O menino e o mar

Na primeira narração auto-biográfica de Dr. Plinio sobre sua meninice, publicada no número passado, deixamo-lo numa praia de Santos, contemplando o mar. Dr. Plinio continua aqui suas  lembranças de como foi discernindo e optando pelo bem, perante as coisas que observava na infância. E como daí surgia o combate ao mal que via em si.

 

Visitando o mar de Santos — a praia do José Menino ou o Boqueirão — lembro-me da impressão que me causavam as ondas quando eu as olhava quebrarem-se a certa altura. Vinham aquelas toalhas de água que se estendiam sobre superfícies mais ou menos amplas, e depois, como por uma força misteriosa, eram atraídas de volta e refluíam, refluíam, refluíam.

Em meu espírito elas evocavam dois outros movimentos que afetavam a sociedade em que eu vivia: o da onda enorme da influência e dos estilos de vida hollywoodianos da década de 30 que avançavam, e o da onda da influência européia que retrocedia. Era a velha Europa da qual eu conservava na retina, na imaginação e no coração alguns aspectos fugazes do tempo em que, com quatro anos, eu a visitara.

Era a velha Europa da qual ouvia falar sempre, nas conversas caseiras; a velha Europa que eu admirava num livro que papai trouxe da Alemanha, quando lá estivemos em 1913. Esplendores da Alemanha militar Esse livro intitulava-se “L’Alemagne Moderne”. Obra de um autor francês que escrevia sobre a Alemanha do tempo do Kaiser Guilherme II, fartamente ilustrado com cenas da  Alemanha daquele tempo. Havia fotografias das regiões industriais e da vida econômica e capitalista da Alemanha que não me interessavam. Mas havia também fotografias dos panoramas alemães e da Alemanha artística — que maravilha! Também da Alemanha de corte — que esplendores!

Eu folheava o livro longamente, embevecidamente, dez vezes, vinte vezes… Depois vinha a Alemanha militar. Eu não posso me esquecer de uma fotografia, colorida com os recursos gráficos do empo, mas que me encantava. Retratava uma parada militar na Berlim kaiseriana, no campo chamado “Tempelhof” (o “Pátio do Templo”), nos arredores de Berlim.

Era uma grande planície à maneira de tabuleiro onde as tropas do Kaiser evoluíam. O Kaiser montava um bonito cavalo, portava um capacete de aço com a águia imperial e passava o bastão de  comando a um general, porque ele devia partir.

Os exércitos do tempo tinham cavalarias magníficas. Não posso me esquecer de uma fotografia um pouco menor, que retratava o “hurrah” da cavalaria: o momento em que todos gritam “hurrah” e os  cavalos avançam contra o adversário de parada, o adversário imaginário. Sabia-se bem que, na mente dos alemães, eram os franceses que estavam do lado oposto.

Mas, com certeza, na tribuna dos diplomatas o embaixador francês assistia aquilo imprevidente, impávido, cético, fingindo achar que esse desfile nada tinha a ver com ele. “Un hurrah de chevalerie”,  lia-se na legenda da foto, na qual a gente via avançar a cavalaria com todos os soldados empunhando espadas. Quanto eu me entusiasmava com essas perspectivas! Alemanha tradicional X Alemanha industrial. Havia no livro fotografias da indústria alemã que tinha aquele quê de metálico, de mecânico, de material, de inanimado no sentido próprio da palavra, isto é, sem alma, inerente a todo ambiente industrial, ainda em nossos dias, e talvez principalmente em nossos dias.

E eu analisava o contraste daquelas fotografias com as cenas de Corte e os retratos do “Kaiser”. Lembro-me de uma fotografia muito bonita: o “Kaiser” e a “Kaiserin” (a Imperatriz) recebendo as  homenagens de seus pajens, numa sala esplendidamente iluminada.

A “Kaiserin” era uma dama simpática, cheia de bondade e distinção. Os dois estavam em pé e os pajens belamente vestidos, em trajes de “Ancien Régime”, formando um quadrilátero diante do Kaiser. Olhava aquilo e achava lindo. Mas havia alguma coisa de que eu não gostava; “algo que já cheirava a indústria ”: de repente, viro uma página e vejo uma fotografia do Kaiser, não mais vestido de  uniforme, como se vestiam os reis daquele tempo, mas em civil, com ar galante e com uma flor no peito. Pouco depois, uma outra fotografia, da célebre, famosa, histórica catedral de Colônia, uma  das mais bonitas do mundo, que foi terminada no tempo do Kaiser e que trazia, do lado de fora, entre as estátuas próprias ao edifício gótico, o Kaiser esculpido como profeta do Antigo  Testamento.

Ficava completamente ridículo! Era indústria de um lado, ridículo de outro, tradição no meio, formando um conjunto objetável. Quando um pouco depois disso assisti, no cinema, a cena do enterro do Imperador Francisco José, da Áustria- Hungria, fiquei deslumbrado. Tudo era como devia ser, exceto num ponto: faltava a força e o empenho que eu admirava no estilo prussiano. Eu me perguntava: “Não há jeito de juntar essas duas coisas? Quão belas, quão nobres são as coisas austríacas! Aqueles uniformes, que coisa esplêndida! Francisco José, que coisa magnífica! Mas essa gente toda, colocada em cima de cavalos, em seu “hurrah ” de cavalaria não é capaz de enfrentar o “hurrah” do Kaiser.

Ora, essas coisas bonitas só são verdadeiramente bonitas quando vitoriosas; e só são vitoriosas quando heroicas; e só são heroicas quando profundamente sérias. Eu percebia que era preciso filtrar, era preciso tamisar o que me vinha dessas nações. Eu não podia aceitar aquilo como um bloco.

De outro lado, que critério usar para filtrar? Que critério para tamisar?

As outras nações da Europa

Extasiava-me também com as outras nações da Europa, cujos produtos me chegavam em abundância, porque ainda não havia as grossas travas de alfândega que depois vieram. Por todo lado  éramos penetrados pela substância européia, enquanto soprava o vento norte-americano.

Nessa contradição, tomando contato com ares franceses, ao mesmo tempo que eu me maravilhava, dizia de mim para comigo: “mas falta seriedade nisso! Em todo esse mimo, em toda essa graça, falta algo”. Eu vejo que essa nação descende de cruzados, mas eu não vejo que cruzados descenderiam dessa nação. Santa Joana d’Arc, que admirável! Godofredo de Bouillon, nem sei o que dizer!

Olhava Versailles cujas carruagens  me tinham entusiasmado tanto; olhava o Trianon, olhava o Petit Trianon, Fontainebleau, as florestas… Como tudo ria e sorria de modo encantador! Mas eu pensava: “isto é o sorriso. Eu quero ver agora a carranca, eu quero ver a força!”

Um trabalho de seleção, com base no critério católico

Era preciso selecionar, era preciso tamisar; não bastava dizer “não” à influência hollywoodiana, mas era preciso rejeitar também a frivolidade francesa e recolher da Europa a pura seiva da Civilização Cristã com base no critério católico. Eu não via que as pessoas de minha época fizessem isso. Notava que, mesmo pessoas de posição na Igreja, pactuavam indolentemente com a influência “yankee” que entrava e olhavam sem saudades para a influência européia que recuava.

Mas quando eu estava sozinho, ao lado da reflexão sobre qualquer coisa — uma concha, um caramujo… —, vinham de modo natural à tona essas considerações que eram longamente analisadas por mim. Eu pesava, comparava, admirava, censurava, e a cada passo que via algo admirável, fazia uma comparação com a Revolução anticristã que entrava e compreendia melhor como esta era rejeitável.

Lembro-me que me sentava sozinho naquelas amuradas de canais que entram pelo mar de Santos. Meu pretexto, para poder me isolar, era pescar siri. Arrumava uma pedra, atava-a de um lado a um pedaço de carne crua que me davam na cozinha da casa de meus tios, e de outro lado a um barbante, e partia com um baldezinho. Era o pretexto para ficar sozinho, pensando. Voltava depois  para casa com três, quatro, cinco siris, que eram jogados fora.

Naquela amurada de pedras que invadia o mar, eu ficava cercado de ondas que vinham e voltavam. Às vezes andava pela praia vazia, ao longo da qual havia casas de família ainda dignas e antigas, e que me pareciam bonitos palacetes agradáveis de serem vistos de longe. E as reflexões começavam a me subir ao espírito. Contemplava o mar de Santos, que a meus olhos parecia grandioso.

Naquela época, o mar conservava algo de ameaçador; os que navegavam pelo oceano ainda tinham medo de alguma coisa. E o medo do mar dava- lhe prestígio…

A alguma distância de mim, do lado do Guarujá, havia uma ilha com uma nota de tragédia, quase colada ao continente. Uma ilha de um granito vagamente rosado, não especialmente bonita, mas agradável de se olhar. Era a ilha das Palmas, onde se dizia que havia um hospital de doenças contagiosas. Eu pensava no infortúnio daqueles que eram colocados fora do convívio humano: “fiquem longe, não queremos contato!” No extremo da terra, isolados, somente ouvindo as ondas do mar…

Esse infortúnio naquele ambiente se me afigurava impressionante. Eu tinha muito medo do contágio, mas considerava fascinantes as meditações que ali se pudessem fazer.

As grandezas do mar, os sorrisos do mar, o rumor do mar… O mar brilhando à luz das quatro horas da tarde, no crepúsculo das cinco ou das seis horas da tarde, e por fim, no ponto último onde no horizonte se encontrava com o céu: olhar aquilo me deixava como que intrigado.

Tudo isso me parecia muito belo. E eu refletia: como isso é diferente  da coisa americana! Como isso convida a pensar! Como, debaixo de vários pontos de vista, pode-se dizer que isso é profundo,  é grandioso, é infatigável, é incessante, é carinhoso, é jeitoso, é discreto. Mas, também, como é solene! Oh, o mar!

Como minha alma que comporta tudo isso é diferente da alma comprimida, achatada, passada na plaina pela Revolução, tão rasa, tão lisa, tão banal, tão corriqueira de tantos daqueles que eu conheço de minha idade! Que mundo está sendo preparado?! Que banalidade!

Combate à tendência para o romantismo

Essa constatação levava-me a deter o olhar não mais na formosura do mar e nas transcendentes belezas a que o mar conduzia, mas a me perguntar: “mas então, como sou eu?

Vou me descrever para mim mesmo

E na hora de me descrever para mim mesmo, o próprio enlevo pela tradição que eu amava, e pela Igreja que eu quase diria adorava, levava-me a perceber o reflexo dessas coisas na minha alma e a ser tentado de enlevar-me comigo. Era a hora exata em que os estampidos sonoros de Wagner, ou melodias ultra-melosas de Chopin me passavam pela memória.

Eu tinha tendência a identificar minha pessoa com a tradição — não por minhas próprias qualidades, mas porque em mim se refletia aquela tradição que eu amava. Ora, nessa identificação, havia o convite para uma posição admirativa e lânguida a respeito de mim mesmo. Era a tentação para o romantismo: a ilusão de ótica por onde a pessoa se põe no centro de tudo, põe-se como foco da  tradição, põe-se como o modelo da Contra-Revolução e já não tem interesse em olhar para o mar a não ser na medida em que o mar se reflete nela. Já não tem interesse em olhar para a História, a não ser na medida em que se sente encaixado  ou relacionado, ao menos pela fantasia, com a História. Pelo peso do pecado original, a pessoa acaba considerando secundário o que antes admirava  e tornando principal aquilo que o pecado original vulnerou, que é o próprio homem.

O mau efeito dessa tentação era como algo lânguido que eu sentia dentro de mim, e pensava: “Não posso consentir nesses pensamentos porque neles há alguma coisa de mau. O que seja, eu saberei depois. Mas o fruto é ruim. Eu preciso ter a serviço dos meus ideais o ímpeto dos ‘hurrah ’ de cavalaria. E tudo o que me afastar desse ímpeto é mau. Tais pensamentos podem ter coisas boas  misturadas, mas fundamentalmente têm algo ruim dentro. Não e não!” Nunca mais ouvi as músicas que eram conexas com esse estado de espírito: nunca mais Chopin, Wagner, Liszt, para não falar de Mendelsohn e Brahms.

Essa introspecção langorosa e derretida de si próprio é a substância do romantismo. Schumann tem uma música chamada “Revêrie”. “Revêrie” quer dizer sonho. A gente vai ver, o tema do sonho é ele,  nquanto se admirando e tendo entusiasmo consigo. O romantismo desnorteou as melhores almas O homem reto nunca se admira a si mesmo, nunca se contempla, nunca se compara, porque  sabe que isso é um poço envenenado, do qual uma gota de água que beba o intoxica. A perfeição nessa matéria, quando se contempla o mar, consiste em evitar ver o reflexos do mar em si, mas pelo contrário procurar vê-lo como simbolizando Deus Nosso Senhor, a Igreja Católica e todas as grandezas.

Ah, se isso tivesse sido feito pelos românticos, quantas almas se teriam salvo e teriam dado resultados esplendorosos! Como teriam sido outras as gerações!

O romantismo tomava as melhores almas daquele tempo, isto é, as que estavam ainda sujeitas à influência européia decadente, e as enleava nessas malhas da auto-contemplação. Enquanto que o dito americanismo hollywoodiano perdia os que eram menos bons. Diante de meus passos, exagerando algum tanto, eu poderia dizer que os caminhos que se abriam eram sendas de perdição.

As frivolidades dos pseudo-tradicionalistas românticos

Nossa Senhora me ajudou a fazer a escolha de tal maneira que do romantismo não ficasse nada e, espero eu, que algo tenha ficado do “hurrah” da cavalaria, da fidelidade à tradição. Aqui se tem, portanto, o que era essa batalha interna, e cada um pode fazer a si mesmo uma aplicação. Eu conheci pessoas bem apreciáveis apaixonadas pela tradição. Com elas acontecia por exemplo que  começavam a estudar história e de repente um inventava que era conde, começava a se vestir de conde, com roupinhas, gravatinhas, colarinhos, anéis — dois, três, quatro ou mesmo cinco anéis diferentes para serem usados conforme o dia — , e adotava modos de falar em que procurava representar um papel histórico. No fundo, tratava-se do egocentrismo. Eram pessoas das quais se ria e que ninguém tomava a sério, que não atraíam ninguém, que não impressionavam ninguém, não arrastavam ninguém. Porque não era a História, não era um ideal, não era um absoluto, não era Deus que estava presente nelas.

Quantas e quantas coisas desse gênero torciam os melhores. Ia-se conversar às vezes com um que tinha o ar mais tradicional, e ouvia-se só bobagens. Eu procurava em vão descobrir a que doutrina, a que pensamento, a que princípio queriam chegar. Nada: o interesse era o anelzinho. Ora, anelzinho não convence!

Havia uma deformação análoga a essa, que era o efeito do romantismo na esfera religiosa.

O que era o romantismo religioso?

Era uma sentimentalidade religiosa que desvirilizava, que afrouxava e debilitava a vontade, que não formava fiéis combativos, mas propunha um ideal de caridade mal concebido, que dava no tipo humano do carola, do beato ou da beata, tão caricatos. Voltemos à praia de Santos. Em meio às reflexões naturais de um menino que se retira sob o pretexto de pescar siri, intervém a Providência.

O Santuário do Embaré começava a ser construído. Uma igreja de um gótico muito provinciano, mas ainda gótico. Da praia, eu olhava para aquela construção e dizia: “Oh, Santa Igreja Católica que não mudas! Tu és fiel ao gótico, que é a morada de minha alma! Tudo muda em torno de ti. Mas tu aqui, diante do mar, em meio à tempestade hollywoodiana, tu ergues as tuas torres góticas aos olhos de Deus e do sol que vai nascer”.

Contemplá-la ajudava-me a discernir entre o bem e o mal, e me enchia de entusiasmo.

Plinio Corrêa de Oliveira
Revista Dr Plinio 66 (setembro de 2003)

Reflexo da sabedoria cristã

As primeiras impressões sobre a Idade Média que tocaram minha alma — as quais encontrariam mais tarde na palavra “Cristandade” a sua expressão adequada — vieram através de livros para crianças folheados por mim, um ou outro cartão postal que me caía sob os olhos, assim como fotografias e gravuras retratando paisagens e monumentos da antiga Europa, e que produziam no meu espírito verdadeiros frêmitos de entusiasmo na consideração das coisas medievais.

Encantavam-me as catedrais góticas, as ruínas de castelos ou as velhas construções conservadas intactas, admirava o mundo da heráldica que começou a luzir à minha vista como um conjunto de vitrais sem vidro, escudos medievais parecendo rosáceas impressas num papel resplandecente, tudo me falando da mesma época em que floresceu a música sacra, uma época em que a fé católica espargia grande influência sobre a mentalidade e a sensibilidade humanas, dando origem a uma ordem temporal de esplendor incomparável.

Ogivas, torres, campanários, vitrais, armaduras… Detenho-me na contemplação destas últimas.

Poucas vezes o homem se tem revestido, no sentido material da palavra, de tal manifestação de força como quando se cobre de ferro, com pequenas aberturas no elmo que o permitam ver e respirar. De resto, está todo envolto pelo ferro, manifestando um misto de prudência e de coragem que traduz o equilíbrio da sabedoria cristã. Coragem e prudência que indicam, ao mesmo tempo, um amor à vida, uma consciência plena do inestimável preço da existência humana para protegê-la de tal maneira, e uma inteira disposição para sacrificá-la, se preciso for, a serviço de Deus e da Igreja.

O homem se veste inteiro de metal, para se defender e para se lançar no centro do perigo, revelando a magnífica estatura do combatente que soube compreender e amar verdades eternas, preceitos morais, tesouros de fé cristã pelos quais vale a pena não só lutar, mas morrer. É praticar essa mesma fé cristã até as suas últimas e gloriosas conseqüências.

Assim, toda a sua personalidade se acha tão imbuída do espírito católico que ele se apresenta revestido de ferro, afirmando a serena convicção de seu direito e da santidade de sua causa. Na véspera de partir para uma batalha em que lutará pelos interesses da Igreja, ele se entregou à vigília das armas: rezou, implorou o socorro do Céu, pesou e mediu os sacrifícios, as dores e, quiçá, o holocausto supremo que se aproximavam. E ele a tudo aceitou de antemão. Os penachos de seu elmo deixaram de ser meros enfeites, e sua armadura uma simples afirmação de riqueza ou categoria.

Simbolizam, agora, a intrepidez de uma alma heroica. São reflexos da sabedoria cristã. Representam a força a serviço da sublimidade.

Plinio Corrêa de Oliveira

Revista Dr Plinio 102 (Setembro de 2006)

 

A entrega do Brasil ao Imaculado Coração de Maria

Tomando conhecimento de uma iniciativa que visava colocar nas mãos da Santíssima Virgem o Brasil, Dr. Plinio a apóia calorosamente.

 

Atendendo com a maior satisfação ao amável convite dos beneméritos Padres cordimarianos, venho prestar minha pequena contribuição para a vitória da gloriosa campanha, agora movida em  tantos lugares, em prol da consagração do Brasil ao Coração Imaculado de Maria.

Jamais será suficiente encarecer a importância desta providencial consagração. É possível que alguns católicos não percebam desde logo o que ela significa. Com efeito, dirão, a devoção a Nossa  Senhora é de tal maneira fundamental no católico, e se encontra tão fundamente enraigada no coração brasileiro, que qualquer trabalho que se faça no sentido de uma consagração do Brasil ao Imaculado Coração de Maria não logrará causar nos espíritos impressão muito profunda. Entre nós, a devoção a Nossa Senhora atingiu seu zênite. Insistir neste assunto é, de certo modo,  consumir tempo e forças na afirmação de um ponto pacífico, enquanto tantos e tantos outros pontos estão a reclamar nosso zelo e combatividade.

Esta argumentação [resulta] de uma série de pressupostos improcedentes. Em primeiro lugar, não se pode dizer propriamente que em qualquer país do mundo a devoção a Nossa Senhora tenha atingido seu zênite. É tal o amor, tão profundo respeito que se deve tributar a Nossa Senhora no culto de hiperdulia que lhe devemos, que Maria Santíssima jamais será suficientemente amada nem louvada pelos fiéis: “de Maria nunquam satis”. Assim, jamais será tempo perdido acentuar a devoção dos fiéis à sua Mãe celestial.

Aliás, se é certo que, graças a Deus, existe no Brasil uma ardente devoção a Nossa Senhora, ninguém poderá negar que essa devoção, como tudo quanto é bom, é passível de prejuízo e decréscimo  neste triste vale de lágrimas. Incrementar por todos os modos a devoção a Nossa Senhora significa, pois, evitar que essa devoção fique exposta aos riscos naturais que decorrem das incertezas do coração humano. E, finalmente, se é certo que nossa devoção é muitas vezes intensa, nem sempre é tão esclarecida quanto seria de se desejar.

Sendo Maria Santíssima a nossa Mãe, é óbvio que nossa devoção para com Ela se deve revestir de caráter de acentuada ternura. Enganam-se, entretanto, os que [pensam que] essa ternura sobrenatural pode confundir-se com certas expansões românticas e sentimentais em que se cifram por vezes algumas manifestações de piedade. São indispensáveis bons e sólidos conhecimentos sobre a posição de Maria Santíssima na economia da graça divina, para que a devoção mariana se torne sólida e perfeita. Ora, a consagração do Brasil ao Imaculado Coração de Maria constituiria excelente oportunidade para se divulgarem com método e perseverança os admiráveis ensinamentos da Santa Igreja sobre tão fundamental matéria.

Mas, é preciso acentuá-lo, os que propugnamos pela consagração do Brasil ao Coração Imaculado de Maria, se bem que apreciemos no seu alto e devido valor estes frutos  de tão solene ato, temos em vista um resultado muito mais alto e mais profundo.

Queremos que nossa Pátria seja consagrada ao Coração Imaculado de Maria antes de tudo e acima de tudo porque Maria Santíssima tem direito a esta homenagem. A realeza de Nossa Senhora, como função da realeza de seu Divino Filho, não pode ser posta em dúvida pelos católicos.

Rainha de todo o universo, Maria Santíssima já foi coroada Rainha do Brasil pela mão do ínclito Arcebispo do Rio de Janeiro, com coroa enviada especialmente pelo Santo Padre. Consagrado o  Brasil ao Imaculado Coração de Maria, consagramos o reino ao coração da Rainha, e, com isto, fazemos um ato excelente de confiança filial em sua misericórdia, e, ao mesmo tempo, atraímos  graças maiores e mais abundantes para nossa Pátria.

Não se trata aí de meras figuras de literatura. Trata-se de realidades sobrenaturais. O reinado de Maria Santíssima sobre o Brasil não é alegórico ou simbólico: é real. Nossa consagração também  não deverá ser um ato feito só para estimular as multidões e dar expansão, por meio de gracioso símbolo, a nosso afeto. Será um ato de caráter sobrenatural, que, se Deus quiser, se realizará em  todas as suas conseqüências. Consagrado o Brasil a Nossa Senhora, pertenceremos mais a Ela, e com nossa doação repararemos de modo mais conveniente todos os ultrajes que a Ela ou a seu  Divino Filho temos feito. E, ao mesmo tempo, Ela será mais nossa. Aceito nosso dom, sua assistência e sua proteção sobre nós serão ainda mais contínuas, mais vigilantes, mais misericordiosas.

Como se vê, não pode haver causa mais digna de ser apoiada com entusiasmo pelos fiéis do Brasil inteiro.

Plinio Corrêa de Oliveira (Transcrito da revista “Ave Maria”, de 31/7/1943)

Santo Estevão – Perfeito guerreiro e devoto de Nossa Senhora

A Igreja, vista na sua totalidade, possui uma harmonia de aspectos opostos, mas afins, que mostra toda a sua beleza. Santo Estêvão foi um exemplo dessa harmonia: incomparável em toda forma de misericórdia, mas por isso mesmo um homem forte, combativo, que lutou intrepidamente pelo bem.

 

As fichas a serem comentadas hoje versam sobre a vida de Santo Estêvão, Rei da Hungria, retiradas do livro Vida dos Santos, de Rohrbacher(1).

Particular devoto da Santíssima Virgem

Santo Estêvão é o grande monarca a cujo Batismo se deveu a conversão da nação húngara, até então pagã. O que Clóvis foi para a França, ele significou para a Hungria, com a imensa diferença de que Clóvis se converteu, mas ficou muito longe de ser um santo. Enquanto, pelo contrário, Estêvão foi um verdadeiro santo. Também os descendentes imediatos de Clóvis não foram santos, mas Santo Estêvão teve um filho canonizado: Santo Américo, sucessor de seu pai no trono real.

Esta primeira ficha nos traz um dado especial sobre Santo Estêvão: sua devoção a Nossa Senhora.

Santo Estêvão sempre manifestou predileção particular pela Santíssima Virgem. Por meio de um voto especial, colocou sua pessoa e seu reino sob a proteção de Nossa Senhora. Quanto aos húngaros, ao referirem-se à Mãe de Deus, não Lhe davam o nome de Maria, ou qualquer outro; diziam apenas “A Senhora” ou “Nossa Senhora”. À simples menção dessas palavras, inclinavam a cabeça e dobravam o joelho.

O santo rei mandou construir em Alba Real magnífica igreja em honra da Rainha do Céu. Os muros do coro eram ornados de esculturas, o piso de mármore, possuía várias mesas de altar de ouro puro, enriquecidas de pedrarias, e um tabernáculo para a Eucaristia maravilhosamente trabalhado. O tesouro estava repleto de vasos de ouro e prata, cristal e de ricos paramentos.

Santo Estêvão sempre desejou, pedindo mesmo em suas orações, que sua morte ocorresse no dia 15 de agosto, Assunção da Santíssima Virgem. Sua vontade foi satisfeita. Antes de expirar, erguendo as mãos e os olhos, exclamou: “Rainha do Céu, Co-Redentora do mundo, é ao vosso patrocínio que entrego a Santa Igreja, com os bispos e o clero, o reino com os grandes e o povo”; e, tendo recebido a Extrema-Unção e o Santo Viático, rendeu a sua alma.

Guerreiro e juiz

A segunda ficha apanha outro aspecto da personalidade dele: Santo Estêvão, guerreiro e juiz.

À piedade e ao zelo de um apóstolo, Santo Estêvão da Hungria juntava a coragem de um guerreiro e herói. Nas instruções a seu filho, Santo Américo, ele próprio observa que passara quase toda a sua vida na guerra, repelindo invasões de nações estrangeiras. Logo que subiu ao trono, ainda duque – ele foi duque até o momento de se converter, quando o Papa o elevou à dignidade de Rei da Hungria –, procurou manter a paz. Porém, dirigidos pelos fidalgos, seus súditos, ainda pagãos, revoltaram-se. Pilhavam cidades e campos, matavam seus oficiais e insultavam o próprio Duque.

O Duque Estêvão reuniu suas tropas e, levando nos seus estandartes a imagem de São Martinho e São Jorge, marchou contra os rebeldes que sitiavam Veszprém. Tendo-os derrotado, consagrou suas terras a Deus.

Em 1002, tendo seu tio Gyula, Duque da Transilvânia, atacado a Hungria por várias vezes, Estêvão marchou contra ele, fê-lo prisioneiro, assim como sua família, e juntou seus Estados à monarquia húngara. Venceu e matou com as suas próprias mãos Kean, duque dos búlgaros. Com o mesmo êxito repeliu os bessos, povo vizinho da Bulgária. Mas sua justiça igualava seu valor. Atraídos por sua fama, sessenta bessos da nobreza deixaram sua terra, levando com eles famílias e riquezas, e vieram pedir ao santo Rei permissão para se estabelecerem no Reino da Hungria.

Os fâmulos de um comandante de fronteira, levados pela cobiça dos despojos, atacaram-nos de improviso matando alguns, ferindo outros, e arrebatando os seus bens. Santo Estêvão deu ordem para que o comandante e suas tropas se apresentassem na corte. Ao defrontá-los, recriminou-lhes a desumanidade e comunicou-lhes que faria o mesmo com eles. Imediatamente mandou-os enforcar dois a dois em todas as avenidas do reino, a fim de que todos soubessem que a Panônia estava aberta aos estrangeiros e que nela encontrariam hospitalidade e proteção.

A Civilização Católica é a fonte de todo bem e de toda grandeza temporal

Aqui encontramos essas verdadeiras maravilhas da Igreja Católica sobre as quais jamais será suficiente insistir. Quando nos deparamos com uma acusação à Igreja, devemos procurar sua unilateralidade. Porque, em geral, tratando-se de uma acusação histórica, entra uma mentira; sendo uma acusação doutrinária, há uma unilateralidade. Os adversários da Igreja não querem tomar em consideração que ela, vista na sua totalidade, tem uma harmonia de aspectos opostos, mas afins, que faz toda a beleza da Esposa de Cristo. Aliás, também no universo, os contrários harmônicos constituem a beleza da ordem criada por Deus. Não se pode possuir verdadeiramente o espírito da Igreja se não se têm os olhos voltados para esta verdade e o espírito enlevado com ela.

Essas duas fichas nos dão a fisionomia completa de Santo Estêvão e, portanto, da Igreja que o canonizou. Porque quando a Esposa de Cristo canoniza alguém, declara que esse Santo teve perfeitamente o espírito dela. De maneira que cada Santo, a seu modo, é uma imagem do espírito da Igreja. Assim, se raciocinarmos com uma lógica elementar, com um bom senso primário, encontramos a plena justificação de ambos os aspectos na vida de Santo Estêvão.

Primeiro, o aspecto varonil e enérgico. Santo Estêvão está às voltas com inimigos irredutíveis que o odeiam por não ser pagão, querem depô-lo porque ele deseja trazer a luz do Evangelho para seu povo, e por isso se revoltam contra ele, dentro do reino, ou marcham de fora para o interior de seus domínios para exterminá-lo e eliminar a porção da nação húngara que já aderiu à verdadeira Fé. Esses homens são esses invasores, revoltosos, os inimigos da salvação eterna do povo húngaro.

Ao mesmo tempo, são inimigos da soberania do povo húngaro, do direito que tem esse povo de escolher a verdadeira Fé, de atender ao apelo de Nosso Senhor Jesus Cristo, dessa liberdade que o homem tem quando obedece a Deus.

Portanto, Santo Estêvão via seu povo atacado nos seus bens espirituais mais altos, porque a Fé é a fonte de todos esses bens, e agredido na sua própria soberania, no que ela tem de mais importante, porque o distintivo da soberania de uma nação é a mesma coisa do que o selo da liberdade de um homem: consiste em, sem embaraços, poder obedecer e servir a Deus. Essa é a própria definição de liberdade. Negar ao povo húngaro essa liberdade era recusar-lhe a sua soberania no que ela tem de mais essencial. Significava, ademais, comprometer o progresso do povo húngaro, porque a Civilização Católica, correspondendo inteiramente aos princípios da ordem natural e dando ao homem as forças sobrenaturais para obedecer aos princípios dessa ordem, é a fonte de todo bem e de toda grandeza temporal. De maneira que querer afastar a Fé católica de um país é desejar mantê-lo num paganismo abjeto e impedir seu verdadeiro progresso. Logo, tudo quanto consistia para a Hungria uma razão de ser e de viver estava empenhado nessa luta de Santo Estêvão.

O centro da resistência de um país era o rei

Naquele tempo a alma e o centro da resistência do país era o rei. O modo de desmantelar essa resistência era matar o monarca. Se um rei pagão pretendia eliminar Santo Estevão, não era belo, simbólico e nobre que o Rei santo o eliminasse com sua própria espada e suas próprias mãos? E que assim a infâmia cometida por um sangue régio fosse reparada pela fidelidade de outro sangue régio? Isso não é conveniente e bonito? Santo Estêvão cumpriu seus deveres de soberano, defendendo assim seu povo e a Santa Igreja Católica.

Por que ele agiu de um modo tão enérgico com os indivíduos que mataram e roubaram essas pessoas que iam se asilar na Hungria? Elas pertenciam à própria nação do rei que ele tinha morto, ou que ia matar. Eram pessoas de categoria que, descontentes com o rei pagão, querendo se converter, passavam com seus rebanhos e suas economias para o território da Hungria. Elas chegam à fronteira – naturalmente desejavam se batizar – e pedem: “Nós queremos ingressar no reino de Estêvão e no reino de Cristo. Pedimos licença para entrar impunemente nós e os nossos.” Consulta-se o Rei, o qual diz: “Podem entrar, eu dou garantias para as pessoas e para os bens.” Abrem a fronteira e elas entram com toda a confiança, deixando as armas de lado – naquele tempo todo homem, sobretudo o chefe de família, era um guerreiro.  Mas aparecem uns bandidos infames que assaltam, matam algumas pessoas para serem donos dos haveres. São assassínios vulgares, agravados pelo aspecto da traição. Então, Santo Estêvão, que punia com pena de morte um assassinato comum, não haveria de mandar castigar esses homens? Alguém dirá: “Mas eles foram muitos.” Prova a mais de que se devia punir com pena de morte. Porque, se são muitos os criminosos, isso prova que o povo não está muito distante da prática desses crimes. E então é necessário punir para que o crime não se repita. O fato de serem muitos é uma prova a mais de que precisava punir.

Praticou a justiça e a misericórdia ao mesmo tempo

Ele cumpriu o dever inerente à majestade régia. O rei tem os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. É o supremo juiz do país. E os antigos, aliás muito acertadamente, consideravam o Poder Judiciário mais alto do que o Legislativo. Porque as Leis fundamentais são feitas por Deus. E o rei é o juiz que julga de acordo com as Leis fundamentais. O monarca não possui a plenitude do Poder Legislativo, enquanto o Poder Judiciário ele tem no sentido de que aplica a Lei de Deus. Então, Santo Estêvão agiu perfeitamente bem.

Esse homem podia, portanto, quando rogava para Nossa Senhora, dirigir-se a Ela com o espírito completamente tranquilo, com a consciência inteiramente distendida. E verdadeiramente chamá-La de Mãe de Misericórdia, implorar a compaixão d’Ela porque ele usou de misericórdia. Ao castigar essa gente, Santo Estêvão foi misericordioso para com os que eram ou poderiam vir a ser vítimas desses homens maus, se não fossem intimidados; quer dizer, ele praticou a justiça e a misericórdia ao mesmo tempo. Então, nós deduzimos daí que Santo Estêvão agiu perfeitamente bem.

Temos, então, a imagem do perfeito guerreiro e devoto de Maria. Incomparável no perdoar, no estimar, em toda forma de misericórdia, mas por isso mesmo homem forte, valente, que passou o tempo inteiro na luta.

Fisionomia do combatente católico por excelência

Lembro-me de que certa vez, conversando com um senhor de uma lógica muito estrita, muito clara, com base em premissas extremamente pobres e limitadas, abrangendo sempre uma parte infinitesimal do horizonte, ele me dizia:

“Eu não gosto do livro Imitação de Cristo. Li e não compreendo, porque se eu fosse fazer constantemente o que está ali – voltar o outro lado do rosto, não tomar em consideração o mal que os outros nos fazem, perdoar sempre, etc. –, eu me deixaria roubar, saquear! É a conclusão lógica da Imitação de Cristo.”

Pensei com os meus botões: Para esse homem não há explicação possível. Ou lhe faço um simpósio, que de nenhum modo ele quer ouvir, ou ele não pode entender isso, porque se colocou previamente fora das perspectivas necessárias para essa compreensão.

É preciso exatamente compreender que a Imitação de Cristo foi escrita para um ambiente no qual esses princípios que apresentei eram claríssimos, e havia até a tendência a exagerar o lado belicoso. Então, a Imitação de Cristo constituía uma nota dentro de um concerto, ou seja, a insistência em uma das vias que, conjugada com a outra, dá a perfeição da Moral Católica.

Sem dúvida, sempre que possível é preferível perdoar, praticar a mansidão e não a violência. Mas não sendo possível é preciso arregaçar as mangas e lutar!

Nisso se vê nossa fidelidade aos princípios da Igreja Católica, pelo auxílio e bênção de Nossa Senhora. Por vezes, as pessoas não compreendem o desassombro com que enfrentamos o que imaginam ser a opinião pública. De outro lado, não entendem também como somos corteses, gentis, amáveis e nunca tomamos a iniciativa do ataque. Entretanto, quando atacados, damos uma surra! É a fisionomia do combatente católico por excelência: enquanto não me agridem, não agrido. Porém, ai de quem me agredir, porque saio “com um quente e dois fervendo!”(2) É uma pequena aplicação do que acabamos de ver na vida de Santo Estêvão.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 10/9/1971)

 

1) Cf. ROHRBACHER, René François. Vida dos Santos. São Paulo: Editora das Américas, 1959. vol. XV, p. 423, 428-430 e 442.

2) Antiga expressão popular portuguesa, significando aqui uma reação imediata e indignada.

Santa Josefina Bakhita

Nascida no Sudão em 1869, foi raptada por traficantes de escravos, os quais lhe impuseram o nome de Bakhita, que significa Afortunada.
 
Após ser vendida várias vezes no mercado, teve a dita de ser comprada pelo cônsul italiano, Callisto Legnani, em cuja casa foi pela primeira vez tratada com bondade e carinho.
 
Quando o cônsul retornou à Itália, a jovem escrava pediu que fosse levada junto com a família. Lá chegando, Legnani acedeu aos insistentes pedidos da esposa de um seu amigo, Augusto Michieli, e permitiu que a jovem fosse residir com eles. Dedicada e afável, em pouco tempo ela conquistou a simpatia e confiança dos novos patrões, tornando-se babá da filha recém-nascida.
 
Pouco depois, o casal Michieli mudou-se para o norte da África, deixando a filha e sua fiel guardiã sob os cuidados das Irmãs Canossianas, de Veneza.
 
Nesse Instituto religioso, Bakhita começou a ouvir falar de um Deus que ela já sentia em seu coração sem saber quem era Ele.. Após alguns meses de catecumenato, foi batizada, em 9 de janeiro de 1890, com o nome de Josefina.
 
Quando o casal Michieli quis levá-la para a África, ela manifestou com firmeza sua decisão de permanecer com as Irmãs Canossianas, a serviço daquele Deus que lhe havia dado tantas provas de seu amor.
 
Em 8 de dezembro de 1896, fez os votos perpétuos no Instituto de Santa Madalena de Canossa. Viveu nessa comunidade mais de 50 anos, exercendo diversas funções. Como irmã porteira, atraía as simpatias de todos, especialmente das crianças, que ouviam com encanto sua agradável e cadenciada voz. Chamavam-na de “Madre Morena”.
 
Suportou com grande paciência os sofrimentos de uma longa e dolorosa enfermidade que a levou à morte no dia 8 de fevereiro de 1947. Logo se espalhou a fama de sua santidade. Foi canonizada em 1º de outubro de 2000.

Consagração, liberdade suprema

Interior da igreja onde repousam as relíquias de São Frei Galvão, Convento da Luz, na capital paulista

Escreve-me um leitor:

“Entre outros títulos de glória, o Sr. atribuiu a Frei Galvão, em seu último artigo, o de “escravo de Maria”. O fato me choca. Este título não traz glória nem para Frei Galvão nem para Maria. A escravidão é a sujeição de um ente a outro, pela força. Ela resulta de que o mais forte tenha roubado ao mais fraco (pela superioridade física ou pela pressão econômica, pouco importa) o atributo essencial da dignidade pessoal, isto é, o direito de cada um a dispor de si segundo seu exclusivo entendimento e interesse. A palavra “escravidão” lembra o chicote, o açoite, as algemas, a subnutrição e as perseguições policiais. Como pode ter escravos Maria, a quem os católicos cultuam como Rainha da bondade? E como pode alguém ter por honra ser escravo, ainda que seja de Maria? Convenhamos, tudo isto é absurdo”.

Tal estilo de relacionamento entre Maria e um seu devoto seria efetivamente absurdo. Ora, sempre que uma pessoa sensata faz algo que parece absurdo, deve-se logicamente procurar para seu ato uma interpretação que o faça ver em seu verdadeiro aspecto, explicável e sensato. Se o grande Frei Galvão, tão obviamente sensato e virtuoso, julgou honrar seu burel de franciscano e seu sacerdócio fazendo-se escravo de Maria, ao missivista tocaria o dever de presumir que há para isto uma explicação razoável e elevada. Tal explicação pode ser encontrada facilmente na sua melhor fonte, o “Traité de la vraie dévotion à la Sainte Vierge” de São Luís Maria Grignion de Montfort, livro aprovado pela Igreja Católica e tido geralmente como uma das obras mais eminentes da Mariologia.

Tentarei explicar aqui, com vistas ao leitor, o que é essa escravidão marial, à qual São Luís Maria chama esclavage d’amour [escravidão de amor] e – note-se – não da força bruta, da coerção.

*  *  *

Ainda não há muitos anos, um dos mais belos elogios que se poderia fazer de alguém – Chefe de Estado, pai de família, sacerdote, magistrado ou militar – era qualificá-lo de “escravo do dever”. Afirmava-se, assim, que ele era capaz de arcar com quaisquer riscos ou prejuízos para não transgredir os deveres inerentes a seu cargo. Ou, até, para fazer tudo quanto fosse simplesmente aconselhável no sentido do mais esmerado cumprimento de sua missão.

Análogo significado tinha a afirmação de que um chefe de Estado ou de família, um magistrado ou militar fazia de sua missão “um verdadeiro sacerdócio”.

A palavra “escravo” tinha pois, aí, um sentido absolutamente distinto do mencionado pelo leitor. Qualificava alguém que, livremente persuadido da nobreza e elevação de seus deveres e de sua missão, resolvera, também livremente, imolar, a bem dela, se fosse o caso, até mesmo seus legítimos direitos e seus mais caros interesses.

Nessa “escravidão” cheia de amor ao dever, ao ideal, à missão, o homem nem de longe é escravo à maneira dos prisioneiros de guerra romanos ou dos negros embarcados à força para o Brasil. Pelo contrário, ele exerce racionalmente, e no mais alto grau, a sua liberdade, e faz um uso absolutamente lúcido e nobilitante, de si e de tudo quanto é seu.

Assim é o sentido que São Luís Grignion de Montfort dá à consagração de alguém como “escravo de Maria”.

É escravo de amor de Maria Santíssima, quem, persuadido sem qualquer coação, das prerrogativas excelsas que a Ela tocam como Mãe de Deus, e das perfeições morais de que Ela é modelo, a Ela consagra livremente e por amor “seu corpo e sua alma, seus bens interiores e exteriores, e até o valor de suas obras boas passadas, presentes e futuras, deixando a Ela o direito pleno e inteiro de dispor de si e de tudo o que lhe pertence, sem exceção, segundo o gosto dEla, para a maior glória de Deus, no tempo e na eternidade”; as palavras são do Santo. E em troca dessa lúcida e libérrima consagração, Maria, Mãe de misericórdia, não trata seu escravo nem de longe com o egoísmo baixo e violento do romano ou do negreiro, mas com o amor materno, cheio de afeto e consideração, da mais generosa, afável e indulgente das mães.

E passo aqui a outra analogia elucidativa. Essa posição do “esclave d’amour” de Nossa Senhora – considerada enquanto abnegada imolação dos direitos e interesses de alguém, em benefício de um ideal sacrossanto, como é o serviço da Virgem-Mãe tem muito de comum com o ato pelo qual um frade ou uma freira se integra em uma Ordem religiosa, renunciando, num gesto supremamente lúcido e livre, à disposição de si e ao próprio patrimônio, pelos votos de obediência, pobreza e castidade.

Só que quem se consagra como escravo de Maria, sob certo aspecto ainda é mais livre, pois ao contrário do frade ou da freira, não faz votos, e assim conserva a faculdade de desligar-se, a qualquer momento, dessa sublime consagração.

Em todos os países da terra, a faculdade de agir assim se considera liberdade. Exceto, é claro, nos países comunistas. – Mas nestes, o que é ser livre? – É ser escravo, ao pé da letra.

E por sinal: o autor da carta é anticomunista?

Plinio Corrêa de Oliveira

Ensino imparcial da História: TRIUNFO DA IGREJA

A Carta Apostólica “Annum Ingressi”, diz Dr. Plinio, é a chave de cúpula de uma brilhante série de documentos redigidos pelo Papa Leão XIII, para mostrar o papel benéfico e insubstituível da Igreja Católica no desenvolvimento da civilização e na promoção do verdadeiro progresso. Dentro da série estamos publicando, ele continua a comentar o pensamento do Pontífice.

Conforme vimos, os documentos publicados por Leão XIII sobre os mais diversos temas constituíam um conjunto que visava ao mesmo fim: esclarecer e alertar, na tormenta, o povo fiel.

As Encíclicas sobre doutrinas sociais, sobre a família, sobre o poder político não são senão episódios de uma só e grande reação em face das “opiniões perversas”. E de tal maneira esses documentos se entrelaçam uns com os outros, que os maiores condensam muitas vezes, e genialmente desenvolvem, ensinamentos para os quais as Encíclicas anteriores já haviam preparado os espíritos, tocando ex professo ou incidentemente o mesmo assunto. Ele nolo diz, aliás, expressamente quanto a mais de uma delas.

Numa série tão concatenada, o último documento, feito por um autor que, como vimos, não ignorava estar prestes a transpor as “portas da eternidade”, tem evidentemente o caráter de remate, o papel de chave de cúpula, a importância de um complemento final e supremo, de uma mensagem extrema na qual se resume, e chega à sua mais nítida e sintética expressão, tudo quanto de mais essencial fora anteriormente ensinado.

A história de Leão XIII, a análise de seus documentos, a própria história do século em que ele viveu e no qual sua figura alcançou projeção mundial, não podem abstrair do estudo da “Annum ingressi”.

O estudo da História não pode ser “desinteressado”

Essa Carta Apostólica, que constitui importante trabalho histórico — pois é como que a síntese de uma fase crucial da História da Igreja, escrita por ela mesma —, apresenta para a historiografia católica e, a este título, também para a historiografia em geral, um interesse inegável. Pois ela nos faz conhecer o pensamento do grande Papa sobre a missão da História, bem como sobre o “tratamento ” do fato histórico com os recursos de uma sã filosofia e de uma teologia ortodoxa.

O pensamento de Leão XIII se nos apresenta bem definido nesse documento: a História não pode ser “desinteressada ”, isto é, o historiador deve ser imparcial na pesquisa da verdade histórica, mas uma vez tendo-a encontrado, pode e deve tomar partido por ela. No caso concreto, o historiador imparcial, bem informado e capaz, verá na História uma justificação da Igreja. Cabe-lhe dar testemunho deste fato.

E mais: como a Igreja é uma sociedade viva, que age e luta no presente; como o testemunho da História é elemento essencial para o êxito ou o insucesso desta luta; o historiador está no seu direito quando se empenha especialmente em desfazer o falso testemunho de uma História mentirosa.

A História apologética, assim entendida, não é um subproduto da História, e muito menos uma caricatura.

É, pelo contrário, História genuína e excelente, voltada para a realização de uma de suas mais altas missões. Se o Papa coloca, no ápice da grandiosa construção doutrinária, um documento histórico-apologético, um de seus objetivos expressos é exatamente “reabastecer de Fé e coragem” as almas que, opressas pelas “graves provações da Igreja”, poderão “recobrar alento”.

A História tem também outro fim, que é dos principais para Leão XIII: buscar nos fatos do passado uma explicação do presente, que sirva para a solução dos problemas atuais (veremos depois que Leão XIII aponta outra utilidade para a História: proporcionar elementos para fundadas conjecturas do futuro). Com efeito, se Leão XIII se propõe demonstrar na “Annum ingressi”, com argumentos históricos, a grande lei que nela enuncia, fá-lo para “assinalar os remédios” aos males de seu tempo: História “Magistra Vitae” — a História é a mestra da vida, diziam os antigos.

Muitas vezes o ensino da História é preconceituoso Aliás, nessa Carta Apostólica, Leão XIII outra coisa não faz senão pôr em prática os conselhos que, em outros documentos famosos sobre a História, ele deu aos historiadores católicos.

Referimo-nos em especial ao Breve Saepenumero Considerantes (“Consideramos freqüentemente”), de 18 de agosto de 1883, documento famoso, pelo qual Leão XIII franqueou os arquivos do Vaticano ao estudo dos historiadores.

É interessante ver como a “Annum ingressi” constitui um modelo de trabalho histórico feito segundo o espírito desse Breve.

Começa o Breve por lamentar “a força e perfídia” com que os adversários da Religião procuram tirar proveito da História para “tornar suspeitos e odiosos a Igreja e o Papado ”. Dá ele um apanhado da historiografia anticatólica, desde os “Centuriadores de Magdeburgo” (Alemanha) até nossos dias¹.

Ora, esta historiografia “invadiu até as escolas”, onde “freqüentemente se dão às crianças, para as instruir, livros cheios de erros”. No ensino superior, o estudo da História é aproveitado para “construir teorias baseadas em preconceitos temerários, o mais das vezes em desacordo flagrante com a Revelação divina”, o que enche a “chamada Filosofia da História” de “densas trevas”.

Em suma, “sem descer a pormenores, o plano geral do ensino histórico tem por fim tornar suspeita a Igreja e odiosos os Papas, bem como persuadir, sobretudo a multidão, de que o governo pontifício é um obstáculo à prosperidade e grandeza da Itália”. Leão XIII manifesta aqui uma preocupação muito acentuada com a História da Itália, país no qual a investida anticlerical estava em seu clímax. Não obstante, o panorama descrito se aplicava, mutatis mutandis, ao mundo inteiro.

Nesse Breve fica, assim, caracterizada em termos impressionantes a ofensiva desenvolvida contra a Igreja no campo histórico: “Hoje mais do que nunca”, assevera Leão XIII, “a arte do historiador parece ser uma conspiração contra a verdade”. O Pontífice emprega, a este propósito, expressões que insistem muito sobre a má-fé da historiografia anticatólica.

História anticatólica, eivada de erros e de injustiças

O Papa fala de “injustos ataques contra a honra e dignidade da Sé Apostólica”, “mutilações e hábeis omissões sobre o que constitui os maiores lances da História, a fim de dissimular, pelo silêncio, os fatos mais gloriosos e gestos memoráveis, enquanto se redobravam esforços para de pôr em evidência e exagerar” o que, no passado da Igreja, poderia ter sido “menos prudente ou menos irrepreensível”; “malevolência e calúnias” contra o poder temporal dos Papas; “mentiras que audaciosamente se esgueiram nas volumosas compilações e nos delgados panfletos ”, na imprensa e no teatro; quando a própria evidência dos fatos não permitia que se voltassem contra a Igreja “todos os negrumes da calúnia”, narravam-se os fatos de maneira a subestimar tanto quanto possível a glória dos Papas, “à força de atenuações e dissimulação”.

Pouco depois, Leão XIII denuncia os livros escolares “cheios de mentiras”, a “perversidade e leviandade” de certos professores; mostra que nas escolas superiores as teorias contrárias à Revelação eram elaboradas “com o único intuito de dissimular e ocultar o que as instituições cristãs tinham de mais salutar”.

Com isto chegavam a “inconseqüências e absurdos”. Quanto ao “plano de ensino da História tendente a tornar a Igreja suspeita, os Papas odiosos, e persuadir a multidão de que o governo pontifício era um obstáculo à gradeza da Itália”, “nada se pode afirmar que mais revolte a verdade”, diz Leão XIII; isto é “mentir violentamente sobre fatos evidentes e notórios.

Enganar conscientemente a outrem, com intuito criminoso, é por maldade envenenar a História”.

Quanto aos efeitos deletérios dessa ação anticristã, que dissemina uma História “escravizada ao espírito de partido”, o Breve os enumera com precisão e força².

O dever dos historiadores católicos

Tudo isto convida, a um nobre esforço de História apologética, “homens probos e versados neste gênero de estudos, que se consagrem a escrever a História de maneira que esta seja o espelho da sinceridade e da verdade”.³

A História apologética não é, pois, uma História feita com retoques fraudulentos, para servir às conveniências de uma causa. É proba, honesta, veraz, científica, inflexivelmente subordinada ao tríplice ditame de toda História digna desse nome: “não mentir, não temer dizer a verdade, não ceder ao desejo de lisonjear, ou de hostilizar”.

Se se pode falar de uma História apologética segundo a mente de Leão XIII, é simplesmente no sentido de uma História tão autêntica e científica como outra qualquer, mas que escolhe por temas os assuntos em que a História falsa procura guerrear a Igreja.

Quando falamos de História científica aludimos tão-somente a uma História feita segundo os bons métodos, e com o auxílio dos recursos científicos hodiernos. Os historiadores católicos devem ter em conta que “nada do que o engenho dos modernos inventou é alheio ao objeto de seus trabalhos” — escreveu Leão XIII noutro de seus documentos.

Além de ser obra rigorosamente imparcial, uma obra dessa categoria presta alto serviço à causa da religião e da sociedade, bem se vê. Tarefa digna de particulares “eruditos e adestrados na arte de escrever a História” – “historia scribendi arte” 6.

Tão nobre que constitui para a própria Igreja um direito e um dever: “já que o inimigo busca na História suas armas principais, cumpre que a Igreja combata em paridade de condições, e redobre seus esforços para repelir o assalto com valentia maior onde ele é mais violento”7.

E foi essencialmente com este intuito que Leão XIII franqueou “os depósitos literários” do Vaticano aos estudiosos. Tanto é legítima e gloriosa atarefa de uma História apologética bem entendida.

E, com efeito, não teria sentido o papel dos estudos bíblicos indispensáveis à Igreja para que ela exerça seu ministério num ambiente cultural cada vez ais trabalhado pela crítica científica, se não se reconhecesse francamente a liceidade de uma História apologética.

Na mente de Leão XIII, não só tais estudos bíblicoapologéticos eram cientificamente lícitos, mas da maior importância. Consagrou-lhes uma Encíclica que ficou famosa (Providentissimus Deus, de 18 de novembro de 1893), mas instituiu ainda a Comissão dos Estudos Bíblicos, para “assegurar a manutenção integral da verdade cristã e promover os estudos da Sagrada Escritura”8 e lhe pôs à disposição “uma parte de nossa Biblioteca Vaticana”, na qual prometia instalar, para uso da Comissão, abundante coleção de manuscritos e de volumes de todas as épocas, tratando de questões bíblicas.9

O apelo de Leão XIII deu origem a toda uma série de trabalhos históricos de orientação católica, que figuram com honra na bibliografia de nossos dias.

1 Saepenumero Considerantes II,2,a,b,c,d. Os chamados“centuriadores de Magdeburgo”, teólogos protestantes, escreveram no século XVI uma história da Igreja, de caráter fortemente anticatólico, com argumentos inconsistentes, distorções da verdade e muitos documentos falsos. Sua tese era de que a Igreja Católica havia sido infiel à primitiva Igreja cristã, tinha destruído a brilhante antiguidade grecoromana e jogado o mundo no obscurantismo, fanatismo e miséria da Idade Média. Felizmente, o Renascimento havia recuperado os valores do mundo antigo.
2 Saepenumero Considerantes IV,a,b.
3 Saepenumero Considerantes IV,b.
4 Saepenumero Considerantes IV,d.
5 Carta Apostólica Vigilantiae Studéique Memores, 30/10/1902.
6 Saepenumero Considerantes V.
7 Saepenumero Considerantes IV,i.
8 Vigilantia Studéique Memores, op. cit.
9 Ibid. Leão XIII apela nesta Carta Apostólica aos “católicos
mais favorecidos com bens de fortuna” para enriquecer
ainda mais este depósito. Na biblioteca do Vaticano, que o
próprio Pontífice expandiu pela aquisição da biblioteca
Borghese, bem como no arquivo do Vaticano, hauriram os
documentos para seus trabalhos, historiadores do valor do
Cardeal Hergenröther, do dominicano Deniffle, do
Cardeal Ehrle, do Barão Luís de Pastor e do Padre
Duchesne.

Plinio Corrêa de Oliveira
Revista Dr Plinio 52 (Julho de 2002)

Quebrai as resistências abjetas de meu coração

Minha Mãe, Vós sois Rainha de todas as almas, mesmo das mais duras e empedernidas que queiram abrir-se a Vós. Suplico-Vos, pois: sede Soberana de minha alma; quebrai os rochedos interiores de meu espírito e as resistências abjetas do fundo de meu coração. Dissolvei, por um ato de vosso império, minhas paixões desordenadas, minhas volições péssimas e o resíduo dos meus pecados passados que em mim tenham ficado. Limpai-me, ó minha Mãe, a fim de que eu seja inteiramente vosso.

Plinio Corrêa de Oliveira (Composta em 31/5/1972)
Revista Dr Plinio 257 (Agosto de 2019)

Contemplação: fruto da penitência e do desapego!

Estando profundamente arrependida, Santa Maria Madalena perdeu o apego às coisas da Terra que lhe foram ocasião e motivo de pecado, e voou à contemplação. Meditando na vida da Santa Penitente, Dr. Plinio põe-se a seguinte interrogação: existirá alguma correlação entre espírito de contemplação, espírito de arrependimento, e desprendimento das coisas desta Terra?

 

Santa Maria Madalena mereceu ser a primeira pessoa a contemplar o Salvador ressuscitado.

No famoso episódio do banquete, em que Maria Madalena — tudo leva a crer que dela se tratava — ungiu os pés de Nosso Senhor, há aspectos colaterais os quais nos fornecem algumas perspectivas da alma e da vida dela, bem como de sua posição no firmamento da Igreja, que seria o caso de comentarmos.

Contemplação e penitência

Ela era irmã de Lázaro, o qual, segundo a tradição, pertencia à alta sociedade porque era um homem muito rico. Portanto, Lázaro e suas duas irmãs eram pessoas de alta categoria, mas Maria Madalena havia decaído muito e se tornara uma pecadora pública.

Depois do seu arrependimento, Santa Maria Madalena passou a representar duas coisas que se tornaram claras: de um lado a contemplação, e de outro a penitência.

Ela se diferenciou de Marta, no célebre episódio em que Nosso Senhor disse a esta última — que censurava Madalena porque não estava se ocupando das coisas da casa, mas se limitava a olhar para Ele e ouvi-Lo —: “Marta, Marta, Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada!”(1)

A partir de então, Santa Maria Madalena representou o estado puramente contemplativo, destacado da vida ativa. E, pelo seu grande arrependimento, pela sua fidelidade ao pé da Cruz, e pelo fato de ter sido a primeira que teve notícia da ressurreição do Redentor, ela passou a simbolizar não apenas a contemplação, mas a penitência, a penitência na sua glória, no estado do maior perdão e da maior intimidade com Nosso Senhor.

Com o exemplo da vida dela, e de outros santos, alguns teólogos pretenderam que o estado de penitência séria, profunda, é mais bonito que o estado de inocência.

Judas, o oposto de Santa Maria Madalena

Em terceiro lugar, ela representou também a afirmação dos direitos da inocência e dos direitos de Nosso Senhor.

Em que sentido?

Todos se lembram deste fato: estando o Divino Salvador em Betânia, foi oferecida uma ceia em sua honra. Madalena entrou e, quebrando um vidro de perfume, começou a ungir os pés de Nosso Senhor. Judas censurou-a a esse respeito, mas o Redentor justificou a atitude dela.(2)

Vemos aí a penitência, juntamente com a contemplação, numa espécie de irredutível oposição ao espírito sem nenhum arrependimento de Judas. Este, em vez de arrepender-se, caiu no desespero, como mostra o ato pelo qual ele se enforcou na figueira.

Enquanto ela, como contemplativa e penitente, representava a renúncia aos bens da Terra, Judas, como ladrão, traidor — e traidor por dinheiro —, simbolizava o apego aos bens deste mundo.

Dois itinerários que se cruzaram

O que pode ter levado esse miserável a ter tanto apego ao dinheiro? Um apego que naturalmente chegou ao ódio ao Redentor, porque ninguém faz uma traição como aquela, apenas por lucro, sem ódio; no fundo, um ódio que domina o próprio espírito de lucro. A roubar as esmolas coletadas para os pobres? Ele que era o defensor dos direitos dos pobres, na hora em que se verteu o perfume nos pés de Divino Mestre… Ao desejo de se tornar rico, para ter uma carreira colateral à de apóstolo, e ser um homem considerado importante naquela sociedade de Jerusalém, julgando que ele perdia algo de sua carreira humana seguindo a Nosso Senhor Jesus Cristo, a quem os fariseus desdenhavam como um homem sem importância?

Judas fez tais coisas porque, quando ele estava junto a Nosso Senhor e ouvia as prédicas e assistia aos milagres do Divino Mestre, o seu espírito saía de lá e começava a pensar em Jerusalém, nas suas praças ou no Templo, onde ficavam os tão “finos, simpáticos e inteligentes” fariseus.

Porque não se reteve nas contemplações do Redentor e começou a aspirar às coisas do mundo, ele caiu em pecado. E esse pecado, chegando até o extremo, o conduziu ao desespero: Judas então se enforcou na figueira maldita.

Podemos admitir a possibilidade de que, em determinado momento, Judas esteve em estado de graça e Maria Madalena em pecado mortal. Ela saiu do pecado, para subir a um alto grau de virtude, e ele desceu da condição de apóstolo, para a qual tinha sido convidado por Nosso Senhor — houve, portanto, uma hora em que o Redentor não só o amou, mas o amou até o fim, e Judas amou a Nosso Senhor —, ele desceu desta condição, para ser o vendilhão do Salvador.

Vemos assim quanto pode subir uma alma que está no lodo, e quanto pode cair uma alma chamada para o que há de melhor. Foram dois itinerários que se cruzaram; é uma coisa que nos arrepia, enche de terror.

Santa Maria Madalena e Judas; espírito de Jacó e de Esaú

A oposição das figuras de Santa Maria Madalena e de Judas torna-se tão flagrante que vai até ao Calvário e à Ressurreição.

Ela estava ao pé da Cruz, e ele, o apóstolo maldito, o homem execrando, foi quem encaminhou Nosso Senhor para a Cruz. Santa Maria Madalena é a primeira a presenciar a Ressurreição, enquanto ele se enforca e sua alma cai porcamente no Inferno.

As antíteses entre um e outro estado de alma são tremendas; os espíritos são diferentes. Compete-nos fazer uma análise dos traços desses espíritos.

Que nexo há entre arrependimento, pura contemplação e desapego dos bens do mundo, de um lado; e de outro lado, impenitência final, desespero, apego aos bens do mundo, enchafurdamento na vida prática, ativa, como fazia Judas, homem que naturalmente roubava e fazia negócios desonestos? Que paralelismo existe entre uma coisa e outra?

Há algum tempo tratei neste auditório a respeito de Esaú e de Jacó, e falei sobre o espírito de ambos.

Santa Maria Madalena nos afigura como quem teve o espírito de Jacó. Quer dizer, espírito superior, voltado para as coisas elevadas, portanto para Deus, e indiferente às coisas materiais do mundo.

Judas é o tipo do Esaú. Mais do que vender o direito de primogenitura por um prato de lentilhas, ele vende seu Salvador por trinta dinheiros, o que é muitíssimo pior. E não teve verdadeiro arrependimento, porque nele não havia mais nenhuma forma de virtude sobrenatural. Fracassou totalmente, caiu no desespero e suicidou-se.

Contemplação nascida da penitência e do desapego

Então, que nexo existe entre estas três coisas: o espírito de contemplação, o espírito de arrependimento, e o desprendimento das coisas desta Terra?

É fácil compreender, pois uma pessoa, de qualquer um desses pontos parte para o outro. Estando profundamente arrependida, com arrependimento eficaz, ela perde o apego às coisas da Terra que lhe foram ocasião e motivo de pecado; e, tendo esse desapego, facilmente vai para a contemplação. A pura contemplação e a renúncia das coisas devido às quais ela pecou, levada ao último extremo, são o próprio da penitência. Quem pratica a verdadeira penitência não se limita a separar-se daquilo que o conduziu ao pecado; ele o execra. E por isso coloca, entre aquilo por onde pecou e si mesmo, a maior das distâncias.

Para praticar essa penitência tão grande, convinha a Santa Maria Madalena separar-se completamente do mundo. E não ficar apenas no estado de uma vida contemplativa e ativa, mas levar vida puramente contemplativa, em que tudo foi abandonado, e qualquer forma indireta de contato com a matéria execrada devido ao pecado foi também cortada; assim, não lhe restava outra coisa senão a contemplação. Contemplação que, nascida da penitência e do desapego, faz compreender a excelência das coisas do Céu, e que todas as coisas da Terra foram feitas para as do Céu. Portanto, era justo e bom derramar unguento nos pés sacrossantos de Nosso Senhor Jesus Cristo, mesmo quando houvesse pobre que precisasse de esmola.

A pecadora arrependida amava Nossa Senhora, e o traidor A detestava

Todos os que têm tratado deste particular dizem o seguinte: Judas com certeza não tinha devoção a Nossa Senhora. Se tivesse para com a Santíssima Virgem um mínimo de instinto filial, de simpatia, de amor, quando ele caiu inteiramente em si iria procurar por Ela; e ter-Lhe-ia pedido que arranjasse a situação dele. Mas Judas tinha antipatia por Nossa Senhora, e A detestava. O Evangelho diz, de modo taxativo, que o demônio tinha entrado nele. E o demônio afastava-o o quanto possível da Virgem Maria.

Qual o resultado? Ele não se dirigiu Àquela que é o canal das graças, e isto ocasionou a sua perdição.

São Pedro, depois de ter renegado Nosso Senhor, talvez tenha tido tentação de desespero. Mas é certo moralmente que ele procurou Nossa Senhora. Por isso, ele, que também tinha pecado muito, foi fiel, sendo o primeiro Papa da Santa Igreja Católica.

Santa Maria Madalena sempre aparece fazendo parte do cortejo da Santíssima Virgem, intimamente unida a Ela em todos os momentos, sobretudo na hora régia da vida de Nossa Senhora, quando Nosso Senhor Jesus Cristo, com dores indizíveis, disse “Consummatum est”.

Podemos imaginar Santa Maria Madalena junto a Nossa Senhora, na hora da piedade, quando a Mãe de Deus tinha Nosso Senhor Jesus Cristo sobre seu colo.

Naquele momento tremendo, Nossa Senhora ficou inteiramente abandonada: Nosso Senhor no sepulcro, o Colégio Apostólico vacilante, a cidade de Jerusalém entregue a terremotos, e os justos da Antiga Lei andando de um lado para o outro. A Santíssima Virgem, nessa situação tão pouco conhecida, estava completamente só.

Tenho a impressão de que não Lhe faltou a assistência de Santa Maria Madalena, a qual estava junto d’Ela. E porque permaneceu junto à Mãe de Deus, ela recebeu um rosário de glórias, cada uma mais extraordinária do que outra.

Quando vemos tudo isto, é impossível não estremecermos com a nossa própria fraqueza. Mas é impossível também que não nos sintamos concertados com este ponto: por mais fraco que o homem seja, desde que ele se apegue muito a Nossa Senhora, peça-Lhe muito por sua própria perseverança e para que Ela o ampare, nunca o abandone, ele encontra aí um ponto de firmeza, de solidez.

A última das pecadoras aproximou-se de Nossa Senhora e se tornou uma penitente gloriosíssima. Um apóstolo, que era distante de Nossa Senhora e frio para com Ela,  tornou-se o filho da maldição e da perdição, que Dante coloca no Inferno dentro da boca de Satanás, com as pernas para fora, o eternamente triturado. Enquanto que podemos imaginar, no Céu, Santa Maria Madalena posta bem perto do Sagrado Coração de Jesus e do Imaculado Coração de Maria, agradecendo os favores imerecidos de que ela foi repleta.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 22/7/1965)

 

1) Lc 10,42.

2) Cf. Jo 12,1-8.

A procura de um superior

Todo homem deseja e procura seu superior, a qualquer título. A existência de superiores é uma condição natural para a inteira prática da virtude da religião. O maior crime que se pode cometer contra uma civilização é a supressão dos superiores, de maneira que as almas fiquem numa terrível orfandade.

 

Do ponto de vista natural, prescindindo, portanto, da graça para efeitos de estudo, o que vem a ser a força da presença de Deus e no que isto sustenta o homem?

Um jovem que deseja ser cavaleiro e vê passar ao longe Carlos Magno

Tenho a impressão de que, assim como dos elementos somados de uma paisagem resulta o panorama — o qual é muito mais do que o elenco de seus elementos constitutivos —, assim também, de várias influências conjugadas resulta o fato de que o verdadeiro superior dá para o inferior uma impressão de alguém que é uma resposta a uma pergunta, que é a pergunta da vida dele e o preenchimento de algo de que sua alma está vazia.

Nesse sentido, todo homem deseja e procura seu superior, a qualquer título.

E o maior crime que se pode cometer contra uma civilização é a supressão dos superiores, de maneira que as almas fiquem nessa orfandade, terrivelmente péssima, de não sentir que o superior aparece e que preenche o horizonte da vida.

Esse anseio por um superior corresponde a algo por onde a pessoa, melhor do que nunca, nota o conjunto todo da Criação reunido num ponto panoramático, a partir do qual ela capta melhor aquele panorama que explica a sua alma até o fundo, dando respostas às perguntas sem as quais o viver dela não tem sentido.

A título de exemplo, poderíamos imaginar um rapaz do tempo de Carlos Magno que tem o desejo de ser cavaleiro, mas nem tem noção clara de cavalaria. Está cavalgando pelos Pirineus, e numa volta de caminho vê passar ao longe Carlos Magno e seus cavaleiros. Ele fica encantado, vai correndo, presta ao soberano uma homenagem e pede licença para entrar naquela coorte. 

Esse é um momento sagrado, pois o que há de mais semelhante, mais adequado a ele, por onde ele explica a vida e encontra o caminho para Deus, aparece de repente diante dele, e é como que um encontro com o Criador.

Distâncias majestosas, intimidades paternas 

O que está dentro do homem bramindo, gemendo, sob a forma de aspirações implícitas que a realidade contingente não satisfaz; o que há de nobre em certos desejos, que o homem não conhece, mas que gemem dentro dele à procura de uma explicitação, de uma realização, de uma conexão para se tornarem mais elevados; tudo quanto é o próprio impulso na vida do homem; tudo quanto há de nobre na alma enquanto alma; tudo isso nesse momento se coloca em posição porque encontrou seu superior que lhe explica tudo.

Nisso o homem vê Deus que Se explica a ele por uma espécie de semelhança, que passará a orientar e a interpretar sua vida até o fundo. E estabelece-se um comércio entre Deus e o que a alma tem de mais delicado, e ao mesmo tempo de mais forte. De maneira que todas as ternuras e também todos os vigores se instalam naturalmente nesse comércio.

Um cavaleiro assim seria capaz de confessar os seus pecados para um homem desses, embora sabendo que não se trata de uma absolvição. Ato de suma intimidade e ao mesmo tempo de ternura. Sentir-se-ia, ademais, cheio de alegria ao contemplar esse homem num trono, ainda que ele se mantivesse afastado do trono a uma distância enorme. E ao presenciar uma ação solene diante deste homem, por exemplo, coroando-o, o cavaleiro sentiria todas as distâncias majestosas e todas as intimidades paternas em relação ao superior, fundidas num todo só, o que representaria para ele algo que é a figura de Deus.

É como nós veremos, no Céu, a Deus Nosso Senhor. Infinitamente transcendente a nós, mas na realidade o centro de nossa própria vida.

Entre superior e inferior há, pois, uma relação pela qual o superior está continuamente dando ao inferior toda essa corrente de “deiformidades”, que penetram nele e o vão modelando.

Às vezes, quando o pai é bom, é um mero precursor, porque o chefe o indivíduo vai encontrar em outras circunstâncias da vida.

Abstraindo de superiores, não podem existir verdadeiramente as condições naturais próprias para uma inteira prática da virtude da religião. Porque é só em função disso bem constituído que a virtude da religião se estabelece de um modo completamente adequado.

Quando esse fenômeno é irrigado pela graça — creio que normalmente o é —, então entra qualquer coisa que toma a graça do Batismo e dá a ela um fluxo especial.

Má influência exercida sobre a criança em muitos colégios

Algumas crianças têm certa noção da nobreza de sua própria alma — eu excluo aqui, completamente, a ideia de aristocracia terrena —, por onde elas, olhando no fundo de si mesmas, percebem a existência de algo muito elevado e nobre, que já habita ali. E acrescento, sem vacilação: percebem algo de muito santo. Quer dizer, muito conforme também à ordem sobrenatural, em que uma criança discerne em si mesma a própria graça de Deus que pousa sobre ela, mas especialmente sobre aquilo por onde é especialmente ela mesma e difere de todo mundo.

Isso dá à criança uma experiência interna de ser participante da natureza divina, chegando até a notar, em termos católicos, algo de divino em si mesma.

Quando a criança é fiel a isso, ela está ordenada, muito mais facilmente do que outras, a desenvolver tudo aquilo por onde tem em si radicalmente a semelhança de Deus. E, por isso, procurar com mais empenho, analisar com mais finura e encontrar com maior certeza o superior de sua vida.

Lamentavelmente, a maior parte das crianças perde isso no colégio, se não antes. Na vida da escola aparece, com o agarra-agarra e o empurra-empurra, o problema da comparação: esse veio com um automóvel mais bonito, o outro com não sei o quê… E isso no meio daquela folia e da zoeira do colégio, que se prolonga cabeça adentro até quando a criança dorme.

A criança é violentamente arrancada dessa ordem de cogitações e lançada no desenrolar da vida. Ela deixa de se perguntar quem ela é — interrogação através da qual encontra o seu superior — e passa a se perguntar como sobrepujar este ou aquele; surgem apegos, amizades e inimizades…

Aí entram as paixões desordenadas que calcinam a alma, na qual o ambiente procura incutir a ideia de que aqueles sentimentos interiores imbecilizam o homem, e são fatores negativos quando ele se põe na luta pela vida dentro do colégio: tornam-no menos capaz de berrar e de correr.

Ou seja, a criança era um Jacó em meio aos Esaús. E, para se redimir daquela situação, ela se joga naquela “esausada” e perde esse senso inicial incomparável.   v

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/7/1984)

Revista Dr Plinio 220 (Julho de 2016)