O sacerdócio, uma honra sublime

Imbuída de laivos de anti-clericalismo do século XIX, a alta sociedade dos anos 30, embora não faltassem nela vocações, afastava seus filhos do caminho do sacerdócio, procurando para eles um futuro mais rendoso e mais valorizado pelos conceitos mundanos. Porém, como nos mostra Dr. Plinio no presente artigo, a elevada missão sacerdotal deve ser abraçada por membros de todas as camadas sociais, e sempre será motivo de honra para uma família.

 

Na admirável e promissora multiplicidade das obras de apostolado que florescem na Arquidiocese de São Paulo, é muito possível que se oblitere a noção indispensável, de que a obra fundamental, o eixo necessário, o centro único de gravidade de todo o trabalho que atualmente se realiza, é a Obra das Vocações.

Fonte dos mais alvissareiros frutos para a sociedade

O assunto tem sido objeto de tantas e tão autorizadas dissertações, que seria temerário ou até impossível pretender dizer‑se qualquer coisa de novo a este respeito. Entretanto, a função da imprensa comporta uma larga tarefa vulgarizadora. Por isto, e porque me parece que nosso público nunca estará suficientemente cônscio da grandeza da Obra das Vocações, aproveito as solenes comemorações que se desenrolaram nesta Capital na semana passada, para dizer algo a este respeito.

Jornal feito por enquanto exclusivamente para católicos — por enquanto, note‑se — o Legionário não tem necessidades de demonstrar que o Clero, sendo indispensável para toda a vida religiosa do País, deve ser numeroso, para que sua função primordial, que é o de promover a salvação das almas, seja convenientemente exercida; tanto mais que o exercício dessa função espiritual e sobrenatural tem como conseqüência, na ordem material e concreta, os frutos mais promissores e substanciais.

Florão do patrimônio moral de qualquer linhagem

O que sobretudo quero provar, é que todas as classes sociais têm obrigação de concorrer com um contingente apreciável, para o recrutamento das fileiras sacerdotais, e que o sacerdócio, em lugar de ser um encargo oneroso do qual fogem as famílias, deve ser considerado uma honra sublime, um florão do patrimônio moral da família, sem o qual não estarão completas as glórias de qualquer linhagem, por mais antiga e ilustre que seja.

Esta observação tem sua importância. O Revmo. Pe. Garrigou-Lagrange lhe deu um forte relevo, na conferência que pronunciou em nossa Cúria Metropolitana, a propósito das vocações ao sacerdócio. Realmente, não é justo que se esquivem as famílias mais abastadas e mais ilustres, a dar seus filhos à Santa Igreja, entregando‑os à vida religiosa ou sacerdotal. Não se compreende que, entre nós, este estado de coisas perdure por mais tempo. Ele gera inconvenientes graves para a própria tarefa apostólica e constitui um sintoma irrefutável de uma crise moral séria.

Os inconvenientes decorrentes do fato de quase não se recrutarem sacerdotes em certas camadas sociais são evidentes. A Santa Sé, hoje mais do que nunca, insiste para que o apostolado seja, de preferência, desenvolvido por pessoas do próprio meio social. Em relação à Ação Católica, é esta uma norma essencial. Evidentemente, perde ela muito de seu vigor quando se trata, não mais do apostolado de leigos, mas das atividades da própria Hierarquia Eclesiástica. Sem embargo disto, ainda neste terreno, ela conserva uma oportunidade que os espíritos previdentes não poderão contestar.

A classe alta, ambiente mais refratário ao sacerdócio

Não convém que cheguemos a generalizações falsas e temerárias. Seria errôneo sustentar‑se que não se encontram no Brasil, entre as famílias mais ilustres, sacerdotes. Entretanto, é incontestável que esse é o ambiente mais refratário ao recrutamento sacerdotal. A Igreja não precisa, evidentemente, de sacerdotes desta ou daquela classe, para realizar sua tarefa. Tanto pode um sacerdote de família operária fazer seu apostolado nas mais altas classes sociais, quanto pode outro sacerdote, filho de ilustre família, dedicar‑se ao apostolado entre proletários. Sem embargo disto, é certo que o apostolado feito por uma pessoa do próprio meio tem vantagens que ninguém pode ignorar, e que devem ser tomadas na devida consideração.

Quanto à crise moral que essa abstenção revela, é muito séria.

Em última análise, significa isto que o espírito de abnegação, de devotamento, de renúncia, escasseia em nossas classes dirigentes. Efetivamente, se há retraimento em relação ao sacerdócio, deve‑se isto não raras vezes ao fato de parecer a vida de um sacerdote — e esta impressão é verdadeira — muito pouco vantajosa sob o ponto de vista das honrarias e dos lucros. De sorte que as famílias desviam intencional e até pertinazmente seus filhos, da vocação que Deus lhes dá.

Se, em um país, é este o espírito das classes dirigentes, que catástrofes, que abismos, que nuvens, não se podem antever em seu caminho?

Uma obra providencial

O fato não se demonstra apenas quanto à vocação sacerdotal. Também outras carreiras, que oferecem inconvenientes, são cuidadosamente afastadas por muitas famílias.

Um exemplo disto está nas carreiras do Exército e da Marinha, das quais, por egoísmo, e mediante violência, são afastadas muitas vocações autênticas.

Por quê? Porque, evidentemente, é mais rendoso ser banqueiro do que sacerdote ou militar. E, por isto, todos querem ser bacharéis e banqueiros. E poucos se obstinam em envergar a batina ou a farda.

Cabe à Obra das Vocações remover este e outros obstáculos. E ela o tem feito magnificamente. (…) Por isto, as Autoridades Eclesiásticas lhe deram o seu mais inteiro apoio. E o Legionário, que é, por natureza, um servidor de todas as causas santas, não poderia deixar de chamar, sobre ela, a atenção de seus leitores(1).  v

 

Plinio Corrêa de Oliveira

1) Transcrito do Legionário de 13/11/1938. Título e subtítulos da redação.

 

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