Em diversas ocasiões, ao longo de minha vida, tenho assistido à passagem do ano. Assim, em épocas comuns e tranquilas da História foi-me dado notar a banalidade desse acontecimento. Lembro-me bem das festas de Ano-Novo do período entre “deux guerres”, isto é, entre a Guerra Mundial terminada em 1918 e a que começou em 1939: banais, cheias de chanchada, brincadeira e otimismo idiota.
O modo pelo qual o mundo de hoje transpõe os umbrais que o separam de um novo ano é muito diferente desses remotos festejos a que assisti. Retrocedendo no tempo e singrando o caminho que ficou para trás, encontramos que cada abertura de um ano, na aparência festiva, é acompanhada de uma perspectiva mais trágica. Qual a perspectiva para a qual caminhamos nesta passagem do ano?
Poderíamos dizer que é a passagem da crise para a catástrofe. Em geral, quando se fala de crises de povos e civilizações, trata-se de um processo lento e complexo que se vai acumulando, mas ainda não é a catástrofe. Esta vem quando a crise chega ao seu pleno desenvolvimento e vai derrubar todas as coisas que ela vinha minando.
Há uma diferença, portanto, entre a crise e a catástrofe, como entre a doença muito grave e a morte. As crises podem ter graus de gravidade diversos. Quando a gravidade é suprema, porque conduz a uma meta gravíssima e está a um passo de atingi-la, então estamos nos bordos da catástrofe.
Ao transpormos o limiar deste novo ano, temos a sensação de passar da plena agitação para a catástrofe trágica. Que espécie de catástrofe? É o total evanescer, ou o quase completo apagar-se de tudo aquilo que ainda constitui algo de vivo na Civilização Cristã do Ocidente, devido à crise profunda que mina a Santa Igreja Católica Apostólica Romana, e à que lavra na sociedade temporal.
Por outro lado, nossa Obra está em pleno florescimento e vai se estendendo por toda a Terra de um modo inesperado. Ninguém podia imaginar que tantos lírios nascessem do lodo, durante a noite e sob a tempestade! O que deixa os observadores pasmos é o fato de este lodo parecer propício ao florescimento de lírios tão alvos.
Com efeito, todos os que promoveram o lodo para que nele apenas vivessem os porcos ficam absolutamente desconcertados vendo nascerem nele os lírios, perto dos quais os porcos se sentem mal. Lírios dos quais se poderia imaginar, no alto, a figura heráldica de um leão que deita as garras e ameaça.
É possível que este novo ano seja de combates. Nossa Senhora o sabe. Os estrondos publicitários, nós os evitamos, mas não fugimos diante deles. É o que todo país, cônscio de seus direitos, faz em face do injusto agressor: procura evitar a agressão pelos meios adequados, mas se é impossível sustar a ofensiva, os injustamente agredidos se defendem na estacada de suas fronteiras.
Peçamos, por meio de Nossa Senhora e São José, ao Divino Menino Jesus – que no massacre dos inocentes viu o primeiro sangue dos mártires fazer luzir o purpúreo de sua cor para a glória do Redentor que viera ao mundo – que nos prepare para toda espécie de embates neste novo ano. Lutas, sobretudo, contra nossos próprios defeitos e contra a Revolução, combates terríveis que nos esperam e nos quais devemos ter todo o espírito de fé, toda a fortaleza necessária para continuarmos a progredir, a avançar e a desconcertar o adversário.
Um conselho contém todos os outros: cada vez mais devoção a Nossa Senhora. Espero d’Ela que eu seja infatigável nisso. E que se eu morrer inteiramente lúcido, as minhas últimas palavras ainda sejam de recomendação aos meus filhos espirituais para que sejam sempre mais devotos da Santíssima Virgem. Quem pede e obtém isto cresce em todos os sentidos, vence todas as batalhas.*
Plinio Corrêa de Oliveira
Revista Dr Plinio 262 (Janeiro de 2020)
*- Cf. Mensagem de Natal, 21/12/1983.