Primeiro dos augustos privilégios outorgados a Maria em vista da maternidade divina, a Imaculada Conceição sempre despertou na alma de Dr. Plinio um intenso e fervoroso enlevo. Eloquente prova dessa devoção podemos constatar nos comentários transcritos a seguir, exemplos dos inúmeros feitos por ele ao longo de sua gesta católica.
Na Bula “Ineffabilis Deus”, com a qual Pio IX definiu o dogma da Imaculada Conceição, encontra-se este trecho:
“A doutrina que sustenta que a Beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante da sua conceição, por singular graça e privilégio de Deus onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, foi preservada e imune de toda mancha de pecado original, essa doutrina foi revelada por Deus, e por isto deve ser crida firme e inviolavelmente por todos os fiéis.”
Rompida a lamentável herança da culpa original
O Sumo Pontífice afirma, portanto, que Nossa Senhora, por uma graça singular e em vistas dos méritos de Cristo, a partir do primeiro instante de seu ser foi isenta da mancha do pecado original. Essa doutrina foi revelada por Deus, e por isso deve ser “crida firme e inviolavelmente por todos os fiéis”.
Para se avaliar o extraordinário significado da Imaculada Conceição, é preciso ter em conta que, em conseqüência da queda de Adão, todos os seus descendentes haviam de nascer com o pecado original. Lamentável herança em virtude da qual os sentidos do homem continuamente se revoltam contra a sua razão, expondo-o a novos e incontáveis pecados.
Durante milênios verificou-se, inexorável, essa lei da maldição. Em determinado momento, porém, os Anjos assistem atônitos a um fato sem precedentes na história da humanidade decaída: Deus quebranta a funesta lei, e um ser é inteiramente concebido sem pecado original. É Nossa Senhora que surge imaculada, resplandecente, com todo o brilho e todo o fulgor de uma criatura perfeita, como o foram Adão e Eva ao saírem das mãos do Onipotente.
Pode-se imaginar que, nesse sublime instante, um frêmito de júbilo e de glória percorreu todo o universo, acentuado pelo fato de que Maria, isenta do pecado original, era também a obra-prima da criação. Acima d’Ela haveria de estar, apenas, a Humanidade santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Narra a Sagrada Escritura que o Padre Eterno, depois de concluída a obra da Criação, repousou na enlevada consideração do que Ele tinha feito. Descansou, porém, tendo-se proposto criar um ser que superasse em maravilha tudo o que até então sua onipotência realizara, uma mulher da qual haveria de nascer o Verbo Encarnado. E foi precisamente no momento da Conceição Imaculada de Nossa Senhora que Deus executou essa sua obra-prima.
“Como um exército em ordem de batalha”
Concebida sem pecado original, Nossa Senhora não sentia em si nenhuma inclinação para o que fosse ruim. Pelo contrário, possuía todas as facilidades para dar à graça de Deus uma perfeita e constante correspondência. De sorte que, n’Ela, as grandezas sobrenatural e natural se entrelaçavam numa profunda e maravilhosa harmonia.
Em conseqüência, Nossa Senhora tinha como ninguém uma altíssima noção da excelência de Deus, e da glória que Lhe devem render todas as criaturas. Por isso, nutria em sua alma vivíssimo horror ao pecado, que é um ultraje à mesma glória divina. Donde possuir Ela, também, uma ardorosa combatividade, no sentido de execrar toda forma de mal.
Compreende-se, à vista disto, porque Nossa Senhora é comparada a um exército em ordem de batalha: “sicut castrorum acies ordinata”. Ou, como d’Ela se diz, que sozinha esmagou todas as heresias na Terra inteira. Por quê? Exatamente porque, já no privilégio de sua Imaculada Conceição, Ela é o modelo de combate ao mal.
Início da vitória da Contra-Revolução
Porque concebida sem pecado original, Nossa Senhora, afirmam os teólogos, foi dotada do uso da razão desde o primeiro instante de seu ser. Portanto, já no ventre materno Ela possuía altíssimos e sublimíssimos pensamentos, vivendo no seio de Sant’Ana como num verdadeiro tabernáculo.
Temos uma confirmação indireta disso no que narra a Sagrada Escritura (Lc 1, 44) a respeito de São João Batista. Ele, que fora engendrado no pecado original, ao ouvir a voz de Nossa Senhora saudando Santa Isabel, estremeceu de alegria no seio de sua mãe.
Assim, pode-se acreditar que a Bem-aventurada Virgem, com a altíssima ciência que recebera pela graça de Deus, já no seio de Sant’Ana começou a pedir a vinda do Messias e, com Ele, a derrota de todo mal no gênero humano. E desde o ventre materno se estabeleceu, certamente, no espírito de Maria, aquele elevadíssimo intuito de vir a ser, um dia, a servidora da Mãe do Salvador.
Na realidade, por essa forma Nossa Senhora já começava a influir nos destinos da humanidade. Sua presença na Terra era uma fonte de graças para todos aqueles que d’Ela se aproximavam na sua infância, ou mesmo quando ainda se encontrava no seio de Sant’Ana. Pois se da túnica de Nosso Senhor — conta o Evangelho (Lc 8, 44-47) — se irradiavam virtudes curativas para quem a tocasse, quanto mais da Mãe de Deus, Vaso de Eleição!
Por isso, pode-se dizer que, embora fosse Ela criancinha, já em seu natal graças imensas raiaram para a humanidade. Naquele bendito momento, a vitória da Contra-Revolução começou a ser afirmada e o demônio a ser esmagado, percebendo que algo de seu cetro estava irremediavelmente partido.
Derrota dolorosa e pessoal para o demônio
Por isso, tem o demônio especial ódio à Imaculada Conceição. Esta singular prerrogativa de Nossa Senhora constituiu para ele uma derrota dolorosíssima e, por assim dizer, pessoal.
Com efeito, tendo Satanás conseguido arrastar nossos primeiros pais ao pecado original, as vantagens que lhe traria essa queda, caso não houvesse a futura Redenção, seriam simplesmente espetaculares. O homem, criatura nobre de Deus, ficou desfigurado pelo pecado e sujeito às más tendências. Com isso, tornou-se incalculável o número de pessoas capazes de cair, ao longo dos séculos, no Inferno. Portanto, imenso foi o êxito imediato que o demônio obteve com o pecado de Adão e Eva.
O único modo de anular esse triunfo do mal seria o Verbo se encarnar e, enquanto Homem-Deus, oferecer-se como vítima pela nossa salvação.
Ora, essa vitória do Bem teve sua primeira realização no nascimento de uma criatura excelsa, imaculada, que, apesar de todos os embustes do demônio, surgia livre da trama na qual ele pretendia envolver todo o gênero humano. Em favor dessa criatura, Deus rompeu a urdidura satânica, e Ela nasceu inteiramente fora da lei do pecado original. Essa criatura eleita é Maria Santíssima, Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Portanto, a raiz da salvação do mundo, o ponto de partida da Redenção da humanidade, foi o fato de Nossa Senhora ter sido concebida isenta do pecado original. Donde nos ser fácil compreender como o primeiro lance da Contra-Revolução foi, precisamente, a Imaculada Conceição de Maria Virgem, prelúdio da Encarnação do Verbo.
Invocação propícia aos contra-revolucionários
Compreendemos, de outro lado, como Nossa Senhora, concebida sem pecado original, realmente pisa na cabeça do demônio. E, portanto, o profundo sentido teológico que há no fato de se representar a imagem da Imaculada Conceição calcando a serpente.
Imaculada Conceição! Essa é a invocação propícia para os contra-revolucionários. O modelo para estes é Nossa Senhora que, ao contrário de Eva, não conversa com a serpente e, ademais, esmaga-lhe constantemente a cabeça. Tal é a atitude de espírito que devemos pedir a Nossa Senhora da Imaculada Conceição.
Pois, que outra coisa é o calcanhar da Virgem, senão os filhos que Ela suscitou para seu serviço, humildes, desapegados de honras e glórias mundanas, unicamente desejosos de serem instrumentos d’Ela para esmagar a Revolução?
Esse deve ser nosso maior anelo: sermos células vivas do glorioso calcanhar da Santíssima Virgem, a cuja pressão nada tem resistido ao longo da História!
Especial brilho da imaculada beleza de Maria
Na mesma Bula “Ineffabilis Deus”, o Papa Pio IX assim se exprime: “E depois reafirmamos a nossa mais confiante esperança na Beatíssima Virgem que, toda bela e imaculada, esmagou a cabeça venenosa da crudelíssima serpente, e trouxe a salvação ao mundo”.
É interessante notar como o Sumo Pontífice reúne, no mesmo pensamento, a beleza e o poder de Nossa Senhora. De outro lado, evoca ele, por contraste, a hediondez e a fraqueza do demônio, o qual é esmagado por Ela.
Portanto, uma vez que existe a diabólica serpente, a beleza e a perfeição da Santíssima Virgem só se manifestam completas porque Ela triunfa, vence e esmaga o demônio. Satanás é um escabelo aos pés d’Ela. Sendo Maria imaculada e soberanamente linda, não basta que todas as criaturas deste mundo, as do Céu e as do Purgatório Lhe prestem homenagem: importa que o inimigo esteja quebrado sob seu calcanhar.
Uma perfeita consideração do esplendor de Nossa Senhora envolve, portanto, a ideia do demônio estraçalhado e humilhado por Ela. Essa vitória sobre Satanás resulta em particular brilho na celestial beleza da Imaculada Conceição.
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 8/9/1963)
Revista Dr Plinio 117 – Dezembro de 2007