Há espíritos que fazem admiravelmente o bem por meio da severidade, e outros que o realizam, dentro da medida do razoável, pela brandura e suavidade. Uns imitam mais Nosso Senhor enquanto expulsava os vendilhões do Templo; outros, enquanto Ele perdoava Santa Maria Madalena.
28 de fevereiro a Igreja comemora a festa de São Romão, abade. Temos a comentar uma ficha biográfica tirada da obra de Daras, Les Vies des Saints.
Lutar corajosamente contra o demônio
São Romão, nascido em 399, na Borgonha, foi fundador de um famoso convento na região do Franco Condado. Desde jovem retirou-se para a solidão, sendo mais tarde seguido por seu irmão, São Licínio. Conta-se que levavam uma vida que consideravam de paz e felicidade, quando o demônio resolveu interrompê-la. Cada vez que se punham de joelhos para rezar, o demônio fazia cair sobre eles uma chuva de pedras cortantes, que os feriam e impediam de continuar. Ambos resistiram por algum tempo, mas, vendo que nada conseguiam, decidiram abandonar o retiro. Ao chegarem a uma aldeia, foram hospedados por uma pobre mulher que lhes perguntou de onde vinham. Não sem alguma vergonha, narraram toda a verdade.
— Vós deveríeis, disse a mulher, lutar corajosamente contra o demônio e não temer os embustes e ódio daquele que tão frequentemente foi vencido pelos amigos de Deus. Se ele ataca os homens, é por medo de que eles, por suas virtudes, subam ao lugar de onde a perfídia diabólica o fez cair.
Ao saírem dessa casa, consideraram a sua fraqueza e quão pouco haviam combatido. Voltaram sobre seus passos e, com orações e paciência, venceram o inimigo.
São Licínio era severíssimo e São Romão agia com brandura
Mais tarde, tendo já fundado numerosos mosteiros, os dois irmãos visitavam essas fundações com frequência. São Licínio era severíssimo, não perdoando o menor deslize. São Romão, ao contrário, era bem mais misericordioso.
Aconteceu que São Licínio, visitando um convento na Alemanha, encontrou na cozinha excessiva quantidade de legumes e peixes. Escandalizado com aquilo, fez cozinhar tudo junto para castigo dos monges. A comida saiu tão repugnante que doze religiosos deixaram a casa, não suportando a penitência. São Romão teve uma visão sobre esse acontecimento e, quando Licínio voltou, disse-lhe:
— Meu irmão, é melhor não visitar as ovelhas do que ir vê-las para dispersá-las.
Resposta de São Licínio:
— Não tenhais pena, meu caro irmão! Não é preciso purificar o campo do Senhor e separar a palha do bom grão? Os que se foram eram doze orgulhosos em quem o Senhor não mais habitava.
São Romão concordou. Mas daí em diante chorava tão profundamente, magoado com a partida dos monges, que Deus, atendendo suas preces, reconduziu mais tarde os doze recalcitrantes ao convento. A ele se apresentaram voluntariamente para fazer penitência.
Combatentes varonis
Nesta narração há uma série de fatos interessantes para considerar. Em primeiro lugar, encontramo-nos em face da admirável floração de Santos ocorrida depois da queda do Império Romano do Ocidente. Vemos dois irmãos que levam uma vida de grande santidade, num lugar ermo, em meio a uma natureza amena, bucólica, felizes sem os atrativos das coisas da cidade, nem do mundo.
Podemos imaginar, nas horas de oração, esses irmãos ajoelhados, rezando um ao lado do outro – assim os representaria uma iluminura –, Nossa Senhora aparecendo no alto e sorrindo para eles.
Então, um primeiro ato é o da felicidade eremítica e bucólica desses dois irmãos, que vivem numa atmosfera terrena encimada por um céu parecido com o ar diáfano daqueles firmamentos azuis de Fra Angelico.
Em seguida, vem a provação. O demônio, que lhes tem ódio, emprega um modo de castigá-los muito interessante: uma chuva de pedras cortantes. Eles, tão bonzinhos, tão direitinhos… vem uma chuva medonha de pedras cortantes e os molesta. Procuram, então, rezar direito, mas afinal de contas as pedras são muito sérias e eles resolvem sair.
Encontram, por fim, uma boa mulher que habita uma choupana no campo. Ela perdeu o marido, tem um filho que mora longe e de quem apenas recebe, de vez em quando, uma carta; com uma perna inchada, doente, reumática, reza o tempo inteiro e vive só para Deus.
Essa mulher, provada por sofrimentos e cheia de sabedoria, recebe os dois e, naturalmente, primeiro lhes oferece algo para comer, ajuda a curar alguma ferida causada pelas pedras e depois pergunta o que há. Fora está chovendo torrencialmente, eles estão abrigados na casinha da mulher e lhe contam o ocorrido. Ela suspira, põe os olhos num crucifixo e afirma:
— Irmãos, andastes mal…
E lhes diz a verdade.
Eles, compungidos, passam a noite em prece. Na manhã seguinte, voltam para o ermo e vão lutar contra o demônio. São dois guerreiros contra o maligno que emergem dessa atmosfera azul e rosa-claro, ouro rutilante, os quais, a partir desse momento, transformam-se em lutadores varonis. É a formação deles que assim se enuncia.
Esse era o ambiente e o modo pelo qual a graça operava nessa época. Portanto, não se trata de lenda, mas é o estilo da ação de Deus nesse período.
Os diferentes métodos devem ser utilizados de acordo com o sopro da graça
Depois – na ficha saltam-se vários anéis intermediários –, eles nos aparecem numa posição pomposa, majestosa. São dois Santos veneráveis, cuja fama de santidade reuniu em torno deles vários conventos que lhes obedecem. Tornaram-se patriarcas, provavelmente já de barbas brancas, mais sábios, mais provados na vida do que aquela mulher, derrotaram os demônios, enfrentaram os adversários, fizeram viagens perigosas passando por lugares onde havia feras, pontes mal construídas, bandidos, tempestades, tudo enfrentaram por causa de Deus Nosso Senhor. Estão no zênite de suas vidas, porém mais uma vez um episódio entre eles se dará.
Há uma certa medida de severidade e de brandura que deve ser utilizada de acordo com o sopro da graça e com o modo pelo qual o Divino Salvador quer conduzir os espíritos. Existem espíritos que só sabem fazer bem por meio da severidade suma, e realizam um bem admirável. Há outros espíritos que, dentro da medida do razoável, quase se diria que estão no extremo oposto: são muito brandos, muito suaves, e fazem bem pela sua brandura e suavidade. Uns imitam mais Nosso Senhor enquanto expulsava os vendilhões do Templo; outros enquanto Ele perdoava Santa Maria Madalena.
Começam a governar esses mosteiros. São Licínio visita um deles e, encontrando irregularidades, aplica uma correção severa. Entretanto a Igreja é multíplice, e São Romão tinha o espírito diverso de seu irmão.
Notem a sutileza e o conteúdo teológico interessantíssimo do fato: São Romão lamentou tal atitude e censurou São Licínio. Este deu-lhe uma resposta esplêndida, explicando tudo. São Romão, suspirando, concordou.
Severidade e doçura aliadas à força da oração
Mas a Providência quis que a misericórdia não saísse derrotada. Onde São Licínio tinha feito bem em expulsar, São Romão fez bem em pedir que voltassem. Este se pôs a chorar, e vê-se então o velho com as barbas brancas, numa atitude enternecida, pensando naquelas almas, as lágrimas cristalinas de olhos cristalinos, que correm ao longo de uma face alva e emaciada e chegam a cair no chão, enternecem o Anjo da Guarda e encontram eco diante de Nossa Senhora, a Qual, por sua vez, tem sempre audiência diante de Deus. Maria Santíssima pede. Resultado: os monges, que São Licínio com tão boa vassoura varrera, voltam. Não regressam como ele tinha varrido, mas emendados por uma ação que está para além das vias normais da graça: não é o corretivo de São Licínio, mas uma bela superação dele. A graça conseguiu a conversão daqueles que a justiça, a tão bom título e tão oportunamente, tinha castigado. Iustitia et pax osculatæ sunt, diz o Salmo (85, 11) – a justiça e a paz se oscularam. Aqui se poderia afirmar que a justiça e a misericórdia se oscularam. E termina assim, num encantador happy end, esta ficha.
Que São Romão nos consiga essa candura de alma, tão extraordinariamente agradável, para praticarmos a virtude. Mas que tenhamos também a compreensão dos métodos de São Licínio, e não apenas a ternura empregada por São Romão. E nos façam parecidos com eles: São Licínio nos dê toda a sua severidade; e São Romão, a sua doçura com sua força de oração, pois sem esta de nada lhe valeria a doçura.v
(Extraído de conferência de 28/2/1967)