Não perdi nenhum!

As considerações a respeito da solenidade de Pentecostes, por vezes se ignora um aspecto essencial, tão bem salientado por São Luís Grignion de Montfort no Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem: “Quanto mais, em uma alma, Ele [o Espírito Santo] encontra Maria, sua querida e inseparável Esposa, mais operante e poderoso Se torna para produzir Jesus Cristo nessa alma, e essa alma em Jesus Cristo” (n. 20). Somente dessa maneira se tornará efetiva a renovação da face da Terra.

 Renovação que deve ser iniciada na alma de cada fiel, de maneira a ele se tornar uma tocha ardente de amor a Deus para atear em toda parte o fogo do Espírito Santo. Sem essa iniciativa misericordiosa da graça, com a vinda do Paráclito sobre as almas, pouco poderemos esperar do insuficiente esforço humano. “Em Pentecostes — comenta Dr. Plinio — os Apóstolos estavam reunidos em torno de Nossa Senhora, e eles rezavam. Se não fosse eles rezarem, podiam fazer a ascese que quisessem, não chegariam ao ponto onde chegaram num minuto, quando, atendendo aos rogos de sua Mãe, Nosso Senhor cumpriu a promessa enviando o Espírito Santo. Num minuto eles se transformaram”.(1)

É, pois, a difusão da verdadeira devoção a Nossa Senhora condição indispensável para o novo Pentecostes desejado pelas almas santas e requerido pela glória divina. É Maria que “produziu, com o Espírito Santo, a maior maravilha que existiu e existirá — um Deus-homem; e Ela produzirá, por conseguinte, as coisas mais admiráveis que hão de existir nos últimos tempos. A formação e educação dos grandes santos, que aparecerão no fim do mundo, Lhe está reservada” (n. 35), afirma São Luís Grignion.

Em consequência, tomando as palavras do santo mariano, podemos afirmar que a grande questão de nossos dias, na perspectiva sobrenatural, não é outra senão saber: “Quando chegará o dia em que as almas respirarão Maria, como o corpo respira o ar? Então, coisas maravilhosas acontecerão neste mundo, onde o Espírito Santo, encontrando sua querida Esposa como que reproduzida nas almas, a elas descerá abundantemente, enchendo-as de seus dons, particularmente do dom de sabedoria, a fim de operar maravilhas de graça” (n. 217).

Veremos, então, a transformação de povos inteiros por meio do que São Luís Grignion denomina o Segredo de Maria. Será, comenta Dr. Plinio, “uma operação da graça tal que se diria que a alma, objeto dessa operação, não tem mais livre-arbítrio, embora isto seja o auge do livre-arbítrio. Eu já vi almas passarem de repente por transformações tais, que me pareciam estar privadas do livre-arbítrio, de tal maneira elas mudavam e floresciam […]. Esse dia, creio eu, virá afetuosamente, amorosamente, pacientemente, de maneira que Nossa Senhora olhará para todo o rebanho d’Ela e dirá: ‘Eu Vos dou graças, meu Deus, porque de todos os que Vós me destes, Eu não perdi nenhum.’ Ela nos acompanhou pelos extravios, pelas infidelidades, pelas prostrações, pelas conspurcações, pelos olvidos, pelas ingratidões, por toda a poeira e lama do caminho. Mas a todo o mundo e a cada um, em determinado momento, Ela terá dito a palavra que os salvou”.(2)

 

1) Conferência de 1/9/1973.

2) Conferência de 26/4/1974.

Pentecostes

“Emitte Spiritum tuum et creabuntur, et renovabis faciem terrae! — Senhor, mandai o vosso Espírito e todas as coisas serão criadas, todas as coisas reviverão, e a face da terra será mudada.”

Onde o Divino Espírito Santo se faz presente, Ele vence, assim como venceu no dia de Pentecostes, depois de descer sobre os doze Apóstolos reunidos no Cenáculo. Transformados, estes passam a pregar aos habitantes de Jerusalém. As conversões se tornam torrenciais. O inesperado se realiza. Homens de todas as partes do mundo se deixam tocar e mudam completamente, como outros tantos pregoeiros da grande nova: “Um Deus nasceu, um Deus se encarnou numa Virgem; morreu por nós e nos resgatou. As portas da salvação se abriram para nós!”

Tinha início a aurora da Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana, nimbada de glória a partir de Pentecostes.

Auxiliadora na defesa da Fé

A invocação de Nossa Senhora Auxiliadora lembra-nos, antes de tudo, a sua ação em defesa da Fé Católica.

 

A invocação de Nossa Senhora Auxiliadora dos Cristãos foi introduzida na Ladainha Lauretana por São Pio V, em comemoração à vitória alcançada contra os turcos, em Lepanto. A festa foi instituída por Pio VII em ação de graças por sua volta a Roma depois de ter sido preso por Napoleão.

Auxiliadora sobretudo na dilatação da Fé

Sobre a devoção a Nossa Senhora Auxiliadora, temos aqui uma ficha tirada da “Vida e Obra de D. Bosco”(1).

Os companheiros de D. Bosco notaram que desde o ano de 1860, ele começou a chamar e invocar a Santíssima Virgem com o título de Maria Auxiliadora, “Maria Auxilium Christianorum”. Ele era devotíssimo — e o foi sempre — da Imaculada Conceição. Todas as suas grandes obras começaram num dia 8 de dezembro. Agora, unia sempre os dois títulos dizendo: Maria Imaculada Auxiliadora. Era que em novos sonhos a Virgem lhe havia ordenado que este devia ser o distintivo da congregação.

Num dia de dezembro de 1862, diante de um grupo de meninos que jogava disse:

— Vede aquele lado do pátio? Ali vamos construir uma igreja magnífica à Mãe de Deus. Como devemos chamá-la? Chamá-la-emos Maria Auxiliadora. Até agora temos celebrado com solenidade e pompa a festa da Imaculada Conceição, e continuaremos a fazer o mesmo. Mas, além disso, a mesma Virgem Santíssima quer que a honremos com o título e a invocação de Auxiliadora. Os tempos que correm são tão tristes e temos verdadeira necessidade de que a Santíssima Virgem nos ajude a conservar e defender a fé cristã como em Lepanto, como em Viena, como em Savona e Roma. Ela o quer e aqui virão multidões imensas implorar o auxílio onipotente da Virgem Santíssima.

Alguém objetou:

— Mas isto custará muito dinheiro.

Respondeu D. Bosco:

— A Virgem é quem paga. Ela quer sua igreja, e é natural que pense em pagar seus gastos. Mas para isto temos que merecer.

Nossa Senhora, enquanto auxiliadora, gloria-Se de dar aos cristãos toda espécie de auxílio, tanto nas necessidades espirituais quanto nas materiais, desde que esteja de acordo com a vontade de Deus e seja em benefício de nossa alma. A questão é pedir. Quando se pede com afinco se obtém. E se não obtemos aquilo que pedimos, obtemos qualquer outra coisa muito melhor.

Entretanto, vemos que D. Bosco entendia Nossa Senhora como Auxílio dos Cristãos principalmente para a defesa da Fé e para a luta em prol da Causa Católica. Ele fala dessa necessidade lembrando Lepanto, o grande cerco de Viena contra os turcos, Savona e as complicações de Pio VII com Napoleão.

Devemos, então, invocar Nossa Senhora Auxiliadora e pedir sua intercessão muito frequentemente em nosso apostolado, nas situações difíceis, que vão andando de um modo lento, casos complicados de alma, etc.

Ela é Auxiliadora dos cristãos na dilatação da Fé, na luta pela Fé. E as coisas difíceis que empreendemos pela Fé devemos pedir a Nossa Senhora que nos ajude a levar a cabo

Auxílio nas grandes e pequenas coisas

  1. Chautard(2) condena o erro das pessoas que pensam: “Deixe que Deus me ajude nas circunstâncias excepcionais, que nas situações comuns eu me arranjo sem Ele”. Isso é errado; devemos contar com o auxílio de Deus e de Maria Santíssima em todas as circunstâncias, inclusive nas muito pequenas. Naturalmente, esta necessidade cresce nas situações importantes e nas mais improváveis.

Há uma invocação a Santa Rita de Cássia, que eu gosto muito: “Santa Rita dos impossíveis”. Outra forma de nos referirmos a Nossa Senhora Auxiliadora seria “Nossa Senhora dos Impossíveis”, que obtém aquilo que humanamente falando é impossível, sem saída. Isso Ela obtém, sobretudo, em ordem à vitória da Igreja e à salvação das almas.

Certas revelações particulares nos falam dos últimos tempos e nos apresentam Nossa Senhora como auxiliadora. Haverá um determinado momento em que certo pugilo católico estará completamente perdido. E então um chefe invocará São Miguel Arcanjo que, por ordem de Nossa Senhora, virá auxiliar os católicos, ganhará a batalha, cairá o poderio do demônio e nascerá o Reino de Maria.

Devemos ter isto em mente: é a Santíssima Virgem quem auxilia, intervém. A todo momento devemos pedir a Ela esse auxílio. Recomendo esta intenção para ser muito ardentemente visada no dia da Festa de Nossa Senhora Auxiliadora.

Oração a Nossa Senhora Auxiliadora

Vamos agora ler uma oração composta por São João Bosco a Nossa Senhora Auxiliadora:

“Ó Maria, Virgem poderosa, Vós, grande e ilustre defensora da Igreja; Vós, auxílio maravilhoso dos cristãos; Vós, terrível como um exército em ordem de batalha; Vós, que destruístes as heresias em todo o mundo, nas nossas angústias, nas nossas lutas, nas nossas aflições, defendei-nos do inimigo e na hora da morte acolhei nossa alma no Paraíso. Amém.”

É uma linda oração que mostra como o pensamento dele estava nessa ideia de que Nossa Senhora é a auxiliadora da Igreja. 

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 24/5/1967)

 

 

1) Não dispomos dos dados bibliográficos da referida obra.

2) Dom Jean-Baptiste Chautard (*1858 – †1935), monge trapista e Abade do Mosteiro de Sept-Fons.

A expansiva piedade de São Crispim de Viterbo

Hino de exaltação à virtude da humildade, a vida deste santo italiano constitui uma iluminura na qual se retrata a inocência medieval aliada à santidade franciscana. Comentários de Dr.Plinio.

 

Alguns episódios da vida de São Crispim de Viterbo [ver quadro anexo], irmão leigo capuchinho, despertam nossa admiração pela extrema piedade que neles se revela.

Fez da cozinha conventual um lugar de devoção mariana

Nascido em 1668, foi consagrado desde a idade de 5 anos a Nossa Senhora, por quem teve especial devoção durante toda a sua existência. Tendo ingressado na Ordem dos capuchinhos, quis ficar entre os irmãos leigos, tomando como modelo São Félix de Cantalício.

No mosteiro, trabalhava nos jardins, fazia compras, cuidava dos doentes, passando as noites em oração e nas práticas de penitência. Ao ser encarregado da cozinha, nesta erigiu um altar à Santíssima Virgem. Aí era visitado por grandes senhores, cardeais e pelo próprio Papa Clemente XI que, certa vez, ali foi venerar a imagem da Mãe de Deus.

Chamo a atenção para a piedade contagiosa de um autêntico irmão leigo capuchinho. Era tão comunicativa que os grandes da época, tanto os da Igreja quanto os da sociedade temporal, dirigiam-se a esse altar erguido na cozinha do mosteiro, atraídos que eram pela devoção do santo.

Nossa Senhora concedeu-lhe o dom dos milagres. Certa vez, tendo curado uma pessoa chegada ao Sumo Pontífice, o médico afirmou: “Vossos remédios têm mais virtude que os nossos”. E o santo respondeu: “Senhor, sois um médico sábio e a cidade de Roma vos reconhece como tal. Mas, a Santíssima Virgem é muito mais sábia do que vós todos, médicos do mundo!”

O bom odor de Jesus Cristo, em Orvieto

Como irmão encarregado da despensa do convento, logo tornou-se estimado na cidade de Orvieto. O governador conversava com ele, e o Cardeal-Bispo da sua diocese detinha a carruagem em que ia para se entreter com o pobre frade na rua.

Imagine-se tais cenas encantadoras! Orvieto, já então cidade de certa importância na Itália, com sua linda catedral gótica, cuja fachada reluz ornada de lindos mosaicos coloridos. Fim de tarde, os trabalhos de todas as corporações encerrados, o movimento da cidade vai diminuindo, os sinos começam a tilintar, convidando os fiéis para a bênção do Santíssimo Sacramento ou para as Vésperas. Envolto numa penumbra azulada, ergue-se o palácio do Governo. Ali, também desobrigado de seus afazeres diários, o governador descansa e se entretém, sem empáfia, sem petulância, mas com naturalidade, com o humilde frade capuchinho. Embevecido, o magistrado dá graças a Deus por receber a visita do santo religioso.

Percebe-se, nesse contato, a beleza da lei dos contrários harmônicos; regozija-nos ver um grande personagem enlevado na conversa com um pequeno, embora, do ponto de vista sobrenatural, este último seria talvez maior que aquele.

O frade sai do palácio e segue seu caminho pelas ­ruas tortuosas da cidade. De repente, um ruído de ferros e de ferraduras, e uma carruagem se detém ao lado dele. A carruagem do Cardeal. Distinguindo-a, o frade mantém os olhos baixos, em atitude de respeito e reverência. Porém, o Príncipe da Igreja abre a porta do carro e diz:

— Entre, Frei Crispim, vamos conversar um pouco…

— Oh! Eminência!

— Que notícias o senhor me conta?

O frade narra-lhe alguns fatos da vida do convento, ou então, com toda a naturalidade, comenta:

— Tive uma visão assim…

O Cardeal é todo ouvidos, imerso em admiração.

Creio não ser difícil compreender como nos aproveita à alma recompormos cenas como essas, pois constituem o sabor de um passado no qual, segundo expressão de São Paulo, sentia-se o “bom odor de Nosso Senhor Jesus Cristo” (2Cor 2, 15), tão diferente dos cheiros perniciosos que vão se espraiando no mundo hodierno.

Na hora da morte, não quis “atrapalhar” a festa de seu padroeiro

O resultado dessa expansiva piedade foi que os habitantes de Orvieto não o deixavam ir-se embora. Nas vezes em que o transferiram de convento, o povo negou-se a dar esmolas para os religiosos. Quer dizer, era preciso fazer voltar Frei Crispim, senão os frades passariam fome…

Durante anos seguidos foi insultado por uma religiosa à porta da qual vinha bater. Dela, dizia sempre o santo: “Deus seja louvado, pois há em Orvieto uma pessoa que me conhece e me trata como mereço!”

Não vem a ser uma atitude “heresia branca”(1), mas um genuíno fioretti(2). Pois o justo cai sete vezes (Pr 24, 16) e, portanto, não se deve considerar isento de ouvir  rabugices e desaforos.

Frei Crispim ficou gravemente enfermo poucos dias antes da festa de São Félix de Cantalício, seu padroeiro. Como os frades lhe dissessem que logo compareceria diante de Deus, respondeu-lhes que isso só ocorreria após a comemoração de São Félix, pois sua morte atrapalharia a festa do santo.

Outro fioretti!

O santo irmão leigo capuchinho faleceu em Roma, em maio de 1750.

Contrastes que formam a beleza da Civilização Cristã

Sem dúvida, uma existência admirável, que nos proporciona não apenas um motivo de enlevo, um exemplo a ser imitado, mas também um ensinamento que merece ser ressaltado.

Com efeito, no ambiente em que ele viveu, houve toda uma floração de irmãos leigos capuchinhos, talvez não tão eminentes na virtude, mas todos daquela escola que engendrou São Félix de Cantalício e o nosso próprio santo, constituindo uma nota de exaltação da humildade.

Dir-se-ia que esses religiosos eram ecos da paz, da serenidade de alma, da bondade características da cristandade medieval, dessa Idade Média entretanto tão gloriosa pela sua pompa e por suas batalhas. E é justamente nesse encontro harmônico de contrastes que reside a quintessência da beleza. Se quisermos compreender o esplendor da Idade Média combativa, consideremos a serenidade de um São Crispim de Viterbo ou de um São Félix de Cantalício. Se desejarmos entender a bondade desses dois santos, contemplemos a pugnacidade peculiar àquela época histórica.

Desse conjunto de contrastes harmônicos depreende-se a grandiosa beleza da Civilização Cristã.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 22/5/1967)

 

1 ) Expressão empregada por Dr. Plinio para designar a mentalidade sentimental e adocicada que se manifesta na piedade, na cultura, na arte, etc.

2 ) “Florzinhas”, em português. Significam pequenos propósitos a praticar, ou a descrição de algum fato edificante da vida de alguém. Célebres são os fioretti de São Francisco de Assis. Vale notar que em italiano o singular é fioretto. Dr. Plinio, porém, costumava usar o plural, atendo-se ao título da mencionada coletânea franciscana.

Nossa Senhora Auxiliadora

Nossa Senhora é a Auxiliadora por excelência. É quem acode a todos, de todos os modos, em todas as circunstâncias e em todos os lugares. Para agir com tal largueza, só Alguém de uma riqueza fabulosa, e de uma bondade ainda mais extraordinária que essa riqueza, jamais se cansando de ajudar e de perdoar.

E o perdão é um dos seus dons imensamente preciosos, de tal modo que, depois de haver perdoado  muito, Ela ainda tem um sorriso de piedade para quem A ofendeu, quando este A invoca e suplica misericórdia.

Mais. Ela vem em auxilio da alma que não pede, da alma que não vê, da alma que não quer, e a socorre, a bem dizer, pelas costas, alcançando-lhe uma graça que a faz se sentir tocada de amor, de reverência, de gratidão, de força para  rogar novos auxílios. Sua maternal solicitude é uma espécie de roldana que leva até o Céu…

São Beda – Venerabilidade e espírito católico

A Santa Igreja comunica uma nota de venerabilidade a tudo. O contrário disso é a influência exercida pela “heresia branca” e pela superficialidade otimista de nossos dias.

 

Segundo a ficha que tenho em mãos, São Beda, o Venerável1, foi um dos sábios mais ilustres do seu tempo. Tal era a sua santidade que, por não poderem chamá-lo de Santo ainda em vida, deram-lhe o título de Venerável, que não perdeu depois da morte.

Título atribuído às pessoas cujo processo de canonização está em curso

Seria interessante fazermos um comentário não tanto considerando o Santo, mas o seu título. Ele era reputado como um dos homens de maior instrução e tão virtuoso que, não ousando os seus contemporâneos chamá-lo de Santo – porque ninguém pode receber este título antes de ser canonizado pela Igreja –, chamavam-no de Venerável. Porque Venerável é o título atribuído pela Igreja às pessoas cujo processo de canonização está em curso.

A aplicação desse título tem variado ao longo dos séculos, de acordo com os lugares e a disposição do Direito Canônico. Até algum tempo atrás, se chamava Venerável aquele cuja causa de canonização tinha sido introduzida, mas que ainda não havia sido beatificado. A beatificação se dava quando a Igreja, depois de examinar a vida e as obras de uma pessoa, concluía que ela havia praticado em grau heroico as virtudes teologais e cardeais. Deveria ser ratificada por um milagre e dava a certeza de que a pessoa estava no Céu. E importava a autorização para um culto local, ou no lugar onde a pessoa tinha vivido; “local” no sentido de circunscrito às capelas ou oratórios de uma Ordem Religiosa a que ela havia pertencido.

Depois, com a canonização que dependia apenas de novos milagres, a pessoa era elevada à honra dos altares, apontada como exemplo e posta como objeto de culto pela Igreja universal. O Venerável era, portanto, aquilo que hoje se chama o Servo de Deus, havendo todas as razões para supor que ele vai ser canonizado, uma vez que o seu processo foi introduzido. Mas, de fato, o número de processos de canonização que encalham em curso é muito grande.

Venerável era, portanto, uma pessoa digna de veneração, da qual se presumia a santidade. E eu queria me ater a esse título de Venerável para considerar um aspecto da Moral católica, o qual está muito pouco em foco hoje em dia, e que os costumes do mundo atual tornam especialmente ignorado e malvisto.

Perfil moral de uma pessoa venerável

O que é propriamente uma pessoa venerável? Diz-se que alguém é venerável, por exemplo, quando atingiu uma idade provecta e tem a seriedade e a dignidade desta idade. Assim, um homem de oitenta anos que cumpriu sempre os seus deveres, teve uma prole numerosa, praticou alguma ação insigne pela Igreja ou pelo Estado; aquela longa continuidade na prática de uma virtude, embora não seja uma virtude extraordinária, incute respeito. Então, se diz que essa pessoa é venerável, nós a veneramos.

Podemos dizer que é venerável um homem que, por exemplo, se portou heroicamente durante uma guerra e foi ferido em combate. Um general que ganhou muitas batalhas é um homem venerável. Por quê? Porque, evidentemente, ele praticou atos extraordinários, incomuns, que merecem  respeito. Uma religiosa que durante muito tempo cuidou dos leprosos, com risco do próprio contágio, é venerável. Porque uma longa prática de uma abnegação num estado de vida sumamente respeitável, como é o  religioso, enfrentando o risco de contágio, que aumenta a abnegação de que a religiosa deu provas, tornam-na venerável. Então, de todas essas aplicações correntes da palavra “venerável”, que não são suas aplicações canônicas, nós traçamos o perfil moral de uma pessoa venerável.

Venerável é uma pessoa que tem uma profundidade de espírito maior do que a comum, adquirida pelo estudo, pela experiência, pela meditação. Possui uma têmpera, uma força de vontade, uma constância incomum. Mesmo em circunstâncias adversas, com sacrifício de sua própria existência, sua saúde, de seu próprio conforto, de sua riqueza, ela traçou uma linha de conduta boa e a seguiu até o fim. Ela se faz notar por um modo de presença que incute o respeito. A pessoa venerável está presente, os outros amam de ver aquela respeitabilidade e a respeitam, têm uma tendência natural a se inclinar, a prestar reverência, a obsequiar; e fazem isso como quem pratica um ato de justiça devido.

Como vemos, a ideia de venerabilidade tem na sua raiz o conceito de seriedade, e como corolário a ideia de força e de abnegação. Quem é sério, forte e abnegado, torna-se respeitável. Aqui está o conceito de venerabilidade.

Seriedade, força, abnegação

Há no centro de São Paulo uma imagem que dá uma ideia bonita de venerabilidade: a de São Bento localizada no pórtico do mosteiro beneditino. Tanto aquela imagem quanto a fachada devem ser consideradas no momento em que o sino grave do mosteiro anuncia seis horas da tarde, quando, sobre a zoeira idiota e superagitada da cidade, descem aqueles sons meditativos, compassados e nobres. Então, temos as torres imutáveis, perpétuas, de um granito em que nada toca, que resiste a todas as transformações da cidade e são sempre as mesmas; um sino vinculado a uma tradição que vem do fundo dos séculos, com timbre grave, solene; o pórtico bonito, nobre, que avança sobre a rua, e a torre em cujo ângulo figura um Anjo apoiado sobre um letreiro que diz: “Ora et labora”. É o símbolo da venerabilidade. “Reza e trabalha” é o lema da Ordem de São Bento: medita, considera, contempla e trabalha com as suas próprias mãos.

Na frente, a figura de São Bento: um homem já sexagenário ou mais, com uma grande barba, um ar de pastor, com um cajado, olhando a cidade que passa. É o próprio exemplo da estabilidade, da seriedade, da profundidade de vistas, da alma patriarcal, do espírito varonil desses homens que não têm prole material, mas possuem prole espiritual infinda, e cuja figura se impõe à veneração de todos os séculos. Esta é a venerabilidade. Ela, como eu disse, tem como fundo a seriedade, como prolongamento a força e como ponto terminal a abnegação. Quem é sério, forte, abnegado, este é respeitável.

Quando virmos alguma coisa que não é venerável, tenhamos certeza de que ali não está o sinal distintivo, o espírito próprio da Igreja Católica. Ela comunica uma nota de respeitabilidade e de venerabilidade a tudo. A Igreja não toca em nada sem enobrecer aquilo em que tocou, e não há verdadeira nobreza que não se distinga pela nota da venerabilidade.

As nocivas influências da “heresia branca” e do otimismo

A sacralidade é a mais alta expressão da venerabilidade. Isto vale para formar o nosso espírito contra duas espécies de influências que recebemos: primeiro, a “heresia branca”(2) expressa em certas imagens de Santos que olham com uma carinha sentimental e despreocupada. Não deveriam ser assim. As coisas santas precisam ser veneráveis, incutir respeito. É necessário defender Nosso Senhor Jesus Cristo, Nossa Senhora, a Santa Igreja Católica contra isto.

Em segundo lugar, contra outra forma de influência que reputo também muito inconveniente e nociva: essa espécie de otimismo cândido e engraçado de nossos dias, que não é senão uma espécie de bobeira oficializada. Pessoas corroídas de preocupação, que trabalharam o dia inteiro como mouros, de olho afiado para pegar o que puderam, e que, entretanto, chegando a hora do jantar, à noite, estão todas com umas carinhas de anjinhos inocentes e idiotas, não Anjos verdadeiros, mas uma caricatura.

É contra essas influências que destaco o título de São Beda, o Venerável. Como eu gostaria de o ter conhecido, como me atrai imaginar seu porte que é mais de um monumento do que de gente; quando um homem adquire tal ar, fica parecido com uma catedral! Então, vendo São Beda, o Venerável, ajoelhar-me diante dele, oscular seus pés e implorar que ele me obtivesse de Nossa Senhora algo dessa venerabilidade, sem a qual não se tem o espírito católico.            v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 27/5/1970)

Revista Dr Plinio 254 (Maio de 2019)

 

1) Presbítero e Doutor da Igreja. Passou toda a sua vida no mosteiro de Wearmouth, na Nortúmbria, Inglaterra. Dedicou-se com fervor a meditar e expor as Sagradas Escrituras (†735).

2) Expressão metafórica criada por Dr. Plinio para designar a mentalidade sentimental que se manifesta na piedade, na cultura, na arte, etc. As pessoas por ela afetadas se tornam moles, medíocres, pouco propensas à fortaleza, assim como a tudo que signifique esplendor.

Auxílio dos pequeninos

Nossa Senhora Auxiliadora Se apresenta a nós com o Menino Jesus no braço para indicar a relação materna que Ela tem com o Divino Infante. Relação de intimidade absoluta, com a disposição de atender as últimas e menores dificuldades de uma criança, com aquele afeto, aquela bondade que se tem para com o pequenino e o fraco.

Maria Santíssima é também a Mãe do Corpo Místico de Cristo e, portanto, de todos os cristãos. Em relação a cada um de nós, a posição d’Ela é de querer que sejamos como o filho carregado no colo a quem Ela dá muito mais do que pede, e até mesmo o que ele não sabe pedir.

Mas a condição para receber é pedir com essa intimidade e a certeza de ser atendido, como uma criança de colo. A esse título, Ela nos auxilia com aquela multidão de auxílios dados aos pequenos.

O maior dos auxílios que Nossa Senhora pode nos conceder é nos comunicar seu espírito de santidade, sua autenticidade de virtudes, sua força e a vitória contra o demônio.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 23/5/1966)

 

Madre Thérèse-Camille de l’Enfant-Jésus

Mais importante do que fazer uma imponente obra é edificar pelo exemplo. Eis a lição tirada por Dr. Plinio da conturbada vida da Madre Thérèse-Camille de l’Enfant-Jésus.

 

A  24 de julho de 1784, recebia o véu no Carmelo Mademoiselle Camille de Soyécourt(1), filha da mais alta nobreza da França. Jovem, entretanto, tão franzina e acometida, segundo os médicos, de uma moléstia incurável do coração, que todos julgavam não poder permanecer mais de seis meses no convento. Contudo, ela não somente sobreviveu muitos anos como, sem dúvida, sua personalidade teve destaque notável, embora desconhecido, na preservação do Carmelo de Paris durante a Revolução Francesa.

Familiares guilhotinados

Em 1792, seu convento foi invadido e as religiosas dispersas. Irmã Camille, liderando o grupo delas, instalou-se numa casa, firmemente decidida a manter vivo o espírito carmelitano. Denunciada, a pequena comunidade foi presa. Quando obteve a liberdade, Mademoiselle de Soyécourt refugiou-se em casa de sua família, mas por pouco tempo, pois seus pais e duas irmãs foram encarcerados.

Após numerosas peripécias, empregou-se numa fazenda. Durante todo esse tempo não deixou de cumprir o mais rigorosamente que pôde os preceitos do Carmelo: jejuava, recitava o Ofício nas horas devidas e confessava-se, com grande dificuldade, semanalmente, com um padre refratário.

Um dia teve a notícia da condenação de seus familiares, todos guilhotinados. Soube então que sua irmã deixara um filho, pequeno ainda. Apesar de sua dolorosa situação, Irmã Camille foi tutora do sobrinho até a morte.

Expulsa da fazenda onde trabalhava, pois a morte de seus pais traiu sua pessoa, a religiosa mendigou algum tempo. Tendo encontrado uma Irmã de seu convento, decidiu restabelecer sua Ordem. Com o dinheiro das esmolas e com auxílio de padres refratários obteve a capela de um seminário, recomeçando os ofícios religiosos.

Copiava e distribuía a Bula de excomunhão de Napoleão

Terminado o Terror, Mademoiselle de Soyécourt, então uma figura alta, pálida, grave e suave, decidiu reobter para seu sobrinho e para seu convento a fortuna de seus pais. Causava espanto aos notários e homens da lei a presença dessa mulher paupérrima, falando de milhões, de venda de terras e de compra de imóveis.

Mas conseguindo integralmente o que desejava, a religiosa chamou para junto de si as suas Irmãs dispersas. E o convento carmelita de Paris reinstalou sua comunidade. Aí ela viveu mais de 45 anos, não sem problemas. Por exemplo, em janeiro de 1811, Fouché foi informado de que uma senhora carmelita, superiora do Carmelo, ocupava-se ativamente em copiar e distribuir a Bula de excomunhão do próprio Imperador. Foi por isso presa num lugar bem distante do convento, o que não a impedia de atender sua comunidade, fazendo-lhe visitas inteiramente disfarçadas, e passando, desse modo, diante dos guardas, com toda a segurança.

A Restauração tirou-a desse exílio. Quando suas dificuldades morais pareceram diminuir, começaram as físicas. Seu corpo tornara-se quase diáfano, por causa dos jejuns e penitências. Aos 85 anos, ainda dormia sobre uma tábua, apesar da gota dolorosíssima e de dores de estômago que não lhe permitiam repousar. Manteve, entretanto, como sempre em sua vida, inalterável bom humor e sua proverbial intrepidez. Repleta de dores, veio a falecer, em 1849, aos 92 anos de idade.

Vida cheia de inusitados contrastes

Gostaria que nos colocássemos diante dessa biografia(2), não no ponto de vista de quem simplesmente a lê, mas de quem a viveu. Então, vermos tudo quanto foi acontecendo para ela como próprio a uma vocação, a um objetivo muito definido, nos quais ela se adentrou com todo o empenho de sua alma.

Ela entra no Carmelo, forma-se, e poderia esperar ter, por exemplo, uma vida como a de Santa Teresa de Jesus ou de Santa Teresinha do Menino Jesus, ou seja, transcorrida inteira no Carmelo, com essas ou aquelas dificuldades, mas dentro da vida carmelitana. Com certeza, ela tivera mil apetências sugeridas pela graça para isso.

Entretanto, o que aconteceu? Ao invés de levar essa vida, eclode a Revolução Francesa e a Irmã Camille vai para o cárcere. Suponhamos que ela tenha pensado na hipótese do martírio: “Vou dar a minha vida, ficarei uma santa. Está bem, aceito com todo o gosto”. Conformidade… Ora, ela foi posta em liberdade.

Ela, que esperava viver ao menos sozinha para Deus, transforma-se em chefe de família, apesar de solteira, e fica tutora de um sobrinho.

Tendo sido uma moça rica, perde a fortuna. Os pais vão para a guilhotina e ela se torna criada numa fazenda, isto é, trabalhadora manual. Ela, que dera sua vida à Igreja, de nobre passa a religiosa e depois a trabalhadora manual em fazenda. A biografia não entra nesses pormenores, mas nada exclui a hipótese de que ela tenha tido que limpar estábulos e realizar outras tarefas prosaicas desse gênero.

Depois, é posta fora desse emprego e vira mendiga, tendo que cuidar ainda do menino. Começa a mendigar de um lugar para outro e, de repente, passada a Revolução Francesa, ela se transforma em mulher de negócios. Começa, então, a bater os cartórios para recompor a fortuna à qual tinha direito.

Tudo isso era completamente contrário ao que ela queria. Porém, ela sempre com o mesmo objetivo: ser carmelita. A tal ponto que reconstitui o Carmelo. Então, começa a vida normal de carmelita, mas vem a prisão que a interrompe novamente. Afinal, ela volta para o Carmelo. Dir-se-ia que ela vai levar uma vida tranquila. Então se inicia outro gênero de provação.

O que é ser pessoa realizada?

Poder-se-ia pensar: “Bem, coitada, é a fase final. Agora ela vai morrer e repousar em Deus.”

Nada de repousar em Deus! Vai ainda lutar na Terra até o último alento. Vive até os 92 anos, sempre praticando penitência, sendo modelo de religiosa, aguentando doenças e, afinal, morre numa idade que, com certeza, nunca podia imaginar atingir.

Aos olhos do espírito moderno, como considerar isso? Foi uma vida frustrada ou realizada?

Para os homens de hoje a vida realizada seria se ela tivesse entrado no convento e ficado religiosa direitinho até o fim. Como houve fatos que atrapalharam sua vida e a obrigaram a ser uma porção de coisas que não queira, ela cem vezes durante sua existência deveria ter se sentido frustrada, abandonado a vocação. E quando chega a doença, ela devia ter dito: “Não tem mais solução. Deus me entregou. Porque agora que eu poderia levar a vida normal de uma carmelita, começo a ter uma existência de doente”.

 Nós, entretanto, dizemos que foi uma grande vida realizada. E é impossível ouvirmos essa narração sem sentirmos a maior admiração por ela.

Mas então nos perguntamos: o que vem a ser a realização? Aqui entra o choque do homem moderno contra o espírito católico.

Segundo o espírito do mundo, ela não foi uma pessoa realizada porque não levou a vida que desejava. Teve uma existência inteiramente diferente daquele ponto para onde tendiam os seus esforços. Ela, portanto, não realizou a obra que empreendeu. Em última análise, a noção de indivíduo realizado que nós vemos por aí é, ou quem levou a vida que quis, ou o que ganhou muito dinheiro, suposto sempre que todo mundo quer adquirir dinheiro. Ora, ela não ganhou muito dinheiro e não levou a vida que quis. Logo não foi uma pessoa realizada.

Mas é impossível ouvirmos a leitura dessa ficha sem vermos que ela foi realizada. Então, no sentido verdadeiro da palavra, o que é a realização? Não é o que o espírito moderno pensa. A realização é, no sentido mais imediato – não no supremo –, a realização de si próprio. Quer dizer, vê-se que ela efetivou uma grande personalidade. Foi uma pessoa de grande virtude que, no esplendor de sua virtude, manifestou um grande número de qualidades até naturais de que a Providência a tinha dotado. Levou até a perfeição mil coisas que nela estavam potencialmente. É como uma semente que deu inteiramente uma esplêndida árvore.

Então, realizar-se, nesse sentido mais imediato da palavra, é o atingir a sua própria perfeição. Se fez ou não o que quis, não tem importância. O importante é ter chegado à sua própria perfeição.

Nunca se sentiu quebrada e sempre caminhou para a frente

Ademais, ela realizou essa perfeição, não através de uma série de fracassos consumados, mas vê-se que sua vida teve uma continuidade. Embora não fosse tudo como ela queria, eram os planos que Deus traçara a respeito dela. Ela, portanto, fez a vontade da Providência.

Quando acabamos de ler essa síntese de sua vida, percebemos a grande obra da Irmã Camille para a glória de Deus entre os homens. Não foi tanto de acabar fundando um convento – o que é uma obra excelente –, mas uma coisa muito maior: ter deixado um grande exemplo de perseverança, resolução, força de alma, confiança na Providência divina, obediência aos desígnios de Deus nas circunstâncias mais adversas da vida.

De maneira que, enquanto sua memória for conhecida pelos homens, haverá pessoas fracas, em condições difíceis, que terão um alento maior para enfrentar as dificuldades da vida, por causa do exemplo dela. E Irmã Camille vai ser a força dos fracos, a luz daqueles que estiveram na incerteza, na penumbra. Por quê? Porque foi o grande exemplo que ela deixou; isso é algo muito maior do que fazer uma grande obra.

Um grande convento é uma coisa esplêndida, mas se não fosse, ele mesmo, um grande exemplo, não adiantaria de nada. Abaixo do culto a Deus, a melhor coisa que podemos fazer é edificar pelo exemplo. As nossas palavras e ações vêm abaixo do exemplo. As palavras movem, o exemplo arrasta.

Irmã Camille deixou um exemplo de força de alma, e se percebe que, através de todas as incertezas da sua vida, ela foi sempre forte. Nunca se sentiu quebrada, sempre caminhou para a frente fazendo o dever de acordo com o que queria a Providência, sem perder a unidade do que ela estava realizando.

Mas entendendo que, fazendo o dever do momento, ela cumpria a vontade de Deus. No Céu ela está vendo essa unidade que Deus quis. E ela talvez não tivesse calculado que o seu exemplo irradiaria tanto, pudesse ser tão conhecido.

Trata-se de uma personalidade extraordinária, uma pessoa que talvez ainda venha a ser canonizada. Essa é a vida de alguém que cegamente vai seguindo diante das dificuldades, agindo e não se incomodando. No fim vem a glória de ter dado um bom exemplo, obedecendo a Deus. A meu ver, eis a grande lição que esta nota biográfica nos ensina.            

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 17/2/1970)

 

 

1) Serva de Deus, cujo processo de beatificação, aberto em 1938, ainda está em curso.

2) Não dispomos das referências bibliográficas.

Fervoroso adorador do Santíssimo até depois da morte

Contemplando a vida de São Pascoal Bailão, Dr. Plinio ressalta o quanto a ação apostólica de alguns Santos permanece mesmo após a morte.

 

São Pascoal Bailão foi um Santo franciscano que viveu no século XVI e se tornou famoso pela sua devoção ao Santíssimo Sacramento.

Fervoroso devoto da Transubstanciação

Para compreendemos bem o sentido da ficha que será lida, devemos saber o que é a Missa e, dentro dela, a Consagração.

A Missa é a renovação incruenta do Sacrifício do Calvário. É o maior ato de culto da Religião Católica, porque é Nosso Senhor Jesus Cristo que se oferece a Si mesmo ao Padre Eterno.

Quando o padre pronuncia as palavras da Consagração, a hóstia e o vinho se transubstanciam, passando a ser Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo. Esse é o momento no qual se dá a renovação incruenta do Sacrifício do Calvário, um dos mais augustos mistérios da Religião Católica.

Assim, é compreensível que uma pessoa piedosa dê grande importância a estar presente à Missa. E todas as outras orações da Igreja se estruturam tendo em vista a parte mais importante da Missa.

Desse modo compreendemos como um Santo, com uma devoção eucarística acendrada, tenha o melhor de sua devoção voltada para a transubstanciação, na qual Nosso Senhor Jesus Cristo se oferece novamente.

Vejamos, então, a vida de São Pascoal Bailão(1).

Um ato de adoração no momento extremo da vida

São Pascoal Bailão, cujo corpo repousa no Convento dos Franciscanos de Valência, na Espanha, era nascido na província de Aragão. Tendo que apascentar seu rebanho, ele assistia à Missa sempre que podia, e se era impossível assisti-la, ele deitava ouvidos atentos ao som da sineta que tocava por ocasião da elevação.

Vê-se que o prado onde ele apascentava o rebanho, quando menino, era muito próximo a uma igreja e ele, de fora, podia ouvir a campainhazinha tocando no momento da elevação.

Assim que ouvia a sineta, ele se ajoelhava, e qualquer que fosse o lugar onde se encontrava, adorava com fervor o Santíssimo Sacramento, o Salvador descido do Céu para o altar.

Com a idade de 24 anos entrou, na qualidade de irmão leigo, no Convento dos Franciscanos Descalços de Valência, onde mostrou o mesmo fervor ardente pelo Santíssimo Sacramento.

Deus lhe recompensou esse fervor, chamando-o a Si no momento da elevação. Depois de ter recebido o Santo Viático, São Pascoal perguntou se a Missa solene já tinha começado na igreja do convento. E como lhe disseram que a elevação se aproximava, ele se tomou de uma alegria extraordinária, e deitou muita atenção para, do lugar onde estava, ouvir o tilintar da sineta. Quando ouviu, exclamou: “Meu Jesus! Meu Jesus!” e expirou.

O seu enterro foi marcado por um grande milagre: tinham colocado seu caixão na igreja e o Ofício dos mortos acabava de começar. Eis que na elevação da Hóstia, o cadáver se mexeu, abriu os olhos, e quando o padre levantou o cálice, fez o mesmo gesto do padre.

Isso não aconteceu uma única vez. Quando seu corpo foi colocado numa sepultura ao lado do altar-mor, deu muitas marcas de veneração pelo Santíssimo Sacramento cada vez que se celebrava a Missa nesse altar. Quando chegava o momento da elevação, ouvia-se um movimento no interior da sepultura como a convidar os fiéis a um ato de adoração mais ardoroso. Em nossos dias ainda se percebe, às vezes, esse movimento na sepultura. Vários santos padres, entre outros o piedoso Domenico Maso, que celebraram o Santo Sacrifício da Missa diante da sepultura de São Pascoal Bailão, informaram ter sido testemunhas desse milagre.

É algo lindíssimo, cuja beleza merece ser analisada num instante.

Nosso Senhor deu a este Santo, durante toda a sua vida, uma graça especial para adorar o Santíssimo Sacramento. Talis vita, finis ita: assim como foi a vida, assim também é o fim. Graças à fidelidade dele a essa graça, Nosso Senhor fez coincidir a morte dele com o momento da elevação. Nesse instante Deus colheu a sua alma, como para dizer que, durante toda a vida, a alma dele esteve se maturando para esse supremo ato de adoração ao Santíssimo Sacramento. E quando ele atingiu a santidade própria para o momento extremo, no qual ele fez essa adoração extrema, ele tinha chegado à plena maturidade para o Céu. Essa maturidade ele a tinha realizado num ato de adoração ao Santíssimo Sacramento. Veio a Providência, o colheu e o levou para o Céu.

Missão póstuma para maior glória de Deus

É frequente os Santos, quando vão para o Céu, terem certo pesar de não poderem mais fazer apostolado na Terra. Parece incrível que uma pessoa, indo para o Céu, tenha pesar de alguma coisa na Terra não ficar como queria. Vemos São Pascoal Bailão, ainda depois de morto, o cadáver dele fazer um ato de adoração ao Santíssimo Sacramento. Depois, na sepultura, ainda se remexe quando há uma celebração, para convidar os fiéis a adorarem o Santíssimo Sacramento. É um apostolado eminente feito por seu cadáver.

Nós podemos enunciar um desejo análogo? Podemos desejar alguma coisa desse gênero?

Eu desejaria para todos nós que, depois de mortos, quando alguém pronunciasse o nosso nome, ou se lembrasse de nós a qualquer propósito, ou passassem perto de nossa sepultura, recebessem, se forem filhos da luz, um aumento de devoção a Nossa Senhora, uma participação no espírito d’Ela. Se forem filhos das trevas, se sentissem incomodados, humilhados, combatidos, obstados e perseguidos no que tivessem de mau, de maneira a largar a sua maldade. Desejaria combater para converter os maus ou para evitar que eles prejudiquem os bons. De modo que o número dos eleitos se completasse exatamente como Deus quer.

Para isso devemos ser, até o fim da vida, duas coisas: primeiro, arautos de Nossa Senhora; segundo, pedras de contradição, de escândalo para salvação e perdição de muitos, exatamente como o Profeta Simeão disse a respeito de Nosso Senhor Jesus Cristo (cf. Lc 2, 34).

Se eu souber que até o fim do mundo Nossa Senhora resolveu utilizar do nome de um de nós para isso, exultarei intimamente e super exultarei, porque assim a nossa obra se realizará.

Quer dizer, apenas quando — segundo a frase grandiosa da Escritura — tiver acabado o mundo e a abóbada celeste se enrolar como um pergaminho, e vier o Filho de Deus em grande pompa e majestade (cf. Ap 6, 14-17);  as contas todas estiverem acertadas e os adversários da Igreja liquidados; a Contra-Revolução estiver para sair da sepultura a caminho do Céu; os anjos malditos que circundam a Terra incitando os homens para a ação da Revolução estiverem prestes a ser acorrentados para irem ferver no Inferno por toda a eternidade; somente nesse momento a nossa missão acabe.

Esta seria a aplicação do mesmo princípio usado por Nossa Senhora com São Pascoal Bailão. O que se faz a vida inteira faz-se também na hora da morte. O que se faz na hora da morte, faz-se até o fim do mundo.

Podemos pedir a São Pascoal Bailão que nos dê essa grande graça.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 23/8/1974)

 

1) Não dispomos dos dados bibliográficos da referida ficha.

Errata: Na nota 2 da seção Hagiografia do n. 217, no lugar de “naturezas” leia-se “vontades”.

São Fernando de Castela

Rei e arquétipo do batalhador incansável, São Fernando de Castela foi extraordinário exemplo do homem forte e herói, completado pelas antíteses harmônicas: alma mais vigorosa que o corpo, ímpeto maior que a musculatura; ideal ainda maior que o ímpeto; e uma total abnegação de si, em aras desse ideal.

De tal maneira que não se tratava de um César imaginando-se nos triunfos de Roma, mas de um verdadeiro santo que pensava no Céu…