A propósito de um edificante ensinamento de São Francisco Xavier, Dr. Plinio responde a essa nevrálgica pergunta que muitos se fazem: a tentação é castigo, sinal de desagrado de Deus, ou favorece superiores desígnios d’Ele em relação ao homem?
Entre os preciosos escritos que nos deixou, ditados pela profunda sabedoria e senso apostólico que o distinguia, São Francisco Xavier assim se refere à luta contra as tentações, pela qual todos passamos em nossa vida espiritual: “O meio mais seguro para triunfar do inimigo é ter uma grande coragem, desconfiando de si mesmo e se apoiando em Deus, de sorte que, após ter colocado toda vossa esperança n’Ele, e só n’Ele, nada mais temereis e nem duvidareis da vitória.
“E como o demônio não tem poder senão sobre aqueles que Deus lhe permite, quanto mais seus assaltos são terríveis, mais é preciso redobrar de confiança na Divina Providência, porque Ela permite ao inimigo assaltar e atormentar só os seres fracos que n’Ela não confiam, que desdenham de se amparar n’Ela e colocam em outros as suas esperanças. É esta fraqueza que gangrena os corpos e faz com que tantas pessoas que começam a servir a Deus terminem por levar uma vida cheia de tristezas e angústias.”
Coexistência de fatores naturais e preternaturais
Para bem aproveitarmos esse pensamento de São Francisco Xavier, devemos antes de tudo considerar que a tentação pode ter causa natural ou preternatural (isto é, proveniente do demônio). Por exemplo, o impulso de se irritar contra alguém será talvez motivado por uma disposição natural, explicável se aquele faz algo que nos desagrada; inexplicável, se se tratar de uma mera suscetibilidade de nossa parte. Porém, esse ímpeto para se agastar pode ter uma causa preternatural se, de repente, somos tomados por um acesso de irritação, injustificável e insensato, em relação a uma pessoa que em nada nos incomodou.
Entretanto, cumpre notar que, nas tentações, os dois fatores habitualmente coexistem. Assim, ao sermos assaltados por um mau desejo de cunho natural, haverá um concurso do demônio, secundando-o. Por outro lado, quando nos assedia com sua ação maléfica, este último em geral cria ou explora uma circunstância natural, para então entrar com sua influência preternatural.
Duas categorias de tentações
Isso posto, as tentações podem ser classificadas pelo menos em duas categorias. Umas são tentações-castigos; outras serão apenas provações e até estímulos para progredirmos na vida espiritual. Esse ponto merece insistência, pois não é raro ouvirmos queixas como estas: “Ando tão mal que me sinto tentado a querer tal coisa péssima”. Ou: “A tentação é um castigo para os que não se comportam bem, e Deus me puniu com uma. Se estou tentado, é porque fiz alguma coisa errada”.
Importa compreender que esse raciocínio não se aplica a todos os casos de tentação.
Certo, quando alguém se deixa levar por determinada atitude espiritual ruim, abre o flanco para a investida do demônio. O próprio São Francisco Xavier nos cita exemplos dessas perigosas disposições de alma. Ele adverte as pessoas que não se dedicam nos serviços a elas confiados e que arrastam a obrigação preguiçosamente. Essa preguiça já constitui uma meia guarda desamparada para que o inimigo se apresente e as incite a abandonar o dever. Risco análogo corre o religioso que cumpre uma obediência cheio de cismas e de ressalvas interiores, mais ou menos arbitrárias. É óbvio que, de um momento para outro, será tentado pelo demônio a não seguir as ordens de seu superior. Em ambos os casos, a tentação pode ser vista como um castigo pela má predisposição de espírito dessas pessoas.
Contudo, muitas vezes é outra a razão de sermos tentados. Vamos muito bem na vida espiritual, e por isso mesmo Deus permite travarmos um combate com o adversário d’Ele, para que vençamos e alcancemos um incremento de glórias na nossa piedade.
Motivo para confiar em Deus
Em outras ocasiões, verificar-se-á o fato de não estarmos num bom momento espiritual, e Deus então dispõe que sejamos tentados para que a luta nos estimule a melhorar. Assim, muitas tentações são permitidas por Ele, pois constituem um verdadeiro tônico para os necessitados de incentivo.
Mais ainda. Na vida espiritual, o perigo consiste, não tanto em ser tentado, mas em não sofrer os ataques do demônio. Com efeito, não é sinal favorável que uma pessoa passe anos sem tentações, pois provavelmente será do número daquelas almas às quais o demônio logrou paralisar no caminho da perfeição. Elas se deixaram cair na modorra, na indolência e mediocridade, embora conservem um resto de consciência de seu estado lamentável: se forem tentadas, começam a se erguer e a reagir.
Por isso o demônio não as provoca, para que continuem a se decompor de modo imperceptível ao longo dos tempos. Por tudo quanto foi dito, vê-se que este raciocínio: “Estou tentado; logo, vou mal espiritualmente e estou sendo castigado”— é uma imensa simplificação, e mutila o panorama da nossa vida de piedade. Até mesmo para alguém que sofre tentações porque abriu o flanco ao demônio, a reação contra elas pode colocá-lo numa posição melhor do que antes das investidas diabólicas, humilhando e rechaçando o seu inimigo.
A tentação não nos deve, pois, levar ao desânimo ou ao semi-pânico, mas, como diz São Francisco Xavier, a um aumento de nossa confiança em Deus. Ainda que tenhamos sido culpados e, portanto, tentados por castigo, Deus continua sendo nosso Pai, e Maria Santíssima, nossa Mãe. Ela é o Refúgio dos Pecadores: qualquer um que tenha cometido uma falta e se refugie junto a Ela, recebe sua materna proteção, seu infalível auxílio e incansável assistência.
A oração da confiança
Nesse sentido, devemos ponderar muito as palavras magníficas do “Lembrai-Vos”, essa tocante oração atribuída a São Bernardo de Claraval, o Doutor Melífluo. Diz ela: “Lembrai-Vos ó Piíssima Virgem Maria, que nunca se ouviu dizer que algum daqueles que têm recorrido à vossa proteção, implorado vossa assistência e reclamado o vosso socorro fosse por Vós desamparado”.
Como se vê, nessa prece se fala de proteção, assistência e socorro. Proteção para evitar que cedamos às tentações; assistência, ou seja, auxílio em nossas dificuldades; socorro, quando estivermos periclitando e afundando.
Pois bem, nunca alguém que tenha pedido a Ela socorro, assistência e proteção, foi desamparado. Cumpre salientar que a palavra “nunca” é muito categórica: não houve um só caso de alguém que recorreu a Nossa Senhora e não foi atendido.
“Animado eu, pois, com igual confiança, a Vós, ó Virgem entre todas singular, como a Mãe recorro, de Vós me valho.” Quer dizer, “se Vós jamais deixastes de proteger alguém, aqui estou eu, homem batizado na Igreja Católica e filho vosso, que venho Vos pedir auxílio. Estou tentado, tive culpa na causa da tentação e, lamentavelmente, até cedi a ela. Mas, eu existo e vossa clemência me mantém nesta vida. Estando vivo, tenho o direito e o dever de Vos dirigir essa oração. Por isso me apresento diante de Vós, cheio de confiança”.
“E gemendo sob o peso dos meus pecados me prostro a vossos pés”. Note-se como essa expressão é animadora. Não está dito: “Eu, o inocente, o puro, o límpido, o homem sem mancha me dirijo a Vós e peço socorro. A minha inocência me dá garantias de vosso auxílio”. Não. Afirma-se o contrário: “Gemendo sob o peso dos meus pecados…”
Ou seja, tantas são as faltas cometidas que até me prostraram no chão. Acho-me deitado sob o peso delas. E, no solo, eles me oprimem de tal forma que me arrancam gemidos. Pois bem, amargando a dor dos meus pecados, eu venho para junto de Vós e me arrojo aos vossos pés”.
“Não desprezeis as minhas súplicas, ó Mãe do Verbo de Deus humanado, mas dignai-Vos de as ouvir propícia e de me alcançar o que Vos rogo. Assim seja”. O pensamento não podia ser mais belo. O pecador pede à Santíssima Virgem que o ouça com benignidade, com bondade, pois espera da parte d’Ela um sorriso, e que lhe alcance a graça implorada.
É a oração da confiança. Qualquer alma, em qualquer estado ou situação em que se encontre, sobretudo nas tentações e na tibieza, deve se voltar para Nossa Senhora e dizer: “Rogo-Vos a vossa assistência; tende pena de mim e auxiliai-me”.
E o raciocínio que justifica essa confiança é simplíssimo: “Vós nunca abandonastes alguém. Ora, eu sou alguém. Logo, Vós não me abandonareis”. Não podia ser mais lógico, mais concludente, mais convincente, mais singelo na sua esquematização e mais irresistível.
Um raciocínio expresso numa linguagem de fogo e muito bela, como é a de São Bernardo, mas encerrando um verdadeiro conteúdo teológico: “Nossa Senhora é Mãe de cada homem; portanto, não e abandonará”.
Voltamos, então, ao ensinamento de São Francisco Xavier. Ele nos deixa claro que a alma tentada deve, mais do que tudo, confiar, rezar e não ter medo. E não só nas horas das tentações, mas em todas as dificuldades, grandes ou pequenas, da vida espiritual ou da nossa existência quotidiana, devemos sempre cultivar essa firme confiança no auxílio de Maria Santíssima, nossa Mãe e onipotente intercessora junto ao Sagrado Coração de Jesus.
Plinio Corrêa de Oliveira