Esplendor da verdade e do bem

Embora entusiasta do conhecimento meramente abstrato, Dr. Plinio afirmava ser necessário, para os seres humanos, sempre uni-lo ao conhecimento concreto. Quando o homem se põe a raciocinar sem recorrer continuamente a exemplos que, à maneira de imagens, ilustram o que está pensando, facilmente ele se perde no vácuo e chega a conclusões abstratas que são perigosas, porque nelas a realidade humana não cabe mais.

 

Vida intelectual, para quem não tem tempo de ler, só se faz com fiapos de elucubração nos interstícios da vida; é uma coisa singular, mas a pessoa martela um ponto, não consegue resolver e de repente, na hora de tomar um chá de hortelã, algo vem à cabeça: É assim!

Agora se deu isso.

O conhecimento intuitivo e a explicitação racional

Eu durante toda a vida tive um problema, que é o seguinte:

Nos círculos comuns de Filosofia escolástica, em São Paulo e outros lugares do Brasil, com quem tive contato outrora, apresentava-se a beleza com uma definição muito correta: é o esplendor do bem.

Mas o que é esplendor?

O indivíduo de espírito banal responderia logo o seguinte: “Você não sabe o que é o esplendor? É intuitivo, qualquer um sabe”.

Este é um ponto no qual alguns patrícios meus não estão de acordo comigo: eu aprecio muito o conhecimento intuitivo, mas considero uma conquista sempre que uma coisa intuitiva se explicita em termos racionais. O resto é preguiça.

Há muitos que não pensam assim e dizem: “É intuitivo, para que pensar sobre isso?” Não! Fazer penetrar a razão dentro do terreno do intuitivo, explicitar e pôr aquilo num raciocínio, se possível fulgurante, é uma coisa magnífica!

Várias vezes tenho me perguntado sobre o que é o esplendor, e não encontrei uma solução que me agradasse inteiramente. Agora, de repente, aqui conversando, não achei a solução, mas o caminho para ela. E, dialogando a respeito do caminho, acabamos por chegar à solução.

Aqui está a coisa nova: O esplendor do bem, para o homem, como é? E para o Anjo? Qual é o conceito de “pulchrum” para o Anjo e qual é esse conceito para o homem? É claro que uma coisa é reversível na outra.

Para que seja conhecimento humano, é preciso que o objeto se apresente normalmente em formas sensíveis, pelo princípio de que nada há no intelecto que não tenha antes passado pelos sentidos.

Portanto, quando uma coisa se apresenta ao homem muito esplendorosamente, mas aquele esplendor não passou pelos sentidos, ele não sossega enquanto, por uma espécie de “conversio ad phantasmata”(1), não encontra uma forma sensível de exprimir o “pulchrum” que ele concebeu do lado intelectivo.

A beleza do raciocínio

E propriamente há para o ser humano duas espécies de esplendor: um intelectivo e outro sensível. Ambos são indispensáveis. Para o Anjo é indispensável apenas o esplendor intelectivo; por exemplo, uma bela disposição de alma.

Além disso, há uma forma de “pulchrum” dotada de um esplendor próprio correspondente à parte racional, o qual se põe para o homem, à primeira vista, de um modo trivial.

Quando o indivíduo se alça a uma consideração muito elevada, sente uma espécie de esplendor de si mesmo, sem ser vaidoso. Pode facilmente tornar-se vaidoso, mas não é vaidoso de si. Ele sente uma espécie de esplendor pelo fato de ter conseguido elaborar aquele raciocínio. A beleza do raciocínio, enquanto esforço, fá-lo ver a beleza de sua alma e da operação realizada por ela. E isso é o primeiro esplendor.

O raciocínio difícil, que chega a gerar uma verdade, tem uma beleza operativa como a de um alpinista que sobe a montanha e fica encantado de ter conseguido galgar o cume. De maneira que, antes mesmo de olhar o panorama, ou enquanto o contempla, ele é alternativamente seduzido pela beleza do ato que praticou e pela pulcritude do panorama que tem diante dos olhos.

Nisso já entra uma espécie de beleza que é a pura pulcritude intelectual, quer dizer, a beleza com que o espírito vê o fulgor da operação intelectual, e que é o esplendor do bem, porque aquela operação intelectual é boa, é um bem em si, pois é reta e conforme a natureza.

Um modo de conhecer e de amar

Depois entra uma coisa mais profunda, que não é apenas operação intelectual, mas é propriamente o belo daquilo que foi pensado. São três coisas distintas: o belo sensível, o belo operativo para chegar ao resultado e o belo do objeto abstrato que se viu.

A meu ver, a mais alta semelhança com Deus não está nas coisas sensíveis, mas naquelas que o homem conhece e não são sensíveis. Estas têm uma beleza por onde, contempladas, deixam ver algo de Deus que as coisas sensíveis não conseguem; e, na ordem do criado, constituem o que mais altamente dá ao homem algo de parecido com a visão beatífica. Não é a visão beatífica, pois esta é sobrenatural, e o ato de que tratamos é natural. Mas é o ato natural que mais se parece com a visão beatífica. Razão pela qual ali se capta a maior beleza.

O que é aí beleza? É o esplendor do bem pelo qual ele é parecido com Deus. É o perceber algo que tem nexo com Deus.

Então o esplendor da verdade ou o esplendor do bem é o aparecimento — por via simbólica, quer dizer, da semelhança — de algo de análogo a Deus, e que é mais possante na concepção puramente espiritual do que na física, mas que nesta última também se deixa notar. O esplendor é a “deiformidade” da coisa que aparece.

O esplendor é essa participação enquanto vista e conhecida. Se fosse uma participação que nenhuma criatura conhecesse, não sei se ela poderia se chamar esplendor. É a beleza de Deus enquanto cognoscível pela criatura e historicamente participada.

Um equívoco que precisaríamos evitar é o de julgar que o esplendor é o único modo de conhecer, pois pode ficar a impressão de que o esplendor e a cognição são de tal maneira idênticos, que o esplendor é a única forma de cognição. Eu vejo o esplendor como uma alça, porque ele é um modo de conhecer e amar.

Ademais, tomado no sentido comum, em que é considerado como uma espécie de adjetivo e não de substantivo — e, portanto, não como subsistente por si, mas como a propriedade de algo —, o esplendor é um estado da bondade ou da verdade. Mas ele não tem uma existência em si distinta, como a bondade e a verdade têm.

A coragem em geral

Um ato moral bom pode, de vez em quando, emitir uma centelha de belo muito grande. Por exemplo, a coragem. Há um “pulchrum” próprio da coragem, que é o “pulchrum” moral em matéria de coragem. O que é o “pulchrum” aí?

O “pulchrum” — para dar a mais rasa das explicações, mas necessária para chegar até as outras — é a propriedade que tem um ato moral de se exprimir em termos estéticos, em termos de beleza para alguém, de maneira tal que psicologicamente a pessoa fica encantada com aquilo e toda a sua sensibilidade fica arrastada para aquilo. É, portanto, uma propriedade do ato moral que se reveste de aparências sensíveis, autênticas — não são falsas, são verdadeiras —, que atingem a sensibilidade e fazem a sensibilidade vibrar em uníssono com tudo quanto o raciocínio diz de meritório sobre aquilo.

Então, o que foi o esplendor aí? Foi o aparecimento no ato moral de uma certa luz, e no espírito humano de uma certa ótica, por onde a luz e a ótica se encontraram, e que deu este efeito que estou descrevendo aqui em termos psicológicos.

Há um outro aspecto da questão, que é o seguinte:

Meu espírito já conhecera intelectivamente o bom da coragem. E não só da coragem, mas daquela coragem plena, que é do general, uma coragem de alma e não apenas do corpo: é a coragem do mando, de tomar a responsabilidade, de correr o risco, de passar por derrotado, de ficar desmoralizado aos olhos dos outros, mas de enfrentar aquilo, juntamente com a coragem de arriscar a vida. É, portanto, uma coragem mais plena.

Esta coragem, intelectivamente, eu conhecia. E sabia, pelo raciocínio, ser ela meritória, porque corresponde a tais ordenações internas boas e à finalidade da ação militar, que é de fazer prevalecer o direito de uma causa ou de uma nação. Então vejo nisso uma série de coisas boas.

Mas no momento em que — pelo gesto do Condé na famosa pintura representando a batalha de Rocroi(2), por exemplo — percebi o fulgor, ao conhecer o símbolo acrescentou-se algo sensível a tudo quanto eu conhecia de modo puramente intelectivo a respeito da coragem.

É que minha inteligência, sendo de homem e não de Anjo, embora eu possa ter um conhecimento muito límpido e muito correto do que é a coragem em abstrato, se eu não tiver vários símbolos da coragem conhecidos por mim, o conhecimento humano eu não possuo, porque este supõe imagens sensíveis que eu reverta nas espirituais.

Há, portanto, um complemento de reversibilidade que é o momento no qual o indivíduo que possuía o conceito abstrato, tendo agora o fulgor, soma o fulgor ao conceito abstrato para compor a cognição inteiramente humana.

Assim, passada a batalha, o indivíduo que participou dela gostará de ver os quadros pintados, as descrições literárias — poéticas ou em prosa —, as narrações históricas, sem pretensão literária, da batalha. Assim ele verá melhor expresso coisas que ele sentia, mas não sabia dizer; e que, enquanto não sabia explicitar, não conhecia, porque o homem só conhece inteiramente o que sabe exprimir.

A coragem de Nosso Senhor Jesus Cristo

Aqui se tem o primeiro grande passo no bloco da cognição. Há um passo mais fino que é o seguinte:

Pelo próprio senso do ser, o indivíduo que assim conhece algo, feita a operação que acabo de expor, sente uma plenitude e, ao mesmo tempo, um vazio, devido à percepção de que aquilo poderia ser ainda melhor.

E nessa ideia de que aquilo poderia ser melhor, ele tem uma sede do melhor, uma admiração pelo que conheceu, a qual lhe dá mais fome de conhecer uma certa perfeição que, à medida que ele vai fazendo essa operação primeira, a noção de perfeição vai saindo da penumbra e ele vai explicitando como seria a perfeição total.

Fazendo reversibilidades de formas, de impressões, com coisas teóricas, o homem pode subir a um auge difícil de imaginar.

Por exemplo, algo que eu gostaria de fazer, se tivesse tempo: a história da coragem, com todas suas modalidades e belezas; a antologia da coragem. Se eu realizasse isso, chegaria, através de várias operações como descrevi, à ideia de uma certa coragem que não houve na natureza humana, porque é uma coragem de que Anjos seriam capazes, e não homens. Eu teria subido à trans-esfera. E, por via de hipótese, de analogia, subiria até aquilo que Deus não fez, isto é, os seres criados “ab æterno”. Então nossa cognição teria chegado, nessa matéria da coragem, ao mais alto que se pode atingir.

Eu deixo de lado um assunto supremo, divino, porque no momento não seria fácil instalá-lo com toda a adequação possível: a coragem e todas as outras virtudes de Nosso Senhor Jesus Cristo. Porque nós não podemos raciocinar como se Ele não Se tivesse feito carne e não tivesse habitado entre nós.

Mas desde já é preciso dizer que Ele foi o mais corajoso dos filhos dos homens, em certo sentido da palavra. O Redentor veio dar exemplo de certo tipo de coragem, dentro do qual está implícita toda forma de coragem com uma superação incomparável. Mas não está necessariamente com a forma de sensibilidade de que estamos tratando aqui.

De maneira que é preciso tratar o tema com muito respeito, muita reverência, muito tato, para caber bem dentro do assunto.

União entre o conhecimento abstrato e o concreto

O até aqui exposto nos oferece algumas noções de esplendor. O que é, pois, esplendor? É uma percepção — em geral, não necessariamente inesperada — muito intensa de uma beleza que se vê, quando o conceito abstrato e a forma concreta se juntam para explicar uma mesma excelência metafísica profunda. Aqui está a definição que procurávamos no começo da reunião.

Nós estamos estudando o bem e o sensível, a verdade e o sensível. Quando o bem é eminentemente bom, a verdade é eminentemente boa, e se dá essa reversão — ela existe ontologicamente —, quando esta é percebida o homem nota um esplendor.

O esplendor é uma coisa que existe na ordem concreta dos fatos, não é uma criação da vista ou imaginação do ser humano. O homem o percebe de vez em quando. Esse esplendor não é necessário à ordem angélica, mas sim à ordem humana.

A meu ver, há duas formas de esplendor. Um da linguagem corrente, ao qual nos referíamos há pouco, e que é a magnificência do “pulchrum” resultante da magnificência do “verum e do bonum”.

Mas há outro sentido da palavra esplendor, que é um esplendor, por assim dizer, didático, por onde a coisa considerada toma uma tal clareza que, de confusa que era, salta aos olhos como uma evidência, causando um efeito parecido com o esplendor, embora não o seja propriamente.

E, às vezes, quando se dá o casamento entre o conceito abstrato e a forma sensível — mesmo quando estes não dizem respeito a algo de ontologicamente esplêndido —, há uma evidência do “verum” e do “bonum” que estão ali, a qual, enquanto evidência de algo minor, se chamaria esplendor por um esticar quase ilegítimo da palavra. Uma refulgência que já não seria o esplendor, mas fruto também ela deste encontro entre o conceito abstrato e a realidade, quando se dá em coisas não excelentes. E aí se esclarece tudo perfeitamente. Portanto, o que se diz criteriologicamente esplendor, pode se afirmar também, “servatis servandis”(3), dessa refulgência didática.

Visão beatífica e Céu empíreo

A propósito disso, podemos tratar do esplendor que decorre da analogia entre coisas diversas. Uma dessas analogias, que de tão grande se tornou banal, é a que se costuma fazer entre o rei e o Sol. Ambos os conceitos se revertem. Pode-se dizer que o Sol nos ajuda a compreender um rei e que, reversivelmente, a imagem do rei ajuda-nos a entender a relação que o Sol tem com outras realidades.

Há nisso uma reversibilidade que emite uma beleza própria. E quanto mais ousado o salto entre uma criatura e outra, maior é a beleza do fulgor que transparece.

No que, por exemplo, o “verum” ou o “bonum” da situação do rei se transplanta para o “pulchrum”? As relações humanas não são capazes de agradar os sentidos como certas outras criaturas. De maneira que um tratado que nos faça ver qual é o papel da realeza num país, pode mostrar-nos o “verum” e o “bonum” presentes na realeza. Mas se o indivíduo, pela primeira vez, vê uma comparação com o Sol capaz de fazer entender bem o “pulchrum” da realeza, neste “pulchrum” ele compreende melhor o “verum” e o “bonum”. Assim, de fato, a imagem do Sol dá o esplendor da verdade e o esplendor da bondade.

Quando o homem se põe a raciocinar, sem se fazer acompanhar continuamente por algo à maneira de imagens daquilo que está pensando, facilmente se perde no vácuo e sai para conclusões abstratas que são perigosas, porque nelas a realidade boa e cotidiana, humana, não cabe mais.

Ele envereda, então, por uma espécie de pseudo-angélico, a respeito do qual há em mim um pavor e uma preocupação constante de me apoiar no real, que constitui uma segunda natureza, por hábito. É uma “bengala” sem a qual não dou um passo.

Por isso, parece-me que raciocinar sem estar relacionando toda ideia abstrata com o concreto, o tempo inteiro, não se obtém, de fato, o equilíbrio.

Só depois de encontrarmos com segurança o caminho, será bom fazermos, tanto quanto possível, também a exposição em termos meramente metafísicos.

Na cognição humana há algo por onde ela é incompleta. Não à maneira de um aleijado, nem por causa do pecado original, mas por ser o homem um composto de corpo e alma, apenas por isso. De sorte que, por um lado, o homem sacia o espírito na Metafísica e, por outro, no próprio campo da Metafísica ele precisa de uma complementação não metafísica para compreender bem a coisa.

Por vezes, a condição de contingência é apresentada quase como enfermiça e dolorosa, como um pecado original, com a insinuação de que quando o indivíduo vir Deus face a face, no Céu, seu espírito, na ordem natural, se retifica e torna-se um espírito de Anjo.

Ora, nada disso é verdade.

Sem dúvida, Deus pode revelar-Se diretamente ao espírito, ao conhecimento do homem, com plenitude e perfeição; e o fará na visão beatífica. Mas esta é uma operação sobrenatural na nossa mente, a qual, por sua natureza, continua incapaz.

Surge, assim, com muita propriedade, a ideia do Céu empíreo, com todas as suas delícias, para satisfazer a nossa mente, como esta é naturalmente, para ela não ter apenas um deleite sobrenatural — de fato imensamente superior ao natural —, mas possuir também o deleite natural que o acompanhe.

Daí a necessidade de uma cultura terrena como complemento da instrução religiosa nesta Terra; e da sociedade temporal acolitando a sociedade espiritual, para uma missão de alunos que explicam para outros alunos a aula do professor.

Assim a sociedade temporal, que é discente, explica o “verbo” da Igreja para os componentes da sociedade temporal, utilizando-se das metáforas da natureza.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 29/2/1984)

Revista Dr Plinio (Março de 2014)

 

1) Do latim: volta às representações imaginárias. Refere-se à doutrina de São Tomás de Aquino, segundo a qual o ser humano necessita reportar-se ao sensível para adquirir o pleno conhecimento (cf. S. Th. I, q. 86, a. 1).

2) Em 19 de maio de 1643. Combate no qual o exército francês, liderado pelo Duque d’Enghien (futuro Príncipe de Condé) derrotou as tropas espanholas.

3) Do latim: conservadas as coisas que devem ser conservadas.

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