Resumindo toda a ordem natural em apenas dez princípios sublimíssimos, no alto do Sinai, em meio aos raios e toques de trombetas angélicas, Deus entregou as tábuas da Lei a Moisés.
Muitas pessoas queixam-se: “Oh, vida dura! Oh, vida complicada! Oh, vida difícil!” Até certo ponto — e eu diria que em larga medida — elas têm razão, porque nossa existência transcorre num vale de lágrimas. Chora-se porque se sofre.
Mas é verdade também que a vida oferece suaves e doces compensações, desde que se saiba procurá-las onde realmente estão. Assim, aprende-se a ver nela determinados aspectos que compensam sua dureza, dando-lhe um sentido e um bem-estar interior que o homem moderno não conhece.
Pela bondade de Nossa Senhora, um dos lenitivos que encontrei ao longo de minha vida foi o Tratado de Direito Natural, de Taparelli d’Azeglio
O homem: ápice e rei da criação material
Lendo tal Tratado, encontrei explicação para algo que eu nunca conseguira explicitar adequadamente: a razão de ser dos Mandamentos.
Eles me pareciam resplandecentes, fulgurantes; mas, por que razão eles se me apresentavam tão belos? Eu percebia ser lindo proceder de acordo com a Lei estabelecida por Deus, mas isto não me satisfazia. Sendo tão bonitos, era impossível não possuírem um fundamento racional, cognoscível ao homem. Qual era sua razão mais profunda? Deus poderia ter estabelecido outros Mandamentos? Terá, então, Deus agido arbitrariamente, promulgando estes e não outros?
Ora, Deus criou o Céu e a Terra; os animais, os vegetais e os minerais; os anjos e os homens. A cada um destes seres Ele deu uma natureza própria, colocando-os em movimento em perfeita colaboração com a ordem do universo.
Os animais e os vegetais, por exemplo, são de tal maneira ordenados que uns e outros se desenvolvem sem trazer dano para outras espécies. Mesmo quando uma fera devora outra — algo que até parece uma agressão selvagem —, vê-se que isto está na ordem da natureza. É a boa ordenação posta por Deus em todas as coisas.
No ápice e na realeza da Criação material Deus colocou o homem. Adão tinha de tal maneira o conhecimento e o poder sobre a natureza que, quando foi criado, todos os animais desfilaram diante dele. Imaginemos a beleza desse desfile: os animais passam e recebem de Adão o nome mais adequado segundo a sua espécie. Deus o colocou como o seu lugar-tenente, seu representante na Terra.
Estando no ápice da Criação, Adão tinha obrigação de agir de acordo com a sua própria natureza, de modo que a ordenação estabelecida pelo Criador se verificasse nele com mais perfeição do que em todas as outras criaturas visíveis.
Assim, ele atuaria conforme a natureza de todos os seres e poria em funcionamento essa imensa perfeição que vem a ser a Criação. Pacífica, tranquila, facilmente ele governaria toda a Terra, como príncipe herdeiro de Deus.
Pecado, a violação da ordem natural
Porém, Adão violou a ordem natural de relações entre o Criador e ele, cometendo o que se chama pecado. Agiu em desacordo com sua natureza criada e, sobretudo, com a natureza de Deus. Conhecendo-O e tendo d’Ele recebido inúmeras provas de bondade, Adão, entretanto, pecou contra Deus!
O que é então o pecado? É um ato de revolta contra Deus, que o homem praticou violando a ordem por Ele instituída.
Examinando então os Dez Mandamentos, numa rápida inspeção de horizontes, percebemos o que eles têm de profundo: são conseqüência da ordem natural das coisas posta por Deus.
Os Dez Mandamentos
A Lei imposta por Deus é bela e ordenada. Ela compreende dois grupos de Mandamentos: os que dizem respeito ao relacionamento do homem com Deus e os que tratam das relações dos homens entre si. Três Mandamentos pertencem ao primeiro grupo, sete ao segundo.
Quanto ao primeiro grupo, analisando-o, facilmente conclui-se sua objetividade: sendo o Criador infinitamente superior aos homens, devemos amá-Lo sobre todas as coisas, não tomar o seu Santo Nome em vão e guardar os dias a Ele consagrados; estes são exatamente os três Mandamentos que se referem ao primeiro grupo.
Analisemos alguns dos Mandamentos de ambos os grupos.
Não tomar seu Santo Nome em vão
O que quer dizer “não tomar o seu Santo Nome em vão”?
Significa nunca pronunciar o Nome de Deus, a não ser havendo uma razão à altura. Então, nunca blasfemar — é o arquétipo de tomar o Nome de Deus erradamente — nem empregar seu Nome numa conversa sem que seja razoável, porque Ele é tão supremo e sagrado, que usá-Lo sem necessidade já significa faltar-Lhe com o respeito.
Este preceito também se refere de algum modo àqueles que têm uma particular relação com o Altíssimo e, por causa disso, também às coisas sagradas as quais não podemos mencionar em vão, nem fazer brincadeiras, gracejos, porque elas participam de certa forma da dignidade de Deus.
Antes de tudo, o mais suave e santo dos nomes, usado pelo Homem-Deus: o Santíssimo Nome de Jesus! E depois, o mais doce e acessível dos nomes utilizado pela mais sublime das meras criaturas: o dulcíssimo Nome de Maria. São nomes que não podem ser empregados em vão. É preciso haver uma razão para usá-Los com respeito porque, do contrário, peca-se.
E, por conexão, também os nomes de pessoas, de instituições que merecem o devido respeito. Entre nós é costume, sempre que se fala de uma pessoa eclesiástica, mencionar o título antes de indicar o nome: Padre, Cônego, Monsenhor, Dom, Cardeal. Porque o nome da pessoa, pela função sagrada por ela exercida, se tornou tão respeitável que não deve ser usado sem o respectivo título.
É mais ou menos como numa família bem constituída: quando os filhos falam do pai, da mãe, não dizem o fulano ou a fulana, mas papai ou mamãe. E, referindo-se a um tio ou uma tia, tio Fulano ou tia Fulana, pelo respeito especial que lhes devem.
Terceiro Mandamento: Guardar os dias de festa
Acho o terceiro Mandamento uma linda coisa, uma espécie de imposto que Deus cobra dos homens. O Criador quer que o homem Lhe consagre um dia por semana, ou seja, nesse dia, não cuide de ganhar dinheiro.
O que há de Sabedoria dentro disso é verdadeiramente extraordinário! Não cuidar de ganhar dinheiro e não pensar no dinheiro que vai obter no dia seguinte. Nosso Senhor Jesus Cristo diria mais tarde: “Olhai os lírios dos campos, que não tecem nem fiam, entretanto nem Salomão em toda a sua glória se vestiu como eles!”(1)
Consideremos a bondade de Deus. Ele tira da vida limitada do homem um sétimo dia, mas precisamente isso Ele lhe dá sob a forma de repouso… É bem à maneira divina! No momento mesmo em que faz a pessoa dar-Lhe algo, Deus põe na mão dela algo muito maior do que aquilo por ela doado: é o descanso, a distensão, o dia do Senhor. Como que lhe dizendo: “Pare, reze, eleve o seu espírito.”
Quantas pessoas há que, no domingo, preocupam-se apenas em conservar sua saúde com a distensão própria deste dia!
Enquanto o Criador lhe cobra, o homem se vê inundado por um novo dom de Deus. Já imaginaram a tristeza de uma vida em que nunca houvesse domingos?
Estes são dias que vêm acompanhados de uma bênção, de qualquer coisa de festivo, fazendo com que já no sábado se comece a respirar uma atmosfera especial. E aos domingos de manhã, quando se acorda, tem-se uma impressão de certa clemência de Deus, de uma distensão: “Agora chegou a sua vez de descansar; pare, não tenha preocupações…” É a bondade de Deus pairando sobre cada ser, fazendo-lhe sentir que Ele é Pai. Quanta beleza há nisso!
É conforme a ordem natural das coisas que Deus possa cobrar do homem esse dia. Está na ordem da bondade de Deus que Ele “pague” desse modo maravilhoso o que o homem dá.
Honrar pai e mãe!
Está na natureza das coisas o seguinte: nossa alma é criada diretamente por Deus e insuflada por Ele no corpo que nossos pais geraram. A ação principal é de Deus. Nossos pais, quando nos geraram, cumpriram a intenção que está na ordem natural, tendo um filho. E se eu não posso, de nenhum modo, ofender a Deus, que criou minha alma, por uma razão menor, mas quão verdadeira, não devo ofender os meus pais que geraram meu corpo.
Lembro-me de que um livro de piedade apresenta um exemplo muito bem calculado, de um artista que esculpisse uma figura em pedra; e no momento em que a estátua estivesse concluída, ela desse uma bofetada no escultor. Este se sentiria ultrajado. É natural, pois ele é a causa da estátua. Ora, o filho é muito mais feito pelos pais do que uma estátua por um escultor. Então, “honrarás pai e mãe”.
E o pátrio poder é um padrão de todos os poderes que há na Terra, os quais, quando bem compreendidos e bem exercidos, têm algo de paterno. Quem exerce o poder deve governar paternalmente o súdito, e este precisa obedecer filialmente. Razão pela qual se deve prestar toda a honra àqueles que estão constituídos em poder. Do contrário, se transgride o Mandamento: “honrarás pai e mãe”.
Honrar pai e mãe não significa apenas obedecer, mas prestar respeito. Merecem respeito também os que estão constituídos em dignidade: o superior de uma ordem religiosa, o chefe de um exército, o reitor de uma universidade, quem dirige qualquer espécie de organização.
Não matarás!
Quinto Mandamento: Não matarás!
Quem não percebe que o homem não tem o direito de matar outro homem? Quem tira a vida de outro abusa de sua própria natureza e atenta contra a natureza do outro. Caim quando matou Abel, vendo-o morto, saiu correndo e por toda parte aonde ia, sentia o castigo de Deus pesar sobre ele. Por quê? Matou seu irmão, matou outro homem.
O homem não tem o direito de matar aquele que é semelhante a ele. Matando uma pessoa, o assassino presumiu ser o que ele não é. Além disso, cometeu outro mal: tirou a vida que está na natureza da vítima possuí-la. Se espancar um outro, o indivíduo comete um pecado que está nas encostas do “não matarás”.
Não pecar contra a castidade; não cobiçar a mulher do próximo!
Sexto e nono Mandamentos: Não pecar contra a castidade; não cobiçar a mulher do próximo.
O que é a castidade? Como se prova que ela não deve ser violada? O que isto tem a ver com a ordem natural das coisas?
A castidade tem dois graus: a matrimonial e a castidade perfeita.
A castidade matrimonial é a daqueles que contraem casamento, e desta maneira assumem o encargo de multiplicar a espécie humana e de educar os seus próprios filhos. Esta é a obrigação inerente ao casamento. A castidade perfeita é própria aos que não são casados.
Mas o fim de ter filhos traz consigo a obrigação de educá-los. Realmente a Providência dotou os pais de recursos incomparáveis para educar os seus próprios filhos. O senso psicológico das mães, por exemplo, é uma coisa extraordinária… A mãe mais analfabeta, devido a seu instinto materno, conhece regras de pedagogia que os técnicos de repartições não conhecem. Porém, a educação dos filhos somente é bem feita em conjunto, pelo pai e pela mãe. Aqueles precisam ser conduzidos pela doçura da mãe e pela severidade do pai.
Para exercerem bem essa tarefa, eles não podem separar-se. Portanto, o casamento deve ser monogâmico e indissolúvel.
Castidade perfeita até ao casamento, fidelidade conjugal são princípios contidos no “não pecarás contra a castidade”. E mais ainda no preceito especial “não cobiçarás a mulher do próximo”, que é o nono Mandamento.
O nono Mandamento, por sua vez, enfatiza um ponto: não se pode nem pensar em ter a mulher do próximo. Quer dizer, em assunto de pureza, como, aliás, em todas as matérias, não se deve nem cogitar em pecar. Quem pensa em pecar, já pecou!
Não furtarás; não cobiçaras as coisas alheias
O homem é dono de si mesmo. Sendo dono de si mesmo, ele é dono de sua capacidade de trabalho. Sendo dono de sua capacidade de trabalho, ele é dono do fruto de seu trabalho.
Se alguém, por exemplo, que se põe a vaguear por um sertão qualquer, encontra frutas pendentes de várias árvores que não pertencem a ninguém, colhe um bom número delas e faz para si uma matalotagem, ele se torna dono desta, pois é fruto de seu trabalho. Porque as frutas pendentes da árvore sem dono estão postas lá por Deus para que alguém delas se aproprie. Uma pessoa por ali passou, se apropriou e realizou trabalho, que é uma razão a mais, além dessa destinação primeira. Aquilo ficou dela porque é dona de si mesma. E ninguém tem o direito de tirar para si algo de que o outro se apropriou, pois seria um furto.
Recentemente eu estava lendo num livro de Elaine Sanceau(2) uma descrição muito divertida da chegada dos portugueses a uma ilha, onde havia índios. Para alegrar os nativos eles distribuíam gorros vermelhos. O que um índio fazia com um gorro vermelho, não compreendo… Enfim, havia outras coisas engraçadíssimas. Quando foram embora da ilha, eles colocaram uma Cruz enorme, e aos pés da Cruz as armas do rei de Portugal. Aquela terra não tinha dono, porque índio no estado selvagem tem uma capacidade de possuir limitada — o que se poderia provar numa outra longa demonstração. Chega uma nação civilizada, Portugal, e coloca ali uma Cruz: é de Jesus Cristo! E as armas de Portugal: é do rei de Portugal! É inteiramente normal. Este nosso país estava como um fruto pendente; passou por cá Pedro Álvares Cabral e o colheu… É verdade que colheu um fruto enorme… Viva Portugal!
Além de proibir o roubo, Deus ordena não cobiçarmos os bens alheios.
Por exemplo, estando diante de uma loja onde se vende água-de-colônia, e vendo aproximar-se um homem que compra um frasco, quem fica com vontade excessiva de possuir este objeto, sem ter condições financeiras para tal, e o cobiça, peca contra o décimo mandamento. Mas se ele tiver dinheiro para comprar, não comete pecado.
Quando se procede mal, então, cobiçando os bens do próximo? Quando se vê alguém ter bens que não se pode adquirir, e fica-se com raiva do próximo porque ele os tem.
Oitavo mandamento
Não levantar falso testemunho! A razão desse preceito entra pelos olhos de tal maneira que não precisamos justificá-lo. Se uma pessoa se comunica com outra, é para dizer a verdade. A voz foi dada para dizer a verdade, e a mentira é contrária à ordem natural. Portanto, deturpa a finalidade da palavra quem mente: não se pode levantar falso testemunho.
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Eis aí uma exposição abreviada sobre a relação entre a ordem natural e os Dez Mandamentos. Assim compreendemos o pensamento de Santo Agostinho: “Um Estado onde todas as pessoas observassem os Dez Mandamentos chegaria ao seu fastígio, porque a ordem da natureza feita à imagem de Deus, expressão de sua vontade, sua sabedoria, foi obedecida e tudo prospera.” v
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 17/3/1984)
Revista Dr Plinio 144 (Março de 2010)
1) Lc. 12,27
2) Elaine Sanceau. Historiadora de origem francesa, porém, nascida na Inglaterra. Em 1930 passou a residir em Portugal e lá escreveu inúmeras obras que narram as aventuras portuguesas em além-mar. (1896-1978)