que sabiam não adiantar vir com correções durante a vida, mas, na hora da morte, receberiam uma graça assim. E a pessoa, nesse último instante, ganhava o Céu.
Essa concepção dava a inúmeros católicos um desejo de acabar se salvando, mas não um desejo muito ardente de correção moral nesta vida. É uma espécie de loteria para, nas vésperas ou no dia da morte, ser ganha e ir para o Céu. O resto do tempo, a pessoa levou vida gostosa na Terra.
No modo de tratarem da devoção ao Sagrado Coração de Jesus e de falarem dela ao pecador, poucas coisas estimulavam o desejo de uma retificação e de um bom andamento espiritual diante de Jesus ofendidíssimo querendo uma reparação.
Estimulava-se um movimento emotivo diante de tanta misericórdia. Mas esse movimento emotivo cessava na emoção, a qual não era geradora de penitência, em grande número de casos, mas apenas de uma piedosa tristeza que não dava em nada, conservando-se inteiramente estéril.
Então, essa devoção, insinuada assim, com essas supressões de determinados aspectos inerentes a ela, acabaria sendo uma forma de piedade que era a melhor possível para o pecador, considerados os interesses meramente terrenos dele.
Porque, em última análise, ele recebia graças inefáveis, e não era obrigado, e nem sequer estimulado, a uma contrapartida, mas simplesmente a chorar: “Ah! como eu tenho pena de estar nessa vida de pecado, ofendendo a Deus… Que pena! Mas afinal, continuarei nessa vida… Posso até usar um escapulário do Coração de Jesus, conservar um detente, com a efígie de Jesus mostrando seu Sagrado Coração, para evitar que tiros possam bater em mim…”
Isso contribuía para dar ao pecador uma presunção temerária de salvar-se sem estar, de fato, tocado por uma autêntica devoção.
Conheci incontáveis pessoas nas quais essa devoção era vivida assim.
Para esse tipo de gente, não havia a preocupação da globalidade da sociedade que está se perdendo, nem da batalha em favor de conservar ou não uma Civilização Cristã no mundo. Tinham a questão da salvação, sobretudo, como uma preocupação individual: para si, a esposa, os filhos, e acabou-se.
Entre essas pessoas não vi um caso de alguém que quisesse converter outro por ser este capaz de converter um grande número de pessoas. Esse horizonte maior, de converter muita gente, se esfumaçava na concepção dessa atitude devocional e isso desaparecia.
Desvio provocado pelo sentimentalismo
Notava-se muito isso nas orações compostas ao Sagrado Coração, que giravam, na imensa maioria dos casos, em torno de problemas pessoais. Eram, em geral, muito sentimentais.
Para os adeptos desse tipo de devoção, a lógica parecia uma coisa dura, inflexível, contrária à bondade. De maneira que até mesmo o uso de argumentos muito lógicos para propagar a devoção não era visto como o melhor meio. O melhor meio era apresentar Nosso Senhor nos fazendo grande bem, sem a preocupação de retribuir-Lhe adequadamente. Porque, afinal, que mal havia em não Lhe retribuir adequadamente? Não existia a noção clara, definida, de um pecado contra a justiça.
O principal era incutir a ideia de que o pranto do Sagrado Coração, em rigor de sentimentalismo, deveria provocar um pranto nosso que fosse o eco do d’Ele, mas o eco afetivo.
Assim, o coração era apresentado como sendo a impressionabilidade sentimental, e não a mentalidade, o propósito, o ânimo, a decisão do homem.
Por causa disso a pessoa, não sendo sentimental, ficava meio exilada desse campo. E, como tal, embora não fosse malvista nem perseguida, também não era promovida; ela ficava no ‘bas-fond’ do mundo das associações religiosas, quer dizer, na parte dos ignorados, dos não influentes dentro dessas associações.
Não quero fazer a mínima censura — porque isso estaria longe da boa doutrina — ao uso largo do sentimento como elemento da piedade. A minha ideia é essa: quantum potes tantum aude — quanto se possa tanto se ouse — utilizar o sentimento como elemento indispensável e complementar da piedade. Mas fazendo entender bem que sem o raciocínio iluminado pela Fé, sem a decisão firme e forte da vontade motivada por razões doutrinárias específicas e adequadas, o resto não está bem. E é exatamente neste ponto em que entramos em desacordo com essa concepção equivocada de devoção.
Cheguei a ouvir críticas a essa devoção no sentido de que o amor amolece, é uma espécie de ópio que anestesia as firmezas, as vitalidades da alma e, portanto, era preciso deixar de lado, para dar lugar ao raciocínio. Contra isto eu protesto com toda a força de minha alma. Mas que esteja ausente, ou fora do lugar que lhe é devido na hierarquia das coisas, a parte intelectiva e a volitiva, com isso não posso concordar de nenhum modo.
Quando Nosso Senhor deseja vencer pela misericórdia e quando pela punição?
Há outro aspecto importante a considerar na devoção ao Sagrado Coração de Jesus.
Quando Nosso Senhor disse a Santa Margarida Maria Alacoque “vencerei”, o tom que está presente objetivamente, não como uma elucubração, é o de que, em muitos casos, a misericórdia d’Ele chegará a tal extremo que vai tocar os mais miseráveis e os mais infames, e alcançará, por esta via, conversões fulgurantes. Portanto, a vitória é sobre os improváveis, os inimagináveis, por meio dessa misericórdia que vai até o fim, por onde Nosso Senhor venceu, por exemplo, o Bom Ladrão.
Uma questão muito bonita seria: quando é que Nosso Senhor deseja vencer pela misericórdia e quando Ele quer vencer pela punição?
Eu tive um manualzinho, um tratadinho de devoção ao Coração de Jesus, que comprei exclusivamente pelo seguinte: folheando, antes de comprar, vi que o título do primeiro capítulo era “As iras do Coração de Jesus”.
O capítulo sustentava a tese de que Nosso Senhor, tendo a natureza humana perfeita, não podia deixar de ter iras também. O livro indicava os episódios da vida de Jesus nos quais Ele manifestou essas iras. E concluía que uma devoção ao Coração irado de Jesus teria todo o cabimento teológico.
Mas eu não ouvi falar de um caso no mundo de devoção ao Coração irado de Jesus, que pedisse aos outros corações a ira santa tão necessária para bem conduzir o bom combate.
Vê-se nisso um combate à combatividade que, por silêncio e ablação, criavam um ambiente devocional falso. Ora, esse silêncio é próprio a despertar as iras do Coração de Jesus.
Como reparação por esses equívocos, poder-se-ia rezar, por exemplo, a seguinte jaculatória: “Ó Coração irado de Jesus, comunicai-me a vossa ira santa, de maneira a fazer de mim um competente batalhador por Vós.”
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 24/4/1994 e 22/1/995)