O universo e a ordenação da alma humana

Ao recordar como sua alma de menino foi se abrindo para a compreensão da ordem posta por Deus na criação, tendo o homem como seu elemento central, Dr. Plinio refuta a ideia — latente em muitas correntes de pensamento atual — do “universo fechado”, no qual o Criador não interviria, ausentando-se dele, quase como um estranho…

 

Em geral se toma contato nos cursos secundários com a ideia de que o universo no qual existe o planeta Terra em que vivemos, e os corpos celestes que gravitam em torno dele, é ordenado de modo a formar um todo. Essa noção é verdadeira.

Um erro freqüente: “o universo é fechado”

Porém, não raro se introduz um equívoco nessa concepção, ao se afirmar que esse todo é regido única e exclusivamente pelas leis da ciência, e quem as conhecesse, saberia tudo a respeito do universo. Ou seja, tratar-se-ia de um todo fechado, onde nunca penetra a influência nem a ação de seres extrínsecos — portanto, dos anjos e de Deus Nosso Senhor.

Segundo essa visão, o Altíssimo teria criado o universo, atirando-o depois no espaço, estabelecendo para ele determinadas leis. Deus foi o motor primeiro que fez com que todo o universo começasse a se mover, conforme a ordenação divina. Em seguida, o Criador se retira do panorama e não mais intervém. Cabe então às ciências descreverem as leis que Ele comunicou à criação.

E essas leis são tais que, se Deus e os anjos não existissem, a marcha e a ordem do universo continuariam as mesmas. Assim, sempre conforme essa concepção errônea, parafraseando um dito italiano, “Deus é uma coisa com a qual ou sem a qual, o mundo vai tal e qual”…

Não creio que algum professor tenha defendido explicitamente esse erro, mas ao lecionar suas matérias, fazem-no como se aceitassem e propugnassem essa ideia errada. Donde quase nunca uma pergunta de Ciências Naturais ou de História, por exemplo, chegar até Deus. E se surge uma notícia da interferência divina por meio de um milagre ou de uma ação extraordinária, ela é considerada alheia a qualquer aula, mesmo de Religião, pois não se é obrigado a crer — como se se tratasse de um dogma — que tal fato foi miraculoso.

Aliás, já no meu tempo de aluno, a “máquina” de ensino não considerava qualquer referência a Lourdes, embora se pudesse provar que os milagres ali operados eram autênticos.

Outro ponto. Na batalha de Lepanto deu-se um grande milagre em favor da armada cristã. Se um professor muito católico tratasse desse episódio, diria: “Terminado o confronto, consta terem os soldados comentado entre si que, no fragor dos acontecimentos, Nossa Senhora lhes apareceu”. Consta, porque a História não pode registrar uma aparição como um fato verídico, pois é matéria religiosa.

Em suma, o mundo é fechado. Deus o criou e depois as leis da ciência o explicam. E episódios da própria história da Igreja são por muitos considerados sob esse ângulo. Por exemplo, nas vésperas da batalha de Ponte Mílvia, Constantino viu no céu uma Cruz envolta pelos dizeres (que, aliás, durante algum tempo figuraram no brasão do Brasil imperial): “In hoc signo vinces” — Com este sinal vencerás! Ora, se narrarem a história de Constantino, escreverão: “Durante um sonho ele viu tal coisa”. O fato foi autêntico ou não? Não explicam e fica-se no terreno dos sonhos e da irrealidade.

A Fé, um “rationabile obsequium”

Cumpre salientar que uma adequada explanação desse tema é de grande alcance para a formação católica, pois relegá-lo a uma espécie de meio-silêncio, habitua as pessoas a terem dúvidas a respeito da verdade religiosa, leva-as a uma diminuição da fé e das certezas absolutas. Ora, os fatos a que me referi ocorreram para favorecer as certezas da Fé. Esta se adquire mediante a adesão ao que está revelado por Deus no Antigo e no Novo Testamentos e é ensinado pela Igreja. São Paulo qualifica a Fé de “rationabile obsequium” (Rm 12, 1), ou seja, uma homenagem, um obséquio da razão que, analisando os motivos, crê.

Pelas demonstrações filosóficas e pelos milagres, Deus nos oferece um imenso acervo de razão para se crer, e Ele quer que a nossa maior certeza na vida seja a Fé, a ponto de chegarmos a dizer: “Tudo bem pensado e maturado, a certeza de que a Igreja Católica é a verdadeira vem a ser mais plena do que a própria evidência”. Se eu utilizar bem as regras do raciocínio, convenço-me da existência de Deus e de seus predicados, da eternidade, santidade, de que a Revelação é autêntica e, portanto, de que há uma Igreja infalível, pois Nosso Senhor Jesus Cristo o revelou. Se isso não é assim, o raciocinar humano está errado.

 Não creem porque não querem mudar de vida

Contudo, poder-se-ia objetar: por que algumas pessoas raciocinam e não chegam a essas conclusões?

Tal sucede, não em virtude de uma lógica errada, e sim porque se acham de má fé e rejeitam a influência da graça divina que as iluminaria para chegarem às conclusões acertadas. No fundo, julgam penoso admitir que a Igreja Católica é verdadeira, pois são obrigadas a cumprir uma série de mandamentos — para elas — desagradáveis. Portanto, não creem porque não querem mudar de vida.

Ora, para se provar a existência de Deus e a divindade da Igreja Católica, bastaria considerar o universo.

A ordem humana necessita de uma Igreja infalível

A esse propósito, recordo-me de quando era menino, e ouvia pessoas comentarem ao contemplar um céu estrelado: “Que coisa linda! Vejam como tudo está bem organizado!”, etc. E na medida que era possível ao intelecto de uma criança formular considerações dessa natureza, no meu espírito infantil vinha o seguinte pensamento: “Essa ordem no firmamento é realmente bela; mas, neste nosso mundo, onde está a organização? Em geral, cada pessoa se acha em desacordo com outra. E se, de fato, salvo nas vias da graça, não se consegue convencer ninguém a praticar a virtude, como explicar que tudo no universo foi feito maravilhosamente, mas o elemento central dele, que é o homem, esteja em desordem?”

Imaginemos um quadro pintado de modo primoroso, que pretende representar uma linda fisionomia, a qual entretanto possui o nariz em forma de batata. Ora, se o centro do rosto são o nariz e os olhos, aquela deformidade acaba desqualificando o artista. Assim, se no elemento central da criação visível há desordens, como vou me extasiar com a ordem existente no firmamento? Eu me arrasto no caos interno das minhas impressões, volições, dos meus pensamentos, e a ordem está posta lá no alto, nas estrelas?

Seria como se eu mostrasse a uma pessoa faminta, maltrapilha, um palácio todo iluminado e lhe dissesse: “Ali se realiza um magnífico banquete que você deve admirar”. A resposta dela viria imediata: “Como assim?! Estou morrendo de fome, e você quer que eu admire um banquete do qual não posso participar?”

Quer dizer, é um contra-senso. Portanto, ou o Criador concebeu algo para pôr em ordem a mente e a alma do homem, sua obra-prima, centro de todo o universo, ou Ele deixou ali uma “batata”, o que seria absurdo admitir.

A solução nos aparece com a Igreja infalível, fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo, que ordena a alma e o pensamento humanos. Desde São Pedro até o Papa reinante, há uma linhagem de pontífices que ensina infalivelmente a verdade. Não apenas quando manifestam a vontade de definir, mas também através do magistério ordinário quando, pela continuidade dos ensinamentos papais, esta mesma continuidade torna um ensinamento infalível.

Se acreditarem nessa infalibilidade da Igreja, todas as pessoas ficam com suas mentes ordenadas a respeito do essencial. Esta ordem é superior a todas as outras, e confirma a supremacia da obra-prima da criação visível.

O universo não é fechado

Quando tomei conhecimento do dogma da infalibilidade pontifícia, fiquei entusiasmado e pensei: “Agora me sinto como um homem que andava sobre penhascos, com medo de cair e, de repente, avisam-lhe que há um corrimão no qual pode se apoiar. Que alívio! Posso contemplar o panorama sem receios e respirar tranquilamente. Sinto minha própria falibilidade, mas a existência de uma instituição natural e sobrenatural, que desde Jesus Cristo até nossos dias ensina sempre a mesma Fé, sem nenhum erro, dá-me segurança, explica-me tudo.”

Se eu não tivesse fé e, analisando todas as religiões, notasse que apenas uma dissesse de si mesma ser infalível, nela eu acreditaria. Pois esta é a Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Creio que — para me valer de uma comparação — o contentamento de Colombo ao descobrir a América não é nada perto da alegria que senti quando encontrei a infalibilidade pontifícia!

Deus, ao instituir uma Igreja verdadeira, tinha de fazê-la infalível.  A Igreja Católica é como uma coluna forte que resiste a todas as investidas. Interrogando-a, ela emite um som de bronze e nos dá uma resposta sublime. Então, nos ajoelhamos, encantados por termos sido convencidos.

Chegamos, pois, à conclusão de que o universo não é fechado. Há o mundo visível e o invisível, os quais necessariamente se relacionam. Veremos, noutra oportunidade, como se efetua esse relacionamento e as belezas que dele se depreendem.

 

(Continua em próximo artigo)

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 10/8/1979)

 

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