Ele era um pequeno funcionário público de Lourdes. E também um cético diante das recentes aparições da Santíssima Virgem que, naqueles idos de 1858, vinham comovendo essa cidade dos Pireneus. Contudo, movido pela curiosidade, decidiu comparecer certo dia à gruta de Massabielle, nos arredores de Lourdes, no momento em que a Mãe de Deus entabulava mais um colóquio com a camponesa Bernadette Soubirous.
A partir de então, a existência do incrédulo personagem mudaria para sempre, conforme ele próprio testemunhou: Após assistir à cena, senti-me como saído de um sonho, e me afastei da gruta. Não conseguia voltar a mim e um mundo de pensamentos agitava-se em minha alma. A Senhora do rochedo ocultava-se bem, mas eu percebera sua presença, e estava convencido de que seu olhar maternal voltara-se para mim. Oh! hora solene de minha vida! Perturbava-me até o delírio pensando que eu, o homem das ironias e das presunções, fosse admitido a ocupar um lugar perto da Rainha do Céu!
Para Dr. Plinio, a história dessa tocante conversão era eloquente motivo para se crescer em confiança na insondável misericórdia de Maria Santíssima. E comentava: “Esse homem teve noção de que realmente existia a pessoa com quem Santa Bernardette conversava. Portanto, aquela visão não podia ser uma abstração, nem era uma fantasia. A camponesa dialogava com alguém, e o seu modo de agir nessa circunstância possuía todas as características objetivas de uma interlocutora. Donde ser inegável a autenticidade da cena. O fato de ter presenciado este diálogo diretamente, o comoveu e o levou à conversão. Ele não viu Nossa Senhora, porém pelas atitudes de Santa Bernadette soube que a Rainha do Céu ali se encontrava.
“Analisemos a situação de alma desse homem. Sentia-se, ao mesmo tempo, humilhado e pasmo, pois não podia crer que ele, cético, havia sido tão bem tratado por Nossa Senhora e transformar-se no objeto de um milagre gratuito alcançado por Ela em seu favor. De nenhum modo merecia ter essa espécie de visão indireta da aparição, e menos ainda receber aquela inestimável graça concedida pelas mãos de Maria. E entretanto, pelo simples reverberar da presença d’Ela sobre a figura de Santa Bernadette, a Virgem tocou sua alma e venceu todos os seus orgulhos, fazendo-o pensar: ‘É espantoso! Eu, até há pouco tão ruim, tão pretensioso, tão miserável, o menos indicado a obter tamanha dádiva, contra todas as expectativas a recebo. Como é misericordiosa a graça que bate em portas tão conspurcadas, e de forma tal que a porta quase não pode recusar-se a abrir!’
“A obra maravilhosa que a graça realizou na alma desse homem foi precursora dos esplendores que a mesma graça operaria em milhares de almas que passariam por Lourdes e ali seriam tocadas pelo milagre. E em tantas outras que, embora achando-se distante da gruta de Massabielle, converter-se-iam ao ouvirem as descrições dos milagres. O dom extraordinário concedido àquele cético foi como a primeira gota de uma verdadeira inundação de graças que viria para o mundo, a partir do dia 11 de fevereiro de 1858, quando Nossa Senhora apareceu pela primeira vez a Santa Bernadette.
“Desse fato devemos colher um importante fruto. Se tomarmos em consideração que, em favor de um incrédulo, Nossa Senhora alcançou graça tão insigne, dádiva muito maior obterá Ela para aqueles que perseveram na Fé. E, portanto, podemos esperar com inteira confiança e devoção que Ela nos consiga de seu Divino Filho graças superlativas, de modo particular na festa de Nossa Senhora de Lourdes. Razão pela qual me parece assaz conveniente que, nessa data mariana, nos ajoelhemos aos pés de uma imagem d’Ela e Lhe supliquemos, com entranhado fervor, as graças de que mais necessitamos, quer para nossa vida espiritual como para remediar nossas dificuldades temporais.”
Plinio Corrêa de Oliveira
Revista Dr Plinio (Fevereiro de 2007)