Tibre, o velho rio Tibre, corre suavemente por uma das mais pitorescas zonas da Cidade Eterna. Em suas águas tranquilas, deixa refletir os arcos de uma robusta ponte e a silhueta de uma construção monumental, conferindo particular beleza a esse cenário romano.
A ponte, de linhas fortes e traçado muito lógico, foi feita para resistir às vicissitudes e desgastes dos séculos. Nas margens onde ela toca cresce uma vegetação nascida ao léu, com um certo espontâneo e desordenado que a tornam ainda mais atraente. Ao longo de suas balaustradas se erguem, em intervalos regulares, imagens de santos e de anjos, diante das quais os fiéis costumam rezar, enquanto se dirigem para aquele grande edifício que se espelha no Tibre. Esses peregrinos vão visitar o Castelo Sant’Angelo.
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Os antigos imperadores romanos, pagãos, tinham o hábito de preparar monumentos nos quais deveriam ser enterrados. Por suas características arquitetônicas, esses mausoléus procuravam imortalizar o César ali sepultado.
Mais que um túmulo, era uma glorificação à memória do homem que, por tempo maior ou menor, governara os destinos de Roma e de seus vastos domínios. Um desses perpetuados foi o imperador Adriano, cujos restos mortais descansariam para sempre no monumento que ele mandou construir, próximo às plácidas águas tiberinas.
Na época imperial chamava-se “Mole Adriana”, nome bastante adequado se considerarmos tratar-se de um edifício de grandes e sólidas proporções. De diâmetro colossal, ele impressiona pelo sério, pelo compacto, pelo imenso. É uma afirmação do poder quantitativo, qualitativo e ordenativo de Roma, bem como de seu incontestável domínio sobre extensa parcela do mundo.
Porém, com o passar dos séculos, os ossos desse Adriano se desfizeram e dele nada sobrou. A história não o celebra, apenas o registra, porque ainda permaneceu de pé seu imponente mausoléu. E metida a cidade de Roma nas contínuas guerrilhas e guerras da Idade Média, esse túmulo começou a ser utilizado para finalidades diversas, transformando-se numa importante fortaleza. Seu papel defensivo pode ser notado até hoje, por quem visita a sede do Papado e a Basílica de São Pedro. Visto de fora o Palácio do Vaticano, nota-se em determinado ponto um cor- redor todo coberto, construído sobre arcadas que, mais adiante, atravessam o Tibre e se emendam na antiga Mole Adriana, agora Castelo Sant’Angelo. De maneira que, sentindo-se ameaçado, o Sumo Pontífice podia facilmente escapar por esse corredor e se refugiar entre os robustos muros do velho monumento. Era a suprema defesa do Vigário de Cristo.
Cessados os períodos de convulsões e saques a que se expunha a Cidade Eterna, o Castelo Sant’Angelo passou a ser outro lugar de descanso e recolhimento, à disposição do Papa.
E assim, como tantas outras construções de passadas eras, esse monumento de um imperador pagão foi incorporado às tradições e aos valores cristãos, tornando-se mais um símbolo das grandezas da Igreja.
No alto desse gigantesco castelo paira, sobranceira e protetora, a imagem de São Miguel Arcanjo. Ela é quem deu o novo nome ao antigo túmulo imperial.
Narram as crônicas que, durante a Idade Média, devastadora epidemia se alastrou por Roma, ceifando incontáveis vidas.
Compadecido e angustiado diante de tanta calamidade, o Soberano Pontífice ordenou que se fizessem procissões em toda a cidade, a fim de se alcançar dos Céus o fim daquele inclemente flagelo.
E suas preces foram atendidas. Pouco depois, como sinal da misericórdia divina, viu-se o gladífero Arcanjo pairar sobre a Mole Adriana, numa atitude de quem conjurava a peste.
Roma voltou à vida. E, desde então, a glória de um imperador em pó transformou-se em escabelo para o Príncipe da Milícia Celeste…
Plinio Corrêa de Oliveira