Santa Catarina de Alexandria, virgem heroica e grandiosa

Enfrentou a morte com grande Fé e serenidade. Após seu martírio, os Anjos levaram o seu virginal corpo para o Monte Sinai, a montanha mais augusta que há na Terra, depois do Gólgota.

No dia 25 de novembro, comemoramos a festa de Santa Catarina de Alexandria, virgem e mártir. Sobre sua morte, o Abbé Darras, em sua obra Vida dos Santos, traz a seguinte narração:

”Lavai minha alma no sangue que vou derramar”

Maximiliano, Imperador, ordenou a morte de Santa Catarina. Foi ela conduzida ao lugar do suplício em meio a uma multidão, sobretudo de mulheres de alta condição, que choravam a sua sorte. A virgem caminhava com grande calma. Antes de morrer, fez a seguinte oração:

“Senhor Jesus Cristo, meu Deus, eu Vos agradeço terdes firmado meus pés sobre o rochedo da Fé, e terdes dirigido meus passos na via da salvação. Abri agora vossos braços feridos sobre a Cruz, para receber minha alma que eu sacrifico à glória de vosso Nome.

“Lembrai-Vos, Senhor, que somos feitos de carne e sangue. Perdoai-me as faltas que cometi por ignorância, e lavai minha alma no sangue que vou derramar por Vós.

“Não deixeis meu corpo, martirizado por vosso amor, em poder dos que me odeiam.

“Baixai vosso olhar sobre este povo e dai-lhe o conhecimento da verdade.

“Enfim, Senhor, exaltai, em vossa infinita misericórdia, aqueles que Vos invocarão por meu intermédio, para que vosso Nome seja para sempre bendito.”

Em seguida, mandou que os soldados cumprissem as ordens, e sua cabeça foi decepada de um só golpe.

Era o dia 25 de novembro. Numerosos milagres logo foram constatados. Os Anjos, como ela o desejara, transportaram seu corpo para a santa montanha do Sinai, a fim de que repousasse onde Deus escrevera sobre a pedra sua Lei, que ela guardara tão fielmente escrita em seu coração.

Contrastes da graça: lágrimas das companheiras e serenidade da mártir

Este é um trecho de tal elevação, que até lamentamos ter de comentá-lo. Ficar-se-ia mais satisfeito deixando o texto assim, brilhando ao céu, no horizonte, suspenso e emitindo luzes. Mas já que é preciso comentar, vamos aos pormenores.

Foi ela conduzida ao lugar do suplício em meio a uma multidão, sobretudo de mulheres de alta condição, que choravam a sua sorte.

Chama a atenção o fato de se tratar, principalmente, de senhoras de alta condição as que constituem o séquito da Santa mártir. Quantas possibilidades de salvação tem ainda um país onde as senhoras de alta condição acompanham ao lugar do suplício, solidarizando-se e chorando junto a ela, uma mártir fulminada pela cólera do Imperador! Um monarca onipotente, o qual pode mandar matar todos aqueles que se desagradarem de alguma atitude dele. Entretanto, todas essas damas seguem Santa Catarina, e vão chorando.

Vejam a diversidade dos dons do Espírito Santo e dos efeitos da graça: é bom e belo elas irem chorando. Contudo, esse dom das lágrimas manifestado nas mulheres nesse momento contrasta, pela sublimidade, com o fato de Santa Catarina não chorar. Ela permanecia quieta e com uma grande calma, caminhando de encontro à morte, inundada de graças do Espírito Santo, de outra natureza, por onde a mártir não derramava por si as lágrimas que a graça queria que as outras vertessem por ela.

Como deveria ser impressionante este cortejo de damas andando entre os soldados, e ela no meio, a única calma, a aconselhar todas a manterem a tranquilidade, consolando-as até chegar o momento em que ela deveria morrer.

Palavras que se projetam como raios de luz

Então, no fim da vida, ela emite uma oração com uma forma especial de beleza: um conjunto de afirmações e pedidos que se projetam como raios de luz, e brilham no horizonte com um encanto próprio.

Senhor Jesus Cristo, meu Deus…

Com isso Catarina afirmava ser Jesus Cristo seu Deus, e que ela não reconhecia outra divindade senão Ele. Em seguida, o primeiro pensamento, a primeira palavra, a primeira graça mencionada por ela, no momento de morrer, qual é?

…eu Vos agradeço terdes firmado meus pés sobre o rochedo da Fé, e terdes dirigido meus passos na via da salvação.

Como quem diz: “Eu Vos agradeço por ter pertencido a Vós, que sois a fonte da minha salvação, o ponto de partida de todo o bem que possa haver em mim. Eu sou boa porque Vós sois bom e me destes a bondade. Eu Vos agradeço a Fé que me doastes e a firmeza que me concedestes nessa Fé. Eu Vos agradeço o amor à virtude que me destes e a firmeza que Vós me outorgastes no amor a essa virtude. É esse o primeiro benefício que Vos agradeço, reconhecendo que tudo quanto em mim há devo à vossa iniciativa.”

Sacratíssima e augustíssima familiaridade com o Divino Redentor

Abri agora vossos braços feridos sobre a Cruz, para receber minha alma que eu sacrifico à glória de vosso Nome.

Pode haver uma imagem mais bonita do que essa? O Divino Crucificado que desprende da Cruz seus braços sangrando para acolher a alma dessa Santa, que sai também inundada do sangue do martírio, para ser recebida por Ele.

Que maravilhosa intimidade nesse encontro do Mártir dos mártires com uma mártir heroica e grandiosa! Que bela ideia a do sangue dela misturando-se ao Sangue infinitamente precioso de Nosso Senhor Jesus Cristo! Que elevada e profunda noção do Corpo Místico de Cristo há nisso! Que sacratíssima e augustíssima familiaridade com o Divino Redentor!

Santa Catarina possuía de tal maneira a convicção de estar sua alma unida à d’Ele, e de que a morte selava essa união, que Lhe pedia a abraçasse tão logo ela entrasse na eternidade. Tal era sua certeza de ir para o Céu!

Depois acrescentava:
Lembrai-vos, Senhor, que somos feitos de carne e sangue. Perdoai-me as faltas que cometi por ignorância, e lavai minha alma no sangue que vou derramar por Vós.

Ela temia ter cometido, por ignorância, algum pecado. Era isso o que essa alma tinha para acusar contra si própria. Então suplica a Nosso Senhor o perdão das faltas, como se dissesse: “Antes de derramar o meu sangue por Vós e de ir para o Céu, quero que Vós laveis a minha alma no vosso Sangue”.

Não deixeis meu corpo, martirizado por vosso amor, em poder dos que me odeiam.

Monjas contemplativas, no alto do Sinai, velam seu corpo

Tendo pensado em sua alma, suplicando que esta fosse lavada das faltas e recebida por Nosso Senhor, Santa Catarina cogita, então, no corpo dela, e pede que ele não seja deixado em mãos de seus inimigos, daqueles que a odeiam porque têm ódio a Ele.

Vejam o respeito que devemos ter pela santidade do próprio corpo, o qual constitui um todo com nossa alma na prática da virtude.

Também, que atendimento magnífico dessa oração! Foi só ela morrer, os Anjos vieram e levaram o seu corpo para a montanha mais augusta que há na Terra, depois do Gólgota, do Monte Calvário: o Sinai, onde a Lei de Deus nos foi dada.

Até hoje os restos mortais desta virgem mártir encontram-se no Monte Sinai, onde há um mosteiro de monjas contemplativas que guardam esse corpo e meditam sobre a Lei de Deus, ali concedida aos homens.

Baixai vosso olhar sobre este povo e dai-lhe o conhecimento da verdade.

Ela já não pensa em si, mas nos circunstantes.

Enfim, Senhor, exaltai, em vossa infinita misericórdia, aqueles que Vos invocarão por meu intermédio, para que vosso Nome seja para sempre bendito.

Portanto, ela intercede desde já junto a Deus para atender todo mundo que por meio dela venha pedir alguma graça.

Pedir a graça da serenidade diante dos riscos

Em seguida, mandou que os soldados cumprissem as ordens, e sua cabeça foi decepada de um só golpe.

A calma e a resolução. Feita a oração, nenhum tremor, nenhum desejo de contemporizar um pouco. Também nenhuma precipitação de quem tem medo de enfrentar a morte, correndo em direção a ela. Não! Ela diz tudo quanto tem a dizer e, terminado isso, entrega-se às mãos de Deus. Os soldados a matam e a oração dela é atendida.

Qual o efeito, de caráter espiritual, que a consideração dessa grande Santa mártir nos leva a desejar?

Devemos pedir a ela que, quando surgirem circunstâncias nas quais tivermos de enfrentar riscos, ou talvez até perder a vida, na luta contra os adversários da Santa Igreja, tenhamos aquela serenidade que só a graça dá perante a morte.

A morte, essa dissolução da unidade entre a alma e o corpo, é uma coisa tão tremenda, que só se compreende a serenidade diante dela quando o homem está dominado pela graça divina. Vamos pedir, então, que em todas as ocasiões da vida nós tenhamos, diante dos riscos, essa calma levada até o sacrifício extremo, caso seja esta a vontade de Nossa Senhora.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 24/11/1965)

 

“Tu o dizes, Eu sou Rei”

Presente em todos os sacrários da Terra, Nosso Senhor Jesus Cristo exerce uma realeza efetiva sobre toda a História, por meio da Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

Nosso Senhor Jesus Cristo foi ora aclamado, ora ridicularizado como Rei, coroado de espinhos e, por fim, no alto da Cruz onde Ele foi imolado colocaram a inscrição: “Jesus Nazareno, Rei dos Judeus”. O que havia de autêntico na realeza d’Ele, e qual a relação de sua Paixão com essa realeza?

Realeza incompreensível para os ímpios

Interrogado durante a Paixão, por Pôncio Pilatos, sobre se Ele era rei, Nosso Senhor Jesus Cristo respondeu: “Tu o dizes, Eu sou Rei”.

Entretanto, pouco antes Ele afirmara que seu Reino não é deste mundo. Declaração incompreensível para aqueles bandidos que O atacavam. Do que adianta ser rei para não o ser deste mundo? Há fora deste mundo um reino no qual se possa reinar? Ora, um rei sem reino, é um ex-rei. Donde é, pois, esse reino?

Para debicar de sua realeza, aqueles algozes Lhe puseram uma coroa de espinhos, uma túnica escarlate e uma vara de bobo na mão, à guisa de cetro; e O esbofeteavam, dizendo: “Ave, Rei dos judeus!”

Uma nação ímpia, um governador romano ímpio também, insensíveis ou refratários à verdadeira realeza d’Ele que se irradiava como a luz do Sol, resolveram atender às vontades da plebe e do Sinédrio que queriam matá-Lo por torpes ambições, quiçá, por ódio à santidade d’Ele. E para provar que Ele não tinha poder, nem sabedoria, nem divindade, nem realeza, colocaram-Lhe uma coroa de espinhos sobre a cabeça.

Misto de humilhações e vitórias

O seu Corpo verte Sangue abundantemente, e Ele Se torna purpúreo como se estivesse revestido de um manto imperial, cujo valor é infinito. Abandonado pelos Apóstolos, rejeitado pelo povo eleito, sentado sobre um banquinho ou uma pedra qualquer e levando bofetadas, mantém Ele a mansidão de um Cordeiro com a altaneria de um Leão e a dignidade de um Rei em seu trono, num misto de dor lancinante e de triunfo, que O acompanharão até o Calvário.

Do alto da Cruz, pouco antes de morrer, como um Rei que premia um herói, Ele reabilita um ladrão e canoniza-o, dizendo: “Hoje, tu estarás comigo no Paraíso!”

Assim é a vida do católico, a vida da Igreja: cheia de humilhações e de vitórias. Humilhações tão profundas que se diria nunca mais poder reerguer-se delas; vitórias tão grandes que julgaríamos irreversíveis.

Entretanto, como uma nau que navega levada pelas ondas a alturas e profundidades vertiginosas, assim a barca de São Pedro vai percorrendo a História: com todas as honras, mas também com todas as dores e humilhações de Cristo coroado.

Três espinhos dessa coroa sagrada foram parar em mãos de São Luís IX, Rei de França, que para abrigá-los devidamente mandou construir um dos mais belos monumentos da arte medieval e, portanto, de toda a História: a Sainte-Chapelle, verdadeira caixa de cristal com nervuras de granito, onde se celebra o Santo Sacrifício.

Um Reino que não é deste mundo

Sim, Nosso Senhor Jesus Cristo é verdadeiramente Rei, antes de tudo por ser Ele Quem é: o Verbo de Deus encarnado. Deus é Rei, porque é Deus! Logo, Jesus Cristo é plenamente Rei por sua divindade. Se houve, portanto, alguém digno deste título na Terra, este foi, continua a ser e será Ele, até o fim do mundo.

Assim, quando Lhe perguntaram se era Rei, Ele tinha toda a razão em responder: “Verdadeiramente, tu o dizes, Eu sou Rei!”

Ele fizera inúmeros milagres, convertera os homens, viera para, por sua Paixão e Morte, resgatar do pecado o gênero humano. Não Lhe faltavam, pois, títulos para a realeza.

Os milagres, a santidade e a profundidade incomparável de sua doutrina, o testemunho da Sagrada Escritura, tudo levava a reconhecê-Lo como o Messias.

O Antigo Testamento falava que o Messias, descendente de Davi, seria o Rei de Israel cujo Reino eterno se estenderia sobre o universo inteiro.

Os judeus esperavam, portanto, a vinda de um príncipe da Casa de Davi, um conquistador, um político e um militar extraordinário que brilhasse como um potentado terreno e pusesse longe os romanos conquistadores, tomando conta de Jerusalém para estabelecer um reinado de glória, perto do qual o de Salomão não teria sido senão um tímido prefácio.

Ora, Jesus veio e não conquistou nada, reconheceu a autoridade de César, e disse não pertencer a este mundo o seu Reino.

Reinando de dentro de todos os sacrários da Terra

Contudo, sendo Homem-Deus, não só conhecia, mas dispunha do futuro. O domínio de todos os acontecimentos da História Lhe pertence. Ele sabia que o seu Reino chamar-se-ia Igreja Católica Apostólica Romana.

Não é um reino deste mundo, constituído para ter exércitos e fazer política. É o reino estabelecido para difundir o nome e a mensagem d’Ele a todos os homens, e para que a Lei d’Ele viesse a vigorar, um dia, em todo o orbe.

Grande mistério: Ele reinaria de dentro de todos os sacrários da Terra! Quem poderia compreender uma coisa dessas? Mas Ele tinha razão: “Tu o dizes, Eu sou Rei!”

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 28/4/1984)

Cristo Rei

Nosso Senhor Jesus Cristo reunia em si, de modo admirável, a suma majestade e a suma humildade. Algo dessa maravilhosa junção nos é transmitido pela linda imagem do “Beau Dieu d’Amiens”, ereta no pórtico da célebre catedral francesa dessa cidade.

Ali está um Rei digníssimo, um Doutor nobilíssimo, ao mesmo tempo tão sereno, tão manso, tão completamente senhor de si, que seria capaz de receber a pior injúria e se conservar quieto, plácido, sem manifestar nenhuma reação de amor próprio, sabendo-se embora superior a tudo e a todos, Soberano do Céu e da Terra.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Céu de virtudes

Alma de uma imensidade inefável, alma na qual todas as formas de virtude e de beleza existem com uma perfeição supereminente, da qual nenhum de nós pode ter uma ideia exata, Nossa Senhora é bem aquele mar, aquele céu de virtudes diante do qual o homem deve ficar estarrecido e enlevado, e que, com todas as suas forças, deve procurar amar e imitar.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Esplendor da ordem do Universo

Admirador entusiasmado de toda a hierarquia estabelecida por Deus na criação, Dr. Plinio, através de comentários sobre a nobre e santa família dos reis húngaros, nos mostrará a beleza da ordem universal fundada sobre as desigualdades.

 

Celebrada pela Igreja em 17 de novembro, Santa Isabel, Rainha da Hungria e Duquesa da Turíngia, pertenceu a uma família que se distinguiu por seus vários membros elevados à honra dos altares. Essa maravilhosa estirpe de santos inspirou a Dom Guéranger o seguinte comentário:

Se bem que todos os eleitos brilhem no Céu de um fulgor próprio, Deus se compraz em agrupar cada um deles em famílias, assim como faz com os astros no firmamento.

E para conferir maior esplendor à santidade, às vezes o Senhor outorga um patrimônio augusto de virtudes que se transmite de geração em geração, nos elementos de uma mesma descendência na Terra. Entre essas raças benditas está a antiga linhagem real da Hungria, a qual ocupa um papel de singular grandeza na constelação dos santos. E o jogo das alianças lhe permitiu levar a  todas as casas coroadas da velha Europa, o prestígio de uma perfeição espiritual adquirida por numerosos de seus filhos.

O mais ilustre e também o mais amável desses rebentos é Santa Isabel. Depois de Santo Estêvão, Santo Emmerick e São Ladislau, surge ela como filha de Gertrudes da Turíngia, tendo por tia Santa Hedwiges da Silésia, e por primos e sobrinhos-netos, entre outros, Santa Inês da Boêmia, Santa Margarida da Hungria, Santa Cunegundes da Polônia e Santa Isabel de Portugal, constituindo uma encantadora harmonia da natureza e da graça.

A ordem hierárquica, maravilha na Terra e no Céu

Alguns pensamentos contidos nesse interessante comentário merecem uma análise mais profunda.

Antes de tudo, a noção de que Deus agrupa as almas no Céu, de maneira a formarem famílias, não tanto pelos laços de consanguinidade adquiridos na Terra, mas pela afinidade espiritual existente entre elas.

Isto obedece a uma das regras da estética do universo. Se Deus, tendo criado um incontável número de almas, as levasse para o Céu e lá não compusessem grupos, elas se assemelhariam a uma espécie de poeira espalhada pelas vastidões do Paraíso. Ora, tal não apresentaria a beleza da ordem, que vem a ser o aspecto mais eminentemente nobre e pulcro de todas as coisas.

Explico. Se tomarmos alguns objetos lindos e distintos, considerados em si mesmos,  de sua justaposição harmônica nasce uma forma de beleza e de nobreza maior que essas qualidades residentes em cada um deles.

Por exemplo, o colar de pérolas vale mais do que a soma dos preços de cada uma delas isoladas. Porque aquelas pedras, dispostas pelo seu tamanho de modo a constituir um conjunto, possuem maior valor do que se vendidas separadamente.

O mesmo se verifica com os santos. Assim como Deus criou sistemas de planetas e satélites no mundo sideral, várias espécies de animais, raças de homens e coros de Anjos, haveria Ele de querer que no Céu todas as criaturas ficassem agrupadas hierarquicamente, segundo as ­suas excelências de caráter espiritual. Nisto se acha a beleza do universo.

Por essas considerações, podemos perceber como seria contrária aos planos divinos para a criação, uma ordem de coisas em que todos fossem iguais e onde, portanto, essas contexturas íntimas desaparecessem.

Aqueles para os quais igualdade e santidade são condições idênticas, na realidade não entendem nada a respeito desta última, e nutrem um ideal de perfeição oposto ao da heroicidade de virtudes. Pois o autêntico anelo de excelência espiritual supõe o amor à hierarquia, expressa na constituição de grupos cujos componentes estão dispostos conforme  a categoria de cada um. Por isso mesmo, a ordenação hierárquica é um dos maiores esplendores do Céu.

Famílias glorificadas pela santidade

Acrescenta muito bem Dom Guéranger:

Esse agrupamento se realiza pelas luzes primordiais e afinidades de alma. Mas, às  vezes,  Deus também tem o desejo de glorificar determinadas famílias, fazendo com que nelas apareçam muitos santos.

Sem dúvida, a mais ilustre de todas essas famílias é a Casa Real de David, no seio da qual surgiram personagens monstruosos, mas também santos insignes que prefiguraram o Redentor. Dela nasceram Nossa Senhora, São José e Nosso Senhor Jesus Cristo, verdadeiro Filho da Santíssima Virgem. Além disso, à régia linhagem de David pertenceram mais de um Apóstolo, escolhidos por Jesus entre seus parentes.

Não se pode, portanto, imaginar uma família mais honrada com esta espécie de disseminação da santidade, do que a Casa do Rei-Profeta.

A exemplo desta, o mesmo se dará em várias estirpes nobres da Europa, como aquela de Santa Isabel da Hungria, singularmente abençoada por sua riqueza espiritual.

Cabe aqui uma consideração interessante. Muitas vezes, quando se estuda mais de perto a existência dessas famílias, nota-se nelas uma obra progressiva da santidade. Deus concede uma graça especial a determinada geração, aprimorada na seguinte, e assim por diante, de geração em geração, até alcançar um requinte de virtude, o qual se propaga por uma série de santos.

Tal se verifica porque Deus quer honrar a continuidade familiar. Ele a deseja tanto que, punindo com severidade o pecado original, se dispõe também a conceder as recompensas de acordo com essa continuidade. E não há prêmio maior do que a presença da virtude, ou seja, a eclosão de diversos santos dentro de uma mesma linhagem.

Estas são as famílias abençoadas, as famílias da destra de Deus, constituídas para, através das gerações, produzirem grandes obras.

Concluo esses breves comentários com uma recomendação. Para crescermos no amor a Deus, no enlevo pela infinita perfeição divina que estabeleceu a ordem do universo, devemos pedir a Nossa Senhora, ao glorioso Patriarca São José e a todos esses santos, que inculquem em nosso espírito essa noção da hierarquia, e a compreensão de como seria falsa e má uma ordenação de coisas, mesmo no Paraíso celeste, onde todos fossem iguais e como que esfarelados.

 

Belezas filhas da santidade

Entre todas as civilizações que se formaram ao longo da História, nenhuma produziu riquezas e maravilhas superiores às da Civilização Cristã, nascida do influxo direto da santidade da Igreja Católica, Apostólica, Romana. Considerada nos seus vários séculos de existência, a Europa nos aparece grande não apenas pelas obras primas que engendrou, mas, sobretudo,  pelos grandes homens e grandes povos que teve, dotados de virtudes, peculiaridades, graus de cultura e de bem-estar incomparáveis, dos quais brotaram tudo quanto houve — e ainda há — de mais belo e digno de admiração no Velho Continente.

Daquele conjunto de indivíduos e nações, movido por um consenso bafejado pela Igreja, surgiram, por exemplo, as célebres corporações medievais, assim como as mais renomadas universidades  ou os mais lindos tesouros de arquitetura urbana, jóias que cintilam com as luzes de uma Paris, uma Viena, uma Veneza… Goethe, o insigne literato alemão, registra em suas Memórias a visita que fez à esplendorosa “Rainha do Adriático”, onde, diz ele, “até nas mais humildes choupanas encontram-se traços de elaborada arquitetura”. Quer dizer, sobre o que outrora eram pântanos, os nobres edificaram palácios, e os homens do povo construíram casinholas nas quais, de repente, a forma de uma porta ou de uma janela, o colorido de um vitral ou de uma lanterna refletem o mesmo senso artístico que admiramos nos primeiros.

Como esses, quantos outros cenários, instituições e estabelecimentos fizeram da Europa algo sem precedentes na História! Uma Europa que se tornou maravilhosa em tudo, desde a receita do pão  preto popular até o mais fino vinho de Champagne, do Reno, de Cades ou do Porto que se possa querer. Portanto, uma civilização que sempre procurou píncaros, ideais, pulcritudes, inclusive nas  menores coisas. E que — ciente de ser a terra um vale de lágrimas, um lugar de degredo, com seus inevitáveis prosa “ísmos” — soube criar um modo de atenuá-los e de torná-los pitorescos.

Creio não me enganar se dissesse que, talvez sem o perceber muito, as pessoas não vão à Europa somente atrás dos grandes monumentos ou dos melhores hotéis. Vão, também, por causa dessa legenda dourada, variada e pitoresca que cada povo europeu cultivou à sua maneira.

Todas essas maravilhas, reiteramos, nasceram das graças da Igreja Católica, e de uma noção muito ampla do amor a Deus, fonte de toda beleza, inundado na glória de sua essência eterna, imutável, perfeita, absoluta. Nasceram de um modo de ver a santidade com uma plenitude e com uma extensão de conseqüências concretas, quase inimaginável. Entendendo que a prática dos Mandamentos, sobretudo do primeiro, leva o homem a querer implantar no mundo o “verum, bonum, pulchrum” — o verdadeiro, o bom e o belo — em todas as matérias e em todos os campos, para que tudo fique semelhante a Deus, para que a terra se pareça com o Céu.

Daí as ordens religiosas, constituídas para praticar a perfeição espiritual e o completo desapego aos bens materiais, estarem na origem de alguns dos vinhos e licores mais preciosos que o homem já concebeu, além de queijos, chás, cervejas e outros produtos de primeira categoria. Coisas de que eles, monges feitos para a renúncia a tudo, não desfrutam, mas fabricam por amor a Deus, sabendo que Lhe dão uma glória especial contribuindo para o ornato desses aspectos cotidianos da vida.

Por outro lado, essa mesma santidade, esse mesmo impulso para o sublime inspirou os castelos fabulosos, as residências principescas e régias, assim como as imponentes catedrais góticas que  proclamam, com sua altivez e esplendor, a triunfante beleza de Cristo ressurrecto.

Pequenas e grandes obras-primas de almas cheias de entusiasmo, de amor a Deus, de anseio por levar as coisas à máxima expressão de “verum, bonum e pulchrum” de que são capazes. Em torno delas floresceu a maior das civilizações. Desabrocharam as magnificências da Europa cristã.

Plinio Corrêa de Oliveira – Revista Dr Plinio 56 (Novembro de 2002)

O SANTO ROSÁRIO: inapreciável tesouro de graças

Como uma doce melodia que, superando a agressiva cacofonia hodierna, chama todos a se voltarem com confiança para a Mãe de Deus, assim ressoou nos corações católicos a Carta Apostólica “O  Rosário da Virgem Maria”, na qual o Papa João Paulo II proclama o “Ano do Rosário”  e acrescenta-lhe os “Mistérios Luminosos”. Desejosos de fazer eco à voz do Sumo Pontífice, oferecemos a nossos  leitores alguns comentários de Dr. Plinio sobre essa devoção.

 

Sempre me foi motivo de sumo agrado tratar das excelências do santo Rosário, na medida em que para isso auxiliem minha adesão a essa insigne prática, além das recordações que conservo dos fatos históricos que a concernem. Nelas me apoio, portanto, para traçar aqui mais algumas considerações sobre essa devoção de inestimável valor para a piedade católica.

A revelação a São Domingos

Como se sabe, o Rosário foi revelado por Nossa Senhora a São Domingos de Gusmão, o grande fundador da Ordem Dominicana, numa época em que a Cristandade se via ameaçada pelo alastramento da heresia albigense por quase toda a Europa. Para detê-la, Deus suscitou aquele santo varão, que se empenhou de modo ardorosíssimo na conversão dos hereges, cujo foco de proselitismo se assentava na cidade de Albi, no sul da França.

Depois de muitos e baldados esforços, São Domingos se recolheu e passou três dias jejuando e rezando continuamente, a fim de obter do Céu o socorro de que tanto necessitava. Porém, como último resultado de preces tão fervorosas, não obteve senão o minguamento de suas forças. Ele, vigoroso, pugnaz e piedoso, acabou desfalecido.

E é tocante imaginá-lo nessa hora de esmorecimento, em que ele se volta a Nossa Senhora, e Lhe dirige uma derradeira súplica: “Minha Mãe, não tenho mais forças, mas em Vós eu confio. E continuo a rezar, a rezar e a rezar, enquanto meus lábios puderem articular alguma palavra. Vós sabereis o que fazer de minhas pobres orações”.

Depois de uma tão longa espera, diante de uma impetração tão meritória, o Céu afinal se manifestou. A Santíssima Virgem aparece e revela a São Domingos a devoção do Rosário, a suprema arma com a qual ele venceria a heresia. Mais ainda, entrega-lhe a prática piedosa que prolongaria por séculos a duração da Civilização Cristã, além e incutir alento a uma das maiores ordens religiosas da Igreja, em cujo seio floresceria São Tomás de Aquino e tantos outros heróis da Fé.

Torrentes de graças sobre a Igreja

E como se não bastassem esses benefícios, a recitação do Rosário se dilatou de tal maneira que, durante muito tempo, identificou-se com a piedade católica: uma e outra eram a mesma coisa. Fosse nos atos cotidianos da vida espiritual, fosse nas festas e celebrações de maior significado,  o Rosário — ou o terço — sempre esteve presente como expressão do fervor das almas devotas. São Domingos recebeu da Rainha do Céu este mesmo Rosário cuja forma hoje conhecemos: começando pelo Crucifixo, que devemos oscular pedindo à Mãe de Deus que seja nossa intermediária e apresente a seu Filho nossas orações; em seguida, um Padre-Nosso, três Ave-Maria, um Glória, e depois as cinco dezenas em que meditamos nos principais Mistérios da vida de Jesus e de Maria Santíssima — Gozosos, Dolorosos e Gloriosos.

É simplesmente incalculável a torrente de graças que se efundiu sobre a Igreja Católica com a prática de recitar assim o Rosário, de onde o número também imenso de papas e autoridades  eclesiásticas elogiando essa devoção. Louvores estes coroados pelas diversas aparições de Nossa Senhora, nas quais Ela se apresenta com o Rosário em suas mãos virginais, especialmente nas visões de Fátima, em Portugal, quando recomendou aos homens, com tocante insistência, a recitação diária do terço. Além disso, a Igreja enriqueceu o Rosário com muitos privilégios e indulgências, inclusive plenárias, de maneira a fazer dele um verdadeiro tesouros de bênçãos inapreciáveis.

A beleza material e simbólica do Rosário

Entretanto, a meu ver a beleza do Rosário não se restringe apenas a essas excelências de ordem espiritual que ele proporciona às almas. A sua maravilhosa eficácia impetratória, o quanto ele é  agradável a Deus e a Nossa Senhora, externam-se também na forma material do terço, cercada de imponderáveis que nos fazem sentir a pulcritude dessa devoção, e com algo de bonito e de  indizível que me parece superiormente adequado e insubstituível.

Recordo-me de quando eu era ainda aluno no Colégio São Luís, no início da década de 20, e percebi que começavam a difundir um tipo novo de terço, “mais discreto”, como pretendiam seus idealizadores. Tratava-se de um objeto parecido com certas máquinas calculadoras de então, com duas fileiras de contas superpostas, umas maiores em que se rezavam as Ave-Maria e Padre-Nosso, e outras menores que marcavam os Mistérios meditados.

Era um objeto pequeno, para tomar o mínimo de espaço no bolso e se fazer ver o menos possível pelos outros.  Tinha tudo a seu favor: prático, barato, portátil e “escondível” (o que representava uma grande vantagem para os católicos com respeito humano). Não vingou…Nada podia substituir o velho Rosário, o maravilhoso Rosário de sempre, nas suas mais variadas modalidades!

Rosários pequenos, rosários graciosos, elegantes, delicados, para crianças de trato. Rosários modestos, rosários de operários, de trabalhadores manuais, pesadões e rústicos como é tantas vezes o trabalho manual, mas rosários fortes, dedilhados por mãos fortes que vão por cima daquelas contas. Rosário sério, rosário varonil, de guerreiro. Rosários de princesas, de rainhas, lavorados como verdadeiras jóias, assim como os rosários preciosos que pendem das mãos das imagens de Nossa Senhora.

Quantas formas de Rosário! Algumas falam de graça, de charme, fazem-nos ver algo da suavidade e da bondade régias de Maria. Outras nos fazem vê-La como protetora das crianças; outras, enquanto auxiliadora do homem pobre e trabalhador como foi o principesco esposo d’Ela, São José, descendente de David e carpinteiro. Outras, ainda, nos falam da piedade do varão guerreiro, do  batalhador pelos ideais católicos, como foi o próprio São Domingos, enfrentando e vencendo com o Rosário a heresia albigense.

Aliás, esse atributo do Rosário como verdadeira arma do católico toda a vida me atraiu de maneira muito particular, razão pela qual sempre me pareceu que o terço ao lado de uma espada formava um conjunto de extrema beleza.

Estando uma vez em Buenos Aires, fui convidado à casa de um senhor que possuía uma das mais lindas coleções particulares de armas que tenho visto. Dispostas primorosamente em vitrines e  estantes, eram de todos os tipos, sobretudo diversas formas de espadas e gládios. Ao contemplá-las me ocorreu  este pensamento: “Se eu tivesse liberdade com este homem, recomendar-lhe-ia que  constituísse uma coleção de rosários tão rica quanto esta de espadas. E que a cada dia, no centro desta sala, sobre uma bonita mesa coberta de um forro prestigioso, ele renovasse a espada e o rosário em honra de uma imagem de Nossa Senhora que presidiria a coleção inteira”. Creio que o seu museu particular tomaria outra vida e outra riqueza, de tal modo o rosário e a espada se  conjugam bem.

Nunca nos separemos do Rosário

E não será mesmo demasiado insistir nesta verdade: o Rosário é, para o católico, uma magnífica arma de guerra, dessa guerra mais importante e superior que é a batalha espiritual presente na vida de todo homem. Essa guerra que travamos diariamente contra as tentações e as ciladas do demônio que procura perder nossas almas. Dessa guerra, portanto, em que lutamos para resistir às investidos do inimigo de nossa salvação, para expulsá-lo, para vencê-lo, e para deixar nossos corações dispostos a receberem as graças de Deus.

Como já tive ocasião de comentar, o demônio tem ódio e horror ao Rosário, pois se este o põe em fuga é porque vem a ser um elo poderosíssimo que liga o homem a Nossa Senhora. E, portanto, se alguém se sente tentado, lembre- se de pegar logo o seu terço, e de pegá-lo fisicamente. Melhor e mais recomendável: nunca, nunca, nunca nos separemos dele. De tal maneira que o tragamos conosco quando dormimos, quando descansamos; quando estivermos lendo ou fazendo toda e qualquer coisa, que o Rosário esteja sempre junto a nós. Mais ainda: durante o sono da noite, procuremos ter o Rosário nas mãos. E se recearmos que ele caia — e ele deve ser tratado com muita reverência — penduremo-lo ao pescoço ou no braço, ou arranjemos um outro modo de o conservar ligado ao nosso corpo. Jamais larguemos o Rosário. É mesmo um conselho que se diria supérfluo para os autênticos devotos de Nossa Senhora.

E quando nossas mãos não puderem mais nem se abrir nem se fechar, mas forem fechadas por outros para a nossa última atitude de oração, que o Rosário esteja enleado no meio de nossos dedos. De maneira que, chegado o momento da grandiosa ressurreição dos mortos, e dentro do caixão em que fomos sepultados o nosso corpo recobrar vida, entre nossos dedos revivificados esteja o santo Rosário. Assim, com este anseio e esta esperança, concluo: eu quisera que, no augusto momento em que todos os católicos forem chamados à ressurreição, e eu também ressurgir, o meu primeiro ósculo fosse dado ao Rosário que eu encontrasse cingido às minhas mãos…

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Apresentação de Nossa Senhora no Templo

Todas as esperanças, o perdão, a reconciliação, a redenção, a misericórdia que se abriram para o mundo com o nascimento de Jesus, tiveram seu marco inicial e propulsor no aparecimento de  Nossa Senhora neste mundo.

A criatura de uma vida insondavelmente perfeita, pura e fiel, que seria a maior glória da humanidade em todos os tempos, abaixo da glória da Encarnação do Verbo.

Compreende-se, pois, que já em sua mais tenra infância Maria tenha começado a influir nos destinos da história, sendo, desde então, imenso e inesgotável canal de graças para todos os homens.

Plinio Corrêa de Oliveira (“Apresentação da Virgem no Templo”, por Vittore Carpaccio)

A Eleita de Deus

Débil é a nossa imaginação para conceber o enlevo com que Nossa Senhora penetrou na Casa de Deus e o jubiloso cântico celestial dos Anjos guardiães do Templo, ao acolherem aquela Virgem de quem nasceria o Salvador, a futura Mãe do Messias.

Débil também para imaginar o gáudio que sentiram as almas boas, que perceberam naquela Menina toda a grandeza da criatura eleita pela Trindade Santíssima, ao vê-la atravessar os corredores do Templo, ao contemplá-La nos seus afazeres quotidianos, ao se sentirem consonantes com Ela, a ponto de viverem com Maria, em Maria e por Maria — um modo antecipado de viver em Cristo, com Cristo e por Cristo Senhor Nosso.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Majestade infinita

Ao celebrar a Solenidade de Cristo Rei, a liturgia deste ano oferece à meditação dos fiéis a passagem do Evangelho em que São Lucas descreve os padecimentos de Jesus pregado na Cruz entre dois ladrões, sendo alvo do escárnio, blasfêmias e maus tratos por parte dos circunstantes.

Pode haver conjuntura mais adversa do que esta, de completa desolação, para proclamar a realeza de alguém? Entretanto, ao insinuar esse aparente paradoxo, o texto sagrado nos introduz num profundo e adorável mistério.

Precisamente por ser Homem-Deus, Jesus é o Rei da História, e todos os acontecimentos se passam segundo sua santíssima e onipotente vontade.

Assim, ao sorver até a última gota a taça de todas as dores e humilhações possíveis, o Redentor sabia que cada um desses tormentos seria objeto da adoração de multidões ao longo dos séculos; e viria um dia em que os maiores monarcas da Terra disputariam a honra de ter incrustado no respectivo cetro um minúsculo fragmento da cana de irrisão usada na Paixão para ridicularizar a divina realeza; e a coroa de espinhos seria de tal maneira venerada, que um dos maiores reis da Cristandade, São Luís IX, haveria de mandar construir a Sainte-Chapelle de Paris para acolher essa inapreciável relíquia.

Por isso, do fundo de sua dor e abandono, possuía Jesus a majestade da certeza da vitória que haveria de vir.

Misteriosa majestade que Dr. Plinio admirou desde tenra infância, ao contemplá-la numa imagem do Sagrado Coração de Jesus, conforme sua própria descrição:
“Jesus me parecia tão majestoso e, ao mesmo tempo, tão bom; tão infinitamente superior a mim, e tão misericordioso, que eu dizia: ‘Mas, isso é majestade! Como eu gosto dessa majestade!’

“Quando me deparei na ladainha do Coração de Jesus com a invocação “Cor Jesu, majestatis infinitae, miserere nobis”, eu a adotei e a inscrevi entre as minhas invocações prediletas, desde logo, porque é uma coisa magnífica!

“Esse equilíbrio entre a majestade e a bondade me encantava, dando-me a ideia de que o mais alto e pleno padrão da majestade era Jesus Cristo. E sendo Ele “Rex regum et Dominus dominantium” — Rei dos reis e Senhor de todos os que dominam — era natural que se concebesse n’Ele uma majestade dessa elevação.”

Esta majestade infinita, sem dúvida, transluziu no alto da Cruz, aos olhos do Bom Ladrão que disse: “Senhor, lembra-Te de mim, quando entrares no teu Reino”. Ato de amor e de fé que mereceu, comenta Dr. Plinio, “esta promessa de Quem é, de fato, o Rei do Céu e da Terra: ‘Hoje estarás comigo no Paraíso’. Que realeza!”

Plinio Corrêa de Oliveira (Revista Dr Plinio 188 – Novembro de 2013)