Ao contrário do que pretendem alguns espíritos exageradamente pacifistas, segundo os quais qualquer forma de perigo deve ser afastada da vida, o ser humano por sua natureza, a mais elevada e nobre das criaturas tem um certo gosto do risco. Essa afeição é um dos elementos que trazem felicidade para a existência. E, não raras vezes, afastar de alguém o risco pode causar-lhe grande prejuízo.
Este princípio torna-se mais compreensível e aceitável quando se considera, por exemplo, as touradas ibéricas. Especialmente aquelas em que o toureiro se lança a cavalo na arena.
É impossível não sentir a impressão de risco que transmite a marcha do cavaleiro e de sua montaria diante do perigo. Nota-se o prazer, uma espécie de alegria, de euforia mesmo, em se atirarem naquela situação desafiadora. E parece que o risco produz, psicologicamente, no cavalo e no cavaleiro, como um arejamento fresco e agradável. E que espetáculo! Cavalgar dentro da aventura e do imprevisto; improvisar as manobras que devem ser executadas; avançar, recuar, atacar, defender… tudo realizado de acordo com uma certa regra interior, que faz exatamente o esplendor da tourada!
Em geral, o cavalo corre de modo extraordinário, com um passo lindo e audacioso. Dir-se-ia não é assim, pois trata-se de puro instinto que o animal possui uma noção raciocinada do que se está passando, e acha uma verdadeira beleza jogar-se para frente e raspar no perigo. Tem-se a impressão de um bem-estar do cavalo, no momento em que o touro avança, quase o toca, e ele se esquiva com donaire, como se dissesse: “Touro, tu não és senão touro; eu sou cavalo. Sou elegância, força e garbo. Você é massa bruta! E por causa disso, posso raspar-me em você, posso até permitir que seu chifre me risque, e eu ter a alegria de roçar pelo perigo e sair vitorioso!”
Curiosamente, essas reações do cavalo lembram certas atitudes do espírito humano colocado diante do perigo, em várias circunstâncias do quotidiano nesta terra: não só quando a vida está ameaçada, mas numa jogada política, numa polêmica acirrada, num negócio arriscado, num empreendimento difícil, etc., há pessoas que se saem como o cavalo diante do touro.
E se este segundo animal é a força bruta, sem expressão nem nada de humano em sua postura, já no primeiro há qualquer coisa de sobre-animal, parecendo transcender não o faz, claro está a mera condição de bicho e participar em algo do reino dos homens, pelas atitudes que demonstra na arena. Característica esta que nos leva a admirar outro interessante aspecto desse tipo de tourada.
O autêntico cavaleiro sabe transmitir alguma coisa de sua personalidade à montaria. E vê-se que, ao enfrentar o touro, o cavalo compartilha do heroísmo do toureiro. Geralmente, este é esguio, destro, cheio de movimentos ágeis, e quando ele mesmo raspa pelo perigo, sente euforia. Quando executa a manobra para cravar a “banderilha” no touro, e quase é atingido pelos chifres de seu adversário, ele seria comparável a um homem que está tomando o melhor trago de rico licor. É o licor do risco! O delicioso licor que o pacifista exagerado de nossos dias não sabe compreender nem apreciar…
Quando se esquivam do oponente, a atitude do cavaleiro e do cavalo não é a de dar as costas e se pôr a correr. Eles saem de lado, procurando contornar o touro para lhe fincar mais uma farpa. É a imagem da “distância psíquica”, de um inteiro domínio de si, calculado e ativo. Pode-se olhar para o toureiro e para o cavalo: ambos estão numa posição em que não têm medo. Não perderam a noção da realidade e só estão procurando dar uma volta, com elegância e distinção, para atacar com mais eficácia!
É este um lado esplendoroso da luta entre cavaleiro e touro que nos faz considerar um outro aspecto da vida humana: o gosto que tem o homem justo, colocado na presença do mal, diante de ignomínias insuportáveis que se propagam e não podem ser contidas senão pela força, de enfrentá-las e de vencê-las, obedecendo aos altos desígnios de uma Fé sumamente equilibrada. Então ele, obrigado a atacar, avança e subjuga.
É realmente belo que o homem, em presença do mal, o goste de calcar aos pés. E a sensação do golpe atingindo o alvo, é uma experiência na qual o homem se realiza inteiro!
Por fim, um outro aspecto a se contemplar nas touradas a cavalo. Durante todo o certame, não se vê nada de teatral no toureiro. Ele não presta uma atenção vaidosa em si. Mas está sempre vigilante, e por isso não tem receio de que a coragem lhe pregue alguma peça nos momentos decisivos. Naturalmente, conhece à saciedade o seu “métier”, está muito bem treinado, e, note-se, todas as sensações que nascem nele na aparência, impulsivas e até irrefletidas são na verdade enriquecedoras da razão.
É o garbo, a galhardia, a coragem e o desassombro, o esplendor da “distância psíquica”, a vivacidade da inteligência e da varonilidade que enfrentam o perigo. São qualidades, também elas, frutos da civilização cristã.