A Sabedoria do Menino Jesus na Manjedoura

Será que ao dirigir-se a Jesus Menino devemos fazê-lo como a uma criança sem discernimento? Ou como a Alguém dotado de extraordinária Sabedoria? Tal Sabedoria existe na alma de uma criança? O que pedir a Ele no dia do Natal? Com profunda piedade unida à doutrina, Dr. Plinio discorrerá sobre estas e outras questões.

Diante da proximidade da festa supremamente significativa do Santo Natal de Nosso Senhor, parece-me que deveríamos nos perguntar: Como devemos nos preparar para o dia de Natal? E, sobretudo, como prepararmo-nos para o momento culminante deste dia, a Santa Missa? E ainda como nos prepararmos para os dois momentos auges dentro dela, a Consagração, e a Comunhão?

Como preparar-se para o Natal

Para esta preparação há uma dificuldade. Creio existir em muitas pessoas a ideia, apresentada pela iconografia comum, de que ao adorar o Menino Jesus, adora-se uma criança com todas as suas características e, portanto, até mesmo com a inteligência e falta de discernimento próprias a todo recém-nascido. Torna-se assim difícil a adoração de um ente em relação ao qual não se tem nenhuma comunicação de pensamento; e que sendo verdadeiro Deus é também homem, e em sua natureza humana não tem a sabedoria, a inteligência e a penetração de espírito do homem adulto. De tal maneira que a fisionomia humana que nós temos representada diante de nós, não nos convida a uma comunicação de alma como diante de uma pessoa que começa a pensar e a refletir. Por isso, a meditação clássica que se faz diante de um presépio consiste em ver o Menino Jesus tão criança, tão pequeno, tão frágil, e estabelecer o contraste entre a imensidade de Deus e aquela pequena criatura na qual Nosso Senhor Jesus Cristo se encarnou, com a qual Ele assumiu a união hipostática.

Jesus, apesar de menino, possuía toda a inteligência e discernimento

Então se faz geralmente uma meditação a respeito da humildade de Deus, ou do desejo extremo de nos salvar que levou Nosso Senhor a Se reduzir àquela condição de frágil criatura posta numa manjedoura. Esta ordem de ideias é muito boa, ao ponto de ter se tornado comum, talvez demasiado comum. É possível, portanto, que se queira para esse Natal uma ordem de ideias mais perfeita, ao menos ao nosso modo de ver.

Deveríamos então nos perguntar se a iconografia católica, que nos apresenta Nosso Senhor Jesus Cristo como uma criança sem discernimento, olhando para as coisas sem ver bem o que é que são, sem entender o que está em torno de si, se essas imagens correspondem a algo de verdadeiro e, portanto, se é verdade que Nosso Senhor Jesus Cristo tinha essa inteligência própria à primeira infância.

A isso se deve responder o seguinte: Nosso Senhor Jesus Cristo, de algum modo, realmente teve as várias idades pelas quais Ele passou. Portanto, possuiu verdadeira alma infantil, de adolescente, de moço e de homem maduro. Porém, isso não quer dizer que Ele, em sua infância, tivesse a fraqueza e a falta de discernimento próprias a este estado.

Sapientíssimo desde o ventre materno

Ensina a Teologia que desde o momento da Encarnação, ainda mesmo no ventre de Nossa Senhora, Jesus já possuía toda a inteligência e lucidez, sendo, portanto, uma criança sapientíssima, embora a manifestação de sua sabedoria se desse de acordo com o comum de uma criança. Portanto, ainda que inteligentíssimo, Ele era realmente uma criança.

Assim sendo, vê-se que a iconografia católica não erra, porém mostra apenas um aspecto da verdade. Com certeza, para aqueles que tratavam com o Menino Jesus, Ele deveria causar a impressão de uma criança sujeita às condições comuns de criança. Porque o milagre não podia aparecer n’Ele de um modo irrecusável. Mesmo em sua vida pública, Ele praticou numerosos milagres que não possuíam o caráter de evidência; eram milagres mais ou menos como os que se dão em Lourdes; claros o bastante para que uma pessoa de boa-fé possa crer, mas não tão manifestos que excluam a necessidade da Fé. Pois, se o Menino Jesus, posto numa manjedoura, começasse a falar e dissertar, como se fosse um homem dotado de uma sabedoria extraordinária, seria patente tratar-se de um menino inteiramente incomum, e a Fé teria que ceder lugar à certeza. Por isso, Ele possuía as aparências de criança, pois por humildade Ele quis respeitar o tempo necessário e ir gradualmente Se revelando.

Jesus veio ao mundo conhecendo todo o passado, o presente e o futuro

Quando consideramos Nosso Senhor Jesus Cristo Menino, devemos considerar este mistério: Sendo verdadeira criança, parecendo possuir apenas um discernimento pueril, tem em Si toda a sabedoria da qual a natureza humana é capaz. De maneira que aquela Criança na manjedoura tinha incomparavelmente mais inteligência, conhecimento e santidade do que tiveram todos os entes que existiram antes e depois d’Ele sobre a Terra.

Devemos por isso considerar que ali deitado na manjedoura, Nosso Senhor Jesus Cristo via tudo quanto deveria fazer na Terra. Ele conhecia tudo o que em torno d’Ele se passava. Pela vontade d’Ele, todas as coisas eram de forma tal qual Ele queria. Ao contemplar Nossa Senhora, o Menino Jesus sabia ser Ela como era por vontade sua. Enquanto Maria O adorava, Ele percebia claramente que por sua vontade Ela o fazia e correspondia a essa adoração com uma generosidade, uma bondade perfeita, que inundava Nossa Senhora de gáudio.

Por sua vez, olhando para Ele, Nossa Senhora conhecia o grau de discernimento e santidade que havia n’Ele. Travava-se assim um diálogo mudo, mil vezes mais eloquente do que um diálogo falado, diálogo maravilhoso e insondável, no qual a Virgem Mãe se comunicava com seu Filho que revelava a Ela os mistérios de sua sabedoria e santidade, deixando-A arrebatada de enlevo, e fazendo-A crescer cada vez mais em santidade.

No primeiro Natal, Jesus via todos os Natais da História

Talvez o primeiro diálogo de Nosso Senhor com Nossa Senhora tenha consistido em considerar o seguinte: Pela vontade de Jesus, que acabava de nascer, é que estavam naquele lugar pobre. Pela vontade d’Ele os pastores vieram visitá-Lo. Ele sabia, já ao encarnar-se, que deveria morrer na Cruz, e talvez naquele momento tenha oferecido ao Padre Eterno tudo quanto Ele faria nesta Terra, para o cumprimento de sua missão.

É preciso ressaltar que Ele não pensava apenas em sua vida terrena, mas pensava na missão da Igreja por todos os séculos. Ele tinha a intenção de que seu nascimento fosse o primeiro Natal, e conhecia todos os Natais que viriam depois, até o fim do mundo. Sem dúvida, sabia de todas as magníficas festas de Natal nas esplêndidas catedrais da Idade Média; nas belas e nobres festas, em tantas igrejas do “Ancien Régime”; nas comovedoras e veneráveis igrejas dos séculos passados.

Ele viu também os Natais modernos, carentes de sentido sobrenatural, e celebrados talvez com um estado de espírito oposto ao que se deveria ter. Mas, sem dúvida, viu com imenso agrado os que permaneciam fiéis ao verdadeiro espírito do Natal, mantendo-se verdadeiramente católicos apesar das perseguições, das lutas e das dificuldades.

Quem sabe se o último dia do mundo não será um Natal?

Ele previu os esplêndidos Natais do Reino de Maria, e conheceu também os tristes Natais no tempo em que a humanidade do Reino de Maria começará a decair inexoravelmente, talvez entrando pelo caminho que levará ao fim do mundo. Ele previu até mesmo o último Natal.

Como será este último e grandioso Natal?

Eu o imagino da seguinte maneira: poucos fiéis esparsos pela face da Terra, festejando sozinhos o verdadeiro Natal, talvez sem se conhecerem, e percebendo que nada mais pode durar porque a Igreja Católica está em seus últimos haustos…

Quem sabe se à meia-noite do dia vinte e quatro do último dezembro da História, quando tudo parecer completamente perdido, um raio percorrerá o céu do Oriente ao Ocidente, um terror se apoderará dos povos, os anjos aparecerão, a abóbada celeste se enrolará como um pergaminho, e virá o Filho do Homem, em toda a sua majestade, para julgar vivos e mortos. Talvez enquanto alguns poucos fiéis, ao som do “Stille Nacht”, comemoram o nascimento de Cristo Nosso Senhor, Ele volta à Terra em meio às glórias do Natal e, de repente, começa a surgir a aurora, os mortos começam a ressuscitar, os justos aclamam Nosso Senhor, Nossa Senhora aparece à frente do cortejo das almas eleitas, e começa o julgamento.

Pedir a graça de permanecer fiel ao verdadeiro espírito de Natal

E, se admitirmos essa hipótese, é conveniente deitarmos o olhar para esses últimos irmãos, vítimas da última perseguição, e procurarmos compreender o sentido profundo do Natal para os que são perseguidos, desde o Natal das catacumbas até o Natal do fim dos tempos.

De tudo isso nos devemos lembrar ao aproximarmo-nos do Santíssimo Sacramento, quando O adorarmos após o milagre da Transubstanciação e quando O recebermos na Santa Comunhão. Então, por meio de Nossa Senhora, Medianeira de todas as graças, roguemos a Nosso Senhor que nos prepare espiritualmente para as provações que podem sobrevir.

Posto na manjedoura só para mim

Peçamos a Nosso Senhor perdão pelas faltas que tenhamos cometido, e supliquemos-Lhe que Se digne misericordiosamente fechar os olhos para nossos pecados, da mesma forma que nascendo fechou os olhos para as infidelidades do povo eleito e do mundo antigo. Roguemos que Ele assim inicie conosco uma nova era de graças, de misericórdia e de bondade, uma era de paz, na qual, inteiramente reconciliados com Ele, possamos ser os filhos que Ele nos convida a ser. Essas são algumas das orações que podemos oferecer a Ele, unidas a gemidos de arrependimento e manifestações de esperança, confiança e certeza de que, se Ele veio à Terra para salvar os homens, veio para nos salvar a nós; e que se Ele esteve na manjedoura para o bem dos homens, lá esteve para o meu bem.

Ainda que não houvesse senão um homem, e esse fosse eu, Ele teria Se encarnado e seria posto na manjedoura por amor a mim. De maneira que é legitimo imaginar que o Menino Deus lá está por causa de mim. Por isso devemos pedir a Ele que esse ato de amor maravilhoso não seja estéril em nossas almas, e que a bondade d’Ele passe por cima de nossos pecados e arrase os obstáculos edificados por nós, e, finalmente, nos converta fazendo-nos pertencer completamente a Ele. É isso que por meio de Nossa Senhora aconselho pedir na noite de Natal.

Oferecer os pedidos numa bandeja de ouro

Tenhamos em conta que bem junto ao presépio estava Nossa Senhora. Diz o Evangelho que os pastores O encontraram com Maria, indicando que só com Nossa Senhora, e junto a Ela, se encontra Nosso Senhor. Consideremos também que no momento em que veio ao mundo o Salvador, Ela conhecia que tudo quanto Ele deveria sofrer, o faria por nós. Ela pediu a Ele todas as graças necessárias para cada um de nós. E ainda agora no Céu continua a pedi-las.

Unamo-nos a esse pedido. Usando a expressão de São Luís Grignion, coloquemos nosso pedido nas mãos de Nossa Senhora, como um camponês que põe uma fruta comum numa bandeja de ouro, para oferecer ao rei. A salva de ouro são as mãos e o Imaculado Coração de Nossa Senhora. Peçamos que Ela recolha nosso pedido e o apresente a seu Divino Filho.

Com a certeza de sermos bem recebidos e atendidos, pois Nossa Senhora nunca recusa coisa alguma do que lhe peçamos, podemos transpor o Natal.

Oração para o momento da Transubstanciação

No auge do Natal, no momento da Transubstanciação, para mim a oração ideal é a “Salve Regina” ou o “Memorare”, pedindo a Nossa Senhora que me torne bem consciente de que nunca se ouviu dizer que Ela tenha recusado um pedido, e, portanto, naquela hora sacrossanta não recusaria o meu. E então peço a graça de ser inteiramente d’Ela. Apesar dos meus defeitos e ingratidões, que Ela tome conta de mim, e me faça inteiramente d’Ela, para eu ser o herói e o santo que Ela quer que eu seja. Esta é, em especial, a oração que nós devemos fazer na noite de Natal.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 23/12/1971)

Imaculada Conceição

Santa desde o primeiro instante

Conforme a sentença comum dos teólogos, Nossa Senhora, concebida sem pecado original, foi dotada do uso da razão desde o primeiro instante de seu ser. Portanto, já no claustro materno possuía altíssimos e sublimíssimos pensamentos, nele vivendo como num verdadeiro tabernáculo.

Assim, pode-se acreditar que a Bem-aventurada Virgem, com a elevada ciência que recebera pela graça de Deus, ainda no seio de Sant’Ana começou a pedir a vinda do Messias e, com Ele, a derrota de todo mal no gênero humano.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 8/9/1963)
Revista Dr Plinio 117 – Dezembro de 2007

A Imaculada Conceição

Primeiro dos augustos privilégios outorgados a Maria em vista da maternidade divina, a Imaculada Conceição sempre despertou na alma de Dr. Plinio um intenso e fervoroso enlevo. Eloquente prova dessa devoção podemos constatar nos comentários transcritos a seguir, exemplos dos inúmeros feitos por ele ao longo de sua gesta católica.

Na Bula “Ineffabilis Deus”, com a qual Pio IX definiu o dogma da Imaculada Conceição, encontra-se este trecho:

“A doutrina que sustenta que a Beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante da sua conceição, por singular graça e privilégio de Deus onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, foi preservada e imune de toda mancha de pecado original, essa doutrina foi revelada por Deus, e por isto deve ser crida firme e inviolavelmente por todos os fiéis.”

Rompida a lamentável herança da culpa original

O Sumo Pontífice afirma, portanto, que Nossa Senhora, por uma graça singular e em vistas dos méritos de Cristo, a partir do primeiro instante de seu ser foi isenta da mancha do pecado original. Essa doutrina foi revelada por Deus, e por isso deve ser “crida firme e inviolavelmente por todos os fiéis”.

Para se avaliar o extraordinário significado da Imaculada Conceição, é preciso ter em conta que, em conseqüência da queda de Adão, todos os seus descendentes haviam de nascer com o pecado original. Lamentável herança em virtude da qual os sentidos do homem continuamente se revoltam contra a sua razão, expondo-o a novos e incontáveis pecados.

Durante milênios verificou-se, inexorável, essa lei da maldição. Em determinado momento, porém, os Anjos assistem atônitos a um fato sem precedentes na história da humanidade decaída: Deus quebranta a funesta lei, e um ser é inteiramente concebido sem pecado original. É Nossa Senhora que surge imaculada, resplandecente, com todo o brilho e todo o fulgor de uma criatura perfeita, como o foram Adão e Eva ao saírem das mãos do Onipotente.

Pode-se imaginar que, nesse sublime instante, um frêmito de júbilo e de glória percorreu todo o universo, acentuado pelo fato de que Maria, isenta do pecado original, era também a obra-prima da criação. Acima d’Ela haveria de estar, apenas, a Humanidade santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Narra a Sagrada Escritura que o Padre Eterno, depois de concluída a obra da Criação, repousou na enlevada consideração do que Ele tinha feito. Descansou, porém, tendo-se proposto criar um ser que superasse em maravilha tudo o que até então sua onipotência realizara, uma mulher da qual haveria de nascer o Verbo Encarnado. E foi precisamente no momento da Conceição Imaculada de Nossa Senhora que Deus executou essa sua obra-prima.

“Como um exército em ordem de batalha”

Concebida sem pecado original, Nossa Senhora não sentia em si nenhuma inclinação para o que fosse ruim. Pelo contrário, possuía todas as facilidades para dar à graça de Deus uma perfeita e constante correspondência. De sorte que, n’Ela, as grandezas sobrenatural e natural se entrelaçavam numa profunda e maravilhosa harmonia.

Em conseqüência, Nossa Senhora tinha como ninguém uma altíssima noção da excelência de Deus, e da glória que Lhe devem render todas as criaturas. Por isso, nutria em sua alma vivíssimo horror ao pecado, que é um ultraje à mesma glória divina. Donde possuir Ela, também, uma ardorosa combatividade, no sentido de execrar toda forma de mal.

Compreende-se, à vista disto, porque Nossa Senhora é comparada a um exército em ordem de batalha: “sicut castrorum acies ordinata”. Ou, como d’Ela se diz, que sozinha esmagou todas as heresias na Terra inteira. Por quê? Exatamente porque, já no privilégio de sua Imaculada Conceição, Ela é o modelo de combate ao mal.

Início da vitória da Contra-Revolução

Porque concebida sem pecado original, Nossa Senhora, afirmam os teólogos, foi dotada do uso da razão desde o primeiro instante de seu ser. Portanto, já no ventre materno Ela possuía altíssimos e sublimíssimos pensamentos, vivendo no seio de Sant’Ana como num verdadeiro tabernáculo.

Temos uma confirmação indireta disso no que narra a Sagrada Escritura (Lc 1, 44) a respeito de São João Batista. Ele, que fora engendrado no pecado original, ao ouvir a voz de Nossa Senhora saudando Santa Isabel, estremeceu de alegria no seio de sua mãe.

Assim, pode-se acreditar que a Bem-aventurada Virgem, com a altíssima ciência que recebera pela graça de Deus, já no seio de Sant’Ana começou a pedir a vinda do Messias e, com Ele, a derrota de todo mal no gênero humano. E desde o ventre materno se estabeleceu, certamente, no espírito de Maria, aquele elevadíssimo intuito de vir a ser, um dia, a servidora da Mãe do Salvador.

Na realidade, por essa forma Nossa Senhora já começava a influir nos destinos da humanidade. Sua presença na Terra era uma fonte de graças para todos aqueles que d’Ela se aproximavam na sua infância, ou mesmo quando ainda se encontrava no seio de Sant’Ana. Pois se da túnica de Nosso Senhor — conta o Evangelho (Lc 8, 44-47) — se irradiavam virtudes curativas para quem a tocasse, quanto mais da Mãe de Deus, Vaso de Eleição!

Por isso, pode-se dizer que, embora fosse Ela criancinha, já em seu natal graças imensas raiaram para a humanidade. Naquele bendito momento, a vitória da Contra-Revolução começou a ser afirmada e o demônio a ser esmagado, percebendo que algo de seu cetro estava irremediavelmente partido.

Derrota dolorosa e pessoal para o demônio

Por isso, tem o demônio especial ódio à Imaculada Conceição. Esta singular prerrogativa de Nossa Senhora constituiu para ele uma derrota dolorosíssima e, por assim dizer, pessoal.

Com efeito, tendo Satanás conseguido arrastar nossos primeiros pais ao pecado original, as vantagens que lhe traria essa queda, caso não houvesse a futura Redenção, seriam simplesmente espetaculares. O homem, criatura nobre de Deus, ficou desfigurado pelo pecado e sujeito às más tendências. Com isso, tornou-se incalculável o número de pessoas capazes de cair, ao longo dos séculos, no Inferno. Portanto, imenso foi o êxito imediato que o demônio obteve com o pecado de Adão e Eva.

O único modo de anular esse triunfo do mal seria o Verbo se encarnar e, enquanto Homem-Deus, oferecer-se como vítima pela nossa salvação.

Ora, essa vitória do Bem teve sua primeira realização no nascimento de uma criatura excelsa, imaculada, que, apesar de todos os embustes do demônio, surgia livre da trama na qual ele pretendia envolver todo o gênero humano. Em favor dessa criatura, Deus rompeu a urdidura satânica, e Ela nasceu inteiramente fora da lei do pecado original. Essa criatura eleita é Maria Santíssima, Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Portanto, a raiz da salvação do mundo, o ponto de partida da Redenção da humanidade, foi o fato de Nossa Senhora ter sido concebida isenta do pecado original. Donde nos ser fácil compreender como o primeiro lance da Contra-Revolução foi, precisamente, a Imaculada Conceição de Maria Virgem, prelúdio da Encarnação do Verbo.

Invocação propícia aos contra-revolucionários

Compreendemos, de outro lado, como Nossa Senhora, concebida sem pecado original, realmente pisa na cabeça do demônio. E, portanto, o profundo sentido teológico que há no fato de se representar a imagem da Imaculada Conceição calcando a serpente.

Imaculada Conceição! Essa é a invocação propícia para os contra-revolucionários. O modelo para estes é Nossa Senhora que, ao contrário de Eva, não conversa com a serpente e, ademais, esmaga-lhe constantemente a cabeça. Tal é a atitude de espírito que devemos pedir a Nossa Senhora da Imaculada Conceição.

Pois, que outra coisa é o calcanhar da Virgem, senão os filhos que Ela suscitou para seu serviço, humildes, desapegados de honras e glórias mundanas, unicamente desejosos de serem instrumentos d’Ela para esmagar a Revolução?

Esse deve ser nosso maior anelo: sermos células vivas do glorioso calcanhar da Santíssima Virgem, a cuja pressão nada tem resistido ao longo da História!

Especial brilho da imaculada beleza de Maria

Na mesma Bula “Ineffabilis Deus”, o Papa Pio IX assim se exprime: “E depois reafirmamos a nossa mais confiante esperança na Beatíssima Virgem que, toda bela e imaculada, esmagou a cabeça venenosa da crudelíssima serpente, e trouxe a salvação ao mundo”.

É interessante notar como o Sumo Pontífice reúne, no mesmo pensamento, a beleza e o poder de Nossa Senhora. De outro lado, evoca ele, por contraste, a hediondez e a fraqueza do demônio, o qual é esmagado por Ela.

Portanto, uma vez que existe a diabólica serpente, a beleza e a perfeição da Santíssima Virgem só se manifestam completas porque Ela triunfa, vence e esmaga o demônio. Satanás é um escabelo aos pés d’Ela. Sendo Maria imaculada e soberanamente linda, não basta que todas as criaturas deste mundo, as do Céu e as do Purgatório Lhe prestem homenagem: importa que o inimigo esteja quebrado sob seu calcanhar.

Uma perfeita consideração do esplendor de Nossa Senhora envolve, portanto, a ideia do demônio estraçalhado e humilhado por Ela. Essa vitória sobre Satanás resulta em particular brilho na celestial beleza da Imaculada Conceição.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 8/9/1963)
Revista Dr Plinio 117 – Dezembro de 2007

Santo Ambrósio, Bispo e Doutor da Igreja

Foi por aclamação popular que Santo Ambrósio ascendeu à dignidade episcopal: “vox populi, vox Dei”.

A respeito de Santo Ambrósio, Bispo, Confessor e Doutor da Igreja, Dom Guéranger fornece alguns traços biográficos:

Ainda adolescente, Ambrósio apresentava gravemente sua mão para ser osculada por sua mãe e sua irmã por-que, dizia ele: “Esta mão será um dia a de um Bispo”.

Vemos o que é a compenetração da dignidade episcopal: Como essa mão viria a ser um dia a de um Bispo, beije-a desde já. E fazia isso não por vaidade, nem por orgulho, mas por amor à dignidade episcopal. É realmente magnífico!

A honra de pertencer à Igreja

Pode-se crer que se a vontade divina não tivesse irrevogavelmente condenado o Império Romano a perecer, influências como as de Ambrósio, exercidas sobre um príncipe de coração reto, teriam evitado sua ruína. Sua máxima era firme, mas ela não devia ser aplicada senão nas sociedades novas, que surgiriam depois da queda do Império.

Santo Ambrósio dizia: Não há titulo mais honroso para um imperador do que “filho da Igreja”. O imperador é membro da Igreja, e não está acima dela.

Santo Ambrósio e outros Doutores da Igreja precisaram lutar contra uma tradição que permaneceu entre os imperadores romanos cristãos, a qual procedia do tempo do paganismo.

Na época do paganismo clássico, não havia propriamente uma igreja pagã, nem a distinção entre as duas sociedades, igreja e Estado, como Nosso Senhor Jesus Cristo instituiu. Mas o Estado pagão era um Estado-igreja, que, ao mesmo tempo, promovia a vida temporal, o culto e dispunha a respeito de todos os assuntos religiosos. De maneira que os imperadores romanos  habitualmente se consideravam chefes da religião. E, quando eles morriam, eram até “deificados”, elevados à condição de deuses.

Quando surgiu o Cristianismo, muitos imperadores romanos, por hábito mental, se consideravam os chefes da Religião Católica, dando origem a enormes atritos, como o de Santo Ambrósio com o Imperador Teodósio.

É conhecido o fato de que o Imperador Teodósio, não querendo subordinar-se à ordem de Santo Ambrósio, Bispo de Milão, foi à igreja, acompanhado de todo o seu séquito, depois de ter sido excomungado. Ele encontrou Santo Ambrósio com seu clero na entrada do templo, que lhe proibiu entrar. E Teodósio retrocedeu.

Então, Dom Guéranger comenta esta máxima de Santo Ambrósio: “Nada é mais honroso para o imperador do que ser filho da Igreja. O imperador está na Igreja, e não acima da Igreja”. Quer dizer, para o imperador o grande título de honra é o de católico. Por isso, após a queda do Império Romano, os soberanos católicos colocavam toda a sua honra em ligar seus cargos a títulos religiosos. Assim surgiram o Sacro Império Romano Alemão e os títulos de Rei Apostólico para os reis da Hungria; Rei Cristianíssimo aos da França; Defensor da Fé, concedido a Henri-que VIII da Inglaterra, antes de ele apostatar; Reis Católicos aos soberanos da Espanha; Rei Fidelíssimo ao monarca de Portugal.

É bonita a observação feita por Dom Guéranger, pois o título imperial ou real, que é o mais alto dos títulos humanos, vale pouco se não vem conjugado de alguma forma com a Igreja Católica.Entusiasta da virgindade

Santo Ambrósio é um dos Padres do quarto século que mais vivamente exprimiu as grandezas do ministério na pessoa de Maria. Esta terna predileção por Nossa Senhora explica o entusiasmo de que Ambrósio estava repleto pela virgindade cristã, da qual ele merece ser considerado o doutor especial. Nenhum dos Padres o igualou no encanto e na eloquência com os quais ele proclamou a dignidade e a felicidade das virgens.

Esse é um lindo título que cabe a Santo Ambrósio. De todos os Doutores da Igreja, foi o que melhor estudou a virtude da virgindade; aquele que, com delicadeza de linguagem e de alma inexcedível, soube tratar do tema de maneira a não só firmar a convicção de que a virgindade é uma virtude excelsa, mas ainda proporcionar uma verdadeira apetência da virgindade. Valeria a pena, algum dia, comentarmos aqui os sermões de Santo Ambrósio sobre a virgindade; é tudo quanto há de mais belo.

Zeloso pela dignidade externa

Santo Ambrósio preocupava-se com que os ministros da Igreja apresentassem grande dignidade externamente. Não aceitava em seu clero quem não tivesse uma presença respeitosa. Assim, não admitiu um seu amigo porque notou em seu modo de andar algo menos próprio.

Conheço o caso de uma senhora, cujo filho estava querendo ser padre. Certa vez ela entrou num bonde e viu um padre tão sujo de tabaco, com o cabelo tão despenteado, que essa senhora disse o seguinte: “Meu filho jamais será padre.”

Era um raciocínio errado, mas com certo fundo de razão. Quer dizer, se numa classe os homens se apresentam assim, não convém pertencer a essa classe. A ideia é muito verdadeira: quando uma pessoa é altamente respeitável, até no seu físico uma respeitabilidade transparece. Compreende-se, portanto, como Santo Ambrósio tinha profundamente razão.

Apostolado de presença

Santo Ambrósio combateu os hereges e converteu Santo Agostinho.

Santo Agostinho conta que ele tinha verdadeira fascinação por Santo Ambrósio. Então, de vez em quando, ele ia à casa do santo Bispo de Milão, metia-se na sala onde ele estava escrevendo e ficava sentado, na esperança de que Santo Ambrósio lhe dissesse alguma palavra. E Santo Ambrósio, muito ocupado com os trabalhos, não dava entrada a Santo Agostinho. Mas, pelo fato de ver Santo Ambrósio trabalhar, estar ali na atmosfera criada pelo Bispo de Milão, ele sentia que aquilo fazia muito bem para sua alma.

Por isso, e devido a alguns colóquios que eles tiveram, bem como por causa das obras de Santo Ambrósio, algumas das quais Santo Agostinho conheceu antes da conversão, se pode dizer que Santo Ambrósio cooperou constantemente para esse fato que talvez seja o mais importante da sua vida: não foram os livros que ele escreveu, nem as obras que realizou, mas ter convertido Santo Agostinho. Somente essa conversão é um capítulo na História do mundo e na História da Igreja.

Vemos aqui duas coisas bonitas em Santo Ambrósio: em primeiro lugar, o apostolado de presença.

Insistimos tanto sobre o alcance desse apostolado. Muitas pessoas pensam que valem para o nosso Movimento na medida em que falam, atuam, trabalham. Claro está que isso tudo é muito bom.

Mas há um apostolado de presença, que pode ser muito melhor; e desse fato deu provas muito eloquentes Santo Ambrósio em face de Santo Agostinho.

De outro lado, notamos a confiança na Providência Divina. Se Santo Ambrósio fosse superficial, ele cessaria todos seus trabalhos para fazer uma pescaria apostólica com Santo Agostinho. Depois ele iria trabalhar desordenadamente; pior, minguaria seus livros e escreveria uns “livrequinhos” superficiais, para ter tempo de conversar com Santo Agostinho.

Porém, confiante na Providência, no amor de Deus, na Igreja Católica, ele fazia o que estava dentro de suas possibilidades. Era vontade de Deus que Santo Ambrósio escrevesse um livro, e ele o fazia com perfeição. E que Santo Agostinho aproveitasse as beiradas que encontrasse; Deus haveria de prover. E, de fato, proveu.

Quer dizer, essa confiança na Providência, não querer fazer loucuras, absurdos, mas ser temperante, inclusive no próprio zelo apostólico, é rica em lições para nós.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 7/12/1964 e 6/12/1966)

Síntese esplendorosa

Conforme nos ensina a Bula “Ineffabilis Deus”, a beleza e a perfeição da Santíssima Virgem só se manifestam completas porque Ela triunfa, vence e aniquila o demônio. Satanás é um escabelo aos  pés d’Ela.

Sendo Maria imaculada e soberanamente formosa, não basta que todas as criaturas deste mundo, as do Céu e as do Purgatório  Lhe prestem homenagem: importa que o inimigo esteja esmagado
sob seu calcanhar.

Uma perfeita consideração do esplendor de Nossa Senhora envolve, portanto, a ideia do demônio inteiramente subjugado e humilhado por Ela. Essa vitória sobre Satanás dá um particular brilho à celestial beleza da Imaculada Conceição.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Herói na luta contra os inimigos da Igreja

Devido a tramas efetuadas por hereges contra São João Damasceno, sua mão direita foi amputada por ordem do califa. O Santo recorreu a Nossa Senhora e a mão milagrosamente uniu-se ao  antebraço. Ele tornou-se um dos maiores Doutores da Igreja, famoso por seu talento, sua doçura e implacável heroicidade na luta contra os inimigos da Igreja.

Comentaremos uma ficha tirada do livro “Vie des Saints”, de Emanuel d’Alzon, a respeito de São João Damasceno.

Um eremita muito culto é salvo da morte

A narração explica que São João Damasceno era do Oriente Próximo. Seu pai, Sérgio Mansur, católico e ministro de um califa maometano, Abdal Malique, homem terrível, mas que gostava muito de Mansur porque este era um personagem de muito valor, criterioso.

Certo dia, Mansur saiu à rua e viu um número enorme de católicos sendo conduzidos para a morte. Então prometeu interceder por eles e salvá-los, o que efetivamente conseguiu do califa, junto a quem gozava de enorme prestígio.

Mas ele notou entre os prisioneiros – vejam os vaivéns da Providência – um que portava os trajes e tinha todo o jeito de um eremita. Naquele tempo, os eremitas usavam uma roupa que  vagamente lembrava o burel de um franciscano, moravam no deserto, em grutas, inteiramente sós, e eram personagens grandiosos. Ele notou que esse eremita estava com muito receio de morrer, e lhe disse:
– Eu compreendo que os outros estejam receosos; mas o senhor, um homem que abandonou o mundo, com medo de morrer? Confesso ao senhor o desapontamento que isso me causa. E o eremita deu-lhe esta resposta:
– “De morrer não tenho medo. Mas o que me causa apreensão é tudo quanto estudei em minha vida, e que o senhor não sabe.

Então vem uma dessas enumerações orientais pitorescas de tudo quanto ele estudou. Um homem sozinho, numa toca qualquer, tinha, além de tudo, aprendido oratória. Subia num montículo e falava para populações inexistentes.

Continuou o eremita:
– “Eu achava que tudo isso era para o serviço de Deus. E eis que agora estou fadado a morrer com a inutilidade de tudo que aprendi.

– Mas eu obtive do califa libertação de todos: o senhor está salvo – tranquilizou-o Mansur.

O eremita deu extraordinárias manifestações de contentamento. Mas o benfeitor lhe disse:
– Há uma condição: tenho dois filhos, e queria que o senhor viesse morar comigo e utilizasse toda a sua ciência para ensiná-los. Um desses filhos, o do segundo casamento, era João, futuro Doutor da Igreja e conhecido como São João Damasceno.

O eremita respondeu:
– Depois de o senhor salvar minha vida, estou ao seu dispor.

Hereges envolveram São João Damasceno numa intriga

Pelos desígnios da Providência, esse homem tinha sido chamado para uma ermida e ali encher-se de uma ciência extraordinária, sem saber definidamente o que Deus queria dele. Possuía, porém, uma noção interior tão grande e firme de se tratar realmente de um desígnio divino, que quando ele se viu condenado à morte, sem que esses conhecimentos fossem utilizados, sofreu um verdadeiro golpe.

Ele não sabia que essa tragédia a qual iria aproximá-lo da morte e consagrar a inutilidade de todos os seus esforços, na realidade fá-lo-ia encontrar o aluno em ordem a quem toda essa sabedoria tinha sido acumulada. E que ele seria célebre enquanto São João Damasceno o fosse, exatamente por causa do seu papel nessa celebridade. Esse anacoreta era como uma abelha, dotada de todo o mel da cultura antiga para nutrir um Doutor da Igreja.

A nota biográfica conta que São João Damasceno era muito bom aluno, inteligente, e aproveitou profundamente a ciência de seu preceptor. Entretanto, como se tratava daquele regime de politicagem do Oriente, os hereges envolveram São João Damasceno numa intriga.

O Imperador de Constantinopla estava em guerra contra o Califa de Damasco ao qual servia o pai de São João Damasceno. Um inimigo de Mansur, querendo comprometê-lo para que ele – ou seu filho João – fosse morto, escreveu uma carta falsa em nome de São João Damasceno ao Imperador de Constantinopla, na qual dizia admirar muito o Imperador, e que sendo católico não podia resignar-se diante da ideia de que os católicos fossem presos. Então, convidava o Imperador a invadir e tomar conta do califado, pois João e seu pai se levantariam para derrubar o califa.

O Imperador – herege iconoclasta chamado Leão III, o Isáurico – mandou a carta para Abdal Malique, dizendo estimá-lo tanto que lhe enviava aquela missiva como prova de lealdade, pois, podendo levantar esses súditos contra o califa, enviava-lhe a carta para que ele pudesse exterminar aqueles traidores.

O califa manda cortar a mão direita de São João Damasceno

Ao receber a carta, o califa ficou indignado e, sendo um homem de temperamento explosivo, mandou que carrascos agarrassem São João Damasceno e lhe cortassem a mão direita, como castigo. E só não o mandava matar por causa do grande prestígio que Mansur tinha junto a ele.

A ordem foi cumprida e São João Damasceno perdeu a mão, mas pediu ao califa que, ao menos, lhe entregasse o membro amputado para enterrá-lo. O califa acedeu ao pedido, pensando em tudo, menos no que poderia vir a acontecer.

São João Damasceno, de posse da mão cortada foi para o Oratório e começou a rezar, pedindo a Nossa Senhora que lhe restituísse a mão perdida. Deu-se, então, um milagre espetacular: a mão uniu-se ao corpo.

Diante do milagre, o califa contemporizou, soltou São João Damasceno que retomou seus escritos e sua pregação, tornando-se um dos maiores Doutores da Igreja, famoso por seu talento, por sua doçura e por sua implacável heroicidade na luta contra os inimigos da Igreja.

Imaginem o golpe para a Cristandade se São João Damasceno não pudesse expandir em todo o seu esplendor o brilho de sua palavra, em defesa da Igreja nas crises daquela ocasião.

Por outro lado, com o mestre se dá algo à maneira do que se passou com o discípulo: condenado à morte, vai perder todo o seu talento. Nesse episódio o mestre conhece o discípulo para o qual ele nasceu, e seu talento se eterniza na pessoa de São João Damasceno. Este, por sua vez, tem a mão cortada, a carreira prejudicada, a vida golpeada. Depois, um magnífico milagre e a prova de que Deus estava com ele. Admiração para todos os católicos da Ásia Menor e para a catolicidade inteira, ficando assim com um grande prestígio para pregar a palavra de Deus. Antes disso, porém, Deus quis levá-lo às sombras da morte.

“Em tua luz veremos a Luz”

Não posso me esquecer de que na Faculdade “Sedes Sapientiæ”, onde fui professor, havia uma capela que não era bonita, mas na qual existiam coisas muito bonitas: um vitral representando Nosso Senhor e, embaixo, esta frase da Escritura: “Ainda que eu caminhe nas sombras da morte, não temerei os males” (Sl 22, 4). Depois, outro vitral, do qual não me lembro a figura, com uma frase belíssima: “Iluminados por tua luz, veremos a Luz” (Sl 35, 10).

“Ainda que eu caminhe nas sombras da morte, não temerei os males”. O que significa isso para nossa vocação? Mesmo que os mais tenebrosos obstáculos se oponham ao caminhar da nossa vocação, não temeremos os males e continuaremos a andar serenamente, porque Nossa Senhora abrirá os caminhos e nós os transporemos, e chegaremos até o fim, desde que sejamos verdadeiramente devotos d’Ela.

“Iluminados por tua luz, veremos a Luz”. Embora eu não seja um exegeta, creio que essa frase pode ser aplicada a Maria Santíssima. Ela é uma luz, e à luz d’Ela vemos a Luz de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Essas duas frases têm relação com a vida de São João Damasceno. As sombras da morte rodearam o preceptor dele, mas este encontrou a vida achando seu discípulo. O mesmo na vida de São João Damasceno. As sombras da morte o rodearam nesse golpe tão duro. Ainda aí ele não temeu os males; sua mão se recompôs e ele recomeçou.

Isso nos leva a uma confiança cega em Nossa Senhora. Se confiarmos, teremos tudo; se não confiarmos, nada possuiremos.

A expressão “Em tua luz veremos a Luz”, como é adequada quando estamos diante de uma imagem da Santíssima Virgem tendo ao colo o Menino Jesus! É uma luz e, junto a Ela está a Luz das luzes. E à luz de Nossa Senhora de Coromoto, vemos o Menino Jesus. Não pode haver nada mais bonito do que isso! Aí fica a figura enternecedora dessa imagem e a graça dada a um índio da América do Sul, fixadas no firmamento da Igreja à memória gloriosa de São João Damasceno.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 10/5/1976)
Revista Dr. Plinio 237 – Dezembro de 2017

Gloriosa noite coroada de contradições

Senhor Jesus, com quantas contradições quisestes coroar a noite mil vezes gloriosa de vosso Santo Natal!

“Coroa” sim, é bem este o vocábulo que convém a esse conjunto de circunstâncias com que quisestes cercar a hora tão rica em símbolos de glória e de dor, na qual, nascendo do seio da Virgem Mãe, iniciastes a caminhada esplendorosa que, conduzindo-Vos da gruta de Belém até o alto do Tabor, e deste último ao Calvário, haveria de ter seu termo final no momento glorioso e terrível em que destruireis o Anticristo, encerrareis por um terrível decreto de extermínio a História da humanidade e baixareis à Terra para iniciar o julgamento de todos os homens!

Contemplando essas cenas de dor e de vitória, de glorificação suprema como de condenação inexorável e extrema, situamos a Festa de vosso Santo Natal em sua plena perspectiva histórica. Sim, uma perspectiva na qual Deus e o demônio, o Céu e o Inferno, num contraste implacável, em uma luta suprema, haveriam de desfechar os seus golpes até o momento em que, cessada a História, só restariam em confronto os bons e os maus, uns votados pela Justiça eterna para a felicidade inteira, perfeita, gloriosa e sem fim, e outros para o abismo perpétuo e insondável de dores, de opróbrios e de vergonha, onde tudo não é senão derrota, insucesso, gemido e revolta perfeitamente inútil.

Na Noite Feliz os Anjos cantaram “Glória a Deus no mais alto dos Céus, e na Terra paz aos homens de boa vontade” (Lc 2, 14). Sim, aos homens de boa vontade. Porém, já havia também sob a abóbada celeste, constelada de estrelas, homens de má vontade. Certamente não era para eles – os malditos, os precitos – o precônio da paz, mas o da inexorável e total desgraça.

Vós quisestes que rodeassem vosso Presépio não só as glórias de aturdir, que Vos tocam na infinitude de vossa Santidade, mas as doçuras insondáveis do perfeito Coração de Mãe que Vos adorou desde o primeiro instante de vossa concepção.

É no ápice de todas essas perfeições que nossos olhos Vos contemplam hoje, na noite de Natal. De tantas contradições ao mesmo tempo magníficas e supremas, deslumbrantes e terríveis decorre um ensinamento que, súplices, Vos pedimos marqueis em nossos corações.

Também o mundo contemporâneo está imerso na contradição entre a verdade e o erro, o bem e o mal, a beleza e a hediondez. De um lado, contemplamos-Vos, Senhor Jesus, e vossa Santa Mãe, junto a quem refulge a santidade de José; e de outro, vemos o oceano das ignomínias, dos crimes, das abjeções nas quais vai se precipitando o mundo “totus in maligno positus est” (1Jo 5, 19).

Para onde quer que nos voltemos, algo vemos ou ouvimos que Vos ofende, ultraja e conspira contra Vós. Não há o que não se volte para Vos escarnecer, golpear, fazer sangrar e arrastar à Cruz. Em torno de Vós tudo é contradição, no sentido de que quase não há senão mal, e este é essencialmente contraditório.

Senhora das Dores, fazei que compreendamos esta hora de contradição, mantendo-nos genuflexos aos pés da Cruz, mas ao mesmo tempo eretos e destemidos como guerreiros, como Anjos em pleno campo de batalha. Combatentes implacáveis, de coração abrasado de amor a Vós e a vosso Divino Filho, para esmagarmos o mal, destroçarmos as contradições, elevar-Vos ao fastígio da glória de vosso Reino, ó Maria!(*)

 

Plinio Corrêa de Oliveira
Revista Dr Plinio 261 (Dezembro de 2019)

* Conferência de 23/12/1993.

São Silverio – O ódio sacral da Igreja militante

Está na índole da heresia ser brutal, falsa, visar o extermínio. Os hereges empreenderam tudo contra São Silvério, entretanto nada conseguiram porque ele se manteve firme e fiel.

A má-fé do herege deve ser vencida por meio de atitudes que o desmoralizem aos olhos de terceiros, para que ele não possa ser nocivo. A Igreja é militante, e é com espírito de luta que se deve combater as heresias.

Nós estamos numa guerra declarada e a mais terrível de todas, porque é a guerra entre os filhos da serpente e os filhos da Virgem.

São Luís Grignion de Montfort disse muito bem que essa inimizade sempre existirá, pois tudo quanto Deus faz é perfeito, e essa é a única estabelecida por Ele: “Inimicitias ponam” (Gn 3, 15). É uma inimizade perfeita que ressalva o desejo de salvar as almas dos hereges, mas vai até o extremo do ódio sobrenatural. Desse ódio sacral as nossas almas devem estar cheias, fazendo de nós os apóstolos dos últimos tempos, combativos, zelosos, intransigentes; e nunca apóstolos abobados e traidores da causa que deveriam defender. Eis a grande lição que se desprende da bela vida de São Silvério.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 19/6/1967)
Revista Dr Plinio 261 (Dezembro de 2019)

A antítese mais completa do mal

Exceção feita da humanidade santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo, nenhuma criatura de Deus ressalta tão bem a antítese entre o bem e o mal do que Nossa Senhora. Porque n’Ela não há nenhum mal, essa oposição é muito mais forte.

Por outro lado, a virtude que Lhe conferem a Imaculada Conceição, a confirmação em graça, enfim, tudo o mais é de tal maneira excelente que faz d’Ela a antítese mais completa do demônio. Não é dizer que Maria é tão santa quanto o demônio é ruim. A santidade d’Ela excede a perder de vista a maldade do demônio, nem é possível a comparação.

Aliás, até mesmo nesta impossibilidade de comparação, o contraste se afirma grandiosamente. Ela é muito mais do que a “anti-demônio”, porque é a Mãe Virgem do Salvador! Isto explica o “inimicitias ponam”, o calcanhar que esmaga a cabeça da serpente.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 18/9/1992)

Santa desde o primeiro instante

Conforme a sentença comum dos teólogos, Nossa Senhora, concebida sem pecado original, foi dotada do uso da razão desde o primeiro instante de seu ser. Portanto, já no claustro materno possuía altíssimos e sublimíssimos pensamentos, nele vivendo como num verdadeiro tabernáculo. Assim, pode-se acreditar que a Bem-aventurada Virgem, com a elevada ciência que recebera pela graça de Deus, ainda no seio de Sant’Ana começou a pedir a vinda do Messias e, com Ele, a derrota de todo mal no gênero humano.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 8/9/1963)