A entrega do Brasil ao Imaculado Coração de Maria

Tomando conhecimento de uma iniciativa que visava colocar nas mãos da Santíssima Virgem o Brasil, Dr. Plinio a apóia calorosamente.

 

Atendendo com a maior satisfação ao amável convite dos beneméritos Padres cordimarianos, venho prestar minha pequena contribuição para a vitória da gloriosa campanha, agora movida em  tantos lugares, em prol da consagração do Brasil ao Coração Imaculado de Maria.

Jamais será suficiente encarecer a importância desta providencial consagração. É possível que alguns católicos não percebam desde logo o que ela significa. Com efeito, dirão, a devoção a Nossa  Senhora é de tal maneira fundamental no católico, e se encontra tão fundamente enraigada no coração brasileiro, que qualquer trabalho que se faça no sentido de uma consagração do Brasil ao Imaculado Coração de Maria não logrará causar nos espíritos impressão muito profunda. Entre nós, a devoção a Nossa Senhora atingiu seu zênite. Insistir neste assunto é, de certo modo,  consumir tempo e forças na afirmação de um ponto pacífico, enquanto tantos e tantos outros pontos estão a reclamar nosso zelo e combatividade.

Esta argumentação [resulta] de uma série de pressupostos improcedentes. Em primeiro lugar, não se pode dizer propriamente que em qualquer país do mundo a devoção a Nossa Senhora tenha atingido seu zênite. É tal o amor, tão profundo respeito que se deve tributar a Nossa Senhora no culto de hiperdulia que lhe devemos, que Maria Santíssima jamais será suficientemente amada nem louvada pelos fiéis: “de Maria nunquam satis”. Assim, jamais será tempo perdido acentuar a devoção dos fiéis à sua Mãe celestial.

Aliás, se é certo que, graças a Deus, existe no Brasil uma ardente devoção a Nossa Senhora, ninguém poderá negar que essa devoção, como tudo quanto é bom, é passível de prejuízo e decréscimo  neste triste vale de lágrimas. Incrementar por todos os modos a devoção a Nossa Senhora significa, pois, evitar que essa devoção fique exposta aos riscos naturais que decorrem das incertezas do coração humano. E, finalmente, se é certo que nossa devoção é muitas vezes intensa, nem sempre é tão esclarecida quanto seria de se desejar.

Sendo Maria Santíssima a nossa Mãe, é óbvio que nossa devoção para com Ela se deve revestir de caráter de acentuada ternura. Enganam-se, entretanto, os que [pensam que] essa ternura sobrenatural pode confundir-se com certas expansões românticas e sentimentais em que se cifram por vezes algumas manifestações de piedade. São indispensáveis bons e sólidos conhecimentos sobre a posição de Maria Santíssima na economia da graça divina, para que a devoção mariana se torne sólida e perfeita. Ora, a consagração do Brasil ao Imaculado Coração de Maria constituiria excelente oportunidade para se divulgarem com método e perseverança os admiráveis ensinamentos da Santa Igreja sobre tão fundamental matéria.

Mas, é preciso acentuá-lo, os que propugnamos pela consagração do Brasil ao Coração Imaculado de Maria, se bem que apreciemos no seu alto e devido valor estes frutos  de tão solene ato, temos em vista um resultado muito mais alto e mais profundo.

Queremos que nossa Pátria seja consagrada ao Coração Imaculado de Maria antes de tudo e acima de tudo porque Maria Santíssima tem direito a esta homenagem. A realeza de Nossa Senhora, como função da realeza de seu Divino Filho, não pode ser posta em dúvida pelos católicos.

Rainha de todo o universo, Maria Santíssima já foi coroada Rainha do Brasil pela mão do ínclito Arcebispo do Rio de Janeiro, com coroa enviada especialmente pelo Santo Padre. Consagrado o  Brasil ao Imaculado Coração de Maria, consagramos o reino ao coração da Rainha, e, com isto, fazemos um ato excelente de confiança filial em sua misericórdia, e, ao mesmo tempo, atraímos  graças maiores e mais abundantes para nossa Pátria.

Não se trata aí de meras figuras de literatura. Trata-se de realidades sobrenaturais. O reinado de Maria Santíssima sobre o Brasil não é alegórico ou simbólico: é real. Nossa consagração também  não deverá ser um ato feito só para estimular as multidões e dar expansão, por meio de gracioso símbolo, a nosso afeto. Será um ato de caráter sobrenatural, que, se Deus quiser, se realizará em  todas as suas conseqüências. Consagrado o Brasil a Nossa Senhora, pertenceremos mais a Ela, e com nossa doação repararemos de modo mais conveniente todos os ultrajes que a Ela ou a seu  Divino Filho temos feito. E, ao mesmo tempo, Ela será mais nossa. Aceito nosso dom, sua assistência e sua proteção sobre nós serão ainda mais contínuas, mais vigilantes, mais misericordiosas.

Como se vê, não pode haver causa mais digna de ser apoiada com entusiasmo pelos fiéis do Brasil inteiro.

Plinio Corrêa de Oliveira (Transcrito da revista “Ave Maria”, de 31/7/1943)

Sacrifício e Heroísmo: frutos da Civilização Cristã

Na província de Albacete (Espanha) está situada a fortaleza de Almanza, uma das mais características dessa terra de castelos. Ao comentar fotografias de tal baluarte, Dr. Plinio correlaciona o espírito dos homens que o construíram com as mentalidades contemporâneas.

 

Vou descrever como imagino a grandeza contida nesta fotografia. Em primeiro lugar é necessário fazer uma distinção entre dois campos visuais, admiravelmente harmônicos, entretanto perfeitamente distintos: o castelo propriamente dito, com a montanha que lhe serve de fundamento, e o conjunto de nuvens que emolduram extraordinariamente o castelo e completam sua beleza.

O castelo, conjugado às nuvens, faz centrar toda a atenção de quem o observa em sua torre. A torre, por sua vez, causa uma impressão de altaneria, dignidade e majestade extraordinária. Tem-se a impressão de que ela enfrenta, do alto do monte, o inimigo que vem ao longe. Enfrenta com galhardia, olhando como quem ameaça e diz: “Chega que eu te abato! Não te temo!”

Não é jactância da torre, pois a fotografia é tirada com tanta arte que se percebe atrás outras muralhas do castelo, que mostram como ele é profundo e quanta fortificação contém, quanta tropa possui e quantos outros elementos a torre apresenta para vencer. O atrevimento da torre, fidalgo atrevimento, tem a sua razão de ser: o castelo é poderoso e a torre nada teme!

Colocando-se na posição de um comandante do castelo, postado no alto da torre, vendo de longe o inimigo que avança, tem-se a impressão de que a torre personifica tudo quanto há de heroico na defesa da fortificação. Entretanto, esse comandante desafia dois adversários: um que vem de longe, caminhando na terra, em tropel de cavalaria —cavaleiros armados, espadas, lanças, olifantes —, ameaçando chegar, escalar a muralha que muito se assemelha com a torre. Mas há também outro adversário: são as nuvens do céu.

Estas nuvens se acumulam densas, majestosas, grossas, um tanto luminosas, de um lado e de outro, escuras, carregadas, expressando possibilidades de glória na parte luminosa, mas de certo ar de ameaça e de luta, expressa na parte sombria. Poder-se-ia dizer que essas nuvens simbolizam a tremenda batalha que deve dar-se.

Seria como que a voz da História dizendo ao comandante do castelo: “As ameaças da vida pairam sobre ti; chegou a tua hora de lutar! Sê herói ou serás esmagado!”

Voltando os olhos novamente para o castelo, é possível notar algo curioso: a impressão de o castelo estar dominando a rocha que está debaixo dele. É uma “garra” que domina a rocha. Tal domínio dá-se de tal forma que é possível notar, na muralha frontal, a rocha que “escalou” a muralha e subiu quase até em cima. O castelo está em luta com a rocha e diz com desdém: “Tu não me alcançaste.”

No tempo das guerras de arma branca, tempo este em que tais construções tiveram seu significado, havia um inconveniente em que essas rochas estivessem tão próximas da fortaleza, porque davam ao adversário a esperança de escalá-las e saltar a muralha. Entretanto, era tão trabalhoso e difícil que certamente os inimigos preferiam contemporizar por sentirem a impossibilidade de abater tão imponentes muralhas. Certamente, por detrás das pulcras e nobres ameias, havia um elemento de defesa com o qual o adversário deveria tomar consideração, dando-lhe muito receio de subir. É o fato de que provavelmente na parte alta do muro houvesse instalações para fazer fogo e com ele ferver água e derreter chumbo. De maneira que bastava o adversário iniciar a escalada das rochas, para sobre ele virem torrentes de água fervente que lhe entravam armadura adentro queimando todo o corpo.

Pior do que a água fervente era o chumbo derretido, pois produziam espantosas queimaduras. Secavam na armadura e nas junções desta, imobilizando o combatente, deixando-o com os braços e as pernas hirtos. Sem armadura, o guerreiro era um boneco à mercê de qualquer espada. Desta maneira, a pedra era até certo ponto uma cilada para o adversário. Se fosse ignorada a existência de recursos como este, estava liquidado. Era ao mesmo tempo a rocha da cilada e a rocha da vitória.

Nota-se uma luminosa abertura, que certamente foi feita quando cessaram as guerras contra os mouros, em Espanha, e os castelos perderam sua significação militar. Os castelos deixaram de ser fortalezas, passando a residências de senhores feudais, proprietários de extensos territórios, que lá levavam uma cômoda e despreocupada vida no interior de suas muralhas.

Iniciou-se então o período em que os castelos tornaram-se ornamentados de móveis preciosos, tecidos importados, quadros valiosos. O castelo destinava-se ao esplendor da vida, após ter sido dedicado ao heroísmo.

Algo que provavelmente não existia no tempo em que os castelos tinham o seu significado militar, é a vegetação que o circunda. Certamente, no tempo das batalhas, estes prados estavam arrasados. Eles não permitiam que crescesse vegetação, por ser um lugar onde o inimigo poderia se dissimular, nas cercanias do castelo. Era necessário haver uma planície para o inimigo não se ocultar das flechas que, do alto do castelo, lançassem contra ele.

Seus muros e suas paredes receberam os raios calcinantes do sol de Espanha, como também as gélidas chuvas dessa terra. Quando maltratada pelo tempo, a pedra adquire uma beleza fora do comum. Considerando a cor dessa pedra, dir-se-ia que é de âmbar ou de porcelana, e não pedra corrente.

Qual seria a adequada missão de um castelo desses?

Recordar à alma egoísta do homem contemporâneo algo que deve envergonhá-lo: a perda do senso de sacrifício. O homem hodierno perdeu o anseio da luta, não sabendo mais o que é ser herói. Para as civilizações acorcovadas dos dias atuais, o castelo é uma lição de moral proclamando a grandeza de alma dos espanhóis da Reconquista, que por amor a Nosso Senhor Jesus Cristo, a Nossa Senhora e à Santa Igreja Católica foram “povoando” a península ibérica de fortalezas, à medida que iam reconquistando a Espanha, a fim de que os mouros não pensassem em voltar jamais. Caso quisessem retornar, encontrariam essa rede de castelos opondo-se a eles. A realidade é que uma vez expulsos, nunca mais voltaram!

Heroísmo cristão! Heroísmo nascido no momento em que Nosso Senhor Jesus Cristo expirou na Cruz e redimiu o gênero humano. De seu costado transpassado por uma lança nasceu a Santa Igreja Católica que produziria depois frutos como este.  v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 5/51984)
Revista Dr Plinio 138 (Setembro de 2009)

 

São José de Cupertino, modelo de despretensão

Até mesmo os homens pouco dotados naturalmente, tornam-se capazes dos maiores sucessos quando fazem a vontade de Deus. Eis São José de Cupertino, um eloquente exemplo da omnipotência divina:

Há uma ficha biográfica(1) sobre São José de Cupertino digna de comentário:

Se houve um homem pobremente dotado de qualidades naturais, este foi José de Cupertino.

No momento do seu nascimento, devido às dívidas de seu pai, apreendiam o mobiliário de sua família, e sua mãe viu-se na contingência de dar à luz num estábulo.

Filho de artesãos, atrofiado, doentio, desprezado por todos, escarnecido pelos amigos que o chamavam de “Boca Aberta”, foi também repudiado pela própria mãe. Com uma úlcera gangrenosa, passou a infância entre a vida e a morte, até ser curado por um religioso.

Ele era incapaz de passar num exame; impossibilitado de manter uma conversa; não conseguia cuidar de uma casa nem tocar num prato sem quebrá-lo; tinha aspecto inútil e de quem presta poucos serviços.

Quando, mais tarde, quis abraçar a vida religiosa, enfrentou as maiores dificuldades. Entrou para os capuchinhos como converso, mas sua incapacidade natural e sua preocupação sobrenatural como que se uniam para torná-lo inepto para com tudo. Chamava-se a si próprio Frei Burro.

Enquanto seu desajeitamento patenteava-se, sua santidade não era percebida por ninguém.

Acabaram os religiosos por considerá-lo absolutamente insuportável. Arrebatado em êxtase em meio aos cuidados do refeitório, deixava cair os pratos e as travessas, cujos fragmentos lhe eram colados no hábito em sinal de penitência.

Servia pão preto em lugar de pão branco. Para transportar um pouco de água de um lugar para outro, foi-lhe preciso um mês inteiro. Finalmente, considerando que ele não servia nem para os serviços materiais nem para a vida espiritual, despediram-no do convento.

Expulso ainda de outras casas religiosas, José acaba sendo admitido no convento de Grotela. Neste novo convento foi incumbido do tratamento de uma jumenta.

Ele mal sabia ler e escrever e queria ser sacerdote. Nunca pôde explicar nenhum dos textos evangélicos, exceto o que continha as palavras “bem-aventurado o ventre que te trouxe”.

Ao fazer o exame de diaconato, o Bispo abre o livro dos Evangelhos ao acaso, e manda o candidato comentar a frase “bem-aventurado o ventre que te trouxe”.

José explicou superiormente. Restava o exame para o sacerdócio. Ora, todos os postulantes, exceto José, sabiam a matéria com perfeição. Os primeiros que fizeram o exame, fizeram-no de maneira tão brilhante que o Bispo parou antes de ter examinado a todos. E, julgando a prova inútil, admitiu em conjunto os que restavam, entre eles, José.

No dia 4 de março de 1628, José tornou-se sacerdote, a despeito dos homens e das coisas, apesar de todas as suas incapacidades reconhecidas, mas esquecidas.

Em que sentido São José de Cupertino é modelo dos católicos?

O santo canonizado pela Igreja é indicado como modelo para todos os católicos. Ora, não é vocação de todos os homens serem tão desprovidos de capacidades quanto São José de Cupertino… Devemos, então, nos perguntar em que sentido ele pode ser considerado modelo, e assim ser admirado e imitado por todos os fiéis.

O admirável equilíbrio da Igreja, mestra da Sabedoria

Há na Santa Igreja um aspecto admirável: ela é a mestra da Sabedoria, a mestra do equilíbrio. Ou seja, a Igreja Católica aponta com exatidão para o equilíbrio entre coisas aparentemente inconciliáveis.

Assim, a Igreja tem suscitado inúmeros santos de uma inteligência extraordinária, santos reis ou imperadores; mas também tem elevado aos altares homens pouco capacitados, desprovidos de valor pessoal, como São José de Cupertino.

Como harmonizar ambas as coisas?

Operar segundo a vocação específica

Quando alguém ama a Deus com todo o empenho de sua alma, procura cumprir tudo quanto está em sua vocação fazer. O homem eficiente não é o que faz algo fora de sua vocação. O cúmulo da ineficiência é operar fora de seu chamado pessoal.

Imaginemos uma orquestra cujo violinista tocasse não com um violino, mas com um violão. Desse modo ele atrapalharia a orquestra inteira, pois tendo uma função dentro do conjunto e executando-a de modo indevido, sua eficiência chama-se atrapalhação…

Ora, isto se passa com cada homem. A ordem das coisas consiste em operar de acordo com os planos da Providência. Quem “toca” fora dos planos de Deus, quanto mais eficiente seja, tanto mais errado está!

De maneira que um homem deve perguntar-se se está sendo capaz de executar a vontade de Deus a respeito de si, ou não.

Para fazer a vontade de Deus não é preciso ter inteligência, mas, sim, amor

Para realizar os planos da Providência é necessário observar a vontade de Deus, amando-O sobre todas as coisas, até o completo esquecimento de si próprio.

Com quem procede deste modo, Deus dispõe de tudo para realizar seus desígnios para com aquela alma. Por essa razão, antes mesmo de procurar conhecer os talentos de um homem, deve-se perguntar se ele ama a Deus e conhece os planos de Deus a seu próprio respeito.

Então, conhecer significa ser capaz de distinguir a vontade de Deus, e para tanto não é necessário ter inteligência, basta ter amor.

Para admirar os planos de Deus, urge amá-Lo inteiramente. E para quem O ama, Deus realiza grandes maravilhas a fim de que seus planos tornem-se realidade. Basta apenas notar como Deus Se fez servir por santos de todos os níveis e de todas as espécies de capacidade.

Pois a Providência ora suscita homens como São Tomás de Aquino ou Beato Angélico, com uma evidente capacidade natural; ora suscita um pobre incapaz como São José de Cupertino, o qual, por ser um verdadeiro santo e atender aos desígnios da Providência, fez a obra de Deus.

Assim, Deus faz brilhar todos os seus santos, permitindo que eles realizem maravilhas superiores às suas próprias energias, possibilidades, talentos ou capacidades, porque estão nas vias da Providência e realizam a sua obra.

Nos dois extremos da capacidade humana, de São José de Cupertino a São Tomás de Aquino, os santos sempre realizaram muito mais do que sua capacidade natural permitiria.

Apontando para o verdadeiro valor da vida

Numa sociedade fortemente hierarquizada, cujas riquezas aumentavam cada vez mais, onde o prestígio era um bem distribuído largamente por todas as camadas sociais, era necessário haver um contrapeso que equilibrasse os homens na virtude. Esse equilíbrio era feito por pessoas que abandonavam tudo, e que por seu exemplo ajudavam os que não eram chamados a uma completa renúncia a desapegarem-se interiormente dos bens que possuíam.

Caso São José de Cupertino — famoso por suas limitações e incapacidades — percorresse alguma cidade com as multidões afluindo à sua volta, e numa outra alameda passasse, por exemplo, um mestre universitário cortejado pelos estudantes — que naquele tempo estendiam suas capas ao chão para o professor, em honra da magnífica exposição que os deixara entusiasmados —, qual não seria a grande lição para o professor inteligente, notar a glória de São José de Cupertino e compreender que toda a glória de sua própria inteligência não era nada, caso não fosse orientada para Deus?

Compreende-se então como tal atitude auxiliava os grandes da Terra a compreenderem o que significa a verdadeira grandeza e a mantê-la dentro de seus limites, fazendo com que ela fosse bondosa, dadivosa, generosa, e existisse para o bem de todos, e não somente para mandar.

O maravilhoso equilíbrio dos extremos harmônicos

Evidenciam-se então os equilíbrios maravilhosos da Igreja.

Assim, o casamento mantinha-se indissolúvel, porque havia homens e mulheres que, praticando uma castidade perfeita, renunciavam constituir família; havia gente capaz de fazer bom uso da conversa, pois existiam almas que se votavam ao silêncio perpétuo por amor a Deus. Deste modo, os indivíduos eram capazes de fazer bom uso da riqueza, porque certas Ordens religiosas eram entregues à mais completa observância da pobreza, como, por exemplo, os franciscanos.

É levando, de um lado, a pobreza até seu último extremo que, de outro lado, se torna possível levar ao último extremo a riqueza. O rico será equilibrado na posse de sua riqueza e fará dela um uso benfazejo, desde que veja o exemplo daquele que renunciou a coisas que estão em suas mãos. Com o exemplo do religioso que fez o voto de pobreza, o rico poderá utilizar-se de suas riquezas; assim como o homem sociável e brilhante, que reúne uma grande roda em torno de si, e torna-se um dos centros da vida social de sua cidade, poderá fazer bom uso desse prestígio se tiver próximo de seu ambiente um convento de freiras que nunca falam.

Essa perspectiva leva todas as coisas aos seus extremos harmônicos. E a Santa Igreja obtém aquele equilíbrio maravilhoso de que é verdadeira mestra.

Essa é a verdadeira forma de compreender a vida de São José de Cupertino. Pois ele é um dos extremos da Civilização Católica. Extremos, entretanto, conciliáveis.

No Céu, será possível ver, lado a lado, São José de Cupertino e São Tomás de Aquino venerando a Nossa Senhora, e adorando a Nosso Senhor Jesus Cristo, cantando juntos, por toda a eternidade, hinos.

Os metafísicos ensinam que a harmonia perfeita não é aquela que reúne coisas análogas ou iguais, mas sim aquela que cobre uma imensa gama de diferenças, encontrando pontos de analogia e mostrando onde essa harmonia se produz.

Abandonado até por Deus…

Há ainda outro interessante aspecto da vida de São José. Continua a ficha:

A miséria material a que se condenara complicou-se com uma miséria interior bem diversa: as consolações com que fora amparado desde a infância deram lugar a uma secura triste e sombria, que aumentava a cada dia.

Escrevia ele a um amigo: “Eu me queixava muito de Deus, com Deus”.

Que linda frase! Queixar-se de Deus com Deus. Também Nossa Senhora procedeu assim ao dizer a seu divino Filho: “Meu filho, por que fizeste isso?”

É uma linda atitude: fugir de Deus para dentro dos braços de Deus. Como isso é superior!

Eu havia deixado tudo por Ele, e Ele, em vez de me consolar, me entregara a uma angústia mortal.

Percebe-se neste trecho o valor dos bens espirituais sobre todos os outros. Ele era privado de todos os bens da Terra, porém, não se incomodava. A partir do momento em que lhe faltaram as consolações espirituais, ele soube recorrer a Deus.

Um dia, como eu chorasse, como eu gemesse — só de pensar me sinto morrer —, um religioso bate-me à porta. Não respondo.

Ele entra, e diz: “Frei José, que tens? Aqui estou para servir-te. Olha, aqui está uma túnica. Pensei que não tinhas túnica”.

Efetivamente, minha túnica caía aos pedaços. Vesti a que trazia o desconhecido e todo o meu desespero desapareceu no mesmo instante. Ninguém reconheceu jamais o religioso que tinha trazido a túnica.

Diz a Sagrada Escritura: “Olhai os lírios do campo: não tecem nem fiam; entretanto, Salomão, em toda a sua pompa, não se vestiu como eles”.

Ora, o que é o suntuoso manto de Salomão comparado a essa túnica, trazida nessas circunstâncias, talvez por um Anjo do Céu?

A partir do momento em que lhe foi restituída a consolação, a vida de São José foi uma verdadeira maravilha.

Amar a Deus e andar em suas vias, só isso basta!

Que lição pode-se tirar da vida de São José de Cupertino?

Ele provou para os séculos futuros que um homem pode ser sumamente venerável, por mais que seja um rebotalho. Por mais desprezado que fosse, São José possuía a única coisa necessária: andar nas vias de Deus.

Essa realidade é uma lição de humildade para compreendermos quão grande se torna o homem que realiza os planos de Deus a seu próprio respeito, ainda quando a natureza em nada auxilia ou concorre para isto.

Se alguém se encontrasse com São José de Cupertino, como se sentiria pequeno e nulo, tendo a inclinação de se ajoelhar e pedir com respeito um conselho dele! Diante dele, cada palavra saída de seus lábios tomaríamos como uma gota do próprio manancial da sabedoria: Fra Asino falou, é uma lei, é um decreto. Tal é a glória daqueles que fazem a vontade de Deus, mesmo quando humanamente nada são.

O homem eficiente e bem sucedido é aquele que cumpre a vontade de Deus

O grande princípio que daí se conclui é que a maior forma de grandeza consiste em fazer a vontade de Deus.

Só teve uma vida digna de nota, na qual todas as aptidões e a luz primordial(2) atingiram seu ápice, o homem que, no momento de sua morte, considerando sua vida, vê o plano que Deus executou por seu intermédio e percebe que o desígnio de Deus se realizou. Quem no retrospecto de sua vida é capaz de notar isso, morre justificado. Esta é propriamente a felicidade.

O grande homem, o homem eficiente, resume-se em quem conseguiu cumprir plenamente a vontade de Deus a seu próprio respeito. Em latim, “facere” é um vocábulo que significa “tirando de dentro de si”. “Efficiens” é uma eficácia que sai de dentro de si mesmo. O homem eficiente é aquele que faz. Mas faz o quê? Faz a vontade de Deus, pois caso contrário será capaz somente de praticar erros ou crimes. Por essa razão, a única preocupação em matéria de eficiência deve ser esta: saber qual é a vontade de Deus.

O exemplo da Santíssima Virgem: “Eis a escrava do Senhor…”

Não poderia ser esquecido o sumo exemplo dado por Nossa Senhora.

Como Ela Se definiu a Si mesma para o Anjo que vinha lhe trazer o anúncio de Deus? No momento em que São Gabriel declarou que Ela seria a Mãe do Redentor, qual foi a fórmula por Ela utilizada para afirmar que aceitava esta honra inimaginável?

Ela lhe respondeu: “Eis a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a vossa palavra”. Ou seja, Ela Se definiu a Si própria como Aquela que realiza o desígnio de Deus expresso em sua palavra. Esse é o verdadeiro conceito de submissão a Deus: é a vontade d’Ele realizando-se em nós. O homem bem sucedido e eficiente, por excelência, é aquele que foi escravo de Nossa Senhora e fez a vontade d’Ela e de seu divino Filho.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 10/10/1968, 25/10/1968 e 26/10/1968)

1) Não possuímos a fonte desta ficha.
2) Luz primordial: Dr. Plinio assim denominava a verdade ou virtude, ou o conjunto de verdades ou virtudes, que uma alma é especialmente chamada a admirar e praticar.

O Juízo Final e a trama da História – II

Ao tecer comentários sobre o Juízo Final, Dr. Plinio põe diante de nossos olhos o momento grandioso no qual Jesus Cristo, Pontífice, Profeta e Rei, receberá das criaturas toda a glória que Lhe é devida.

 

Ao longo de todo o Juízo Final, Nosso Senhor Jesus Cristo estará oferecendo e recebendo glória enquanto Pontífice, cujo sacrifício foi aceito; como Rei, cujo governo foi bem sucedido, cuja guerra foi levada ao fim; enquanto Profeta, que previu tudo quanto foi realizado. De maneira que tudo quanto for narrado no Juízo será a glorificação do Pontífice, do Rei e do Profeta. A obra da Criação estará concluída e começará o grande domingo da História.

Pontífice da Humanidade

É Nosso Senhor, enquanto Pontífice, que no Juízo Final oferecerá ao Padre Eterno tudo quanto aconteceu na História; pois, no fundo, é o seu plano que foi executado. Ele tem o direito de oferecer os sofrimentos de toda a humanidade, porque nos tornamos capazes de sofrer por causa d’Ele. O padecimento de Nosso Senhor, de Nossa Senhora, a Corredentora, comprou-nos a capacidade de padecer.

Ofereço, então, meu sofrimento por meio d’Ele, porque é o Pontífice que oferece todas as coisas ao Pai Eterno. Se eu oferecer sem ser por meio d’Ele, minha oferta não será aceita.

Então há um contínuo evolar de tormento, de dor, de infelicidade da Terra, um contínuo gemido que caminha para o Céu e vai se transformando num brado de vitória e de glória. Mais ou menos como soldados que estão lutando numa trincheira, isolados, abandonados; é um sofrimento medonho! Mas tudo isso se torna glorioso quando se dá a vitória.

Assim, as provações tremendas, as incompreensões, tudo deve ser oferecido nessa perspectiva.

E vai se fazendo a trama da História.

Rei da História

A realeza de Nosso Senhor mostra-se já na distribuição dos méritos, os quais são o fluxo vital da História. Ele, como Pontífice, conquista e, ao distribuir, reina.

Analisando uma fotografia da Sagrada Face, no Santo Sudário, nota-se que há algo de extraordinariamente luminoso no alto da fronte, como se fosse um brilhante; algo que de fato Lhe dá majestade e poder de decisão.

Pois bem, é o diadema de Nosso Senhor, o único rei que reinou com a cabeça coroada de sangue, após serem tirados os espinhos. Esse sangue tornou-se o brilhante, o divino Koh-I-Noor(1) d’Ele.

Na consideração dessa luminosidade, percebe-se como do pontificado se passa para a realeza. Quer dizer, Ele tem a realeza “par droit de naissance”(2) e por direito de conquista. Nosso Senhor sofreu tudo que era preciso para resgatar o gênero humano, e tornou-Se dono daquilo que Ele resgatou. A humanidade era de Satanás e Ele a comprou por esse preço; portanto, Jesus possui também a realeza por direito de conquista.

Como Homem-Deus, Nosso Senhor é Rei de todas as coisas. Rei por ser da descendência de Davi, não só sobre o povo eleito, pois Salomão era chamado a uma realeza de hegemonia moral sobre toda a Terra, a mais gloriosa das realezas. E essa realeza Jesus Cristo deveria ter sobre o mundo inteiro, se não fossem os pecados dos homens. Se Nosso Senhor se encarnasse no Paraíso terrestre, Ele a teria.

Na Sagrada Face há uma decisão de Quem, na sua inteligência, vontade, sensibilidade, é o Rei de tudo e dirige a História. Aquela é Fisionomia de Rei. Nada se compara a Ele; o próprio Carlos Magno torna-se uma figura fátua. Nosso Senhor manda e os outros têm que obedecer, custe o que custar. No meu modo de interpretar, nota-se que Ele está morto, mas com tanta vida nessa morte!

Profetismo e História

Percebe-se que há n’Ele algo de profundamente pensativo, quer dizer, uma sapiencialidade, um desígnio que está feito “in radice” e vai se realizar nos seus pormenores, de acordo com um alto plano. E nisso Ele se afirma Profeta.

É o plano que, na sua sabedoria, Ele concebeu enquanto Redentor. Como Rei, Nosso Senhor manda aos anjos que intervenham, movimenta toda a Igreja. E executa aquilo que seu profetismo previu.

E todos os homens serão julgados, premiados ou castigados, em função da afirmação, da proclamação da glória de Nosso Senhor, como Pontífice, Rei e Profeta. A nossa glória consistirá em ter participado da glória d’Ele.

Colocados esses elementos na cena, o Juízo chega a ser uma espécie de imenso ofertório, caminhando para a Consagração. Tudo isso pode ser comparado com uma imensa Missa.

No momento em que termina o julgamento, há a glorificação suma de Cristo, porque cada coisa que Jesus fez é boa e o conjunto ainda é melhor.

Não se pode imaginar — seria de certo modo uma apresentação pictórica — o julgamento dos homens numa espécie de “monoclave”, do início ao fim. Não. Trata-se de um drama que vai crescendo e termina num auge.

Várias nações poderiam ser salvas, se sempre considerassem esse fundo de quadro.

Mensagem de Fátima e “Grand Retour”

À vista desse panorama, compreendem-se melhor os castigos previstos por Nossa Senhora em Fátima, porque eles são prefigura do fim do mundo. Não devemos imaginá-los sem o significado que continuamente apresentarão, ou seja, de Nosso Senhor que resgatou, governa e é Profeta; e que vai sendo desagravado no curso dos acontecimentos pelo castigo dos maus, pela virtude de que dão prova os bons, e depois pela glorificação de Jesus Cristo e dos bons, na entrada do Reino de Maria.

Assim é que se compreende o “Grand Retour”(3). Creio que sem a aptidão de considerar as coisas dessa maneira, não temos propriamente formação para o “Grand Retour”.

Isso suprime visualizações insuportavelmente mesquinhas a este respeito, como considerações puramente individuais.

Compreendemos, assim, o papel de nossa vida nesse conjunto de fatos. Cada um de nós não é o mero indivíduo, apto a realizar um destino apenas individual. Mas tem um papel a representar nesta outra dimensão da História; esse papel está à nossa espera e devemos crescer até ele.

Nossa vida individual pode ter aspecto bonito, mas que se conecta com o outro; do contrário ela não tem sentido.

Cada um de nós, na medida em que se eleva, entra nesse papel histórico, e os outros de algum modo percebem quando nos identificamos com nosso próprio papel.

O homem que, a meu ver, mais facilmente se percebe ter se identificado com seu próprio papel foi Carlos Magno. Não digo que ele foi quem melhor se identificou, mas quem mais facilmente se percebe.

Vislumbramos aqui o assunto arquetipização. Cada homem é único e, nesta ordem superior de coisas, pode vir a ser arquétipo de possíveis.

Exceção que confirma a regra

Tratarei agora a respeito de Nossa Senhora. Deus confirmou n’Ela todas as regras da ordem, bem como as exceções que confirmam as regras.

Deus constituiu propriamente a seguinte exceção: criou todo o universo, e o homem à sua imagem e semelhança, mas deixou sempre muito claro quanto Ele o transcendia. Entretanto, para mostrar até que ponto Ele é análogo, criou Nossa Senhora, ornou-A de tal maneira e tornou-A tão excelente, que, para O entendermos bem, de preferência devemos olhar para Ela.

Alguns, inclusive, afirmam que é “Cristocêntrico” voltar-se para Nossa Senhora, de tal maneira Jesus está mais presente n’Ela do que em todas as outras criaturas.

Pode‑se dizer que Nossa Senhora é, de certo modo, uma concentração de tudo quanto expusemos? Parece-me que sim, no seguinte sentido:

A glória de Nosso Senhor, como Pontífice, Rei e Profeta, é tão grande, que no Juízo Final Ele coroa sua Mãe — com esplendores que não se poderiam imaginar ser possíveis a uma mera criatura — como Corredentora, Co-reinante e de algum modo Co-profetiza.

Seria preciso depois aprofundar, à luz da Mariologia, essas três funções d’Ela em tudo que acabo de descrever. Pois tudo seria menos belo, menos esplêndido, menos glorioso, menos magnífico, se a como que imaginação de Deus não estivesse presente.

Imaginemos um general que vence uma guerra, e um rei não sabe como glorificá‑lo. O general diz então ao monarca:

“Se vós quiserdes me glorificar de fato, nomeai Condestável do exército a minha própria mãe, e dai‑me o bastão para eu pôr nas mãos dela. Nesta hora eu estarei glorificado, porque ela lutou comigo, fez isso e aquilo com toda a perfeição.”

No momento em que o general entregasse o bastão para sua mãe, haveria a máxima glorificação dele.

Assim também, o epílogo é a grande glorificação de Nossa Senhora, no dia do Juízo. Com isto de especial: até Nosso Senhor cantaria a glória d’Ela. Poderíamos imaginá-Lo — se se pode falar em cronologia —, ao encerrar-se tudo isso, cantando o Magnificat, sozinho, e depois acompanhado pela Criação inteira.

Como seria sua voz e resplendores, cantando o Magnificat, olhando para Ela? Não sei se haverá Eucaristia então, mas, se houver, Ele estará presente n’Ela. E outros mistérios a respeito de relações de Nosso Senhor Jesus Cristo — em sua divindade e humanidade — com Ela serão revelados. E constituirão gáudios maiores do que todos os outros, os quais ficarão, digamos, em nexo íntimo com a visão beatífica.

Tudo quanto eu disse a respeito de Nossa Senhora é uma insignificância.

Considerem o Sacro Volto [a Sagrada Face]. Cada dor que Nosso Senhor sofria repercutia n’Ela. E quando o Redentor levou em sua cabeça sagrada a pancada, que está expressa por aquela efusão de sangue no alto da fronte, Nossa Senhora sentiu-a na alma, com toda a intensidade do amor de Deus a Ela e do amor d’Ela ao seu Filho. E assim a fronte d’Ela cobriu-se de uma glória parecida com a de Nosso Senhor.

Por mistérios de Deus, de algum modo os homens veem melhor essa glória na fronte d’Ela do que na de Jesus, de tal maneira Ele quer glorificá-La. E para sabermos como n’Ele a glória é maior, devemos olhar para Nossa Senhora. Ela só pode ser bem vista n’Ele, e Ele, n’Ela.

Há aqui coisas inefáveis, porque a dupla relação da divindade com a humanidade em Jesus e, depois, d’Ele com Maria Santíssima, contém todo o “pulchrum, o verum, o bonum” do universo, a grandeza etc. É uma coisa tão extraordinária e maravilhosa, que é muito difícil termos ideia disso.

Toda essa História é de ouro, e o ponto final tem que ser preto, mas é um brilhante negro.

Porque amou a vulgaridade, Satanás não queria que nada disso fosse assim e, ao mesmo tempo, conhecendo de algum modo a grandeza de tudo isso, percebe o achatamento dele e de todos os que o seguiram. E um achatamento que é eterno, definitivo, e o castiga para todo o sempre. Mas o que mais o tortura é que essa grandeza venceu sua vulgaridade, e ele geme inteiro.

Ele está ligado à vulgaridade de maneira infame, torpe, enquanto nós devemos estar unidos à grandeza.

Há pessoas que têm inveja de nós, em razão de nossas qualidades. Se viesse agora o Reino de Maria e fôssemos postos no pináculo, esses que nos invejam por causa do que temos de terreno, mais sofreriam vendo o bem glorificado em nós.

Por exemplo, duas irmãs: uma ficou virgem e é glorificada; a outra se perdeu e foi lançada no inferno. Esta última sofre mais pela glorificação da virgindade, do que vendo a irmã que ela odiava, da qual tinha inveja.

Mais especialmente o inferno rangerá quando Nossa Senhora for coroada, porque ficará mais visível a vitória de Deus. v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 8/12/1982)
Revista Dr Plinio 150 (Setembro de 2010)

 

1) Célebre diamante que pertenceu a soberanos indianos, oferecido à Rainha Vitória

2) Por direito de nascimento.

3) Grand Retour (Grande Retorno): palavras usadas por Dr. Plinio para designar o surto de graças que prepararão as almas para o Reino de Maria.

A honra!

Dirigindo-se a um auditório composto por jovens, em sua maioria, Dr. Plinio, de forma lógica e atraente, explica a diferença entre os conceitos de honra e glória. Busca ele apresentar, a par dos princípios, exemplos concretos para, desta forma, além de iluminar a inteligência, mover também a vontade.

 

Há um pequeno episódio, célebre na História francesa — eu diria até, na História do mundo.

Napoleão estava derrotado, pois, em Waterloo(1), Wellington destroçara seus últimos exércitos. A França estava desgovernada, e perto da fronteira francesa se encontrava um irmão de Luís XVI, o Conde d’Artois.

Luiz XVI, o rei que fora decapitado pela Revolução Francesa, não deixara herdeiro direto(2). Tinha ele dois irmãos: o Conde de Provence e, outro mais moço, o Conde d’Artois. Se o Conde de Provence morresse sem filhos, o Conde d’Artois herdaria o trono(3).

O Conde d’Artois estava aguardando o momento de entrar em seu país. Mas, dado que a França acabava de sofrer uma derrota espetacular, e as forças nacionais tinham sido drenadas por Napoleão nesta última resistência contra o adversário, o Conde d’Artois não queria tomar o trono às custas de uma convulsão social e política que pudesse exaurir ainda mais seu país. Ele preferia usar um meio jeitoso, político, para que, sem derramamento de sangue, fosse atendido seu ancestral direito ao trono.

Havia na França uma “velha raposa”, um homem que foi o mais hábil de seu século em matéria de diplomacia: Talleyrand, bispo apóstata de Autun, pertencente a uma família quase principesca.

Entre as suas inúmeras habilidades, estava a de manusear incomparavelmente bem as mil finuras da língua francesa. Possuía também muito prestígio político.

Certo dia, alguém veio à sua presença e lhe disse: “O Conde d’Artois está na fronteira, mas declarou que não entrará no país sem um chamado de alguém com influência na França. Estou aqui para saber se o senhor mandaria um cartão, convidando-o a entrar na França.”

Talleyrand — muito indolente na hora do descanso, mas uma águia no momento da ação — tomou um papel e escreveu com uma letra negligente o seguinte bilhete, que ficou célebre: “Monseigneur, nós estamos fartos de glória; traga-nos de volta a honra.”

O homem levou o bilhete para o Conde d’Artois, o qual afirmou: “Isto é um apelo.” E entrou na França.

Honra e glória

Qual a diferença entre honra e glória?

Houve tempo em que o homem prezava acima de tudo o fato de ser honrado. A honra valia mais do que a fortuna, a inteligência, ou qualquer qualidade natural.

Mas, além da honra, existe a glória. Por que a França estava farta de glória e não tinha honra? O que vale a glória sem honra? E a honra sem a glória? Uma pessoa possuidora de ambas, o que mais deve prezar: sua honra ou sua glória? O que vêm a ser esses dois valores?

A análise disto nos remonta a uma cogitação mais profunda. A mente humana é formada de um modo singular. Não há quem não tenha ouvido falar de honra e de glória. Porém, creio que a imensa maioria das pessoas não sabe qual a diferença existente entre honra e glória. E não tenho vexame de dizer que eu, às vezes, tinha curiosidade de conhecer no que os dois conceitos se diferenciavam…

Com a minha perpétua falta de tempo, embora tivesse certa curiosidade de saber, nunca consultei isto num dicionário. Hoje, sabendo que deveria tratar da honra e da glória, procurei os dois conceitos. Mas são eles apresentados de tal modo, que apenas consegue verdadeiramente entender os significados de cada um desses conceitos quem já tenha pensado sobre o assunto. Quando não se refletiu anteriormente sobre algo, muitas vezes não se entende a explicação do dicionário.

Menção honrosa

Dizia o dicionário: “Honra é a consideração e homenagem à virtude, ao talento, à coragem, às boas ações ou qualidades morais de alguém”.

Façamos algumas aplicações para bem compreender o sentido da palavra “honra”. Por exemplo, no meu remoto tempo de aluno do Colégio São Luiz, a cada seis meses davam-se prêmios para os melhores alunos. Havia uma conferição de medalhas: a de ouro para o aluno que tivera um desempenho excelente; a de prata para quem conseguira nota muito boa.

Àquele que estava acima do comum, dava-se “menção honrosa”, quer dizer, seu nome era mencionado com honra, mas não recebia medalha. Tratava-se de um diploma escrito: “Menção honrosa em tal matéria.”

A honra, no caso concreto, era a avaliação de um talento ou de um esforço que o aluno fez para estudar.

Casamento honrado

Outro exemplo. Hoje estive na Igreja do Coração de Jesus(4), a qual estava toda enfeitada para um casamento. Imaginemos a cerimônia: entra o pai da noiva, levando-a pelo braço. Ele se sente honrado em levar a sua filha ao altar. E a noiva se sente honrada em ser conduzida pelo braço do pai. Qual a razão?

Quando a filha tem uma virtude real e seu pai é um homem que se mostrou respeitável, por uma capacidade ou uma qualidade especial, ela lhe dá o braço contente: “Aqui está meu pai.” E o pai também fica satisfeito: “Esta é minha filha, que vai virgem às núpcias”, e a entrega ao noivo no altar, com cabeça alta: “Íntegra ela sai das minhas mãos para as suas”.

Nisso há honra porque está presente um talento ou uma qualidade moral especial. O ideal é estarem juntas ambas as coisas. É muito apreciável que um homem ou uma senhora tenha um talento marcante e, ao mesmo tempo, uma capacidade, uma virtude especial.

Família honrada

Suponhamos que, no entardecer da vida dos progenitores, uma família está reunida. Casa confortável, filhos numerosos em torno de uma mesa, alegres. É um jantar opulento, comemorativo das bodas de prata ou de ouro, quer dizer, os pais casaram-se há 25 ou 50 anos; felicidade de todos.

Estão honrando os pais. Por quê?

O pai, digamos, era um homem pobre e que fez alguma fortuna à força de negócios honestos, tendo revelado capacidade e, ao mesmo tempo, caráter, e todo o mundo na cidade diz dele: “Homem honesto é o Sr. fulano de tal”.

A mãe, muito dedicada — qualidade moral —, hábil dona de casa, conseguiu arranjar a casa de modo primoroso, sendo o jantar muito bem servido.

Têm honra por ambas as razões juntas: qualidade moral e talento, cada um a seu modo. O homem como chefe de família, ela como esposa fiel, cada um tem seus talentos e qualidades. Isto dá realce à festa das bodas, e torna saborosos os alimentos distribuídos que, sem isto, não teriam graça.

O prêmio Nobel

Alfred Nobel, inventor da dinamite, deixou uma fortuna enorme para premiar todos os anos quem se assinalasse por seu talento, ou por sua virtude, em alguma coisa especial.

Uma comissão internacional indica os nomes daqueles que devem receber o prêmio — uma boa fortuna em dinheiro —, o qual é conferido na Suécia pelo rei, havendo depois um banquete com homenagens, no palácio real.

Vemos aqui aparecer uma noção que vai para além da honra: é o conceito de glória. No que a glória difere da honra?

Glória

É fácil compreender o que é glória quando se apanham os conceitos essenciais. Diz o dicionário: “Glória é a fama adquirida por ações extraordinárias, feitos heroicos, grandes serviços prestados à humanidade, às letras, às ciências, etc.”

Não se refere, portanto, apenas ao bom chefe de família ou à boa senhora que se distingue.

Um homem erudito merece honra, mas não glória, porque não empreendeu uma ação extraordinária. Ele demonstra uma capacidade distinta; porém, distinção não é celebridade. Célebre é o distinto visto através de uma forte lente de aumento. E o Prêmio Nobel existe para premiar apenas as celebridades.

Imaginemos um homem inteligentíssimo, mas que nunca produziu nada, porque, por exemplo, tem muito má saúde. Ou então porque precisa trabalhar para manter a família, o que lhe impede de fazer uma grande produção intelectual da qual seria capaz. Eu poderia perceber que é um gênio. Para mim ele mereceria glória e eu o trataria com muita distinção. Mas é desconhecido pelo público. Para ter glória é preciso ser conhecido. Para ser conhecido é necessário fazer alguma coisa.

A glorificação de um santo

Então, além de possuir qualidades eminentes, ele precisa ser conhecido. Dou um exemplo característico: São José, o qual teve uma existência inteiramente apagada, porque foi desígnio de Deus que vivesse na humildade.

Ele merecia todas as glorificações possíveis: fez ações extraordinárias, foi verdadeiramente o pai legal do Menino Jesus porque, embora Nossa Senhora fosse virgem antes, durante e depois do parto, São José tinha um direito, como esposo de Maria Santíssima, ao fruto das entranhas d’Ela. Porém, poucas pessoas souberam disso, enquanto ele estava vivo. Resultado: glória São José não teve.

Mas quando a Igreja começou a se expandir, e a reflexão sobre o Evangelho passou a ganhar corpo, os católicos se deram conta de quem foi ele. São José já possuía tudo para ser célebre, porém suas grandes ações não eram conhecidas. Quando o foram, ele se tornou célebre.

O que distingue a honra da glória?

A honra é o brilho distinto, digno de nota, da virtude ou do talento. A glória é o fulgor de um talento extraordinário ou de uma grande virtude.

Voltemos ao texto escrito por Talleyrand. Napoleão possuiu glória, pois revelou um talento militar extraordinário e alcançou vitórias de que todo o mundo fala até hoje.

Mas não teve honra, porque foi desprovido de virtude. Se houvesse feito em favor de um poder legítimo aquilo que realizou em favor de si mesmo, ele teria tido honra. Mas ele não exercia um poder legítimo, era um usurpador, e isso não traz honra.

Graus de honra

Se o respeito, o apreço que se deve à virtude, merece ser chamado honra, todo homem que pratica a virtude de modo suficiente, e vive habitualmente na graça de Deus, é honrado. E “homem honrado” está muito bem qualificado, porque ele merece essa honra de quem cumpriu a Lei de Deus, e uma coroa o espera no Céu.

Porém, há dois graus de honra: uma é esta honra comum que todo homem deve ter, porque cada um precisa viver conforme a Lei de Deus.

Existe, entretanto, uma honra mais distinta, maior, que faz com que o homem seja admirado pelos que estão na graça de Deus. Estes dizem: “Ele realiza o que nós fazemos, mas vai mais longe. Não chega a praticar ações célebres, mas é bem mais virtuoso do que a média”. Então, entre os honrados, esse é um homem que tem uma honorificência especial. Isso supõe um esforço especial, porque toda virtude é difícil. Não há virtude fácil. Nas nossas condições, ela não teria beleza se não fosse difícil.

Mas não é só isto. Há também qualidades naturais, as quais Deus concede para quem quer, e que podem merecer honra. Por exemplo, o talento musical.

Alguns músicos nasceram com tal dom que, desde pequenos, fizeram obras-primas. O exemplo mais célebre foi Mozart, o famoso músico do século XVIII que, aos sete anos de idade, realizava concertos em público! Era um gênio! Essa qualidade musical decorreu de um conjunto de circunstâncias naturais, atavismos etc., bem como, provavelmente, de algum desígnio da Providência.

Ainda que Mozart fosse um homem de uma virtude comum, ele mereceria honra pelo fato de ter talento. E recebeu glória porque levou, pelo esforço, esse talento a um grau eminente.

Se ele tivesse sido um inconsequente e, por isso, não se dedicasse ao estudo da música, poderia, na idade madura, se apresentar num teatro, ocasião em que se diria: “Aqui está Mozart, um homem que aos 10 anos de idade compunha música. Ele agora tem 30 anos e vai tocar para nós.” Ele, então, dedilharia no piano uma música sem graça… O fato de se saber que ele nasceu com talento, mas não fez nenhum esforço, foi um “bicho preguiça”, provocaria desprezo.

Glória sem honra

Pode acontecer que uma pessoa seja de tal maneira dotada, do ponto de vista natural, que, sem esforço, brilhe de modo insigne. Pergunta-se: ela merece glória?

Merece. E se ela for preguiçosa? Terá uma glória sem honra.

Poder-se-ia perguntar o que é bom para um país: ter grandes gênios com glória, mas sem honra, ou possuir muitas pessoas com talento mediano com honra, embora sem glória.

Respondo: o homem com grandes qualidades e sem virtude, na maior parte dos casos, é um malfeitor. Exemplo, Talleyrand, que era dotado de qualidades políticas únicas. Ele praticou algum bem, mas, de fato, a soma de males que fez na vida foi enorme, porque usou mal seu talento, conforme convinha a seus interesses.

Um homem que tenha um talento oratório ou jornalístico muito grande será um benefício para seu país se ele usar bem o dom que recebeu para servir a Causa de Deus, de Nossa Senhora, da Igreja. Se não fizer isso, escreverá artigos de jornal, livros, fará conferências, orientando as pessoas para o mal. Nessas condições, será um malfeitor. É melhor para um país ter muita gente honrada, embora não gloriosa, do que muitas pessoas gloriosas, mas sem honra.

Peçamos a Nossa Senhora a graça de nunca buscarmos a glória, pois, na maior parte dos casos, compromete-se a glória quando a pessoa a procura para si. É preciso procurar a honra, a qual muitas vezes custa o sacrifício de qualquer possibilidade de glória. O caminho da honra nos espera. Se Ela quiser, será também a via da glória.  v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 22/3/1986)
Revista Dr Plinio 150 (Setembro de 2010)

 

1) Localidade da Bélgica onde, em 1815, ocorreu a batalha na qual Wellington derrotou as tropas de Napoleão.

2) Deixou o Delfim, que seria Luís XVII, que em sua infância, em consequência da Revolução Francesa, teve destino até hoje ignorado. Talvez tenha sido assassinado, após a execução de seus pais.

3) Ambos se tornaram reis da França: o Conde de Provence, com o título de Luís XVIII, e o Conde d’Artois, de Carlos X.

4) Situada em São Paulo, no bairro dos Campos Elíseos.

Obediência e Contra-Revolução

A propósito de alguns pensamentos de Santo Inácio de Loyola relacionados com a obediência, Dr. Plinio tece substanciosos comentários a este tema que marca profundamente a diferença entre o revolucionário e o contrarrevolucionário.

 

Como todos sabem, Santo Inácio de Loyola concebeu a Ordem Religiosa que ele fundou, à maneira de um exército; por isso, deu-lhe o nome de Companhia de Jesus. Companhia naquele tempo queria dizer batalhão, regimento ou exército. Era, portanto, Exército de Jesus. E para que os sacerdotes da Companhia de Jesus tivessem toda a eficácia na sua luta contra os restos do Renascimento e a explosão protestante, ele quis que fossem marcados com todas as notas do espírito militar, entre as quais um eminente espírito de obediência.

A condição militar supõe a obediência, e um exército sem obediência é um exército aniquilado. De maneira que faz parte da honra militar a disciplina. Portanto, uma das notas de esplendor da condição militar, aos olhos de todo mundo, é a compenetração e a varonilidade com que o militar obedece.

Para o revolucionário a obediência é uma vergonha

Falo de compenetração e varonilidade e já temos aqui um dos pontos de atrito entre o espírito da Revolução e o da Contra-Revolução. De acordo com o espírito revolucionário, obedecer é uma vergonha, mandar também não é uma beleza. O bonito é não obedecer nem mandar, mas ser igual a todo mundo. Isto porque o revolucionário procede da ideia de que todo homem é inteiramente capaz de conhecer todas as verdades de que seu espírito precisa para se orientar; e de governar as suas paixões desordenadas, de maneira a praticar o bem e evitar o mal. Em consequência, todos os homens são perfeitamente iguais. Não há nenhuma razão para um homem dar conselho ou uma ordem a outro, nem sofrer a vigilância, a fiscalização de outro. Portanto, não há motivo para haver disciplina.

Então, o revolucionário interpreta a obediência como uma atitude de alma vergonhosa do indivíduo indolente e mole, que tem preguiça de escolher o seu próprio caminho, de encontrar as verdades necessárias para se orientar na vida. É, então, por moleza que um homem defere essa atribuição a outros e se deixa guiar.

Seria mais ou menos como um indivíduo que, por preguiça de abrir os olhos e olhar em torno de si, os fecha, dá a mão para um outro e diz: “Guie-me, porque ao menos assim eu vou babando pelo caminho.” Se um homem tem olhos e meios de caminhar, ele vai se conduzir por si.

Então, para o espírito revolucionário a obediência é uma vergonha.

Para o contrarrevolucionário é um ato de bom senso, de fidelidade e de força

O militar considera o contrário. Ele sabe que a unidade de ação só pode resultar de uma unidade de mando; e para que uma grande ação de conjunto se desenvolva é preciso uma grande capacidade. Ora, os homens não têm a mesma capacidade, e um exército bem constituído deve destilar os seus valores. De maneira que os de mais altas qualidades cheguem à cúpula e sejam capazes de encontrar e de indicar o caminho para aqueles que estão numa categoria intermediária; e estes por sua vez orientem os menos graduados. Dessa forma, no topo da hierarquia militar há aqueles que são mais competentes, ou se presume que o sejam, pelos estudos que fizeram. Nos países que realizam operações militares, existe uma hierarquia de competências, de idades, de experiência, que vai distribuindo os conhecimentos e a capacidade de impulso da cúpula, sucessivamente, aos vários graus da escala militar até a base. E com isso se forma a ordenação de um exército.

Conforme essa interpretação, a obediência é uma virtude. Ela é antes de tudo um grande ato de lucidez pelo qual uma pessoa reconhece que pode não ter tanta capacidade quanto uma outra; e algo que mais comprova ser cretino um indivíduo, se este imagina que ninguém possa ser mais capaz do que ele. Porque isto indica que ele não vê dois dedos diante do nariz; é incapaz de olhar para cima. Ora, a mais nobre das posições da cabeça do homem é olhar para cima.

É um ato de bom senso, de lucidez, reconhecer que outros, por serem mais inteligentes, terem mais competência ou mais experiência, são mais capazes do que nós para encontrar o caminho.

Fazer o que o outro quer é um ato de ascese. Porque somos sempre tendentes a conceder demais para nós mesmos, a arranjarmos pequenos confortos, pequenas regalias, pequenas exceções, pequenos prazos, pequenas traições por onde não cumprimos o nosso dever. E cumprir a vontade de um outro é muitas vezes dolorido, porque temos a impressão de que uma coisa é de um jeito, e o outro nos diz que é de um jeito diferente. Dolorido porque renunciamos a uma porção de vantagens pessoais para fazer o que o outro está mandando. Então, é preciso ter varonilidade, decisão, capacidade de enfrentar o sofrimento, a dor, de fazer o que deve ser feito; isto caracteriza o verdadeiro espírito militar.

Exatamente ao contrário do que pensa a Revolução, para a Contra-Revolução a obediência é um ato de bom senso, de fidelidade e de força. Portanto é uma honra.

Nosso Senhor Jesus Cristo, paradigma da virtude da obediência

Entre as Ordens Religiosas, aquela que, por sua analogia com o espírito militar, mais ensina a grande virtude da obediência é a Companhia de Jesus. Virtude essa cujo paradigma foi Nosso Senhor Jesus Cristo, a respeito do Qual diz a Escritura: “Ele se fez obediente até a morte, e morte de cruz”(1). É belo vermos como Ele não se deixou vergar por nenhum poder da Terra, falou com a cabeça erguida e com divina e vigorosa altaneria contra todos os grandes da sinagoga e os grandes que representavam o Império Romano em Israel. É pulcro contemplar Jesus falando Àquele que era verdadeiramente superior a Ele, o Padre Eterno, nas orações que fazia.

A meu ver — naturalmente é uma impressão pessoal —, os mais belos trechos do Evangelho são as orações de Nosso Senhor Jesus Cristo, quando Ele se dirige ao Padre Eterno. Sendo a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, perfeitissimamente igual ao Padre Eterno — inferior, é verdade, na sua natureza humana —, Ele se dirige a Deus Pai com um respeito, um afeto, uma submissão, uma naturalidade, uma união, que, segundo me parece, constituem as páginas mais sublimes do Evangelho. O que não é dizer pouco, porque no Evangelho tudo é sublimíssimo; o Evangelho é uma concatenação de sublimidades, umas depois das outras. Tais orações mostram Nosso Senhor Jesus Cristo obedecendo, no ato de prestar a reverência à autoridade devida.

Ninguém poderá jamais exprimir o que foi o modo pelo qual Nosso Senhor obedeceu a Nossa Senhora e a São José. Não se tem ideia do respeito, da exatidão, da prontidão com que Ele fazia esses atos de obediência. Tocamos aqui em mistérios divinos da Alma de Nosso Senhor Jesus Cristo, e percebemos a fímbria de uma obediência transcendente, glorificando e santificando todas as obediências que depois d’Ele se prestariam, ao longo dos séculos, a todas as autoridades legítimas das quais o Redentor era a mais alta expressão e ao mesmo tempo o fundamento.

Obedecer sempre, exceto se a ordem colidir com a Doutrina Católica

Na obediência há uma coisa particularmente dura. Em princípio, aquele que obedece pratica o ato de obediência porque reconhece em quem manda maior inteligência e capacidade; paradoxalmente, o resultado desse princípio é obedecer a quem tem menos inteligência e menos capacidade. Porque nesta Terra nem sempre a relação se faz de maneira que os mais inteligentes, os mais capazes, nem mesmo os melhores subam mais. Embora seja o normal, nem sempre isso ocorre.

Mas, em atenção ao princípio de que o homem não deve discutir os seus superiores, a não ser quando se trata de uma colisão contra a Doutrina Católica e a Lei de Deus — neste caso é preciso não obedecer, porque a Doutrina Católica e a Lei de Deus estão acima de tudo —, ele precisa submeter-se e obedecer, mesmo vendo que aquele que manda é menos, sabe menos. Porque se cada um começar a discutir o superior, tudo se desagrega. Ao menos atendendo ao superior, ainda que menos capaz, uma obra comum se realiza.

É uma espécie de requinte, uma sublimidade da obediência. E até lá, em inúmeros episódios, os jesuítas da época áurea manifestaram o seu espírito de obediência.

Maravilhoso fato ocorrido com Santa Teresa de Ávila

Compreende-se assim que membros de nosso Movimento, especialmente filhos da obediência — a expressão é de Santa Teresa de Jesus, que era filha da obediência —, gostem de um trecho de Santo Inácio de Loyola que passarei a comentar. São as normas que ele deixou para um jesuíta e que estão no testamento do Santo.

Desde que um jesuíta entra na Ordem, seu primeiro cuidado será abandonar-se plenamente ao governo de seu superior.

Quer dizer, não discutir, não analisar, seguir inteiramente o que o superior mandar. O superior é uma necessidade; pela ordem natural das coisas ele ali está representando Deus. A única coisa aonde a obediência não chega é aceitar a heterodoxia ou o mal.

Segundo: se um jesuíta caísse nas mãos de um superior que dominasse seu juízo, seria desejável que ele estivesse inteiramente disposto a isso.

Quer dizer, se um jesuíta estiver nas mãos de um superior menos competente, o qual lhe fizesse pensar uma determinada coisa, ele deve obedecer.

Conhecemos esse fato maravilhoso, na vida de Santa Teresa de Jesus: inverno rigoroso, nada se planta; sua superiora lhe diz: “Irmã Teresa, vá ao jardim e plante esses aspargos de cabeça para baixo.”

Era uma asnice, mas não um pecado. Tratava-se de uma ação de si indiferente. Ela vai ao jardim e planta os aspargos de modo errado, e no prazo adequado, apesar do inverno, os aspargos vicejam maravilhosamente. A bênção de Deus tinha caído sobre a obediência. E houve um milagre para provar quanto Deus gosta daqueles que sacrificam sua opinião ao modo de pensar dos superiores.

É o oposto do durão que tem quinze objeções e, depois de vencidas essas objeções, vem com mais três ou quatro ininteligíveis, as quais são o último recurso que ele emprega para recalcitrar de todo jeito. E quando obedece resmunga, e executa o serviço ordenado de modo malfeito.

Aqui é o contrário. Deve haver inteira placidez nas mãos do superior, que manda aquilo que o jesuíta deve fazer.

Terceiro ponto: em todas as coisas onde não há pecado, é preciso que eu siga o juízo do superior e não o meu.

É o mesmo princípio.

Três modos de obedecer

Quarto ponto: há três maneiras de obedecer. A primeira quando fazemos o que nos é mandado em virtude da obediência. E essa maneira é boa. A segunda, que é melhor, quando obedecemos a simples ordens. A terceira e a mais perfeita de todas, quando não esperamos a ordem do superior, mas a prevemos e adivinhamos a sua vontade.

Numa Ordem Religiosa, na era clássica, quando um superior, em nome da santa obediência, mandava um religioso fazer alguma coisa dizia-lhe: “Ajoelhe-se porque o senhor vai receber uma ordem em nome da santa obediência.” Parece que na Companhia de Jesus a fórmula, lindíssima, era esta: “Pela graça e pelo amor de Nosso Senhor Jesus Cristo.” Isso significava que o inferior ia receber uma ordem em nome da santa obediência. Ajoelhava-se e o superior dava uma ordem. Se esta fosse negligenciada, cometia um pecado mortal. Portanto tinha que ser cumprida, custasse o que custasse. Esse tipo de ordem se fazia de modo relativamente raro, somente quando o inferior se encontrava em estado de revolta.

Mas há um outro modo mais corrente, conforme o qual o superior simplesmente afirma: “Padre Fulano, o senhor agora vai fazer tal coisa.” A violação de uma ordem assim não implica em pecado mortal, mas em pecado venial, às vezes em simples falta, mas era uma atitude contra a obediência.

Existe um terceiro modo de obediência, pelo qual o súdito adivinha o que o superior quer e vai fazer antes de ser mandado. Então, conforme Santo Inácio de Loyola, é bom obedecer acuado entre a espada e a parede; melhor é obedecer apenas com uma ordem que não é tão imperativa; mas o ideal é ter o espírito feito de tal maneira que, antes mesmo de o superior dizer o que quer, o religioso obedece.

Santa Teresinha obedecia a uma superiora cheia de caprichos

Para entendermos o pleno sentido de tudo isso, devemos imaginar a época de Santo Inácio, São Francisco Xavier, São Francisco de Borja, o qual foi Geral da Companhia de Jesus.

Suponhamos Santo Inácio, em seu convento, rezando, pensando, dando ordens, tudo em virtude de uma doutrina altíssima, sublimíssima, bem como de visões e revelações que ele recebia de Deus Nosso Senhor. É sabido que os “Exercícios Espirituais” lhe foram ditados por Nossa Senhora, na gruta de Manresa. Ele era um homem que difundia em torno de si o sobrenatural. O que devia fazer o bom súdito? Compreender o espírito, a mentalidade, a doutrina de Santo Inácio, de maneira que antes mesmo de este falar já entendia o que ele queria, e executava a vontade do Santo. O súdito se tornava, assim, um outro Santo Inácio. E o espírito de Santo Inácio se transmitia para ele, mais ou menos como o espírito de Elias passou para Eliseu.

Consideremos, por exemplo, Santa Teresinha tendo que prestar obediência a uma superiora que deixava muito a desejar, como era a sua.

São duas situações em que se obedece em condições completamente diferentes. Qual é a obediência mais bonita? A de um súdito de Santo Inácio que, olhando enlevado para o Santo e procurando haurir seu espírito, ser outro ele mesmo, procura adivinhar o que Santo Inácio quer? Ou a de uma Santa Teresinha do Menino Jesus diante da superiora, como Nosso Senhor Jesus Cristo no Pretório de Pilatos, e carregando de forma invisível, por cima do véu de religiosa, uma verdadeira coroa de espinhos?

Realmente não sabemos, mas vemos a beleza dos dois estilos, dos dois modos de obediência, e como em todas as circunstâncias a obediência é uma verdadeira maravilha.

Obedecer não apenas ao superior, mas aos que ocupam escalões intermediários

São maravilhas da obediência que o mundo revolucionário não conhece, e sobre as quais é construído o mundo contrarrevolucionário. Isto arrepia um revolucionário e ao mesmo tempo o acachapa, porque com sua independenciazinha, sua liberdadezinha, ele fica tão pequeno como uma pulga insignificante e suja. E nós, diante da grandeza dessas duas situações extremas, compreendemos bem o esplendor da Contra-Revolução.

Quinto ponto: deve obedecer indiferentemente a toda espécie de superiores, sem distinguir o primeiro do segundo, nem do último, mas considerar em todos igualmente a Nosso Senhor, de que eles ocupam o lugar, e lembrar-se de que a autoridade se comunica ao último por aqueles que estão acima dele.

O pensamento contido nesse princípio é o seguinte: no alto da pirâmide está Santo Inácio de Loyola; numa porção de escalões inferiores há menos santos e menos Inácios. É fatal. E no nível mais baixo estaria aquele que corresponderia ao sargento dentro de uma instituição militar. Mas é preciso obedecer, porque, diz ele, a autoridade que está acima se comunica pelos inferiores. Nada de querer obedecer somente àquele que está no mais alto, mas, pelo contrário, sempre fazer tudo de acordo com as demais autoridades que estão abaixo. O único modo de fazer a vontade dos superiores é obedecer aos que estão em baixo.

São Charbel Mackhluf e o caso da lamparina

Lembro-me de um fato que faz parte da obediência, no sentido de que o súdito não somente deve cumprir o que manda o superior, mas também receber sem protesto as punições por ele impostas, mesmo quando essas punições são injustas ou pitos insultantes que, em tese, o inferior não tem a obrigação de aceitar. É uma das formas de obediência: a paz e a serenidade diante da repreensão injusta.

Li a biografia, que é uma verdadeira maravilha, de São Charbel Mackhluf, monge oriental do rito maronita. Ele vivia em um convento situado num dos montes do Líbano, cujos religiosos se dedicavam à oração e a algum trabalho manual, como fazer cestinhas e objetos análogos, no silêncio mais completo.

Ele era um homem tão obediente que pedia licença para tudo. E nessa tebaida santíssima seu superior tinha raiva de São Charbel. Às vezes, este ia pedir uma ordem para o superior, que lhe dizia o seguinte: “Será possível que o senhor seja tão imbecil que não saiba resolver isso por si? E precisa vir me pedir uma ordem?”

Imaginemos São Charbel de capuz, alto, de barba grande, fisionomia tranquila e recolhida, e com a cabeça baixa. Depois de receber uma descompostura, ele olhava para o superior, à espera da ordem, porque o regulamento assim o exigia. O superior afinal dava uma ordem, e São Charbel saía para cumpri-la.

Era um homem indomável. Pois homens que sabem obedecer são indomáveis. No primeiro convento onde ele havia ingressado, nunca era permitido a entrada de mulher. Certo dia, por uma razão qualquer, entraram algumas mulheres lá. O fato se repetiu duas ou três vezes. Sem dar satisfação a ninguém, São Charbel mudou-se para outro convento. Era um direito natural que ele exercia: “Eu vim aqui para me santificar; a regra foi infringida e minha salvação eterna está comprometida com esse fato. Aqui está meu direito: saio deste convento e vou para outro.”

Indomável! Mas de outro lado, era o mais domável dos homens. Depois de passar anos debaixo das descomposturas desse superior, uma noite ele se lembrou de que lhe faltava uma parte do Breviário para rezar. Evidentemente não era meia-noite ainda.

Ele se dirigiu à capela para rezar e depois foi à sua cela para terminar as orações, levando um pouco de fogo. Chegando lá, viu que não tinha azeite na lamparina, mas apesar disso acendeu-a e continuou a rezar.

Era tarde da noite, todos já recolhidos, e o superior, vendo a luz acesa na cela de São Charbel, foi para lá rugindo de raiva. Porque pessoas assim são a favor de todas as liberdades, exceto da liberdade de alguém rezar mais ou fazer mais penitência. Bateu na porta e entrou.

— Que é isto? Luz acesa a esta hora, onde é que se viu?

O Santo quieto.

— Explique-me qual a razão, porque nesta hora todos já devem estar recolhidos.

— Padre, eu vos peço desculpas, mas o dia inteiro, pela ordem de Vossa Paternidade, eu estive trabalhando e só agora encontrei tempo para rezar o Breviário.

— Rezar o Breviário?! E como conseguiu azeite para a sua lamparina? De onde o retirou?

Respondeu São Charbel:

— Padre, a lamparina não tem azeite, está cheia de água.

O superior viu a mecha da lamparina ardendo na água e apenas disse o seguinte: “Reze por mim.” Saiu e fechou a porta.

Aquela era a chama da obediência, ardendo até na água. São os milagres da obediência.

Temos assim a explicação profunda a respeito desta obediência que nós, como contrarrevolucionários, devemos amar tanto.  v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 13/11/1971)
Revista Dr Plinio 162 (Setembro de 2012)

 

1) Fl 2,8.

 

São Roberto Belarmino – Santidade acima de tudo

São Roberto Belarmino, dotado de qualidades intelectuais extraordinárias, de tal modo causou grandes devastações à heresia protestante, que se poderia afirmar ser a luta contra o protestantismo o sentido fundamental de sua vida.

Chamado a Roma por Gregório XIII, passou a formar alunos de colégios ingleses e alemães, preparando-os para as lutas espirituais que teriam de travar contra a heresia ao regressar para seus países. Esta ação de São Roberto Belarmino, unida a de outros santos, teve uma repercussão fabulosa no futuro da Igreja.

Além de desempenhar singular papel na direção da Companhia de Jesus, São Roberto foi exímio diretor de consciências. Entre as almas por ele dirigidas está a de São Luiz Gonzaga.

Entretanto, de nada lhe teriam servido todos os seus dons e obras se ele não tivesse sido santo. O que seria deste varão se não correspondesse à graça?

Acima de tudo, o grande mérito de Roberto Belarmino é o da santidade.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 12/5/1967)

Consagração a Nossa Senhora e a graça divina – II

Dirigindo-se a um grupo de jovens discípulos que se consagraram a Nossa Senhora segundo o método de São Luís Grignion de Montfort, Dr. Plinio os alenta no caminho da vocação empreendida, incentiva-os na prática da virtude, e lhes aponta a Mãe Imaculada como advogada e infalível auxílio nos perigos, à qual devem recorrer como filhos, plenos de confiança.

 

Como é belo, meus caros, olhar para cada um de vós que vos consagrastes a Nossa Senhora, e considerar quanta dificuldade enfrentastes para chegar até este ponto! Como, afinal, o atingistes?

Através da graça, o convite divino para a vocação

A graça vos fez conhecer outros membros do nosso movimento que vos convidaram a fazer parte dele. Cada um procure lembrar-se como foi o primeiro contato, a primeira conversa. Quando isso ocorreu, vós víeis apenas um jovem a vos dirigir a palavra. Mas, de fato, o respectivo anjo da guarda pairava e ajudava no íntimo de vossa alma, a fim de que atendessem o convite. Visitastes a sede, apreciastes as apresentações, as aulas, os jogos, o ambiente. Voltastes para casa entusiasmados, com saudades, desejando logo regressar.

Pensáveis que eram saudades dos amigos, de tal ou tal coisa. Na realidade, era Deus, pela sua graça, a rogos de Maria, que atuava em vossa alma. Como vós, muitos outros vieram. E dentre eles, vários também receberam graças para se fixarem em nossas fileiras e continuar a caminhada nas vias da vocação.

A cada passo, a graça vos acompanhou. Ela é obtida por Aquela a quem o anjo disse ser cheia de graça. Tudo o que pedimos — para o bem de nossa alma ou para as nossas legítimas necessidades temporais — por meio de Maria Santíssima, obtemos, e sem a intercessão d’Ela torna-se mais difícil para nós alcançarmos os dons celestiais. Estamos aqui porque Nossa Senhora rogou por nós. Ela é a Rainha dos anjos e ordenou que esses espíritos puríssimos os orientassem para o caminho que tomaram.

Cada um de nós tem um anjo da guarda. Portanto, pairam sobre o meu querido auditório, digamos cerca de 400 anjos… Não os vemos, mas a Igreja ensina que eles estão presentes. E basta a doutrina católica dizer para eu crer mais do que se os visse.

Um espetáculo assistido pelos Céus

Imaginemos o júbilo havido no Céu, enquanto se realizava esta cerimônia que, devido à alegria de todos os participantes, poder-se-ia chamar uma festa! As três Pessoas da Santíssima Trindade, Maria, todos os anjos e santos do Paraíso tinham como que sua atenção voltada para cá. E quando, por exemplo, recebíeis de lembrança a pequena imagem de Nossa Senhora das Graças, os anjos rezavam à Mãe de Deus pelos senhores; no momento em que a osculavam, os anjos depositavam — em espírito — um respeitoso beijo nos pés da Santíssima Virgem, no Céu.

Portanto, um magnífico ato acaba de se passar aqui, e coloca um primeiro termo às batalhas que travastes.

Alguém dirá: “Dr. Plinio, são pequenas lutas de menino, de adolescente…”

Respondo: “Vai a alma inteira nisso. Passei por essas fases da vida, e sei o que custou.”

As batalhas se tornarão maiores

Meus caros, eu vos felicito! Mas, essas contendas se referem ao passado e ao presente. Quanto ao futuro, não vos iludais; ao invés de diminuírem, elas aumentarão. E é próprio ao homem, à medida que cresça, desejar lutas cada vez maiores. Devemos procurar subir aos píncaros da seriedade, galgar as culminâncias do esforço, fiéis à Lei de Deus e, mesmo quando tivermos a impressão de que tudo nos convida para o mal, dizer: “Salve Rainha, Mãe de misericórdia…”

Sejamos realistas: cada um possui todos os meios para não pecar, mas ninguém pode garantir que não cairá. Precisamos nos preparar. Se acontecer a desgraça, a catástrofe de cometermos um pecado mortal, devemos confiar, não desesperar, mas imediatamente nos dirigir até os pés de uma imagem de Nossa Senhora ou segurar o Rosário e dizer: “Salve Rainha, Mãe de misericórdia”, “lembrai-vos, ó piíssima Virgem Maria, que nunca se ouviu dizer — nunca se ouviu dizer! — que alguém tivesse recorrido à vossa proteção e fosse por Vós desamparado… Gemendo sob o peso dos meus pecados, me prostro a vossos pés…”

É a prece não apenas do homem inocente, mas também do que cometeu pecados e se lamenta sob o peso deles, podendo mesmo acrescentar: “Se nunca se ouviu dizer, não seja eu o único infeliz em que se desminta vossa clemência. Mil vezes não! Ó minha Mãe, reerguei-me, dai-me ânimo para ir me confessar e continuar sempre e sempre essa luta que me levará ao Céu!”

Confiança e determinação contra o pecado

Peçamos aos anjos, aos santos, aos nossos padroeiros, que nos obtenham uma pureza, a qual nunca conheça manchas, bem como a confiança por onde, se por desgraça uma nódoa tisnar nossa alma, nos voltemos mais uma vez a Nossa Senhora, dizendo: “Minha Mãe, vossa misericórdia é maior do que minha miséria, tende pena de mim”, e retomemos a carga contra o pecado. É o que vos desejo de modo muito especial.

Importa nos lembrarmos de que os demônios no inferno provavelmente se enchem de ódio ao considerar esse ato, essas palavras e a recepção calorosa com a qual são acolhidas de vossa parte. Vós sois presas que os anjos arrancaram das garras satânicas, e os adversários de vossa alma não deixarão de arquitetar planos para vos perder.

Porém, a Virgem Maria, sob a invocação de Nossa Senhora das Graças, calca aos pés a cabeça da serpente, esmaga e sempre esmagará o demônio. Assim, sob a proteção d’Ela, imitando-A, deveis levar vossa vida subjugando o mal dentro de vós, rejeitando as tentações, e também fora de vós, combatendo a Revolução, empenhando-se na vitória da Contra-Revolução e trabalhando pelo advento do Reino de Maria.

Convocados para uma grande batalha

Somente conseguiremos isso se formos autênticos devotos de Nossa Senhora. Conforme explica São Luís Grignion, precisamos fazer todas as vontades d’Ela, as quais conheceremos cumprindo antes de tudo os Mandamentos da Lei de Deus e da Igreja, observando-os durante a vida inteira por amor a Nossa Senhora, a quem nos consagramos, e porque Ela assim o deseja.

A Virgem Santíssima nos alcançou o dom da vocação, chamou-nos para sermos escravos d’Ela, e nos concederá graças especiais para perseverarmos. Assim, obteremos forças para vencer grandes batalhas.

Na vida de um homem há situações em que ele tem a impressão de ser um navio abandonado no meio da tempestade, jogado de um lado para outro pelos ventos das tentações, dos problemas, e parece que o navio afundará.

Mas, a nau tem um capitão: o próprio homem. Se ele rezar, tomar todas as precauções, não desistir mesmo quando julgar que o mar inteiro está entrando na embarcação, aos poucos a tormenta vai amainando.

Quando a Providência Divina permite que passemos por tais provações, Ela está nos concedendo uma honra. Assim, cada um de vós, nas ocasiões difíceis, não se ache abandonado. Pense o contrário: “Estou convocado para uma grande batalha! É uma honra! Minha Mãe e de Jesus Cristo meu Senhor, tende misericórdia de mim e ajudai-me! Vou pôr mãos à obra, e ensinar a esta tempestade como são as coisas!”

Como escravos da Virgem, estais começando hoje nova fase de vossa grande batalha. Pedi a Nossa Senhora, antes de tudo, uma intensa Fé Católica Apostólica Romana; que Ela vos dê a convicção e a rejeição do mal que há no pecado, bem como a admiração pelo bem existente na virtude, sobretudo na mais árdua de se manter quando jovem, a virtude da pureza. Implorai-Lhe firmeza na prática da castidade, e coragem para enfrentar o paganismo do mundo moderno.

Dessa forma, tereis a glória de participar do desfile dos vencedores, quando for implantado o Reino de Maria, prometido pela Virgem Santíssima em Fátima, ao anunciar o triunfo final do seu Imaculado Coração sobre a face da Terra.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Carinho purificador

Não raras vezes, quando nos aproximamos de uma imagem da Santíssima Virgem, temos a impressão de se abrir para nós uma janela no céu da misericórdia d’Ela, através da qual nos inundam os fulgores maternos da compaixão, da bondade, da disposição de perdoar mais uma vez, e outra, e outra.

Algo indefinido e sublime, de um carinho purificador de todas as nossas fraquezas, como se Nossa Senhora nos tocasse, não com seus dedos virginais, mas com seu olhar imaculado: Ela nos viu, nos fitou, e só de sentirmos os seus olhos pousando sobre nós, qualquer coisa muda em nossa alma, para melhor…

Porque foi santo…

A vida de São Roberto Belarmino é uma obra-prima de serenidade abacial, dentro do auge da luta. Cardeal ocupadíssimo, entretanto ele sabia de tal maneira administrar bem o uso de seu tempo, que encontrava momentos de calma e de lazer para pensar e escrever obras tão profundas, a ponto de ser proclamado Doutor da Igreja.

Portanto, horas e horas de serenidade, de meditação e de estudo, enquanto rugia a batalha contra o protestantismo.

Pensador, polemista, homem de ação, diretor espiritual exímio, ele foi uma fortaleza que combateu pela Santa Igreja Católica em todas as direções. Mas por que ele foi tudo isso? Porque foi santo.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 12/5/1966 e 12/5/1967)