Incutir em seus filhos espirituais a mesma confiança sem limites em Deus e na Santíssima Virgem que o animava, era este um dos cuidados constantes de Dr. Plinio. Ótima oportunidade para isto foi-lhe oferecida por uma maravilhosa narração do livro do Conde de Montalembert, “Les Moines d’Occident”, comentada por ele numa das conferências denominadas “Santo do dia”.
O Conde Raul de Chester voltava da Cruzada, na qual havia se coberto de glórias tomando Damieta [no Egito], quando uma violenta tempestade caiu sobre o navio em que viajava.
Eram já dez horas da noite. Como o perigo aumentava a cada instante, o conde exortou, pois, os viajantes a redobrar os esforços [para estabilizar a embarcação] por mais um minuto, prometendo que a tormenta passaria logo. Ele próprio se pôs a manobrar e a trabalhar mais do que os outros. O vento parou dentro em pouco, o mar serenou e, quando o piloto perguntou a Raul porque ele lhe tinha ordenado trabalhar apenas um minuto a mais, o nobre respondeu: “Porque, a partir dessa hora, os monges e outros religiosos que meus ancestrais e eu estabelecemos em vários lugares se preparavam para cantar o Ofício. Sabendo que nesse momento eles estariam rezando, eu esperava do Céu que, graças às orações deles, cessasse a tempestade”.
Embora não falte quem julgue controvertida a autenticidade histórica de acontecimentos como este, é muito provável que as coisas se tenham passado assim como narra o autor, não havendo, portanto, nenhuma razão especial para duvidarmos de sua veracidade. Para os que não têm espírito cético nem incréu, esse é um lindíssimo episódio que indica um igualmente belo princípio da doutrina católica.
Deus, o “vértice” para o qual olham os que oram e os que se afligem
O fato nos apresenta a imagem poética de um grupo de cruzados singrando o Mediterrâneo, numa época em que os meios de navegação eram ainda tão insuficientes que atravessar esse mar constituía uma façanha náutica.
Não é difícil imaginar o aperto da situação: uma forte tempestade que sopra, a nau repleta de combatentes extenuados, alguns feridos, cheia de pesadas armas das quais não podiam se desfazer, atirando-as às águas, pois sempre havia a possibilidade de, ao abordarem em terra firme, necessitarem delas para se defender de algum ataque. É noite, uma noite escura, sinistra, o mar povoado de incógnitas, e a tormenta que uiva e cai sobre os homens, deixando-os apavorados. É uma cena que evoca em algo o episódio da tempestade no Lago de Generazé, quando os Apóstolos se tomaram de medo e foram despertar Jesus, que dormia tranquilamente na barca.
No navio dos cruzados não estava Nosso Senhor, mas “christianus alter Christus”: encontrava-se ali presente um homem de fé, o Conde Raul de Chester. Ele sabe que a gratidão dos verdadeiros religiosos jamais se desmente e que, portanto, pode contar com as orações dos monges que viviam nas numerosas abadias fundadas por seus ancestrais. Ele tem a firme confiança de que, na hora costumeira, começará o Ofício Divino rezado naqueles mosteiros. E tem a certeza de que, desde as primeiras palavras recitadas, essas preces seriam feitas também nas intenções dos nobres fundadores e dos seus descendentes. Logo, nas intenções dele, Raul de Chester, provavelmente o primogênito na linha de descendência.
Então ele pede apenas mais um minuto de atenção, mais um minuto de paciência, de perseverança. Ele luta, mas roga que esperem ainda um pouco, porque a tempestade não demoraria em amainar. A tormenta cessa, e ele diz: “Os monges começaram a recitar o Ofício”. O Mar Mediterrâneo cede.
É o poder da prece, que ignora as distâncias. Naquele tempo de primitivos meios de locomoção, era muito longo o caminho por terra que ia do Mediterrâneo à Inglaterra. Devia ser percorrido devagar, atravessando regiões habitadas por povos muito diferentes e com estradas incertas. Por isso, no episódio do qual tratamos, a extensão que se interpunha entre o cenário da tragédia iminente o mar e os locais onde a salvação devia se operar, isto é, as abadias inglesas, era bastante considerável, física e psicologicamente.
Os monges não sabiam que os descendentes de seus benfeitores estavam em perigo. Tudo os separava, exceto um traço de união, o vértice para o qual as duas partes se voltavam: Deus Nosso Senhor. Os religiosos olham para Deus, ao recitar o Ofício nas intenções de seus fundadores; os cruzados olham para Deus, ao implorar o seu onipotente socorro. Em Deus se encontram a oração daquele que pede e a necessidade do que dela carece. E a prece de uns liberta os outros.
De passagem, é interessante notar uma circunstância que confere ainda maior beleza a esse episódio. A se tomar a narração ao pé-da-letra, é provável que os monges ingleses
não estavam começando a cantar o Ofício no exato momento em que o imaginava o Conde Raul, devido à diferença dos fusos horários. Ou seja, a hora não podia ser a mesma no relógio (ou outro mecanismo para determinar o tempo) do navio e nos das abadias.
Contudo, Deus, que não se atrapalha com a ciência nem se deixa prender por esses pormenores, quis fazer jogar algo à maneira de uma coincidência de horários na realidade, inexistente e operou essa maravilha cuja narração nos enche de entusiasmo, e da qual podemos tirar algumas lições.
Prevalência da oração sobre todos os recursos humanos
A primeira delas, e a mais importante, é ficar compreendendo a prevalência da oração sobre todos os outros recursos humanos.
O Papa Leão XIII, ao redigir um de seus célebres documentos, escreveu umas frases que nunca mais me saíram do espírito. Dizia ele que, no tempo de seu pontificado, havia muitos homens que agiam para promover a causa católica, porém trabalhavam mais do que rezavam. Ora, afirmava o Pontífice, se esses homens rezassem tanto quanto agiam, obteriam eles resultados maiores do que os alcançados simplesmente pela ação. Porque o grande meio de vitória do homem é a prece. É um meio impreterível e supereminente em relação à ação: ele não a dispensa, ele a prepara e a torna fecunda.
Essa tese vem ilustrada de modo perfeito no episódio que acabamos de recordar. O Conde de Chester foi um cruzado. Atraído pela graça de Deus, ele se dirigiu até o Oriente. Ação. E uma forma de ação das mais belas e nobres, que é a luta por um ideal católico. Ele chega ao Oriente e arranca do poder dos maometanos uma cidade importante: Damieta. Êxito no seu empreendimento. Entretanto, logo se faz patente a necessidade da oração. O Conde tem a sua vida exposta a um perigo imenso, onde quase não lhe adiantaria nenhuma indústria humana: a tempestade açoitando o mar em cujas águas ele navegava de volta para casa.
Como se salvar? Oração. E a prece fervorosa assegura o regresso de Raul à terra de seus ancestrais, a preservação da sua própria vida e a dos seus bravos. Porém, muito mais do que isso, dá um exemplo de como Deus atende as nossas súplicas, e como Ele vela por aqueles que confiam na oração dos outros. Mostra-nos o dogma da Comunhão dos Santos, por assim dizer, funcionando e fazendo com que essas duas formas de heroísmo se encontrem: o heroísmo do cruzado no alto mar, e o do monge pontual na igreja de sua abadia, rezando com fé por aqueles que estão expostos a riscos.
Daí podemos deduzir como é importante nossa vida de oração, como tem um peso inestimável a reza diária do Rosário ou do Terço, e de nossas demais práticas de piedade, desde que imbuídos da certeza e da fé de que, para o êxito da causa católica, esse esforço de oração encerra um valor maior do que o próprio esforço nobre e indispensável da ação. Mesmo quando se trata de grandes guerreiros, que empreenderam feitos extraordinários e conquistaram magníficas vitórias e vantagens para a Igreja, o papel da oração ainda é preponderante. Essa é a principal nota que devemos tirar desse episódio.
Nas horas da extrema aflição, o sorriso de Nossa Senhora
Entretanto, outra lição há para se colher em tudo isso. Por que Deus permitiu que chegasse ao extremo de angústia a situação desses cruzados, para só então intervir?
Exatamente para provar a confiança n’Ele. As horas de extrema aflição são as horas da Providência, são as horas da misericórdia. O verdadeiro católico, quando sabe que tudo está perdido, reza e confia mais do que nunca, porque é a hora do sorriso de Maria Santíssima para ele, assim como o foi para aqueles valorosos guerreiros em meio à tempestade no Mediterrâneo. Quando já não havia mais esperanças nos recursos humanos, Nossa Senhora, a Estrela do Mar, interveio, libertou-os e resolveu a angustiante situação em que se encontravam.
Lembremo-nos sempre disso: nos momentos de nossas maiores provações e aflições, rezemos com redobrado fervor e confiança. Nossa Senhora não tardará em nos sorrir.
Plinio Corrêa de Oliveira
Revista Dr Plinio 36 (Março de 2001)