No Mar Mediterrâneo, cruzados enfrentaram terrível tempestade e foram salvos em virtude das preces de monges.
Esse fato mostra a prevalência da oração sobre todos os recursos humanos e comprova o dogma da Comunhão dos Santos.
O episódio que vamos comentar é narrado por Montalembert(1), em sua obra “Les Moines d’Occident”. O texto é o seguinte:
O Conde Raul de Chester(2), fundador da abadia cisterciense de Dieulacres, voltava da Cruzada durante a qual havia tomado Damieta e se cobrira de glória, quando uma violenta tempestade caiu sobre o navio em que ele viajava. Eram já dez horas da noite e, como o perigo aumentava a cada instante, o Conde exortou os que viajavam a redobrarem os esforços até mais um minuto, prometendo que então a tempestade cessaria. Ele próprio se pôs a manobrar e trabalhou mais do que qualquer um. Em seguida, o vento parou, o mar se acalmou e, tendo o piloto perguntado a Raul por que ele lhe tinha ordenado de trabalhar apenas um minuto a mais, o Conde respondeu: “Porque, a partir daquela hora, os monges e outros religiosos que meus ancestrais e eu estabelecemos em vários lugares se preparavam para cantar o Ofício. E nesse momento eu sabia que eles estariam rezando, e esperava do Céu, graças a eles, que a tempestade parasse”.
Embora separados por enorme distância, estavam unidos em Deus
Este é um lindíssimo episódio que, sendo ou não real, pouco importa, indica um princípio da Doutrina Católica.
O fato nos apresenta a imagem poética de um grupo de cruzados atravessando o Mediterrâneo. Naquela época, sendo os meios de navegação tão insuficientes, cruzar o Mar Mediterrâneo — o qual, em última análise, é um grande lago — era uma façanha náutica.
Podemos imaginar a situação aflitiva: a noite escura, o Mediterrâneo cheio de incógnitas para eles, a tempestade que sopra e os homens que se apavoram, a nau naturalmente cheia de cruzados, com suas pesadas armas, das quais não podem abrir mão jogando-as no fundo do mar, porque, abordando em terra firme, precisariam dessas armas para se defender. Uma cena que lembra, algum tanto, o episódio da tempestade no Lago de Tiberíades, e os Apóstolos em torno de Nosso Senhor.
Não está ali Jesus, mas — “christianus alter Christus”(3) — um homem de Fé, que é o Conde de Chester. Ele sabe poder contar com as orações dos religiosos que viviam nas numerosas abadias fundadas por seus ancestrais. E que a gratidão dos verdadeiros religiosos jamais se desmente. Portanto, tinha confiança de que na hora certa o Ofício começaria e que logo no início aquelas orações se uniriam às dos descendentes dos fundadores e, principalmente, segundo as intenções de quem era, provavelmente, o primogênito na linha dos fundadores.
Então, ele pede apenas mais um minuto de atenção, de paciência e de perseverança porque sabia que a tempestade iria amainar. A tempestade cessa e o Conde diz: “Os monges começaram a recitar o Ofício”.
É o poder da prece, que ignora as distâncias. Naquele tempo, a distância entre a Inglaterra, o Norte da França e o Mediterrâneo se percorria devagar, atravessando povos muito diferentes, estradas incertas; eram espaços psicologicamente enormes que separavam o local da tragédia iminente e daquele onde a solução devia se operar.
Os monges não sabiam que os descendentes de seus benfeitores estavam em perigo; tudo os separava, exceto uma coisa que os unia: o vértice. Os religiosos e os cruzados olham para Deus. Nele se encontram a oração daquele que pede e a necessidade de quem precisa. E a oração de uns liberta os outros.
O mais bonito é considerar o seguinte: a tomar a narração ao pé da letra, os monges naquela mesma hora teriam começado a cantar. Deveria haver uma decalagem de horário, e a hora não poderia ser exatamente a mesma no relógio do Conde e no da abadia. Mas Deus, que não se atrapalha com a Ciência e não se deixa prender por esses pequenos pormenores, operou essa maravilha. E quis fazer jogar algo à maneira de uma coincidência de horários que, na realidade, não existia.
Duas formas de heroísmo se encontram: a do cruzado no alto mar e a do monge na capela
Desse belo fato podemos tirar algumas lições.
A primeira delas, e a mais importante, é a prevalência da oração sobre todos os outros recursos humanos. Leão XIII escreveu uma frase num de seus documentos, que nunca mais me saiu do espírito. Afirmava ele que em seu tempo havia muitos homens que agiam para promover a Causa Católica. Entretanto, eles agiam mais do que rezavam. E que se rezassem tanto quanto agissem, eles obteriam muito mais do que simplesmente pela ação. Porque o grande meio de vitória do homem é a oração. É um meio que não dispensa a ação, mas prepara para ela e a torna fecunda. Mas é um meio indispensável e supereminente em relação à ação.
Vemos aqui essa tese perfeitamente ilustrada. O Conde de Chester foi um cruzado. Atraído pela graça de Deus, ele fora até o Oriente. Ação. E para a luta, a mais bela e mais nobre forma de ação. No Oriente ele arranca ao poder dos maometanos uma cidade importante: Damieta. Êxito na ação. Entretanto, vemos a necessidade da oração. Ele tem a sua vida exposta a um perigo enorme, frente ao qual quase não lhe adiantaria nenhuma indústria humana: uma tempestade, açoitando o mar onde ele se encontrava. Oração. E sua prece assegura a preservação da vida dele e de seus bravos. Muito mais do que isso: ele dá um exemplo de como Deus atende a oração e vela por aqueles que confiam na prece dos outros. Mostra-nos o dogma da Comunhão dos Santos, por assim dizer, funcionando e fazendo com que essas duas formas de heroísmo se encontrem: o do cruzado no alto mar, e o do monge pontual na capela, rezando com Fé por aqueles que estão expostos a riscos.
A oração tem um valor maior do que a ação
Daí nós deduzimos a importância de nossa oração, do nosso Rosário, do Ofício recitado ou cantado. Precisamos ter Fé de que, para o êxito da causa da Contra-Revolução, este esforço de oração tem um valor maior do que o próprio esforço nobre e indispensável da ação. Mesmo quando se trata de grandes guerreiros, que realizaram grandes feitos e conseguiram grandes vitórias para a Igreja, o papel da oração é preponderante. Essa é a grande lição que devemos tirar desse episódio.
Mas há uma outra: por que Deus permitiu terem eles chegado ao extremo da aflição, para só depois intervir? Exatamente para provar a confiança n’Ele. As horas de extrema aflição são as horas da Providência, as horas da misericórdia. O verdadeiro católico, quando vê que tudo parece perdido, reza e confia mais do que nunca, porque sabe que é a hora do sorriso de Nossa Senhora. Nesse fato vemos o sorriso de Maria Santíssima, que intervém e resolve a situação desses guerreiros. v
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de Conferência de 3/8/1973)
1) Charles de Montalembert, Les Moines d’Occident. Paris: Lecoffre, 1860, vol. VI, p. 35
2) Raul de Blondeville, Conde de Chester (1172-1232). Participou da quinta Cruzada, durante a qual Jean de Brienne conquistou Damieta, em 1218.
3) O cristão é outro Cristo.