14 de dezembro – São João da Cruz, mestre do amor a Deus

São João da Cruz, mestre do amor a Deus

Baluarte e cofundador da Ordem Carmelita Descalça, São João da Cruz sublimou-se numa vida entregue à ascese e à contemplação, ensinando aos homens, como Doutor da Igreja, não existir “trabalho melhor nem mais necessário que o amar a Deus”. Algo do perfil e da doutrina desse grande Santo nos é dado a conhecer este mês, através das incisivas palavras de Dr. Plinio.

Duas almas extraordinárias foram suscitadas por Deus, no século XVI, para juntas empreenderem a reforma da Ordem do Carmo. Uma delas, a grande Santa Teresa de Jesus. A outra, São João da Cruz, contemplativo insigne, confessor e Doutor da Igreja, cuja festa é celebrada no dia 14 deste mês.

“Uma das almas mais puras que há na Igreja”

Dele sabemos que, assim como Santa Teresa, nasceu na província de Ávila, Espanha, e sua primeira formação se deu em Medina Del Campo, onde estudou com os padres jesuítas. Desejava, porém, tornar-se carmelita e nesta Ordem ingressou aos 21 anos, recebendo sua educação teológica em Salamanca. Em 1567 ordena-se sacerdote e celebra sua primeira missa.

Chamado a uma austera e sublime vida contemplativa, o jovem religioso logo se decepcionou com o relaxamento monástico dos conventos carmelitas. Quando tencionava procurar a Ordem dos Cartuxos, na qual poderia expandir seus anseios de alma, encontrou-se com Santa Teresa e aceitou dela o desafio de promoverem a reforma do Carmelo.

Como sói acontecer, o zelo com que trabalhou pela observância religiosa lhe angariou maus tratos e difamações, chegando mesmo a ser encarcerado em Toledo. Nesse período de duras provações acendeu-se nele a labareda de sua poesia mística. Datam de então os célebres escritos, como a “Subida do Monte Carmelo”, Noite escura da alma”, “Cântico Espiritual”, “Chama de amor viva”, etc.

Por mais de vinte anos consagrou-se à uma existência semeada de ascese e fecunda contemplação, vindo a falecer aos 49 anos de idade, no dia 14 de dezembro de 1591. Canonizado em 1726, é também cultuado como o Patrono dos poetas espanhóis.

Santa Teresa o considerava “uma das almas mais puras que Deus tem em sua Igreja”, e outro de seus contemporâneos assim o descreve: “Homem de estatura mediana, de boa fisionomia, rosto sério e venerável. Seu trato era muito agradável e sua conversa bastante proveitosa para os que o ouviam. Foi amigo do recolhimento e falava pouco. Quando repreendia como superior, que o foi muitas vezes, agia com doce severidade, exortando com amor paternal”.

Quem saboreia ninharias não pode deleitar-se com Deus

Tendo conhecido esses breves traços biográficos e morais de São João da Cruz, analisemos agora algumas de suas máximas espirituais, valiosos ensinamentos que ele nos legou ao lado de seus grandes escritos.

Não conhecia eu a Vós, meu Senhor, porque queria ainda saber e saborear ninharias. Secou-se meu espírito porque se esqueceu de se apascentar em Vós. Essa sentença é uma verdadeira maravilha.

De fato, o amor à ninharia é das coisas mais invisceradas no gênero humano. E mesmo quando se trata de assunto sério, este geralmente é considerado sob o ponto de vista da bagatela. E não será exagero afirmar que muitos se comprazem em conversar sobre trivialidades.

Por exemplo, os que se acham num restaurante, numa praça pública, num veículo de transporte coletivo, etc., ou estão quietos, pensando em ninharia, ou conversam sobre a bagatela na qual cogitavam quando em silêncio. Mas, o gosto, o apego é pensar a respeito de ninharias.

Então, diz São João Cruz com muita propriedade: Não vos conhecia eu a Vós, meu Senhor, porque ainda queria saber e saborear ninharias.

Quer dizer, quem degusta ninharias, não pode se deleitar com Deus. Porque não é possível gostar de duas coisas opostas ao mesmo tempo. Ora, Deus é infinito, altíssimo, insondável, transcendente. A ninharia, pelo contrário, é a insignificância, a bagatelinha. Assim sendo, compreende-se que uma pessoa afeita às trivialidades não tem o espírito voltado para saborear Deus. Quem notar em si mesmo esse defeito, não deve tomar uma atitude mesquinha, dizendo: “Ah, então não tem remédio, porque gosto tanto de ninharia, que nunca me descolarei dela”. Importa, sim, fazer uma oração: “Meu Deus, dai-me o vosso espírito, o Espírito Santo, que me fará sentir apetência das coisas grandes e horror da ninharia”.

No Evangelho, Nosso Senhor diz que, de todas as orações, a mais certamente atendida é aquela na qual pedimos o Espírito Santo, o bom espírito. Portanto, o oposto à bagatela e à ninharia. Esta deve ser a nossa súplica.

Secou-se meu espírito, porque se esqueceu de se apascentar em Vós.

Qual é o espírito que se apascenta em Deus? Aquele que se compraz em pensar nas belezas da Igreja Católica, na doutrina e na vida de nosso movimento, que são expressões da Igreja e seus princípios. Este se apascenta em Deus, ou seja, é como uma ovelha que se nutre da relva divina e das maravilhas do Criador. Ao contrário daquele cujo espírito secou porque não se deteve na contemplação dessas grandezas, preferindo saborear ninharias.

A alma unida a Deus incute temor ao demônio

Outro ditame de São João da Cruz:
Se queres chegar ao santo recolhimento, não hás de ir admitindo, mas negando.

Frase magnífica. Quer dizer, os espíritos polêmicos, que negam tudo quanto seja revolucionário, isolam-se, rompem com as coisas más e chegam ao recolhimento. Porém, aqueles que aprovam, admiram e se abrem para tudo que é mau, esses são incapazes de recolhimento.

Sejas avesso em admitir em tua alma coisas destituídas de substância espiritual, para que não te façam perder o gosto da devoção e o recolhimento.

É o mesmo princípio enunciado na sentença anterior. A alma que está unida a Deus incute temor ao demônio como o próprio Deus.

Mais uma linda afirmação do Santo carmelita. Realmente, vê-se que o demônio teme o verdadeiro católico, e o ódio que demonstra contra este último é feito de temor. Ele estremece diante do que pratica a religião de modo íntegro, pois é uma alma unida a Deus.

Não devemos nos fiar de nós mesmos

Outra extraordinária proposição é esta:
O mais puro padecer traz e produz o mais puro entender.

Com tal pensamento São João Cruz nos ensina que só entendem profundamente as coisas aqueles que sabem sofrer até o fim. Aqueles aos quais aborrece o sofrimento, não compreendem coisa alguma.

Quem se fia de si mesmo é pior que o demônio.

Uma frase dura aos nossos ouvidos, mas brotada do coração e dos lábios de um Santo, Doutor da Igreja.

Fiar-se de si mesmo significa julgar não ser necessário recorrer a Nossa Senhora, porque tudo se consegue pelo próprio esforço. Por exemplo, quanto à virtude da castidade, a pessoa diz: “Ah, eu consigo praticá-la por mim mesmo. É só uma questão de força de vontade. Diante da ocasião perigosa, eu me transformo num colosso, e não preciso pedir auxílio à Virgem Maria. Vocês são um beatério e ficam implorando a ajuda d’Ela. Mas eu, com a minha força de vontade e minha inteligência, não tenho necessidade de pedir. Na hora eu enfrento!”

Na realidade, essa pessoa se estatela no chão; são derrubados cavalo e cavaleiro. E, segundo uma expressão arcaica que conheci, “cai de costas e quebra o nariz”, tão grande é o tombo. Por quê? Porque confiou em si mesma.

 

Melhor sofrer por Deus que fazer milagres

Quem opera com tibieza, perto está da queda. É um fato evidente.

Certa vez alguém me disse (referindo-se a outro, e no fundo fazendo o elogio de si próprio): “Fulano é tíbio, mas é muito correto”. Retruquei-lhe: “Sim, muito correto, porém está se desmilinguido”. Seria uma situação análoga à de quem, considerando um agonizante, afirmasse: “Ele está vivinho e inteiro”. Realmente o moribundo ainda não faleceu, mas a vida o está abandonando…

Como é possível negar a evidência? Por isso São João da Cruz adverte os tíbios: estão próximos da queda.

Escreve ainda o Santo:
É melhor vencer-se na língua, do que jejuar a pão e água.

Outra grande verdade. E esta nos leva a perguntar quais vitórias devemos conquistar no uso de nossa língua.

A primeira é não dizer coisas impuras; mas a maior é não falar algo que represente uma fraqueza diante da Revolução. Agrados, gentilezas, atitudes que deem a impressão de sermos filhos deste século, isso é que se trata de não dizer. E é esta a imensa vitória sobre a utilização da língua que devemos obter.

Por fim, essa bela e não menos verdadeira sentença de São João da Cruz:
É melhor sofrer por Deus do que fazer milagres.

Pode haver pessoas que realizaram milagres e, após a morte, foram para o inferno. Mas, não é possível que alguém sofra a vida inteira por Deus e depois se condene.

E o maior, o mais evidente é o milagre moral que se opera quando o homem padece de todas as maneiras, mas, por Deus, aceita o sofrimento e não volta atrás. Esse é o milagre por excelência!  Devemos, portanto, ter sempre em vista essa máxima do insigne São João da Cruz, expoente da ascese e da mística católicas: é realmente melhor sofrer por Deus do que fazer milagres.

Plinio Corrêa de Oliveira

12 de dezembro – Na menina dos olhos…

Na menina dos olhos…

Ampliada uma fotografia da imagem de Guadalupe, verificou-se estampada na pupila dos olhos de Maria Santíssima a figura dos que presenciaram o milagre.

Há na Escritura a expressão “guardou-o como a menina dos olhos” (Dt 32, 10). Tendo Nossa Senhora de Guadalupe sido proclamada Patrona da América Latina, de algum modo todos nós estávamos representados naquela cena e colocados na menina dos olhos da Santíssima Virgem.

Entra nisso uma promessa de uma proteção, de um auxílio, de uma graça extraordinária, o que deve ser uma razão de grande confiança de nossa parte ao nos dirigirmos a Nossa Senhora.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 29/1/1971 e 18/1/1975)

12 de dezembro – Nossa Senhora de Guadalupe Padroeira da América Latina

Nossa Senhora de Guadalupe Padroeira da América Latina

No mundo inteiro fala-se da América Latina como um todo, tendo-se muito clara a noção de que ela constitui uma imensa família de nações, no sentido verdadeiramente católico das palavras.

Esse todo ainda está para ser esculpido pela Providência, a fim de tornar-se uma obra-prima da História. O fato de a América Latina ter uma Padroeira, mostra ser a unidade desse conjunto tão real que, nos domínios de Nossa Senhora, constitui um bloco à parte. E que a Santíssima Virgem tem sobre esse conjunto um desígnio supremo, de glória para Ela, vinculando ainda mais entre si os elementos que o constituem.

Tem-se a impressão de que a América Latina está reservada pela Mãe de Deus para ser a terra da glória do seu Reino. Assim, devemos pedir a Nossa Senhora de Guadalupe que realize o quanto antes em nós este desígnio, para que venha logo o Reino de Maria.

08 de dezembro – Síntese esplendorosa

Síntese esplendorosa

Conforme nos ensina a Bula “Ineffabilis Deus”, a beleza e a perfeição da Santíssima Virgem só se manifestam completas porque Ela triunfa, vence e aniquila o demônio. Satanás é um escabelo aos  pés d’Ela.

Sendo Maria imaculada e soberanamente formosa, não basta que todas as criaturas deste mundo, as do Céu e as do Purgatório  Lhe prestem homenagem: importa que o inimigo esteja esmagado
sob seu calcanhar.

Uma perfeita consideração do esplendor de Nossa Senhora envolve, portanto, a ideia do demônio inteiramente subjugado e humilhado por Ela. Essa vitória sobre Satanás dá um particular brilho à celestial beleza da Imaculada Conceição.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

08 de dezembro – Primeiro lance da Contra-Revolução

Primeiro lance da Contra-Revolução

O demônio tem especial ódio à Imaculada Conceição pelo fato de esta singular prerrogativa de Nossa Senhora constituir para ele uma derrota dolorosíssima e, por assim dizer, pessoal. Com efeito, tendo satanás conseguido arrastar nossos primeiros pais ao pecado original, as vantagens que lhe traria essa queda, caso não houvesse a Redenção, seriam simplesmente espetaculares. O homem, criatura nobre de Deus, ficou desfigurado pelo pecado e sujeito às más tendências. Com isso tornou-se incalculável o número de pessoas capazes de cair, ao longo dos séculos, no Inferno. Imenso foi o êxito imediato obtido pelo demônio com o pecado de Adão e Eva.

O único modo de anular esse triunfo do mal seria o Verbo Se encarnar e, enquanto Homem-Deus, oferecer- Se como vítima pela nossa salvação. Ora, essa vitória do Bem teve sua primeira realização no nascimento de uma menina excelsa, imaculada, que, apesar de todos os embustes do demônio, nascia livre da trama na qual ele pretendia envolver todo o gênero humano. Em favor d’Ela, Deus rompeu a urdidura satânica. E Ela nasceu fora da lei do pecado original.

Portanto, a raiz da salvação do mundo, o ponto de partida da Redenção da humanidade, foi o fato de Nossa Senhora ter sido criada isenta do pecado original. Donde nos ser fácil compreender como o primeiro lance da Contra-Revolução foi, precisamente, a Imaculada Conceição de Maria Virgem, prelúdio da Encarnação do Verbo.

(Extraído de conferência de 3/12/1964)
O Primeiro Primeiro lance da Contra-Revolução
Luis C.R. Abreu

08 de dezembro – Sublimidade e pureza

Sublimidade e pureza

O espírito revolucionário, essencialmente igualitário e impuro, execra tudo quanto é sublime e casto; tem amor ao banal, ao trivial, quando não ao degradado. Por isso grande foi o ódio suscitado nos revolucionários por ocasião da proclamação do dogma da Imaculada Conceição de Maria.

 

Temos um trecho de uma encíclica de São Pio X(1) onde, ao tratar a respeito do dogma da Imaculada Conceição, depois de discorrer sobre a atual negação do pecado original e suas consequências, o Santo Padre diz:

Anarquismo, a mais perniciosa doutrina…

Ora, creiam os povos e professem que a Virgem Maria foi preservada de toda mancha de pecado desde o primeiro instante de sua conceição: desde logo torna-se-lhes mister admitir o pecado original, a redenção da humanidade por Jesus Cristo, o Evangelho e a Igreja, enfim a lei do sofrimento. Em virtude disto, todo racionalismo e materialismo que campeiam pelo mundo são arrancados e destruídos em suas raízes, cabendo à sabedoria cristã a glória de ter guardado e defendido a verdade.

Além disto, é vezo perverso e comum a todos os inimigos da fé, sobretudo em nossa época, proclamar que se devem repudiar todo respeito e toda obediência à autoridade da Igreja, mesmo de todo poder humano, na crença de que logo lhes será mais fácil banir a fé dos corações.

Aqui está a origem do anarquismo, a mais nociva e perniciosa doutrina que possa existir, tanto na ordem natural quanto sobrenatural. Ora, tal peste, fatal tanto à sociedade como ao nome cristão, baqueia ante o dogma da Imaculada Conceição de Maria, pela obrigação que lhe impõe de atribuir à Igreja um poder em face do qual tem que se curvar não só a vontade, mas também a inteligência. Pois é em virtude de uma tal submissão que o povo cristão canta este louvor da Virgem: Toda bela és, Maria, e não há em Ti a mancha original.2 Daí se justifica uma vez mais o que a Igreja afirma da Virgem, dizendo que “só Ela extirpou todas as heresias do mundo inteiro”.

…e a extrema ponta da Revolução

Esse trecho é de uma riqueza de conteúdo de pensamento que merece ser explanado e resumido. São Pio X tem em vista mostrar como a aceitação do dogma da Imaculada Conceição, por parte dos fiéis, é um remédio para aquilo que, no ensaio Revolução e Contra-Revolução, nós chamamos a Revolução.

Nessa obra apontamos o anarquismo como a fórmula mais avançada da Revolução. Quer dizer, aquele estado de coisas para o qual o comunismo visa caminhar. Os comunistas dizem que deve haver passageiramente uma ditadura do proletariado. Mas, depois que essa ditadura tenha modelado os homens de acordo com as intenções comunistas, os homens estarão num tal grau de evolução, de “perfeição”, que eles não precisarão mais de leis, de cárceres, não cometerão mais crimes, não farão guerras e não haverá necessidade de governo. E então é uma anarquia. Não no sentido de um pandemônio, de uma desordem, mas de uma ordem sem lei onde todos os homens são reis de si próprios, nenhum obedece a outro e reina uma liberdade, uma fraternidade e uma igualdade completas.

Ora, diz São Pio X – a formulação dele empregada aqui é muito interessante – que não se pode conceber um erro pior do que o anarquismo. Não é uma afirmação de caráter histórico – nunca apareceu um erro tão ruim quanto o anarquismo –, mas de caráter doutrinário. Quer dizer, se um homem mais do que perverso e corrompido procurasse o pior dos erros, na ordem do possível, ele não encontraria um pior do que o anarquismo. Portanto, ele é a extrema ponta da Revolução e, segundo este Papa santo, o pior dos erros concebíveis.

Indignação até em meios católicos

Afirma São Pio X que a admissão do dogma da Imaculada Conceição tem como resultado para os homens a aceitação da autoridade da Igreja, pois o modo pelo qual eles sabem que Nossa Senhora foi concebida sem o pecado original é o ensinamento da Igreja. Ela ensina porque se fundamenta no Evangelho. Logo, é a aceitação do Evangelho e, consequentemente, da Revelação e da ordem sobrenatural. É a submissão a um poder diante do qual se devem dobrar não só os atos externos do homem, mas os internos; não apenas os atos da vontade, mas os da inteligência. Portanto, a atitude mais contrária ao anarquismo que possa existir.

O Pontífice mostra como o ato de fé na Imaculada Conceição é soberanamente eficaz para extirpar da alma humana todas as raízes da Revolução, e aplica a Nossa Senhora aquela frase muito bonita que se encontra na Liturgia: “Tu só é que extirpaste todas as heresias do mundo inteiro”. Ou seja, a Santíssima Virgem, pela sua Imaculada Conceição, calcando aos pés a cabeça do dragão, pai das heresias, eliminou-as do mundo inteiro e luta, através de todos os séculos da vida da Igreja, para a extirpação de todos os erros. Eis a ideia contida nesse esplêndido trecho de São Pio X.

Quando o dogma da Imaculada Conceição foi definido por Pio IX, houve na Europa uma verdadeira tempestade de ódios, protestos, indignação que atingiu não só os não católicos, mas também os católicos. Em muitos meios católicos houve um furor porque esse dogma tinha sido definido. Como explicar essa atitude?

Ódio igualitário

Segundo esse dogma, a Virgem destinada a ser a Mãe de Deus foi concebida sem pecado original desde o primeiro instante de seu ser. Essa indignação contra a Santíssima Virgem, Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo e Mãe da Igreja, explica-se pelo ódio igualitário por vê-La colocada no ponto mais alto em que uma mera criatura possa estar. Ademais, por ser uma mulher, o arbítrio de Deus se apresenta de um modo muito mais forte, porque toma na ordem humana o elemento geralmente considerado secundário e o coloca no alto de toda a pirâmide da Criação. Isso contunde enormemente o espírito igualitário.

Entretanto, fere muito aos igualitários também o fato de que Maria Santíssima tenha sido objeto de uma exceção a uma regra, para a qual nunca houve exceções. A ideia de uma mulher sem pecado original, quebrando uma regra universal e colocada, portanto, numa altura enorme em relação a todos os seres humanos, dá aos revolucionários um verdadeiro furor.

Mas essa fúria tem também outra causa. Não é só por seu aspecto anti–igualitário que a Imaculada Conceição é odiada. Acrescenta-se a isso um ódio do vulgar em relação ao sublime.

Essas verdades – Nossa Senhora concebida sem pecado original, Virgem e Mãe de Deus –, consideradas no seu conjunto, correspondem à sublimidade de um ser de tal maneira puro, imaculado, elevado acima de tudo quanto se possa imaginar, tão virginal no mais recôndito de si mesmo – por não ter nenhum dos impulsos que, mesmo num santo, podem representar o aguilhão da carne.

Nem a isso o ser d’Ela está sujeito, é algo de tão transcendente em matéria de sublimidade, tão alto e requintado em questão de pureza, tão excelso como condição humana, e tão diferente da nossa própria condição, que fica apresentada à nossa admiração uma figura imensamente maior do que nós, pela qual temos uma ideia da sublimidade a que Deus pode elevar a criatura humana, mas à qual nós não fomos elevados.

O requinte da bem-aventurança

Daí decorre para todo o gênero humano uma espécie de honra e de glória que esbarra diretamente no espírito revolucionário, o qual odeia tudo quanto é sublime e elevado, não somente por ser ele igualitário, mas por uma outra expressão do igualitarismo que é o amor ao banal, ao trivial, quando não ao degradado. Por isso os revolucionários têm um verdadeiro ódio à Imaculada Conceição de Maria.

Esse furor contra a Imaculada Conceição encontra outra expressão no ódio que as pessoas, movidas pelo espírito das trevas, têm àqueles que, como nós, procuram praticar a virtude, particularmente no que tange à pureza, compostura e dignidade.

Tais pessoas são capazes de espalhar as piores calúnias a nosso respeito, só porque guardamos a castidade perfeita. A compostura, a nobreza, a distinção de trato, mesmo daqueles que são de uma condição mais modesta, chama a atenção de todos e atrai a simpatia dos bons. Contudo, aos maus causa um verdadeiro ódio à sublimidade da causa que defendemos. Aqueles que gostam da trivialidade nos detestam porque não somos vulgares e procuramos orientar os espíritos para o alto, comunicar às nossas pessoas a atitude e dignidade de filhos de Deus e de Nossa Senhora, no que se reflete algo da realeza da própria Santíssima Virgem. É precisamente isso que os indigna.

Razão para nós de alegria, porque uma das bem-aventuranças é ser perseguido por amor à justiça. Mas dentro desta bem-aventurança há uma especial, que é como o requinte da bem-aventurança: ser perseguido por amor a Nossa Senhora e pelas mesmíssimas razões pelas quais Ela é odiada.

Aproximando-nos da festa da Imaculada Conceição, peçamos a Maria Santíssima cada vez mais essa bem-aventurança de sermos tão unidos a Ela e trazermos em torno de nós de tal maneira a sua expressão, que se possa afirmar ser realmente por causa de nossa semelhança com Ela que somos odiados.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 2/12/1964 e 6/12/1965)
Revista Dr Plinio 237 – Dezembro de 2017

08 de dezembro – Imaculada Conceição de Maria

Imaculada Conceição de Maria

Nossa Senhora, concebida sem o pecado original, não conheceu nenhum dos efeitos que ele produz nos homens. Portanto, todas as desordens e defeitos que há em nós, nunca existiram em Maria Santíssima. Acrescente-se a isso a graça santificante dada numa abundância inaudita, insondável, e correspondida perfeitamente a cada momento; então se pode compreender o que seria a ordem interna, a pureza, a virtude e a santidade de Nossa Senhora.

Ela vê nossos defeitos, incomparavelmente melhor do que nós, porque não temos uma plena consciência de todas as nossas imperfeições. Nossa Senhora tem, portanto, horror a todas as nossas desordens. Mas, como é nossa Mãe, Ela tem por nós um amor invencível!

Nossa Senhora tem pena de nos ver nesse estado e um ardente desejo de nos tirar dele. E quanto maior for o nosso defeito, maior a certeza de que Ela tem pena de nós e, portanto, maior a confiança n’Ela!

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 1/12/1964)
Revista Dr Plinio 177 – Dezembro de 2012

08 de dezembro -Glória da Imaculada Conceição

Glória da Imaculada Conceição

Concebida sem pecado original, Nossa Senhora esmagou — e esmagará para todo o sempre — a cabeça da maldita serpente (cf. Gên 3, 15). Agindo assim, Ela acrescenta às suas extraordinárias e singulares prerrogativas, a glória da luta.

Ela combateu, opôs um esforço a outro, despendeu todas as energias necessárias para aniquilar o adversário. Ela o derrotou e o tem a seus pés! Esse confronto aumenta a glória da Filha do Padre Eterno, da Mãe do Verbo Encarnado, da Esposa do Divino Espírito Santo.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

08 de dezembro – Imaculada Conceição

Imaculada Conceição

A Revolução fomenta todo tipo de pecados e, no fundo, é dirigida pelo espírito das trevas. Maria Santíssima, sendo concebida sem pecado original, esmagou a cabeça da serpente, ou seja, do  demônio. A Imaculada Conceição, sob diversos pontos de vista, é a solenidade de Nossa Senhora da Contra-Revolução.

Na Bula “Ineffabilis Deus” de Pio IX, em que ele definiu o dogma da Imaculada Conceição, se encontra o seguinte trecho:

Beleza da afirmação magisterial da Igreja

Por isto, depois de, na humildade e no jejum, dirigirmos sem interrupção as Nossas preces particulares, e as públicas da Igreja a Deus Pai, por meio de seu Filho, a fim de que se dignas-se dirigir e sustentar a Nossa mente com a virtude do Espírito Santo; depois de implorarmos com gemidos o Espírito Consolador; por sua inspiração, em honra da santa e indivisível Trindade, para decoro e ornamento da Virgem Mãe de Deus, para exaltação da Fé católica, e para incremento da Religião cristã, com a autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos Bem–aventurados Apóstolos Pedro e Pau-lo, e com a Nossa, declaramos, pronunciamos e definimos:

Vejam a pulcritude disso que vamos comentar daqui a pouco, mas a fórmula é linda.

A doutrina que sustenta que a Beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante da sua Conceição, por singular graça e privilégio de Deus onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, foi preservada imune de toda mancha de pecado original, essa doutrina foi revelada por Deus, e por isto deve ser crida firme e inviolavelmente por todos os fiéis.

[…]

Ninguém, portanto, se permita infringir este texto da Nossa declaração, proclamação e definição, nem contrariá-lo e contravir-lhe. E se alguém tivesse a ousadia de tentá-lo, saiba que incorre na indignação de Deus onipotente e dos Bem-aventurados Pedro e Paulo, seus Apóstolos.

Notem a verdadeira beleza da afirmação magisterial da Igreja que, ponto por ponto, está considerada aqui. É ainda o período dos grandes documentos pontifícios e dos grandes estilos de chancelaria. Analisemos esse texto.

Jejum e oração para preparar a alma

Por isto, depois de, na humildade e no jejum, dirigirmos sem interrupção as Nossas preces particulares, e as públicas da Igreja a Deus Pai, por meio de seu Filho, a fim de que se dignasse de dirigir e sustentar a Nossa mente com a virtude do Espírito Santo…

Realmente o Papa é infalível, mas é obrigado, sob pena de pecado mortal, a estudar profundamente o assunto antes de definir um dogma.

Quer dizer, ainda que o Papa não estudasse, tendo definido um dogma está definido e não erraria. Mas ele deve estudar, do contrário comete pecado mortal.

Ele precisa rogar a Deus que esse estudo seja bem feito e conte com as luzes do Espírito Santo. E não só deve pedir, mas também procurar obter isso por meio do jejum, da penitência. Então, por causa disso o Papa explica como preparou a sua alma para a definição do dogma: ele jejuou e rezou continuamente para obter as luzes.

Como ele pediu essas luzes? O Papa rezou e fez a Igreja inteira orar ao Padre Eterno, por meio de seu Filho, Jesus Cristo, porque o Mediador necessário que temos entre o Padre Eterno e nós é Nosso Senhor Jesus Cristo.

Vemos aqui mencionada a Santíssima Trindade. O Padre, o Filho e o Espírito Santo intervindo para orientar o Papa no acerto dessa definição.

…depois de implorarmos o socorro de toda a corte celeste…

Ele pediu a todos os Anjos e Santos do Céu e, sobretudo, Àquela que é a “Regina Sanctorum Omnium e Regina Angelorum”.

…e invocarmos com gemidos o Espírito Consolador, por sua inspiração, em honra da santa e indivisível Trindade…

Quer dizer, inspirado pelo Espírito Santo para dar honra a Deus.

…para decoro e orna-mento da Virgem Mãe de Deus…

Decoro quer dizer esplendor, uma beleza refulgente de dignidade da Virgem Mãe de Deus.

…para exaltação da Fé católica…

“Exaltare” quer dizer tornar alta; para que a Fé católica brilhe aos olhos do mundo inteiro e se levante aos olhos dos homens como um valor de primeira grandeza.

…e para incremento da Religião cristã…

Para aumentar o número de católicos.

Como as badaladas de um grande sino de bronze

Vejam a solenidade desta afirmação:
…com a autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos Bem-aventurados Apóstolos Pedro e Paulo, e com a Nossa, declaramos, pronunciamos e definimos:
Quer dizer, é um apelo à autoridade de Deus, feito de modo magnífico. A autoridade de Cristo, de São Pedro, primeiro Papa, de São Paulo, que ajudou São Pedro na evangelização do Império Romano, e a autoridade pessoal dele, que é o Pedro redivivo e Cristo redivivo.

Com essa autoridade, o que ele faz? Declara, pronuncia e define. Isso soa como as badaladas de um grande sino de bronze: “Declaramos, pronunciamos e definimos”. Definimos o quê?
A doutrina que sustenta que a Beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante da sua Conceição, por singular graça e privilégio de Deus onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, foi preservada imune de toda mancha de pecado original…

Nossa Senhora não teve mancha do pecado original por uma graça singular, em vista dos méritos de Cristo e a partir do primeiro instante do seu ser.

…essa doutrina foi revelada por Deus e por isso deve ser crida firme e inviolavelmente por todos os fiéis.

Ela está fundamentada na Bíblia, na Revelação, na Tradição, portanto deve ser crida.

Agora vem o anátema. Depois da definição do dogma, o castigo para quem se levante contra ele.

Ninguém, portanto, se permita infringir este texto de Nossa declaração, proclamação e definição, nem contrariá-lo…

Quer dizer, depois de ter alçado o estandarte, ele o protege com suas maldições e com a energia dos meios de combate espirituais.

E se alguém tivesse a ousadia de tentá-lo, saiba que incorre na indignação de Deus onipotente, dos Bem–aventurados Pedro e Paulo e de seus Apóstolos.

Ou seja, é uma verdadeira maldição. Notem a majestade e a dignidade que isso tem. Pois bem, é uma majestade e uma dignidade invisível, mas é uma coisa verdadeiramente estupenda, quando se considera a Imaculada Conceição de Nossa Senhora.

 

Alegria, glória e resplendor em todo o universo

Tomem em consideração que Maria Santíssima foi preservada depois de milênios em que só nasciam homens concebidos no pecado original; pois tinha havido um fato cuja consequência natural e normal era que todos os homens nascessem com o pecado original. E esse fato era o pecado de Adão. Portanto, todos os homens carregando a tara do pecado original.

Essa espécie de dissociação entre a inteligência e a vontade, de um lado, e os sentidos, de outro lado, pela qual, a todo momento, os sentidos estão em revolta contra a inteligência e a vontade, estas capitulam e os homens ficam expostos então a cair em pecado, e de fato pecam incontáveis vezes.

Isso veio se repetindo durante milênios, mas em determinado momento cessa a lei da maldição; os Anjos assistem atônitos a um fato que era completamente sem precedentes, e que depois não houve outro igual.

Deus quebranta a lei da maldição, expulsa a maldição e, pela primeira vez, cria uma criatura inteiramente concebida sem pecado original.

Essa criatura — que é Nossa Senhora — está completamente fora dessa lei e resplandece, com todo o brilho, com todo o fogo de uma criatura perfeita, que era como Adão e Eva foram criados, sem nenhuma espécie de mancha de pecado original.

Há em todo o universo uma espécie de alegria, de glória e de resplendor especial, e que se torna ainda mais acentuado pelo fato de que a Santíssima Virgem é criada sem pecado original, é a obra-prima de Criação.

Mais alta do que Ela, só a humanidade santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo. Mas Nosso Senhor Jesus Cristo já não é mera criatura. Na sua humanidade é uma criatura, mas na sua Pessoa, que é uma só, Ele não é uma mera criatura.

Então, se compreende a convergência dos dois fatos.

Aquela que calcou aos pés a cabeça do dragão

A Bíblia nos conta que, depois de ter feito a obra da Criação, Deus descansou encantado com o que Ele tinha realizado. Mas descansou com projeto de criar uma criatura superior, mais maravilhosa do que tudo isso: uma mulher que fosse Mãe do Verbo de Deus Encarnado. Então, essa obra-prima da Criação se faz nesse momento. E os Anjos, que compreendem toda a harmonia de tudo quanto Deus fez, o reflexo d’Ele nessa harmonia, contemplam pela primeira vez, extasiados, a alma de sua Rainha.

Para terem ideia do que é isso, imaginem uma soberana que entra pela primeira vez na capital do seu reino, numa carruagem de gala, precedida de lanceiros, de trombeteiros, seguida de toda a corte, e a cidade inteira considera extasiada a beleza da rainha.

Isso é nada em comparação com a entrada de Nossa Senhora na corte angélica. No primeiro momento em que Maria Santíssima existiu, Ela teve conhecimento inteiro e lúcido de tudo, e conheceu a Deus. E no instante em que conheceu o Criador, Ela fez um ato de amor, que foi o mais perfeito que se tenha dado a Deus até então; de tal maneira que nunca nenhum Anjo fez ao Criador um ato de amor como Ela.

Ela adorou a Deus, Lhe deu ação de graças e Lhe ofereceu uma reparação pelos pecados dos homens. E esse cântico de Nossa Senhora, um cântico novo, a mais alta oração que jamais o Céu poderia fazer, foi para os Anjos a entrada da sua Rainha. Compreendemos, então, o que foi para os Anjos a festa da Imaculada Conceição.

Nós podemos unir as nossas vozes às dos Anjos no dia da Imaculada Conceição. Segundo as revelações de Santa Gertrudes, Santa Mectilde, Santa Brígida, quando a Igreja festeja um mistério na Terra, no Céu os Anjos acompanham. Portanto, no dia da Imaculada Conceição todos os Anjos vão glorificar Nossa Senhora.

Nós também podemos dar essa glória a Maria Santíssima, dentro do nosso espírito especialmente. Por que dentro do nosso espírito? A Imaculada Conceição é Aquela que calcou aos pés a cabeça do dragão. Aparecendo, Nossa Senhora venceu o dragão porque estava concebida sem o pecado original e, então, se preparava para dar à luz o Messias.

Nossa Senhora da Imaculada Conceição é, debaixo de vários pontos de vista, Nossa Senhora da Contra-Revolução, tornando o demônio esmagado, arrasado. É nesse sentido que nós devemos celebrar mais especialmente esta festa.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 7/12/1966)
Revista Dr Plinio 225 – Dezembro de 2016

07 de dezembro – Santo Ambrósio, Bispo e Doutor da Igreja

Santo Ambrósio, Bispo e Doutor da Igreja

Foi por aclamação popular que Santo Ambrósio ascendeu à dignidade episcopal: “vox populi, vox Dei”.

A respeito de Santo Ambrósio, Bispo, Confessor e Doutor da Igreja, Dom Guéranger fornece alguns traços biográficos:

Ainda adolescente, Ambrósio apresentava gravemente sua mão para ser osculada por sua mãe e sua irmã por-que, dizia ele: “Esta mão será um dia a de um Bispo”.

Vemos o que é a compenetração da dignidade episcopal: Como essa mão viria a ser um dia a de um Bispo, beije-a desde já. E fazia isso não por vaidade, nem por orgulho, mas por amor à dignidade episcopal. É realmente magnífico!

A honra de pertencer à Igreja

Pode-se crer que se a vontade divina não tivesse irrevogavelmente condenado o Império Romano a perecer, influências como as de Ambrósio, exercidas sobre um príncipe de coração reto, teriam evitado sua ruína. Sua máxima era firme, mas ela não devia ser aplicada senão nas sociedades novas, que surgiriam depois da queda do Império.

Santo Ambrósio dizia: Não há titulo mais honroso para um imperador do que “filho da Igreja”. O imperador é membro da Igreja, e não está acima dela.

Santo Ambrósio e outros Doutores da Igreja precisaram lutar contra uma tradição que permaneceu entre os imperadores romanos cristãos, a qual procedia do tempo do paganismo.

Na época do paganismo clássico, não havia propriamente uma igreja pagã, nem a distinção entre as duas sociedades, igreja e Estado, como Nosso Senhor Jesus Cristo instituiu. Mas o Estado pagão era um Estado-igreja, que, ao mesmo tempo, promovia a vida temporal, o culto e dispunha a respeito de todos os assuntos religiosos. De maneira que os imperadores romanos  habitualmente se consideravam chefes da religião. E, quando eles morriam, eram até “deificados”, elevados à condição de deuses.

Quando surgiu o Cristianismo, muitos imperadores romanos, por hábito mental, se consideravam os chefes da Religião Católica, dando origem a enormes atritos, como o de Santo Ambrósio com o Imperador Teodósio.

É conhecido o fato de que o Imperador Teodósio, não querendo subordinar-se à ordem de Santo Ambrósio, Bispo de Milão, foi à igreja, acompanhado de todo o seu séquito, depois de ter sido excomungado. Ele encontrou Santo Ambrósio com seu clero na entrada do templo, que lhe proibiu entrar. E Teodósio retrocedeu.

Então, Dom Guéranger comenta esta máxima de Santo Ambrósio: “Nada é mais honroso para o imperador do que ser filho da Igreja. O imperador está na Igreja, e não acima da Igreja”. Quer dizer, para o imperador o grande título de honra é o de católico. Por isso, após a queda do Império Romano, os soberanos católicos colocavam toda a sua honra em ligar seus cargos a títulos religiosos. Assim surgiram o Sacro Império Romano Alemão e os títulos de Rei Apostólico para os reis da Hungria; Rei Cristianíssimo aos da França; Defensor da Fé, concedido a Henri-que VIII da Inglaterra, antes de ele apostatar; Reis Católicos aos soberanos da Espanha; Rei Fidelíssimo ao monarca de Portugal.

É bonita a observação feita por Dom Guéranger, pois o título imperial ou real, que é o mais alto dos títulos humanos, vale pouco se não vem conjugado de alguma forma com a Igreja Católica.Entusiasta da virgindade

Santo Ambrósio é um dos Padres do quarto século que mais vivamente exprimiu as grandezas do ministério na pessoa de Maria. Esta terna predileção por Nossa Senhora explica o entusiasmo de que Ambrósio estava repleto pela virgindade cristã, da qual ele merece ser considerado o doutor especial. Nenhum dos Padres o igualou no encanto e na eloquência com os quais ele proclamou a dignidade e a felicidade das virgens.

Esse é um lindo título que cabe a Santo Ambrósio. De todos os Doutores da Igreja, foi o que melhor estudou a virtude da virgindade; aquele que, com delicadeza de linguagem e de alma inexcedível, soube tratar do tema de maneira a não só firmar a convicção de que a virgindade é uma virtude excelsa, mas ainda proporcionar uma verdadeira apetência da virgindade. Valeria a pena, algum dia, comentarmos aqui os sermões de Santo Ambrósio sobre a virgindade; é tudo quanto há de mais belo.

Zeloso pela dignidade externa

Santo Ambrósio preocupava-se com que os ministros da Igreja apresentassem grande dignidade externamente. Não aceitava em seu clero quem não tivesse uma presença respeitosa. Assim, não admitiu um seu amigo porque notou em seu modo de andar algo menos próprio.

Conheço o caso de uma senhora, cujo filho estava querendo ser padre. Certa vez ela entrou num bonde e viu um padre tão sujo de tabaco, com o cabelo tão despenteado, que essa senhora disse o seguinte: “Meu filho jamais será padre.”

Era um raciocínio errado, mas com certo fundo de razão. Quer dizer, se numa classe os homens se apresentam assim, não convém pertencer a essa classe. A ideia é muito verdadeira: quando uma pessoa é altamente respeitável, até no seu físico uma respeitabilidade transparece. Compreende-se, portanto, como Santo Ambrósio tinha profundamente razão.

Apostolado de presença

Santo Ambrósio combateu os hereges e converteu Santo Agostinho.

Santo Agostinho conta que ele tinha verdadeira fascinação por Santo Ambrósio. Então, de vez em quando, ele ia à casa do santo Bispo de Milão, metia-se na sala onde ele estava escrevendo e ficava sentado, na esperança de que Santo Ambrósio lhe dissesse alguma palavra. E Santo Ambrósio, muito ocupado com os trabalhos, não dava entrada a Santo Agostinho. Mas, pelo fato de ver Santo Ambrósio trabalhar, estar ali na atmosfera criada pelo Bispo de Milão, ele sentia que aquilo fazia muito bem para sua alma.

Por isso, e devido a alguns colóquios que eles tiveram, bem como por causa das obras de Santo Ambrósio, algumas das quais Santo Agostinho conheceu antes da conversão, se pode dizer que Santo Ambrósio cooperou constantemente para esse fato que talvez seja o mais importante da sua vida: não foram os livros que ele escreveu, nem as obras que realizou, mas ter convertido Santo Agostinho. Somente essa conversão é um capítulo na História do mundo e na História da Igreja.

 

Vemos aqui duas coisas bonitas em Santo Ambrósio: em primeiro lugar, o apostolado de presença.

Insistimos tanto sobre o alcance desse apostolado. Muitas pessoas pensam que valem para o nosso Movimento na medida em que falam, atuam, trabalham. Claro está que isso tudo é muito bom.

Mas há um apostolado de presença, que pode ser muito melhor; e desse fato deu provas muito eloquentes Santo Ambrósio em face de Santo Agostinho.

De outro lado, notamos a confiança na Providência Divina. Se Santo Ambrósio fosse superficial, ele cessaria todos seus trabalhos para fazer uma pescaria apostólica com Santo Agostinho. Depois ele iria trabalhar desordenadamente; pior, minguaria seus livros e escreveria uns “livrequinhos” superficiais, para ter tempo de conversar com Santo Agostinho.

Porém, confiante na Providência, no amor de Deus, na Igreja Católica, ele fazia o que estava dentro de suas possibilidades. Era vontade de Deus que Santo Ambrósio escrevesse um livro, e ele o fazia com perfeição. E que Santo Agostinho aproveitasse as beiradas que encontrasse; Deus haveria de prover. E, de fato, proveu.

Quer dizer, essa confiança na Providência, não querer fazer loucuras, absurdos, mas ser temperante, inclusive no próprio zelo apostólico, é rica em lições para nós.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 7/12/1964 e 6/12/1966)