Mais uma vez, Senhor, a Cristandade se apresta a Vos venerar na manjedoura de Belém, sob a cintilação da estrela, ou sob a luz ainda mais clara e fulgente dos olhos maternais e doces de Maria. A vosso lado está São José, tão absorto em Vos contemplar que parece nem sequer perceber os animais que Vos rodeiam, e os coros de Anjos que rasgaram as nuvens e cantam, bem visíveis, no mais alto dos Céus”.
Eis pequeno trecho de uma meditação de Dr. Plinio, em noite de Natal, diante do presépio, que o encontrava pela capacidade de reviver algo daquela atmosfera indizível reinante na gruta de Belém. O primeiro presépio da história foi obra de um refulgente santo, há quase oito séculos. Conta Tomás de Celano — o biógrafo do seráfico São Francisco de Assis, e seu contemporâneo — que este, no Natal do ano da graça de 1223, desejou compor do modo mais real possível a cena vista pelos pastores na Gruta de Belém.
Com seu espírito poético, voltado para o maravilhoso, sua candura e humildade, preparou uma manjedoura coberta com feno e mandou colocar de um lado um boi, e de outro um asno. Fez celebrar nesse local a Missa e, observando a cena, dirigiu-se aos assistentes, descrevendo com palavras ardentes de piedade e amor o nascimento do Homem-Deus.
A partir desse fato, difundiu-se por toda a Cristandade o costume de montar presépios por ocasião do Natal. Ativando a imaginação de pequenos e adultos, eles são ocasião de incontáveis flashes — ara utilizarmos um termo pliniano —, proporcionando-nos algumas das mais inesquecíveis horas de nossa vida.
Considerando esse quadro, quantas e quantas vezes Dr. Plinio elevou suas cogitações até aquele convívio inefável da Sagrada Família, nunca se esquecendo de recordar que essa sublime cena nos cobra uma determinada disposição de espírito: “Não basta que nos inclinemos ante Jesus Menino, ao som dos hinos litúrgicos, em uníssono com a alegria do povo fiel. É necessário que cuidemos cada qual de nossa própria reforma, e da reforma do próximo, para que a crise contemporânea tenha solução, para que a luz que brilha no presépio recobre campo livre para sua irradiação em todo o mundo”.
Contudo, Dr. Plinio destacava igualmente que, nesse dia bendito, Jesus e Maria querem especialmente de nós que nos deixemos impregnar pela doce e benigna atmosfera do acontecimento grandioso: “Deus, ei-Lo exorável e ao nosso alcance, feito homem como nós, tendo junto de Si a Mãe perfeita. Mãe d’Ele, mas também nossa. […] Ao contemplar isso, nossas almas crispadas se distendem. Nossos egoísmos se desarmam.
A paz penetra em nós e em torno de nós. Sentimos que em nosso vizinho algo também está enobrecido e dulcificado. Florescem os dons de alma. O dom do afeto. O dom do perdão. E, como símbolo, a oferta delicada e desinteressada de algum presente”.*
Nessa ocasião do mais augusto de todos os aniversários, aproximemo-nos do presépio e, silenciosos e recolhidos, deixemos que nossas almas sejam inundadas por essa paz luminosa do santo Natal.
* Os trechos acima transcritos foram publicados respectivamente em Legionário, 22/12/46; Catolicismo, dez/52; Folha de S. Paulo, 27/12/70.
Plinio Corrêa de Oliveira