Castelo de La Brède, beleza e encanto

Força e placidez, longe de se excluírem, harmonizam-se perfeitamente nesta construção iniciada no século XIV, a respeito da qual Dr. Plinio tece interessantes comentários.

 

Vamos fazer uma exposição de alguma coisa da Europa, que desperte o senso do maravilhoso, do admirável, do estupendo, do esplêndido, porque a apetência das coisas maravilhosas é um elemento fundamental para o desenvolvimento de uma verdadeira civilização, desde que esse maravilhoso seja reto e bom.

Pequena fortaleza maravilhosa

Temos aqui uma espécie de micro-maravilhoso, cuja maravilha consiste precisamente em ser micro. Trata-se de um pequeno castelo francês, não de grande luxo. É uma habitação comum, mas que possui as proporções de um castelo. E tem uma certa importância histórica porque é o chamado Castelo de La Brède, aonde morou  o malfazejo e célebre Montesquieu(1). Está situado na Gironde, nas proximidades de Bordeaux.

Para compreendermos a arquitetura um pouco singular do castelo, nota-se que ele se compõe de um corpo grande e, junto dele, outras construções menores.

O castelo possui um sistema de defesa na hipótese de um ataque. Pelo traçado do lago, percebe-se que ele é artificial, ou natural, mas que foi muito retificado em seus contornos, para que pudesse ser utilizado de fosso para o castelo. Todas as janelas do castelo ficam a uma considerável altura da superfície das águas. De maneira que ao se encostar um barco com homens armados, estes facilmente podem ser atingidos pelos defensores postados nas janelas mais altas. E o ataque direto ao castelo, para quem queira atingi-lo por água, fica difícil.

Então o recurso é atacá-lo por terra, tentando entrar pela porta, mas encontrarão várias dificuldades, pois é uma verdadeira fortaleza. Suspendendo-se a ponte levadiça, a porta é quase inacessível.

Uma moldura de irrealidade

Pode-se dizer que é um castelo estritamente funcional, porque todas as suas partes foram calculadas para uma determinada função militar muito definida. Apesar de ele ser estritamente funcional, não lhe faltam uma grande beleza e um grande encanto. E isso não obstante o fato de se tratar de uma construção pobre.

De onde vem essa beleza e esse encanto? Qual é o valor artístico desse castelo, construído manifestamente com a preocupação principal de ser uma fortaleza e não um bonito edifício?

Tenho a impressão de que o primeiro elemento de beleza é dado pelas águas. Tudo o que fica à beira da água sobe de valor. Se imaginássemos esse castelo colocado no meio do campo, ele perderia enormemente. Mas a água lhe dá uma moldura de irrealidade. O céu e diversos aspectos do castelo nela se refletem, e com esta proximidade da água toda a arquitetura se nobilita. Há um modo digno e plácido do castelo dominar a água que lhe dá uma espécie de distinção aristocrática tranquila. E por esta forma o castelo sai da linha do vulgar.

De outro lado, o que é bonito nele é o contorno da ilha. Se bem que não seja um contorno regular, há uma espécie de suavidade, de inopinado, de doçura nessa forma. E o que o telhado tem de um pouco achatado é vantajosamente compensado pelas torres que de um lado e de outro se levantam.

A principal das torres parece dominar todo o castelo com a sua massa; depois há outras menores que fazem cortejo a ela e um telhado que dá a impressão de ser da capela do castelo, encastoada no corpo da construção.

Fica-se agradavelmente surpreendido por essas formas tão diferentes. Há uma torre que tem um quê de indefinivelmente digno e plácido, apesar de seu ar de fortificação. Essa torre é flanqueada por duas outras torres menores, que lhe dão como que um apoio, e se perde nas águas distanciadas do resto. E muito inopinadamente existe um quadrilátero, realçado por uma espécie de arbusto no centro de um grande gramado verde, com a beleza dos gramados europeus.

Harmonia entre nobreza e povo

O conjunto dá um ar simultâneo de calma, dignidade, altaneria, distinção, harmonia, mas ao mesmo tempo de fantasia com esses corpos de edifício que distraem a vista e agradavelmente fixam o olhar sobre a massa do edifício e o lago. É o charme, o encanto do pequeno castelo e da vida da pequena nobreza já mais próxima ao povo. Nobreza que existe na familiaridade dos homens do trabalho manual, e que constitui o ponto de apoio da verdadeira aristocracia na massa da nação. Nobreza que conseguiu, em algumas regiões da França, levantar os camponeses contra a Revolução Francesa e produzir a “chouannerie”(2). E esse tipo de castelo exprime isso.

De que gênero era a vida que aqui se levava?

Em geral, as famílias desse tipo eram numerosas. O filho mais velho ficava habitando no castelo e exercia ao mesmo tempo alguns poderes governativos sobre seus súditos, e como o castelo era a sede de uma propriedade rural grande, ele se dedicava à exploração da agricultura e da criação. Isso é um resto de feudalismo, que é o regime político, social e econômico no qual esse tipo de construção foi concebido.

Um nobre dessa categoria, de vez em quando, frequentava a corte real, aonde, conforme o protocolo, ele tinha um lugar, embora modesto, mas definido em razão de sua posição e de seu nascimento. Em geral, a sua vida era pacífica. Quando moço, ele servia no exército e, tornando-se um pouco mais maduro, se retirava para as suas terras e entregava-se no resto de sua vida à agricultura, à criação, a esse pequeno governo local, à educação de seus filhos, ao convívio com sua esposa e, de vez em quando, ia ver o rei em Paris. Era essa a vida calma e operosa de um castelão desses tempos.  v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência  de 4/9/1967)

 

1) Charles de Montesquieu (1689-1755), um dos principais teóricos do liberalismo político; cujas ideias influenciaram diversos líderes da Revolução Francesa.

2) Movimento armado, de Jean Chouan e seus seguidores camponeses, que se opôs heroicamente à Revolução Francesa.

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