Discernindo a harmonia e a afabilidade nos contrastes geográficos mais surpreendentes, Dr. Plinio apresenta duas fisionomias do Brasil, pouco ressaltadas nos discursos patrióticos, e que nos apresentam uma síntese a respeito deste imenso país, tão rico em variedades.
Há um contraste entre a fisionomia espiritual, psicológica, do Brasil marítimo e do Brasil do interior. Quando se presta atenção, nota-se que isto forma dois Brasis diferentes.
A peleja harmoniosa entre as ondas do mar e os rochedos
Um Brasil claro, luminoso, diáfano, branco, cristalino, refulgente com todas as luzes do mar, cujas ondas investem continuamente contra os grandes rochedos. Mas, quando bate no rochedo, a onda se espatifa e dir-se-ia que sorri antes de cair; e o rochedo, ao receber o golpe da onda, parece condescendente com ele.
É uma peleja, mas que peleja! E quanta harmonia nessa peleja! A muralha de pedra resiste, mas quando a onda se esvai, dir-se-ia que aquela tem saudades da maré montante. A muralha fica esperando outra maré e outros impactos.
É algo que precisa ser visto! Essas águas que se movem, mas não chacoalham; essa espécie de doçura dentro da natural e digna ferocidade do mar, de força dentro da doçura do ambiente; a vegetação discreta de fundo de quadro, que timbra em não ser muito grande e não chamar muita atenção — apenas uma moldura verde em torno do panorama para completar o quadro —, e deixando ao mar as honras da sala.
Tudo está feito de modo especial, ao longo de todos os litorais brasileiros que tenho visto. Lembro-me, no Rio, da mata da Tijuca, por exemplo. Que mata linda, encantadora, suave! Que mata que sorri! Acho que é o único matagal sorridente existente no mundo. Na cascata da Tijuca, a água vem deslizando ao longo da pedra… Dir-se-ia os babados de uma cortina! Dali pode-se ver, a certa distância, o mar e a mata, amiga do mar, constituindo com este um só panorama. Pensamos um pouco e dizemos: Brasil!
Serranias majestosas, imponentes, mas afáveis
Como isto é diferente do interior do Brasil! Vastidões enormes, do tempo em que elas me entraram na retina, quando eram ainda desocupadas. Às vezes, planícies e mais planícies a perder de vista, com uma vegetação bastante grande para atestar a fecundidade da terra, mas não tão grande que tolhesse a expansão da vista. Não há um lugar onde não haja o verde em qualquer canto. Tudo dá; tudo corresponde à descrição de Pero Vaz de Caminha: “Senhor, a terra é dadivosa e boa, em se plantando dá”! Porque isso significa futuro indefinido e sem obstáculos. De repente umas montanhas que encrespam, serranias que crescem, se tornam majestosas, imponentes, nem uma vez ameaçadoras, sempre afáveis, amáveis.
Consideremos uma montanha original, a qual todos que estão neste auditório conhecem pelo menos por fotografia, se não viram pessoalmente: o Dedo de Deus, na estrada de Teresópolis, meio irmão do Pão de Açúcar, só que colocado a caminho da região montanhosa. Ele é tudo, mas não arrogante nem ameaçador; não diz a nenhum monte vizinho: “Por que você não chegou até onde estou?” Não empurra o mar com o pé, nem despreza a floresta. Ele se ergue no meio da floresta, como um jato de seriedade e de alegria. Assim é em geral a serrania brasileira.
Sobrevoei todo o Estado de Minas Gerais, quase de ponta a ponta; Estado de minério e, portanto, muitas vezes com metal no subsolo — a terra é pouco fértil. E acompanhei aquelas ondulações a perder de vista, que caracterizam certa zona do Estado de Minas Gerais. Era dia claro, o sol incidia no solo e eu, num avião particular que me levava, olhava para aquilo com atenção e pensava: “Mas que panoramas! Que cenas bíblicas poder-se-iam ter dado nessas serranias! Que revelações, que acontecimentos, que milagres! Para que foi feito tudo isto?”
Os homens veem o tesouro que isso contém por debaixo, e contam com isto. Está bem, porque lhes foi guardado aí por Deus. Por que eles não veem o tesouro ainda maior, o valor simbólico, a expressão de alma de tudo isto? A única ideia deles é rasgar o solo para tirar o metal que contém. Está bem, digo mais uma vez, mas não está bem que seja só isso. É possível que algum comentador mineiro tenha cantado isto, tenha feito poesias. Não chegou ao meu conhecimento! Portanto, posso dizer, sem presunção, que não é conhecido pela média dos brasileiros. É um valor que deveria estar ao alcance de todos os brasileiros.
A treva verde
Vi alguns matagais. Como são belos! Mas dir-se-ia que a vegetação é tão exuberante que ela procura fugir de dentro da terra; que as árvores estão sem ar e sem espaço para se desenvolver; que elas lutam umas com as outras; que a luz não consegue entrar e há uma treva verde ali, a qual lateja no meio de miasmas, pantanais, madeiras podres, de cobras que silvam, de bichos esquisitos que correm de um lado para outro. De vez em quando, pássaros voam daqui para lá, se fazem ver num raio de sol e de repente fogem para outro rumo.
A pessoa observa aquilo e diz: “Como é verdade que às vezes o deslumbrante, o feérico acompanha o horror!” É uma dura regra da ordem concreta dos fatos. Ali há uma coisa que pulsa, se esconde, ameaça ciladas, e dentro desse bojo parecem saltar agressões; é inimigo da luz e favorável às trevas.
Aquele acúmulo de restos animais e vegetais de séculos e séculos… Se não aconteceu que uma tribo de velozes índios passou de um lado para outro, numa espécie de terrorismo mútuo, tribo contra tribo numa guerra sem fim…; o que foi a desdita daqueles homens, engaiolados dentro dessa treva verde? O que fez com que isso tenha pulsado assim durante tanto tempo e, sob o olhar de Deus, parecia não se mover?
O bandeirante, o missionário, o agricultor
Em certo sentido, o melhor da História da Nação se passou na mata, com o bandeirante, o missionário, o agricultor que se fixa e vai avançando selva adentro, domesticando a natureza, pondo ordem nas coisas, dando fertilidade ao solo. As missões e as bandeiras conquistaram, sem guerra, um território maior do que Napoleão dominou com guerras. Basta pegar um mapa e ver o que Napoleão conquistou, e depois observar o que obtiveram os homens aqui, andando dentro do horror verde, com uma força de impacto não inferior à dos navegadores portugueses.
Quando se pensa no que restou da conquista dos grandes navegadores — tais como Vasco da Gama, Afonso de Albuquerque — e no que sobrou da conquista dos desbravadores, que diferença!
Não se trata apenas de perguntar quem conquistou tanto, mas quem fez uma conquista tão durável. Qual foi o inimigo desses desbravadores? Conforme acabo de descrever, foi o escuro, a podridão, a agressão, o disfarce, a vegetação tão espessa que — exagerando um tanto — era uma montanha vegetal para ir abatendo, a fim de prosseguir. Quantas e quantas vezes a picada tomava as características de um túnel dentro da vegetação! Era preciso perfurar esse túnel, no tempo em que o mundo quase não conhecia túneis, e ali foi traçada esta enorme fronteira, que todos conhecem. Isto foi uma grande conquista, com a qual se fez uma História que deve prosseguir.
Temos aí dois aspectos do Brasil, que não vejo serem realçados em geral nos discursos patrióticos, com esses matizes e essas circunstâncias. Mas que a mim me satisfazem, não por ser a minha pátria, mas porque é uma tradução, uma expressão fiel da realidade; e toda expressão da realidade encanta quem é filho da luz, de maneira que isso me encanta.
Vejam a diferença entre essas duas fisionomias! A praia fácil, na qual se poderia fazer uma estrada… E se tomarmos a força da serrania e a coordenarmos com a suavidade das praias, o glorioso da luta contra a vegetação e a pujança da natureza, temos uma síntese que nos pode dar uma ideia daquilo que é o Brasil.
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 9/5/1981)