Creio que mais de um de meus conterrâneos, assim como eu, saciados das largas e movimentadas avenidas, dos viadutos e metrôs que cortam as grandes cidades, sentem uma espécie de nostalgia de antigos tempos, nos quais eles mesmos não viveram, mas onde cresciam, aqui e ali, pequenas cidades com suas ruazinhas estreitas e irregulares, com seus casarios familiarmente abraçados uns aos outros. E para que não fossem apenas conhecidas por sua pequenez, na praça central se erguiam belas construções, já edifícios sacros e eclesiásticos, já prédios consagrados a fins temporais, muitos deles autênticos monumentos, obras-primas de artistas cujo talento ainda estava por ser celebrado.
É o que encontramos, por exemplo, em Ouro Preto, cidade colonial de Minas Gerais. Ruelas e ladeiras povoadas de casas com suas fachadas dos séculos XVII e XVIII, umas mais estreitas, outras mais generosas; essas rústicas, aquelas adornadas, mas todas sérias, como que meditativas, refletindo pensamento, e não uma qualquer coisa do fútil e do leviano próprios a certas produções barrocas.
Dobra-se uma esquina e surge à nossa frente uma igreja de proporções imponentes, traçado majestoso, pórtico emoldurado por esculturas do Aleijadinho, e acolhendo no seu interior uma profusão de imagens e peças artísticas muito valiosas.
As ruazinhas convergem para a praça central, com o feitio característico das praças do Brasil colônia: vasta, ostentando sobras de espaço, rodeada de casarões, casas e casinholas típicas do tempo. No chão estende-se um pavimento de pedras que vão sendo polidas ao trotar das carruagens, das carroças, e sob o vaivém do povo que o palmilha.
No fundo dessa praça se ergue o prédio que eu reputo o mais lindo edifício temporal do Brasil. Enquanto proporções e linhas arquitetônicas, sua beleza é indiscutível.
Outrora sede da Câmara Municipal de Ouro Preto, é uma grande construção baseada nos moldes dos edifícios portugueses daquela época, com sua fachada cortada ao meio pela torre que abriga no alto um campanário. A parte central, revestida de pedra, é arejada por duas janelas no andar de cima, e por duas portas no primeiro piso. De cada lado deste corpo central se vêem, em cima, três janelas com balcões, e embaixo outras tantas.
Todo o esplendor desse monumento reside na proporção entre o prédio e a torre. Trata-se de algo mais ou menos indefinível: a torre possui o grau de saliência perfeito que deve ter em relação ao fundo do edifício; tem a altura exata, que corresponde de modo agradável, sem ser provocante, ao tamanho de cada uma das metades que ela divide. É uma altura normal, comum, e constitui com o conjunto uma harmonia meio inefável, não se tem palavras para explicá-la, mas sabe-se que é de uma extraordinária beleza.
Nesse edifício podemos admirar uma ordenação, seriedade e idoneidade que nos falam da sociedade orgânica existente em alguma medida no Brasil colonial. Nele tudo é tão direito, tão proporcionado, tão conforme à ordem natural criada por Deus, que não será exagero afirmar que a civilização cristã da época se refletia nas suas linhas, paredes e adornos. E ele, reciprocamente, refletia-se na sociedade, salientando o que esta possuía de bom.
Donde, por exemplo, quem conversasse à sombra daquele prédio, sentir-se-ia enriquecido em dignidade, e tonificado no seu próprio espírito com elevadas disposições para considerar as infinitas belezas do Criador. Algo bem diverso do que se experimenta numa grande e agitada cidade moderna…
(Extraído de conferências em 13/3/88 e 26/9/90)