Na história da cristandade ocidental, cada nação tem seu papel único e incomparável, concorrendo para a grandiosa soma de valores morais, de riquezas culturais e de belezas terrenas que caracterizam a civilização nascida sob a égide da Santa Igreja Católica.
Entretanto, não há quem negue que, neste imenso concerto de tradições e esplendores, um povo sobressai pelo requinte ao qual levou as qualidades de seu espírito e as maravilhas por ele engendradas. Estamos falando do povo francês.
Claro que o mundo seria terrivelmente monótono e enfadonho se nele existisse apenas a França. Mais ainda: a França mesma empalideceria por falta de inspiração. Ela como que haure o melhor da seiva dos países vizinhos para constituir essa espécie de miscelânea super quintessenciada que é a nação gaulesa. Ela vive dos arredores, do que absorve deles, é a corola dessa flor cujas pétalas são a Alemanha, a Itália, a Espanha, a Inglaterra…
A França é assim a rainha dos amálgamas, que teve seu espírito elaborado desde os remotos tempos de Cluny, a célebre abadia beneditina de onde partiram as primeiras luzes da cristandade medieval. Esse espírito, essa conjunção harmônica das qualidades dos outros povos, resultante numa síntese de perfeições que os demais não possuem, é uma das maiores glórias francesas. Conjunto que não é cópia nem repetição, mas um auge de originalidade que reluz em diversas e magníficas facetas.
Tome-se, por exemplo, a culinária francesa. Cada prato, até o mais simples, é um poema, e cada porção precisa ser entendida e filosofada. Um conhecedor o degusta e presta atenção nos sucessivos sabores que dele se desenrolam como um filme, nas várias etapas da consumação. Isso exige uma tal observação que não se pode nem comer muito, nem depressa. Só se deve fazer uma coisa, que aumenta ainda mais o sabor do prato: é prová-lo enquanto se conversa com um francês…
Pois, além de mestres na culinária, são-no igualmente na arte da conversação. Eles têm a prosa condimentada para as mais variadas refeições e para cada parte delas: ora leves e graciosas; ora salgadas, ardilosas, com ditos chispantes que saem entre a fruta e o queijo, já no fim do repasto.
Ora, ainda, altamente intelectualizada, sem perder a leveza e a graça, coroando a comida, que é sempre equilibrada, sempre um convite à temperança e à reflexão. Pratos que são verdadeiras obras-primas, para a vista e para o paladar.
Suavidade e elegância que se repetem em todo o “savoir-vivre” francês, no de hoje como no de outrora, notadamente naquele período tão brilhante da história desse povo que foi o “Ancien Régime”, nos séculos XVII e XVIII. A França era então a maior potência militar da Europa, e seu exército, o mais vitorioso e respeitado.
Pois bem, um fidalgo militar que havia 15 dias estava participando de cargas de cavalaria em algum campo de batalha, e dali a outros 15 dias enfrentaria novos combates, entre duas guerras retornava à corte e ia dançar em Versalhes uma pavana ou um minueto…
Era a hora da gentileza, da graça, da amabilidade, da reverência profunda, dos gestos distintos que aprendiam desde pequenos. E se acostumavam a dançar para adquirir boas maneiras, porque a dança era calculada de tal forma que, quando o homem a aprendesse, saberia fazer com categoria todos os atos da vida.
Desse “savoir-vivre” destilou-se também a brilhante diplomacia francesa, tão rica em charmes, gentilezas, formas de organizar recepções, e até mesmo em modos de obter informações perto dos quais a espionagem comum parece pífia. Mais do que métodos para descobrir segredos, têm eles um superior olhômetro, uma percepção especial que lhes permite captar as finuras e as segundas intenções de documentos ou de conversas sobre os interesses da sua nação. É outro efeito do gênio francês, que alcança com sobriedade de meios e esplendor de resultados, na graça e na elegância, o que os outros obtêm por sistemas diversos. Quer dizer, é leve, delicado, eficiente. E tudo termina uma pirueta e numa vitória.
Enquanto para alguns de seus vizinhos o ápice da atitude está na discrição e na valorização do silêncio, para o estilo francês mais vale se mostrar. É um povo feito de expansão,de manifestação de si próprio. Quando chega a algum lugar, o francês não se acanha, não se intimida, fala e ri, procura as pessoas, cumprimenta-as, e se compraz em mexer com todos.
Se assim não procedesse, julgaria estar sendo deselegante, faltando com o dever da sociabilidade. Esse mesmo desejo de se manifestar aparece nas suas paisagens e monumentos. Para o francês, belos são os grandes panoramas. E por isso constroem tantos e tão esplêndidos cenários. São vastos parques, com imensos canteiros, fontes e cascatas, extensos jardins, castelos espetaculares, feéricos, que se desdobram formando arquiteturas proporcionadas e elegantes. É um Versalhes, com suas alamedas e jatos dágua, imponente e majestoso. Versalhes não foi feito para ser visto nas brumas em que, por exemplo, os edifícios ingleses dão toda a sua beleza. Ele tem de ser contemplado resplandecente, cintilando à plena luz do sol…
Assim é o espírito francês, soma harmônica das qualidades de todos os outros povos, síntese de maravilhas, precioso fruto da civilização cristã.
Plinio Corrêa de Oliveira