“Quem não viu Sevilha, não viu maravilha”, afirma o conhecido dito popular. E eu tive a oportunidade de comprová-lo pessoalmente.
A cidade é marcada pela presença do Hotel Alfonso XIII, numa linda praça pública, porém não é o seu edifício mais imponente. Antes dele, ergue-se a bela catedral com a famosa Torre da Giralda, reminiscência do estilo mourisco e de um esplendor extraordinário.
Igualmente célebre, levanta-se ali perto a Torre do Ouro, que desde menino me encantara, quando eu folheava as páginas da enciclopédia ilustrada Larousse e, no verbete “Sevilha”, o S inicial aparecia incrustado numa vinheta desse monumento. Uma torre octogonal, às margens do Rio Gualdaquivir, cuja vista me fez recordar aqueles entusiasmos infantis com os quais a admirava num evocativo desenho.
Entretanto, o que me cativou em Sevilha não foram apenas essas construções magníficas, mas também — e quiçá com maior intensidade — o perceber na cidade uma população sobremodo inteligente, de espírito muito variado, capaz de se mover em todas as direções à maneira do ágil espírito brasileiro. E, por isso mesmo, dados a conjugarem com facilidade aspectos e conceitos diversos, tirando deles uma síntese da qual resultava uma composição maior entre a Espanha católica e seu passado mozárabe. Sevilha é, de fato, profundamente católica.
Uma de suas belezas próprias colhe o visitante, de modo particular, quando se passeia pelo bairro velho da cidade, onde aspectos do passado ainda dominam, junto com uma forma de pobreza-riqueza pouco habitual para pessoas que habitam grandes centros urbanos.
Trata-se de um bairro constituído de casas no máximo com dois pavimentos e com ruas muito estreitas, cujo charme está precisamente no fato de não serem retilíneas. Entortam-se e caminham em ziguezagues não calculados, dão “vueltas y vuelteretas” as mais surpreendentes, inesperadas, e desembocam onde não se imagina. Nada possuem de comum com as largas e previsíveis avenidas cosmopolitas. As ruas sevilhanas serpeiam e, a todo momento, topa-se com uma esquina.
Por vezes aparece um cruzamento, e a ruazinha em que vamos dobra-se tanto que já não se sabe qual a nossa, qual a outra, não fossem as placas pitorescas que nos indicam a continuação do caminho desejado. Em tudo, até mesmo nas ruas, paira portanto um certo ar de reserva e de mistério que aumenta nossa admiração.
Curioso notar que, apesar de o espanhol ser tão expansivo, mormente o andaluz — Sevilha está na Andaluzia — a cidade não é nada ruidosa. As casas se conservam em discretos recolhimentos: batidas de sol, as janelas se acham semi-fechadas, veladas por cortinados leves, deixando o interior imerso numa suave penumbra. E a gente percebe, por detrás das venezianas e dos voiles, grandes olhos pretos, alertas, vivos, perspicazes, emoldurados por grossas e escuras sobrancelhas, que observam e acompanham o visitante em seus passos pela rua sinuosa. Como se quisessem avisar ao vizinho do lado ou da frente: “Lá vai o estrangeiro!”
Na verdade, a fachada da casa sevilhana não é a sua parte importante, como se a concebe na maioria das cidades contemporâneas. Ela é quase o fundo da moradia, pois a existência naquelas habitações transcorre, sobretudo, nos seus pátios internos, para os quais abrem-se as melhores salas, os quartos, as varandas, e é todo um eixo vital que cruza por eles. A ideia é de se subtrair às indiscrições dos turistas, dos que não são da família. Daí as janelas e portas voltadas para dentro, à maneira de um claustro.
Peculiaridades e encantos dessa Sevilha: quem não a viu, não viu maravilha…
Plinio Corrêa de Oliveira