A oração tudo vence

Se alguém entre vós está triste, reze!”, dizia o Apóstolo São Tiago em sua epístola (Tg 5, 13). Tudo podemos obter através da oração. Dr. Plinio, acerca de um belo fato descrito por Louis Veuillot, nos mostrará quão importante é termos uma vida cheia de piedade e de confiança na bondade de Nossa Senhora e de seu Divino Filho.

 

Com seu atraente e luminoso estilo, Louis Veuillot(1) escreveu o livro “Parfum de Rome”, onde reúne notas sobre uma de suas viagens à Cidade Eterna,  que até 1870 esteve sob o poder temporal do Papado.

Diário de uma alma em busca da virtude

Nessa obra lemos este trecho, muito bonito, por diversas vezes objeto de meus comentários:

“Num quarteirão deserto, nos muros de uma igreja, Enrico (é o próprio Veuillot), copiou e traduziu para mim as inscrições seguintes, traçadas a lápis por uma mão firme e exercitada [portanto, é um anônimo que escrevia isto]: ‘No dia 14 de setembro eu me encontro com má saúde por minha culpa, pela inquietação e pela desobediência. A partir deste momento, onze horas da manhã, decidi, com a ajuda de Deus e de Maria Santíssima, não mais me atormentar, e recuperar a verdadeira paz. São José, rogai por nós. Um mês depois: 14 de outubro. Até este momento ainda não consegui, ou melhor, não obtive o que escrevi no dia 14 de setembro, mas agora decidi fazer tudo.”

Sabemos que, nos primórdios de nossa vida espiritual, geralmente sucede isto: tomamos uma decisão e nos convertemos. Após um mês, fazemos exame de consciência e verificamos que quase nada progredimos. Então resolvemos cumprir todos os propósitos estabelecidos anteriormente, como manifestou a pessoa à qual o texto se refere.

“Dia 15 de novembro: renovo tudo aquilo que prometi, a fim de chegar a executá-lo. Dia 23 de novembro: falhei, mas prometi a mim mesmo, com toda a alma, de executar. Dia 28 de novembro: decidi ser bom. Dia 31 de dezembro: quero obedecer sempre, para agradar Maria Santíssima até a morte. 28 de janeiro: não há mais inquietação, por amor a Maria Santíssima, e renovo hoje aquilo que tinha deliberado no dia 1º de janeiro. Dia 1º de março: Não. As inquietações cessaram. Dia 29 de março: Não mais me atormentar, não mais pecar.

Nas duas últimas datas, a inscrição está rodeada de um desenho que representa duas palmas formando uma cruz. Devo confessar que estas declarações, feitas ingenuamente por uma alma provada e enfim vitoriosa, não me tocaram menos do que se eu as tivesse lido nas catacumbas, das quais elas parecem ter o perfume…”

O mesmo admirável aroma dos primeiros martírios

É deveras bonito o comentário de Veuillot, cujo trecho nos leva a admirar o triunfo da graça. Pois trata-se de uma alma que em diversas oportunidades firmou boas resoluções, sem lograr mantê-las. Em seguida, renovava os bons propósitos e tinha novas quedas. Afinal, à força de rezar — era uma pessoa piedosa, ciente de que sem o auxílio divino, implorado com perseverança,  nada alcançaria — obtém o que tanto almejava. Depois de muito tempo e de vários insucessos, conquistou a vitória na sua vida espiritual.

Era uma alma perseguida por inquietações (talvez escrúpulos, ou alguma má inclinação à qual ela dava consentimento) e até revoltada, porque não obedecia a uma certa autoridade cujas determinações deveria acatar. Após as recaídas, e à custa de orações, acabou chegando um determinado momento em que ela pôde dizer-se obediente, pacífica e tranquila. Então, com o senso artístico peculiar ao italiano, adornou com duas palmas as datas que representavam a sua vitória.

Considerando que essas notas traduzem uma situação comum em qualquer trajetória espiritual, somos levados a perguntar porque a pessoa em questão resolveu gravá-las nos muros de uma igreja. Certamente porque foi o lugar onde recebeu uma graça particular, e onde, a horas furtivas, vinha inscrever na pedra do templo a sua confissão a Deus. Essa alma traçou ali seu diário, por desígnios da Providência, a fim de que fosse copiado e analisado por Louis Veuillot. E é este comentário do grande literato que nos interessa.

Diz ele que o fato era digno de estar escrito na parede de uma catacumba romana, pois tem o perfume dela. Ora, isso nos mostra o caráter perene da Igreja; revela-nos como, nas condições da vida hodierna, é possível repetir toda a glória do seu remoto passado. Com efeito, uma alma fiel que luta contra suas próprias misérias e que, apesar das infidelidades, roga constantemente o socorro de Nossa Senhora, para se ver resgatada de suas faltas e livre do império delas — essa alma realiza algo tão belo quanto o cristão que enfrentava no Coliseu, ou em outra arena, os leões e os tormentos do martírio.

Realmente, para quem conhece o valor das coisas espirituais, a seriedade e o desejo de cumprir o dever, o saber se humilhar quando se cai, decidir levantar-se de novo e confiar na misericórdia de Maria, possui um perfume admirável.  É o bom odor do sofrimento humano suportado com fé. No episódio descrito por Veuillot se percebe a alma sofredora que se dilacerou para conseguir a fidelidade aos seus propósitos. Ela teve uma fé que move as montanhas, e finalmente alcançou seu objetivo.

Ora, esse torcer e sangrar da alma para cumprir seu dever é uma forma de imolação que tem o aroma de todos os martírios. Quiçá não ateste o heroísmo num grau análogo ao daqueles cristãos sacrificados nos circos romanos. Porém, basta manifestar um certo sentido de heroísmo para exalar algo do perfume das catacumbas, todo feito do espírito de epopeia dos primitivos católicos que as frequentavam.

Orar sempre, orar muito, sem desânimo

Cumpre colhermos dessas considerações uma aplicação para a nossa vida espiritual. E será compreendermos que jamais devemos desanimar quando não conseguimos observar os bons propósitos que fazemos. Ainda que tenhamos insucessos, é necessário rezar, confiar e orar mais, porque à força de pedir, o Céu se abrirá para nós. Os que imploram com insistência a graça de praticar a virtude, por débeis que sejam, pertencem por excelência à categoria daqueles aos quais Nosso Senhor recomendou: “Batei e abrir-se-vos-á; pedi e dar-se-vos-á”.  Quer dizer, é uma glorificação da prece como meio eficaz para o homem obter aquilo que, pelo seu próprio recurso, não alcançaria.

Alguém poderá dizer: “As minhas orações valem pouco”.

Eu respondo: então reze muito. Pois se possuo apenas algumas moedas para adquirir uma joia bastante valiosa, é-me necessário reunir uma grande quantia para comprá-la. Assim também, se julgo que minhas orações valem pouco, à força de acumulá-las, seu peso há de crescer. Se considero meu Rosário insuficiente, recitarei dois. E se não tenho tempo para os dois, direi um Rosário e uma Ave-maria. Como quer que seja, rezarei o mais possível, e essa persistência acabará por me alcançar do Céu a graça desejada.

A esse respeito, não posso deixar de mencionar, uma vez mais, a célebre parábola de Nosso Senhor no Evangelho. É noite, e um homem já se encontra deitado com seus filhos, para dormir. Em certo momento, o vizinho lhe bate à porta, rogando-lhe um pedaço de pão.

— Chegaram hóspedes inesperados, e não tenho o que lhes servir — disse-lhe.

E o primeiro respondeu:

— Não posso atendê-lo, pois estou deitado com todos os meus filhos.

O vizinho continuou a bater e a insistir, até que o dono da casa lhe gritou:

— Não é por amizade, mas para me ver livre da sua amolação é que vou me levantar e lhe dar o pão.

Com essa parábola Nosso Senhor nos oferece o seguinte ensinamento: “Sede assim em vossas orações”. É como se Deus acabasse dizendo a cada um de nós: “Este é muito cacete. Vou atendê-lo”.

Tenhamos, pois, a excelsa virtude da caceteação. Saibamos ser importunos e pedir, pedir e pedir outra vez. No pedido mil e um obteremos mais do que suplicamos. Ganharemos uma paga imensamente grande.

Essa circunstância se dá de um modo ou de outro na vida de todos os homens, mesmo na daqueles que se acham adiantados na prática da virtude. Para galgarem um patamar ainda mais elevado nas vias do bem, é necessário rogar muito. Então peçamos, lembrando-nos desse diário visto por Louis Veuillot em Roma. A oração acaba vencendo tudo.

Uma palavra final. Se alguém estiver desanimado, desacoroçoado, julgando infrutíferas suas preces porque nada conseguem, dou-lhe este conselho: tome o Rosário, reze-o e nunca o abandone. Quando não puder recitá-lo, segure-o na mão e este gesto valerá por uma prece. Se possível, tenha em casa uma lamparina acesa constantemente junto a uma imagem de Nossa Senhora, e diga à Santíssima Virgem:

“Minha mãe, sou tão dissipado que não consigo rezar. Mas, quando olhardes para esta lamparina, lembrai-Vos de que eu quereria estar rezando. Ao menos este desejo subconsciente me acompanha a vida inteira”.

Portanto, dirijamo-nos a Maria Santíssima em todas as ocasiões. Certo estou de que, se Ela demorar em nos atender, é porque nos reserva um dom imensamente valioso, muito maior do que podemos imaginar.

Plinio Corrêa de Oliveira

1 ) Louis Veuillot (1813-1883), jornalista católico francês, que defendeu com brilho a infalibilidade do Papa.

 

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