Embora a Igreja Católica nunca irá morrer, por vezes, parece ter sido colocada num sepulcro. Entretanto, assim como Nossa Senhora tinha certeza de que Nosso Senhor Jesus Cristo ressurgiria, também nós devemos estar convictos de que a Igreja emergirá milagrosamente dessa espécie de morte aparente, e acreditar na realização das profecias, na vitória e no Reino de Maria.
Quando se chegou ao auge da Idade Média, pela ideia da Civilização Cristã que se afirmava, da Igreja que chegava àquela plenitude, acentuou-se nos medievais a devoção a Cristo Ressurrecto, e o número de igrejas consagradas a essa invocação aumentou consideravelmente, o que é muito bonito.
A Igreja está numa aparente morte
Eu não vi tratar desse tema em livros de piedade, mas um aspecto no qual se deveria fixar a atenção é a devoção de Nossa Senhora nos três dias em que Jesus esteve na sepultura. Porque existe uma analogia entre a situação da Igreja hoje em dia e Nosso Senhor no sepulcro.
A Igreja Católica não está morta, mas por vezes as aparências são de que ela foi posta num sepulcro. Ela não vai ressurgir porque não morreu, mas dessa espécie de morte aparente ela emergirá milagrosamente. Então, nós estamos nesses três dias – número historicamente real, mas de valor simbólico – de Nosso Senhor na sepultura.
Para a Santíssima Virgem era tremendo pelas saudades que sentia d’Ele. Analogamente, são as nossas saudades da Igreja como ela foi e, sobretudo, como nós não alcançamos. Essas saudades devem nos ser pungentes neste período.
Assim como Nossa Senhora tinha certeza de que Nosso Senhor Jesus Cristo ressurgiria, também nós devemos estar convictos de que a Igreja não morreu, e passar por esta provação: acreditar na realização das profecias feitas em Fátima, na vitória e no Reino de Maria.
Nossa Senhora adorava o cadáver de seu Divino Filho em união hipostática imutável com a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, mas que, entretanto, estava morto. Porém, o auge da devoção d’Ela era já adorá-Lo ressurrecto.
Também nós devemos amar a Santa Igreja nessa aparente morte em que está, mas tomando em consideração nossa certeza de que ela “ressurgirá”, amá-la desde já como ela será no futuro; ideias, esperanças, vislumbres do Reino de Maria devem nos alimentar e nos preparar para o dia da ressurreição.
Esta consideração eu gostaria de fazer por ocasião da Quaresma e da Semana Santa.
Um dos elementos de deterioração do homem
É uma coisa curiosa, mas o triunfo deteriora quem não conserve na boca ou na memória a amargura da derrota anterior. Isso é sistematicamente assim. Um dos elementos de deterioração do homem é quando ele julga que aquilo de bom – e, por vezes até esplendidamente bom – que possui não é senão o normal, e todos os inferiores em relação a ele são uns infelizes, pois não têm senão aquilo que a vida deve dar. Quando o indivíduo forma esta noção da existência, ele começa a se deteriorar.
O ponto de referência é outro. Ele deve achar que o comum neste vale de lágrimas é o estado de mendigo, e qualquer coisa que esteja acima da mendicância já apresenta uma certa vantagem. De tal maneira que, quando na mendicância lhe dão um pão, ele já deve dar graças a Deus. E se ele tem um pouquinho além da mendicância, pode desejar mais, mas nunca maldizendo aquele pouco, jamais deixando de reconhecer que esse pouco é alguma coisa que deve alegrá-lo.
Às vezes, aqueles cujos pais são muito importantes, ou muito nobres, ou muito sábios, ou muito qualquer coisa, por terem nascido nessa situação, julgam um absurdo que não tivessem determinadas regalias, e ainda mais do que aquilo. Então começam a amolecer, a se deteriorar e a apodrecer.
Nós também, para não apodrecermos no Reino de Maria, teremos de conservar a recordação das torrentes nas quais bebemos pelo caminho. Para quando levantarmos a cabeça compreendermos o favor que Deus está nos fazendo e, mesmo no auge de nossa glória, não acharmos isso normal. Do contrário, ao cabo de uns cinco anos, estaremos tão amolecidos que se fosse preciso voltar atrás já não teríamos coragem. É o efeito do pecado original. Essa é a vida.
Li nas memórias de uma governanta das filhas de Nicolau II que quando o Czar ia a Paris, em viagem oficial, levava a família toda. Enquanto ele e a Czarina estavam participando das recepções oficiais, as meninas levavam uma vida à parte. Então, iam para as lojas de brinquedo, que já estavam avisadas da visita das grã-duquesas e punham à mostra os brinquedos mais caros e os melhores vendedores à disposição para atender a criançada.
As crianças nem perguntavam o preço, pois não lhes interessava. Elas apenas diziam: “Eu quero isso, aquilo e também aquilo outro…” Nicolau II, por sua vez, recebia a conta e pagava, também sem questionar. Ora, isso deteriora uma criança a mais não poder.
Segundo os costumes antigos, o primogênito herdava todo o patrimônio da família e ficava com a obrigação de administrá-lo. Os outros filhos, ou se jogavam na aventura, ou caiam no zero. Estes, entretanto, não reputavam isso uma infelicidade. Ao contrário, consideravam uma desventura o destino do primogênito que continuava amarrado ao seu castelinho, sem poder correr a aventura fabulosa que eles tinham diante deles.
D’Artagnan foi isso. Segundo a legenda, ele morreu na hora de receber o bastão de Marechal de França. E morria com a ideia de ter realizado uma fábula. Mas ele teve que dar duro…
Nós tivemos no Brasil um sistema parecido. Os descendentes que não pertenciam ao ramo primogênito recebiam terras colossais para desbravar no franco mato, e passavam os melhores anos da vida, desde o dia do casamento até mais ou menos 45 anos de idade, dando duro, plantando, enfrentando bandidos, porque era “Far West”. Quando a fazenda estava formada, eles voltavam para a capital e iam periodicamente administrar a propriedade. Para isso construíam casas na fazenda onde passavam temporadas. Mas era uma batalha para conseguir alguma coisa. Isso é altamente formativo.
Na longa demora que suportamos, devemos viver com ascese
Exemplos como esses servem para compreendermos as humilhações e tantos outros sofrimentos pelos quais passamos agora e, assim, quando chegar o Reino de Maria não nos apodrecermos na glória, mas darmos o devido valor ao fato de termos subido com sacrifício, reconhecermos o quanto devemos a Nossa Senhora por causa disso, e conservarmos a seguinte ideia retrospectiva: Se eu for capaz de voltar à estaca zero e beber da torrente novamente, porque assim Nossa Senhora quis a meu respeito, não terei apodrecido. Se eu não for capaz, posso estar certo de que apodreci, abusei do dom de Deus.
Tenho a impressão de que essa longa demora que suportamos seja permitida pela Providência a fim de nos preparar para uma imensa glória, dentro da qual deveremos viver com ascese. Alguém poderá me objetar: “Mas isso eu não quero, porque se até nessa hora é preciso viver com ascese, então não é vida.” Eu digo: “Meu caro, você apodreceu antes de subir. Enquanto estava embaixo, você acalentou sonhos podres e imaginou uma vida sem a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo.”
Há uma ideia, com a qual muitos de nós fomos educados, de que se deve evitar olhar até o fundo os aborrecimentos que a vida traz, considerando-os superficialmente para não os sentir. E, para isso, cercar a vida dos maiores deleites e divertimentos que se possa, de maneira a estes cobrirem, tanto quanto possível, os aspectos dolorosos que a pessoa não deve ver.
Ora, esta é uma impostação errada. Diante de uma coisa dolorosa apresentada pela vida, a pessoa deve vê-la por inteiro. Porque isso é assim na vida de todo mundo e não adianta fugir da verdade. Não há quem não tenha sofrimentos muito pesados na vida, mesmo quando surjam verdadeiramente rutilâncias muito atraentes e agradáveis. Ainda assim a existência apresenta grandes padecimentos que devemos enxergar de frente, até onde foram e até onde podem ir, preparando a alma para aguentá-los.
Essa postura dá à alma uma espécie de sacralidade, de nobreza, de força para considerar que, ainda que a vida seja assim, ela é digna de ser vivida. Não porque dá saldo positivo, mas é porque a alma cresce muito quando toma a sua dor assim, de frente, como Nosso Senhor Jesus Cristo tomou a d’Ele no Horto das Oliveiras.
Quando se nos apresenta a cruz, devemos abrir os olhos e os braços inteiros
Minha devoção a Nosso Senhor no Horto das Oliveiras é mais acentuada até do que a própria Crucifixão. Não porque eu não saiba que a Paixão d’Ele chegou ao auge com a Crucifixão, mas é que essa meditação puramente espiritual da dor, antes mesmo de ela chegar, a previsão e essa impostação para que a alma receba essa dor vista até o fim, parece-me fundamental na alma católica.
Aliás, por incrível que pareça, é isso que torna interessante a alma com a qual se trata. Quando uma alma procura não ver a dor, ela não fica interessante. Ao contrário, quando ela vê a dor até o fim se assemelha a um instrumento de música afinado, com as cordas em ordem. Isso dá a tudo quanto ela diz uma ressonância, uma vida, porque está afinada em ordem à dor.
É, de fato, a Cruz de Nosso Senhor. Porque a palavra “dor” sem a Cruz dá lugar a toda espécie de desequilíbrio possível. A vida humana é inexplicável e insuportável sem Nosso Senhor Jesus Cristo. Daí São Paulo dizer que só sabia pregar a Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado (cf. 1 Cor 2, 2).
Há místicos que viram Nosso Senhor recebendo a Cruz e osculando-a. Quer dizer, manifestando carinho para com ela. Eu acho isso uma coisa absolutamente de primeira ordem. Ora, o que significa para nós o carinho para com uma cruz imaterial? É aceitá-la lealmente, abrindo os olhos e os braços inteiros!
Por exemplo, a cruz de ser menosprezado. É melhor descer o vale desse menosprezo até o fim. Não exagerar, imaginando ser maior do que é, mas tomá-lo em todo o seu tamanho. “Está bem, eu aceito! Sentei-me no banco dos desprezados como se fosse um trono, e ali fiquei. Aconteceu assim, vamos para a frente!”
Se soubéssemos as aflições que nós evitamos para a nossa alma quando procedemos assim… Porque a realidade é esta: o sujeito não aceita e começa a tomar toda e qualquer dor que lhe venha como sendo um absurdo. Assim não há como evitar uma torcida enorme para não acontecer aquilo. E na torcida a pessoa sofre muito mais do que na aceitação franca, leal. Esta dá uma calma, uma estabilidade, uma força que realmente correspondem aos desígnios de Deus, a uma aceitação humilde do que Nosso Senhor quis para nós.
Sofrer em união com Nosso Senhor Jesus Cristo
Há, portanto, duas atitudes integrantes da virtude da temperança. Uma consiste em entender que a vida é um vale de lágrimas, e saber saborear como um presente de Deus qualquer pequena alegria como enviada por Ele para nos aliviar. O auge da alegria não está no tamanho, mas sim na qualidade dela. Portanto, saber degustar as pequenas alegrias da vida, e não as imaginar maiores do que são na realidade, compreendendo que são transitórias, e saber vê-las até o fim é um elemento indispensável para a pessoa não se deteriorar, não apodrecer. Porque, se não se faz assim, a pessoa imagina que o normal é levar uma vida na qual tudo vai de acordo com os seus desejos, e o que não for isso é uma desgraça. Esse fica muito mais infeliz do que o primeiro.
Outro elemento da temperança é compreender que o normal dessa vida é sofrer, e muito, e que a pessoa deve padecer em união com Nosso Senhor Jesus Cristo, considerando o sofrimento em seu aspecto sobrenatural, sem o qual tudo isso não tem sentido. Assim, vindo um revés por cima de nós, olhá-lo com força, de frente, medir em toda a extensão o que ele traz de sofrimento e dizer: “Eu aguento, aceito e vou tocar para a frente.”
É o exemplo que nos deu Nosso Senhor na sua Paixão. Na Agonia do Horto Ele previu tudo. Não bancou o imprevidente. Foi revelado à sua natureza humana tudo quanto Ele sofreria em seu Corpo. Além disso, todas as dores de Alma, as ingratidões, etc. Aliás, com os Apóstolos Ele tomou a experiência ali mesmo. Tudo isso Ele viu e não fechou os olhos. Sofreu até o fim a visão do que vinha. Sentiu a sua vontade perfeitíssima não aguentar e pediu que fosse afastado o sofrimento. Mas vejam o equilíbrio perfeito: “Se for possível, afaste. Se não for possível, faça-se a vossa vontade e não a minha” (cf. Mt 26, 39).
Aplicando isso a nós, devemos ter a coragem de ver a nossa situação como é, inteiramente e o quanto ela pode ser irremediável. Porque se o único “remédio” for apostatarmos, esse “remédio” nós não consideramos nem de longe, pois a partir do momento em que um de nós considere isto uma hipótese, começou a discutir o valor das trinta moedas… Então, esta não é uma hipótese válida. Logo, é preciso aguentar a situação assim, não tem conversa.
Ver a realidade de frente é absolutamente indispensável
Suportado o sofrimento com esta força, a pessoa chega até o fim com calma, com paz, com dignidade. E nisto viveu a sua vida. Então são estes os dois aspectos da temperança: saber saborear as coisas que Deus manda, e amar a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, como destinada a todos os homens.
Às vezes encontramos pessoas realmente felizes, mas que não querem olhar para a possibilidade de um infortúnio. A certa altura, levam cada susto! Porque, de repente, o infortúnio lhes explode debaixo dos pés.
Imaginemos um filho que ama enternecidamente seus pais. De repente, percebe que os pais por quem ele se sacrifica, e que o consideram muito bom, de fato não o amam como ele os ama. E isso se externa, por exemplo, pela atitude deles para com outro filho que não é bom, pelo qual eles têm uma predileção estulta, embora esse filho esbanje o dinheiro deles e “pinte o caneco”. E isso apenas por ser um filho mais ornamental ou parecido com eles, qualquer coisa deste gênero…
Então, o primeiro não deixa de ser bom filho, não cai no desânimo, não fica azedo, mas constata: “Meus pais são assim.” Não se trata, portanto, de pensar o seguinte: “Eu vou rever meu procedimento. Vale a pena continuar a dar a eles essa quota de dedicação ou não vale? Posso reduzi-la, porque serei um imbecil se tratá-los como pais perfeitos quando não o são.” Pelo contrário: “São meus pais e, enquanto tais, têm direito à minha dedicação.” Entretanto, esta situação pode criar graus diferentes de infortúnio. É preciso ver de frente!
Em certa ocasião, vi um exemplo doloroso disso. Era uma reportagem a respeito de uma família muito nobre da França. A fotografia mostrava o pai e a mãe ainda jovens, muito bem-apessoados e já rodeados de um bando de filhos, todos muito saudáveis, permanentemente alegres, dando ideia da própria felicidade do casal. Via-se aquela alegria despreocupada, otimista, da qual fazia parte uma borrifadazinha de Religião pelo meio – pois é certo que todos tiveram aulas de Catecismo, fizeram a Primeira Comunhão, por ocasião da qual estavam elegantes e até mesmo piedosos –, porém não lhes fora ensinado o que estou dizendo aqui.
Pensei: “Ou todo o meu modo de ver a Religião e a vida é errado, ou essa família tem que dar num estouro do outro mundo!” Resultado, deu num bando de facínoras. Quanto ao marido, chegou a publicar na mesma revista, na qual saiu a referida reportagem, que há muito tempo ele não tinha temas a conversar com sua esposa, mesmo no auge de seu casamento, pois ela era completamente vazia e não tinha o que dizer a ele. Podemos imaginar o que significa para uma mulher, que tinha a ilusão de ser amada por seu marido, ler isso e dar-se conta de que ele não só não gostava mais dela, mas não gostara jamais? Pois bem, ver isso de frente é absolutamente indispensável e faz parte dos tais elementos da temperança que a pessoa deve ter.
Conheço uma pessoa que no começo de sua adolescência me externou esta sua reflexão: “Eu sei que fui chamado a servir Nossa Senhora. Mas não me consolo de Deus ter me chamado para isso. Por que Ele escolheu a mim, quando podia ter escolhido outro para padecer esse mundo de sofrimentos inerentes a uma vocação, deixando-me sossegado na minha vida?”
De fato, ele sofreu muito pelo que devia fazer e fez, e pelo que não devia fazer, mas fez. Atualmente é um muito bom filho de Nossa Senhora. Mas eu queria analisar esse estado de espírito que em determinado momento foi o dele.
Esse rapaz deve ter recebido graças muito boas no período da infância e adolescência. Entretanto saboreando ao mesmo tempo, intensamente e sem nexo com essas graças, circunstâncias materiais próprias a fazê-lo levar uma vida feliz. Isso amesquinhou o horizonte dele, de maneira tal que, ao invés de considerar o enorme panorama de quem é chamado por Deus a um alto ideal, ele se alegrava mais com o horizonte pequeno, com o prédio de teto baixo da vidinha que tinha diante de si, a qual provavelmente aparecia-lhe como sendo uma existência ideal.
O gáudio dos grandes horizontes
Ora, é uma coisa curiosa, mas o gáudio dos grandes horizontes meio tristonho. Traz, entretanto, um bem-estar e uma satisfação que o horizonte estreito, o prédio de teto baixo nunca dá.
Chateaubriand1 faz uma descrição magnífica de uma noite no Castelo de Combourg. Ele tinha uma irmã chamada Lucille, de quem gostava muito. Sua mãe, a Mme. Chateaubriand, ele apresenta como pessoa muito boa, mas com a saúde precária, tendo que se cuidar. E o pai, uma espécie de leão na jaula, uma fera. Então, ele descreve um final de dia na residência da família, um castelo gótico com um pé-direito muito alto, salas grandes onde punham uma mesa para eles jantarem. Comiam em silêncio porque o pai estava pensando continuamente em outras coisas e metia medo. A mãe tinha medo do pai também e ficava quieta; apenas suspirava docemente, às vezes, e continuava a jantar.
Terminada a refeição, começava o “entretenimento” familiar. Levantavam-se e iam para um salão enorme, vizinho à sala de jantar, onde por falta de dinheiro havia só uma luz acesa perto da mãe. Esta sentava-se numa cadeira mais cômoda, enquanto o pai ficava andando, de maneira que, conforme se aproximasse ou se afastasse, sua sombra na parede ia crescendo ou diminuindo. Assim, ouviam-se os passos do velho visconde a caminhar, preocupado, sobre o chão de pedra. De vez em quando, ele parava diante das crianças, que num canto estavam cochichando, olhava fixamente para elas e lhes perguntava: “O que vocês estão falando?” Um pouco como quem quer entreter a conversa, mas ele não compreendia que, com isso, gelava as crianças… Nesse ambiente, o teto alto aumentava a melancolia e a desolação. Compreende-se que isso parecesse para Chateaubriand imensamente triste e até soturno.
Chegada a hora de se recolher, o menino Chateaubriand ia dormir sozinho numa torre. Metia-se numa cama com aqueles clássicos cortinados, e todos os ventos do mar sopravam em cima da torre, uivavam, assobiavam, com o Chevalier de Chateaubriand apavorado dentro das cobertas, até que o sono viesse. Tenho a impressão de que, pela manhã, ele se levantava despreocupado, ia até o mar para a brincadeira com os meninos da zona e já era outra coisa.
Quando uma alma tem um lado voltado para a vidinha e outro para os grandes ideais, estes fazem um pouco o papel do teto alto do Castelo de Combourg. O indivíduo gostaria de fugir para uma coisa mais aconchegada, mais direitinha, mais arranjada, para ter, afinal de contas, a alegria de ser pequeno.
Assim, pode haver dois modos de considerar o chamado de Deus: um é ao estilo da torre que uiva e essas coisas todas; outro é a grande alma de um cruzado, de um homem que aceitou a cruz e tem nisto uma consonância com o Divino Crucificado.
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 17/8/1988)
Revista Dr Plinio 253, pp. 11-15.
1) François-René Auguste de Chateaubriand. Escritor, ensaísta, diplomata e político francês (*1768 – †1848).