Como nasceu a aristocracia?

Vivendo numa época onde, praticamente, não há mais tradições aristocráticas, o homem contemporâneo não percebe quanto o desaparecimento dos títulos de nobreza concorreu para a banalização do mundo moderno.

 

Nos países da Europa, a aristocracia nasceu da ordem natural dos fatos e depois veio a florescer sem nenhum programa, sem nenhuma intenção, também conforme à ordem natural, como uma planta que nasce da terra: da raiz brota um cabo, deste um bulbo, o  qual dá origem às flores das quais surgem as frutas que serão depois aproveitadas pelos homens.

Desordens morais existentes no Império Romano do Ocidente

A imoralidade produziu estragos incalculáveis entre os romanos. Por isso o castigo de Deus desabou sobre Roma, que foi atacada ao mesmo tempo — como pelos grampos de uma pinça monstruosamente grande — por dois inimigos: os bárbaros, os quais vinham dos territórios que mais ou menos abrangem hoje a Alemanha, a Suíça, a Áustria, a Hungria, e o que fica ao Oriente da Europa; e pelos maometanos, que procediam do sul.

No dia em que os muçulmanos encontrassem os bárbaros, eles teriam achatado o que restava do Império Romano, bem como a Igreja Católica; com isso o mundo civilizado estaria liquidado. Era o castigo completo da Providência sobre aquela humanidade.

Aconteceu, entretanto, que Nossa Senhora teve pena dos restantes deste império em franca degringolada.

Bárbaros e maometanos matavam os católicos

Os bárbaros sentiam muito o frio da Alemanha, então tinham tendência para ir descendo cada vez mais, porque compreenderam que, dirigindo-se para o sul, encontravam clima mais quente; portanto, podiam levar uma vida mais suave. E eles se estabeleceram na Itália, França, Espanha e numa parte de Portugal.

Eles eram tão selvagens que sucedia o seguinte: habitavam as florestas e durante o dia entravam nas cidades para comer, se divertir, ver como eram as coisas, porque tudo lhes parecia novo; e para matar gente, enfim, para encher a vida como faz um bárbaro.

Mas, quando chegava a noite, eles iam dormir no mato, porque diziam que sentiam falta de ar nas cidades, mesmo nas praças públicas, onde naturalmente há mais ar do que nas ruas.

Os maometanos atacavam mais os campos do que as cidades, mas a situação era a mesma. Pois, quando penetravam nas cidades, fechavam as igrejas católicas, perseguiam e matavam os fiéis, mais ou menos como faziam os bárbaros. E o que restava da Igreja estava completamente torcido, esmagado.

Quando os bárbaros ou os maometanos invadiam as cidades, as autoridades civis fugiam e se dirigiam geralmente para a Itália, cujo clima é mais ameno e onde eles esperavam ainda encontrar restos do Império Romano para poder ali viver. Fugindo, eles deixavam o povo abandonado; assim, cada um poderia fazer o que quisesse.

Mas os Papas deram ordem a todos os Bispos e padres para não fugirem e permanecerem nos lugares onde estavam, e procurassem evangelizar o povo. Esse foi o segredo da vitória da Igreja Católica.

Porque dessa forma eles acabaram tomando certo contato com os bárbaros, ensinando-lhes uma espécie de rudimento da Religião, quais eram seus deveres, quem é Jesus Cristo, Nosso Senhor; e assim os bárbaros amansaram um pouco.

Com os árabes foi mais difícil porque eles já tinham uma religião, a maometana, inimicíssima da Religião Católica; os maometanos não queriam abandonar essa religião e nas cidades esmagavam os católicos. Havia uma série de católicos que não lutavam contra os maometanos e se comprometiam a não fazer conversões para a Igreja Católica. A esses os maometanos tratavam mal, mas se criava uma situação onde ainda se podia respirar.

Os católicos que não queriam aceitar isto e realizavam um trabalho para converter os maometanos eram barbaramente trucidados. Então as populações do campo — as da cidade não tinham o que fazer — começaram a usar um sistema que deu origem à nobreza.

Muralhas, portas fortificadas, torres

Em todas as terras cultivadas havia fazendas. Ou seja, uma terra mais ou menos extensa na qual um determinado proprietário plantou, cultivou para produzir certos bens. Nessa terra onde exerciam seus serviços, os trabalhadores manuais naturalmente ganhavam o necessário para viver e, como estavam longe das cidades, gozavam de certa paz, tranquilidade.

Quando os bárbaros ou os maometanos invadiam essas terras, os trabalhadores manuais eram reduzidos a escravos; por isso eles tinham muito medo. Então, quando os adversários começavam a avançar, eles pediam ao patrão para recebê-los em sua casa. E os patrões, de pena deles e achando que era justo protegê-los, pois eram católicos que deveriam ser amparados contra os inimigos, fizeram o seguinte: começaram a construir em torno de suas casas um recinto muito grande, todo cercado de muralhas de pedra, e sobre elas um passadiço por onde os guerreiros podiam ficar andando para ver de longe se os atacantes estavam se aproximando, ou não. Se os avistassem, com muita antecedência eles batiam um sino e todos os homens vinham guarnecer a parte alta das muralhas, as quais às vezes eram tão grossas, que sobre elas dois ou três homens podiam circular ao mesmo tempo.

Do alto das muralhas, eles ou lançavam flechas sobre os atacantes — e eram bons atiradores! — ou esperavam que subissem em escadas. Quando estas estavam cheias de atacantes, eles empurravam as pontas das escadas que estavam apoiadas na muralha; todos naturalmente caíam e muitos se machucavam.

Os defensores tinham também no alto das muralhas água fervente, que jogavam sobre os atacantes. Era uma coisa terrível uma pessoa que estivesse com couraça receber água fervente, porque a água entrava pelo corpo e o queimava; e se tornava muito difícil retirar a couraça, pois ela feria mais o corpo; era um verdadeiro horror.

E os patrões, aos poucos, foram construindo portas fortificadas e torres. As torres eram para se ver mais longe, para saber se o adversário se aproximava. E também para de mais alto jogarem as flechas a fim de atacar os inimigos muito antes de estes chegarem ao pé da muralha.

E as portas eram especialmente preparadas: feitas de pranchas de madeira ligadas entre si por placas de metal parafusadas, de maneira que não pudessem se desconjuntar. E no teto acima das portas, que eram muito grossas, faziam frestas sobre as quais colocavam tachos com óleo ardente; quando os invasores começavam a entrar, dessas frestas caía óleo em ebulição que queimava muito mais do que água fervente; assim eles continham a invasão.

Ao cabo de algum tempo, os patrões construíram grades atrás das portas, que eles faziam descer por máquinas. Os atacantes precisavam serrar, limar as grades para poderem entrar. Mas fazer isto enquanto caía óleo ardente era impraticável, quer dizer, em última análise, a casa do senhor ficava fortificada.

Qual era o interesse dos camponeses e pequenos proprietários de terra com isso?

Patrões e empregados se relacionavam como pais e filhos

Eles tinham um vivo senso dos interesses comuns. Assim, os trabalhadores manuais conseguiram que os patrões fizessem recintos enormes em torno das casas destes últimos, de maneira que, quando viam de longe chegarem os bárbaros ou os mouros, os trabalhadores mandavam trazer rapidamente de suas casas as famílias, o gado, os móveis que eles mais prezavam, e colocavam tudo isto dentro do recinto dos patrões. Dessa forma, quando eles tivessem rechaçado o invasor, o gado, que constituía a fortuna deles, e os móveis, que eram as condições para poderem morar, estavam intactos.

A casa do patrão deixou de ser exclusivamente dele para tornar-se um enorme braço paterno, segurando em torno de si toda a população local.

Evidentemente, para fazer tudo isso era preciso uma cabeça. Quem dirigia a defesa eram os patrões, os quais eram homens de combate, porque em época de paz matavam as feras existentes no mato, para que os camponeses pudessem trabalhar livremente.

Enquanto os patrões viviam em luta contra os javalis e outros animais selvagens, que havia nas florestas profundas da Europa, os empregados não eram homens de guerra, mas de trabalho. E no tempo de guerra os patrões comandavam os empregados, porque aqueles sabiam como dirigir uma guerra e estes não sabiam. Assim, as relações entre patrões e empregados acabaram sendo de pais e filhos. 

Na propriedade do patrão havia a casa dele, armazéns para guardarem as coisas que os empregados traziam e, no centro dessas construções, existiam a joia e o tesouro daquele conjunto: uma capela, onde um capelão e, às vezes, mais dois ou três sacerdotes celebravam Missa todos os dias e davam Comunhão aos que queriam; junto à capela havia uns quartinhos para eles pousarem.

Quando investiam contra os inimigos, os padres não podiam atacar, porque, de acordo com a missão deles, não deviam usar armas, mas estavam junto aos atacantes incitando-os: “Coragem, vamos salvar a Cruz, Deus o quer!”; mostravam um Crucifixo e iam para a frente, seguidos por todos os homens do povo. O senhor feudal, com espada, couraça, elmo, montando um cavalo, ia à dianteira; ele era o chefe e o pai daquele povo.

Assim nasceu a maior parte dos castelos da Europa

Alguém fez um bonito plano para que isso nascesse? Não. Surgiu naturalmente, as circunstâncias obrigaram a que isso fosse assim e dessa forma nasceu a maior parte dos castelos que existem na Europa. Castelos cujos perfis todos conhecem: altas torres e muralhas, lindas portas; no centro do castelo a torre de menagem, mais alta do que todas as outras, de onde podiam soltar pombos-correio para avisar aos aliados: “Estamos sitiados, venham nos ajudar!”

E da torre de menagem partiam túneis subterrâneos para lugares onde os donos e os empregados podiam fugir, caso estivessem perdendo a batalha em cima, porque os túneis percorriam uma zona grande e iam abrir bem longe onde o adversário nem imaginava. Os castelos eram super bem defendidos, tornando-se muito difícil conquistá-los. E os empregados deviam essa defesa aos patrões.

Havia uma coisa mais tremenda: as falsas fugas.

Às vezes os patrões faziam um túnel mais ou menos longo, que acabava dando no mar. Não tinha porta. De maneira que, se os atacantes por ali entrassem, ao final do percurso chegariam a areias lindas, julgando se engajar numa situação cômoda. Mas era uma fraude, um artifício, porque aquele corredor dava em areias movediças, ou seja, que não têm chão firme; o indivíduo que nelas penetra, andando ou parado começa a atolar e não tem saída. Então os adversários que entravam na areia movediça estavam liquidados. O dono do castelo nem mais precisava se preocupar com aqueles inimigos, porque o solo iria comê-los.

Origem da nobreza europeia

Tudo isso fez com que houvesse uma mudança radical nas relações dos patrões com os empregados. Antes das invasões, essas relações eram mais ou menos parecidas com as existentes hoje. Um homem tem a terra, as sementes, sabe plantar. O outro não tem capital, ou seja, a terra, as sementes e nem sabe plantar; ele precisa de alguém que o dirija. Estão aí caracterizados o patrão e o empregado.

Mas quando começaram as invasões, a situação mudou. Porque os empregados ficaram dependendo da direção do patrão para poderem mover uma defesa eficaz. E o patrão ficou conhecendo que ele era o chefe militar e não apenas o chefe econômico daquele grupo e, portanto, muito mais admirado, mais respeitado do que se fosse um simples chefe civil; passou a ser o governador do lugar, quer dizer, em termos mais concretos, tornou-se uma espécie de reizinho, o senhor feudal.

E é natural que o senhor feudal do lugar se traje melhor, adquira uma melhor educação, coma melhor, enfim, se esplendorize e enriqueça. Por essa razão ele passou a ser o lord, o nobre, enquanto que o operário, o trabalhador manual, era o plebeu. A diferença entre as duas classes se fez normalmente.

E alguns nobres se tornaram mais aristocráticos. A pessoa mais pobre, menos capaz, fica com uma educação menos fina, um conhecimento menos aberto; enquanto que o nobre, quando teve mais educação, aprendeu mais trato, tomou ares que eram muito mais finos do que os ares do homem do povo, e a esses ares se chamava nobreza. Quer dizer, o nobre era produto de toda uma germinação local que deu origem à nobreza europeia.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 1/4/1995)
Revista Dr Plino 170 (Maio de 2012)

 

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