Na véspera de conduzir seus discípulos a uma histórica demonstração de Fé e catolicidade pelas ruas de São Paulo, Dr. Plinio procura avivar em suas almas as chamas do amor de Deus, comentando-lhes alguns expressivos episódios da vida de Santa Clara de Assis, modelo heroico de entrega e devoção ao serviço divino.
No dia 12 de agosto, após termos celebrado a festa de Santa Clara de Assis, nosso movimento realizará, sob o patrocínio dessa insigne contemplativa, um grande cortejo pelas ruas de São Paulo. Parece-me de assinalada beleza que algo tão ativo se efetue sob o signo de tão intensa contemplação.
Encontro com São Francisco
Consideremos, portanto, alguns aspectos e episódios mais significativos da vida dessa admirável santa, baseados numa biografia escrita por Dom Guéranger em sua obra “L’Anné Liturgique”. Discorrendo sobre a conversão de Clara, aponta o autor:
Quando São Francisco pregava em Assis, na igreja de São Jorge, uma jovem de nobre família tinha resolvido ir com sua mãe e sua irmã para ouvir uma das suas instruções. Clara ouviu palavras de amor ardente, contemplou a fisionomia transfigurada de São Francisco e desde este momento o escolheu como guia de sua alma. Ela confiou seu desígnio a uma tia e com ela foi a Santa Maria dos Anjos. Quem poderia dizer o que se passou na alma do pai Seráfico, nesta primeira entrevista com aquela que deveria ser sua auxiliar na obra que o Céu lhe confiou?
Com efeito, Santa Clara, juntamente com São Francisco de Assis, fundou o ramo feminino da Ordem franciscana cujas freiras, em homenagem a ela, são chamadas de clarissas.
Inteira consagração ao serviço divino
Prossegue o biógrafo:
São Francisco desvendou a Clara as belezas do Esposo Celeste, a excelência da virgindade. Em seguida, a entreteve com tudo aquilo que tinha de mais caro no coração: o poder e os encantos da pobreza e a necessidade da penitência. Surpresa, enlevada, Clara o ouviu e atendeu ao chamado divino em sua alma. Em pouco tempo a sua deliberação estava fixada: ela quebrará todos os vínculos que a unem à terra e se consagrará a Deus.
Ou seja, depois de se converter, Santa Clara se consagra inteiramente a Nosso Senhor. Vejamos agora como isso se fez.
Na noite de Domingo de Ramos do ano 1212, ela deixou furtivamente a casa paterna e, em companhia de algumas amigas íntimas, tomou o caminho de Santa Maria dos Anjos. Francisco e alguns frades foram ao encontro delas com tochas nas mãos e as introduziram no santuário de Maria. Foi ali, no meio da noite, que se passou a cena dos desponsórios espirituais de Santa Clara. Francisco lhe perguntou o que ela queria e a santa respondeu: “O Deus do Presépio e do Calvário. Eu não quero outro tesouro nem outra herança”. Enquanto Francisco lhe cortava os cabelos, ela depositou tudo quanto tinha de precioso — suas jóias, seus ornamentos — e recebeu o hábito e o véu grosseiros, a corda, e se consagrou a Deus para todo o sempre.
Cena esplendorosa
Devemos considerar o esplendoroso da cena. Na pequena cidade de Assis forma-se um cortejo de moças que, movidas pela graça do chamado divino, abandonam o império das famílias que lhes queriam longe dessa vida de penitência. Andam pelas ruas tortuosas de Assis, a passos lentos para não despertar a atenção alheia. Saem do perímetro da cidade e, no campo, entre Assis e o pequeno convento de Santa Maria dos Anjos, encontram um outro cortejo, ainda mais celeste que o delas, encabeçado pelo próprio São Francisco. Este era um outro Cristo na Terra, pois, além de um dia ser tocado por chagas nos mesmos lugares em que Jesus foi ferido, aparentava até semelhança fisionômica com Nosso Senhor.
Então, com alguns dos santos que o ajudaram a fundar sua obra, São Francisco sai de encontro a Clara e suas amigas, à luz de tochas que eles portam nas mãos. Os dois séquitos se unem e se dirigem à igreja de Nossa Senhora onde, no silêncio da noite, com as portas provavelmente fechadas, Santa Clara renuncia ao mundo e se consagra a Deus. Como simbólica afirmação dessa entrega, deixa que São Francisco lhe corte os cabelos e dá assim o passo definitivo do qual nascerá a Ordem das Franciscanas, cujos frutos renderam e ainda renderão glória a Deus de tantas formas e tantos modos.
Colateralmente faço notar a necessidade de medirmos o genuíno valor das coisas santas e católicas, como o da cena acima descrita, para fazermos o confronto com a profunda decadência na qual o mundo vai imergindo, tornando-se indiferente a essas maravilhas.
Numa cena repassada de beleza, Santa Clara e suas companheiras se encontram com São Francisco e seus frades nos arredores de Assis, e todos se dirigem ao pequeno convento onde ela se consagraria para sempre ao serviço de Deus
Seguir o exemplo da consagração de Santa Clara
Será, talvez, a grande lição a colhermos desse lindo episódio da vida de Santa Clara. Pode-se dizer que valeria a pena ter nascido apenas para, neste momento, constatarmos a decadência religiosa e moral em que vamos soçobrando, sentirmos a alma dilacerada de dor, pulsando de indignação face a esse declínio, e tomar a deliberação de devotar a vida inteira para impedir que tal decadência continue a prejudicar as almas. Dessa forma estaremos fazendo uma consagração semelhante à de Santa Clara, que deixou tudo para entrar no convento.
Se a crise do homem contemporâneo nos é indiferente, e julgamos mais importante a “vidinha” de todos os dias, o ter um automóvel novo, uma vistosa roupa, um bom colchão de molas, o sucesso na profissão, etc., então é o caso de perguntar onde está nossa Fé, nosso amor a Deus sobre todas as coisas.
Uma afirmação de Fé
Nesse sentido, volto a lembrar do desfile que nosso movimento realizará no centro de São Paulo. Mais do que uma comemoração pelo êxito do abaixo-assinado contra o divórcio, será uma afirmação de nossa Fé, de nossa convicção dos princípios católicos que abraçamos e sustentamos, a afirmação de que desejamos, antes de tu-do, ser autenticamente filhos da Santa Igreja.
Não deverá ser um mero espetáculo, mas um propósito firmado diante de Deus, de Nossa Senhora, dos anjos e santos, de todos os membros do movimento que ali es-tiverem, um propósito de viver fundamentalmente para glorificar a Igreja. E nada mais. Se alguém morrer depois de ter feito esse propósito de modo sério, teria ganho sua existência, pois valeria a pena ter nascido para tal.
Incalculável importância da vida interior
Também a esse propósito convém recordar outro fato conhecido da vida de Santa Clara, quando ela pôs em fuga os sarracenos que sitiavam o seu mosteiro, avançando para eles com o santo cibório na mão. Mais uma cena de extraordinária beleza: esta virgem consagrada a Deus que não recua diante do invasor e o enfrenta, segurando a âmbula repleta de partículas consagradas. Diante dela, ostensório vivo que leva o Santíssimo Sacramento nas mãos, os agressores recuam e fogem.
Outra admirável lição para nós. Normalmente, a Providência quer que procuremos os meios materiais para enfrentar e derrotar os adversários da Igreja. Porém, quando esses meios faltam, não devemos julgar que Deus nos abandonou. Pelo contrário, Ele nos prepara para recebermos suas melhores graças, a fim de compreendermos como esses meios são secundários. Santa Clara não precisou de exércitos nem de armas para repelir o inimigo às suas portas.
Portanto, uma alma que faça um autêntico ato de generosidade interior, renunciando a si mesmo e rumando para sua santificação, poderá realizar maior bem para a causa católica do que, por exemplo, todo o nosso cortejo desse dia 12 de agosto o qual, entretanto, com a ajuda de Maria Santíssima, há de ser um grande feito.
Vemos, assim, o valor incalculável da vida interior.
Peçamos, então, a Nossa Senhora, Rainha do Céu e da Terra, que, a rogos de Santa Clara de Assis, cumule nossas almas dessas resoluções, dessas considerações, bem como desse espírito de consagração e de entrega ao serviço divino.
Plinio Corrêa de Oliveira